CapÃtulo 44
Capitulo 44 linha tenue - Fernanda
Que dia cansativo e longo, e ainda são 15 horas. Deixei a Caroline lá no restaurante, em frente ao hospital, ela, o celular, a feijoada e os exames. Eu mandei ela ir fazer essa tomografia ontem, logo que foi liberada. Não quis ir, foi hoje e claro que iria dar merd*, fígado com vazamento e o rosto quebrado, literalmente.
Logo pela manhã passamos na clínica dela e do Lucas, o lugar era bem a carinha dela, claro, organizado, limpo, mas aquele ROdrigo, o colega dela me deixou tão pra baixo. Depois disso o dia foi massacrante.
Eu não aguentei a Christiane ligar o tempo todo para a Carol e ela não dar um basta. A sensação que eu tenho é que a Carol de alguma maneira alimenta isso. Eu teria dado um corte a tanto tempo, de modo tão abrupto. No final de tudo, eu estava tão chateada, cansada e irritada que peguei o carro e voltei pro hotel para que eu não brigasse mais com ela.
Gosto muito da Carol, mesmo. Ela foi a melhor coisa que me aconteceu nos últimos anos, mas eu não vou ficar me estressando por causa de ex, de passado. Tenho consciência de que ela voltou para o Brasil para resolver isso, mas parece que não quer resolver, que apenas quer ficar postergando, prolongando. Acho que na real eu que não devo estar bem, é esse calor do Brasil, o estresse dos últimos dias, não sei.
Encostei o carro na recepção do hotel e desci, entreguei a chave ao manobrista e subi direto pro meu quarto. Essa não é minha casa, mas nada como chegar aqui, e olhar essa cama maravilhosa. Não paro de pensar na Carol, mas não dava para eu continuar lá com ela, preciso descansar um pouquinho meus pensamentos. Desde que vim de Portugal pra cá, por causa do sequestro, ainda não parei para descansar, cuidar um pouco de mim.
Liguei o ar condicionado, no último, o mais gelado que consegui. Apesar que o mais gelado que der não passa nem perto do clima de Urros, mas tudo bem, vai dar uma aliviada. Liguei na recepção e pedi para recolherem minha roupa para lavar, já que ainda estou com uma calça só e duas camisas. Eu ia passar em uma loja de roupas com a Carol depois de tudo, mas não deu.
Quando peguei meu celular, tinha mil coisas para eu ver. Mensagem da Marcela, do Lucas e uma que me chamou a atenção, da Milena. Nem sabia que ela tinha meu numero de celular. MAs vamos por partes, eu primeiro.
Terei a roupa e coloquei em uma sacola identificada, na porta do quarto, pronto para algum funcionário pegar. O passo seguinte foi ligar na recepção mais uma vez e pedir um lanche, com um suco. A feijoada devia estar muito boa, pelo menos as 2 ou 3 colheradas que comi estavam, mas fiquei com tanta raiva daquele celular tocando que não consegui comer, estou morrendo de fome.
Entrei rapidamente no chuveiro, mais pra deixar cair uma água no corpo. São Paulo é muito quente e abafado, eu estou destruída de ficar aqui. Me desacostumei desse mormaço depois de tantos anos vivendo em Portugal. A água batia no corpo leve, me acalmando, como se me protegesse de alguma maneira. Quando terminei o banho, me vesti com o roupão do hotel mesmo e sentei na cama com o celular, enquanto a comida não chegava.
Fui vendo e respondendo as mensagens por ordem de prioridade. A primeira conversa que eu abri foi a da Marcela, a final estamos em um momento crítico, a finalização da maternidade está deixando todos de cabelos em pé, e eu aqui longe, sem poder ajudar muito. A mensagem dela foi breve, pedindo para eu retornar para ela assim que possível, que era algo importante. Claro que eu vou retornar, mas não exatamente agora, pelo fuso horário já passa da meia noite lá.
A conversa seguinte é a do Lucas. Assim que eu vi o nome dele soube que teria algo a ver com a Carol, claro, eles são irmãos. Dito e feito, a mensagem era: Fe, tudo bem? Como vão as coisas por aí? Não falei com a Carol ainda, como ela está? Conseguiu convencer ela de ir fazer uma tomografia? Abraços.
Eu não tenho irmãos, o que tive eu nem conheci, morreu quando enquanto eu me drogava no Brasil, então não tenho ideia do que seja amor de irmãos. Mas a todo momento, desde que conheci o Lucas e a forma como ele cuida da Carol, achei muito bonito essa forma de cuidado entre eles. Pude ver o Lucas perdido por ter a irmã sequestrada e toda ação que ele teve, em assumir tudo, para fazer o máximo pela irmã dele. Em respeito a isso e pelo carinho que tenho dele, respondi a mensagem: Lucas, tudo bem cara? Então, por aqui vai indo aos poucos. A Carol está um pouquinho mais calma, mas ainda bem assustada com tudo. Consegui convencer ela a ir hoje fazer a tomografia. Deu líquido livre em loja hepática, mas não muito e fratura no osso do olho (zigomático). Ela ficou no hospital esperando um colega cirurgião dela, para ver o caso. Depois ela vai na delegacia, dar um depoimento. A noite vamos comer em uma cantina italiana que ela fala, quer ir? Acho que ela iria gostar bastante de te ver, o Bruno junto. Pensa e me fala depois. Abraços.
Caraca, como eu sou idiota, eu tinha esquecido que ela está assustada para andar na rua. Deixei ela sozinha e não me lembrei disso. Apesar que no decorrer da manhã ela estava mais calma, mais leve, mas pode ser porque eu estava junto. De todo modo, não vou me culpar, eu não estava conseguindo ficar lá, preferi vir embora que discutir de novo com a Carol.
O Lucas respondeu a mensagem: Putz, se teve fratura, provável que tenha que fazer uma microcirurgia para fixar, mas vamos esperar ela dar um retorno. Você vai com ela na delegacia? Ah, sei que cantina é, é a do Giovanni, fica perto da República, anhangabaú. Podemos ir sim, o Bruno não para de perguntar da tia dele. Vou ver com ela o horário e te dou um retorno depois. Você vai né?!
- Vou sim Lu, não conheço o lugar, mas ela fala tanto que deve ser gostoso. Ela convidou a Clara para ir junto. Acho que marcou com ela umas 19h, mas como ficou no hospital para resolver as coisas, eu não sei se vai manter esse horário, melhor conversar com ela mesmo, aí combinam certinho. - respondi a mensagem dele. Logo em seguida ele mandou mais uma mensagem.
- O lugar é bem gostoso mesmo, com uma música ao fundo. A Carol adora lá. Tudo bem, vejo com ela. E você Fe, como está? Sei que está carregando a Carol com você, cuidando dela, e isso não é fácil. Ainda mais que se conheço minha irmã cabeça dura, deve estar toda quebrada. tentando se manter firme. Cuida dela, mas não deixa ela gastar você toda ok?! Se precisar conversar comigo em algum momento, só me chamar. Eu sei o quanto é cansativo cuidar dela as vezes hahahaha
- Lu, eu estou segurando as pontas. Peguei ela hoje pela manhã dormindo na academia. Foi correr a noite, para se distrair. Pensa na merd*. Não é nem isso que me cansa, cuidar dela é tranquilo. Fui hoje cedo com ela na advogada, pedir o divorcio. Depois disso a Christiane ficou ligando pra ela o dia todo, parece que ela não consegue dar um basta, é mais isso que está me cansando. Você nem tem nada a ver com isso, desculpa te incomodar.
- Não é incomodo não Fer, imagino como deve ser cansativo. Mas posso te dizer que se ela pediu o divórcio ( finalmente !!!!) é porque está decidida a seguir em frente. A Carol não dá ponto sem nó não, sempre sabe o que faz. A louca da Christiane deve ter percebido que perdeu a Carol e que pode perder muito mais coisas, por isso deve estar ligando. Estou fazendo suposições na verdade. Tenta nem se estressar com isso! Sério. É algo momentâneo, quando perceber, já vai estar em Portugal com a minha irmã. E falo isso de boa, quero ver ela feliz, e a maneira como ela fala de você, mostra que tem felicidade em Portugal, ao seu lado. Não se estressa mesmo.
- Sim, estou tentando não me estressar, mas bate um ciúmes pesado de ver ela no celular com a outra. A christiane é um carrapato, está presente em tudo. Isso me incomoda.
- Fe, não estou defendendo a Carol, entenda isso. Mas vale pensar que elas tiveram uma vida de anos juntas, não deve ser fácil quebrar todas essas ligações assim, de uma hora pra outra. Mas cara, na boa, nunca pensei que esse dia fosse chegar, só de saber que a besta da minha irmã pediu o divórcio, já vale um bom vinho do Gigio. Nem se estressa com isso Fe, mesmo. É quase que um mal necessário.
- Sim, Lu. Vou tentar ficar calma, e não deixar o ciúmes falar por mim. Obrigada pela conversa. Nos vemos a noite então Bjoo. ;)
Aproveitei que eu estava com o celular na mão e mandei mensagem para a Caroline. - Amor, cheguei no hotel. Conseguiu falar com o cirurgião, está tudo bem por aí? - A comida finalmente chegou, acompanhada de uma cerveja bem gelada. Nada melhor que uma bela cerveja gelada pra tomar no Brasil, e mais ainda no calor do Brasil. Onde eu moro não temos muitas opções de bebida, o que realmente temos é vinho, de todas as caras, gostos e sabores. Bebi a cerveja quase que em um único gole, o gelado refrescou meu corpo. Enquanto comia o lanche que eu pedi, peguei meu celular novamente. Estou curiosa com a mensagem que a Milena me enviou.
- Fefa, como estás? Fiquei com saudades de você e pensei em passar na sua casa para conversarmos. Mas não te encontrastes em Urros. Beijos. - Comentários a se fazer, primeiro, que mensagem sem pé e sem cabeça, dois quem é a Milena na fila do pão?! Não dei um corte nela dá ultima vez que nos vimos, la em Maçores? Não vou nem responder essa mensagem. Tá vendo, não é difícil ignorar. É só a Caroline querer, que ela consegue.
Fiquei mesmo foi curiosa com a Marcela, mas vou esperar dar amanhã cedo, no horário de portugal para acordar ela e perguntar. Espero que não seja nada muito grave em relação a maternidade ou aos ambulatórios do projeto.
Liguei a televisão do quarto e continuei a comer o lanche que eu pedi. Bati rapidamente o olho no relógio, espero que esteja tudo bem com a Carol, já que ela nem respondeu minha mensagem, mas tudo bem, deve ser a correia toda que ela está. O soninho de ter comigo, somado ao dia cansativo começou a bater e meus olhos facilmente se fecharam, fácil fácil.
Acordei num pulo com o barulho da porta do quarto fechado, era a Carol que tinha acabado de chegar da rua. Não tenho ideia de que horas são.
- Desculpa, tentei não fazer barulho. Não queria te acordar.
- Tudo bem, nem era pra eu estar dormindo. Foi tudo bem lá?!
- Sim, sim - ela respondeu apenas isso, enquanto eu levantava e sentava na cama. Ela colocou a bolsa dela sobre o balcão e algumas sacolas que ela trouxe, no chão. Foi direto para o frigobar e pegou uma água, bebeu em um gole.
- O calor está intenso não?!
- Sim, absurdo. Amostra grátis do inferno. Preciso de um banho. Abre as sacolas, ve se serve. Como você veio embora antes, eu passei em uma loja e comprei umas roupas para você, não sabia se você tinha ido ou não. Eu marquei com o Lucas e com a Clara às 19h30 na cantina, se você quiser ir.
- Quero ir sim. - ela ignorou minha resposta.
- Preciso de um banho - e seguiu para o banheiro, sem olhar para trás. Tudo bem, não posso brigar com ela por isso, não mesmo. Eu fui super ignorante com ela mais cedo e larguei ela na rua sozinha. Ela deve estar no mínimo chateada comigo. Levantei da cama, ainda vestindo o roupão do hotel, fui na porta do banheiro, tentei abrir, mas ela deixou trancada.
- Carol, quer que pede algo pra você comer? - Ela pediu um minuto, depois abriu uma brechinha da porta,que mesmo sendo pequena deu pra ver o rosto dela, vermelho de choro.
- Pede alguma coisa rápida pra mim, nada grande não. Só para enganar o estômago até chegar no Gigio.
- Tudo bem amor, vou pedir. - ela educada como sempre, agradeceu, pediu licença e fechou a porta, trancando novamente. Foi um simples e claro pedido para não incomodar. Fui direto ao telefone, pedi uma salada pra ela, sei que ela gosta e vai refrescar nesse calor todo que está. Depois disso fui direto nas sacolas de roupa que ela havia comprado. Me senti um pouco mal, depois de eu ter discutido com ela e ainda ter deixado sozinha o resto do dia, a Carol ainda lembrou de mim e comprou uma roupa.
Eram 3 sacolas, a primeira que eu abri, não deve ser minha mesmo, era um vestido bem bonito, cumprido, de um tecido levinho. Deve ser da própria Caroline mesmo, apesar de que eu não consigo imaginar ela de vestido, sempre vi ela usando calça social e camisa, sempre formal, no máximo com uma camiseta ou algo assim, mas tudo bem. A segunda sacola continha duas calças jeans, do meu número. O que me faz pensar, como ela sabe exatamente o meu número? Duas calças simples, mas bem bonitas. Na terceira sacola havia algumas camisetas polo e camisas, todas do meu tamanho exato. Posso dizer que adorei cada uma das peças, não só por serem bonitas, mas pelo carinho e cuidado da Carol em comprá-las.
Enquanto eu provava uma das camisetas, enxerguei um bloquinho de papéis, dobrados, ao lado da bolsa dela, em cima do balcão. A curiosidade claro que bateu mais forte e levantei de onde eu estava e fui até lá. Era uma cópia do depoimento dela quanto ao sequestro. A princípio me incomodei, no sentido de que eu não deveria mexer, o que ela passou lá é algo dela, mas não fui capaz de segurar isso por muito tempo, comecei a ler.
O documento era relativamente longo, umas 15 páginas. Começou com a descrição do sequestro em si quando o tal do Puca encontrou ela no aeroporto. Eu não sabia, ela foi dopada. Eu tinha perguntado pra Caroline algumas vezes se ela queria falar sobre o sequestro, se queria desabafar, mas em todos os momentos ela falou que queria esquecer, eu respeitei, até agora. Caraca, como deve estar a cabeça dela com isso, ser dopada porque um conhecido pagou um café?! Eu ficaria receosa pra sempre.
Depois da primeira página de depoimento a imagem dela naquele vídeo que o sequestrador mandou pedindo o resgate entrou na minha mente e nunca mais saiu. Não quero imaginar o que ela passou no cativeiro, como era lá. Não quero. Isso é me faz pensar o quão idiota eu sou em ter deixado ela sozinha hoje. Cara, ela teve que relembrar isso tudo na delegacia, sem eu estar ao lado dela, sem ninguém para segurar a mão. Isso tudo porque eu fiquei de birrinha por causa da ex dela, por causa de uma pessoa que está saindo da vida dela. Eu sou uma péssima namorada, mesmo.
- Você leu o meu depoimento? - Sai do meu devaneio, assustada com a frase da Carol, enrolada em uma toalha, de cabelo molhado, em frente da cama, me encarando.
- Só a primeira página. - ela apenas olhou muito séria pra mim e não falou absolutamente mais nada. Pegou a escova de cabelo e voltou para o banheiro. Meu pensamento: como sempre eu estou fazendo merd*, errando com quem me aguenta.
Ouvi batidas na porta do quarto, anunciando que a salada que eu pedi pra ela, acompanhada de um suco chegou. De bate pronto atendi a porta, onde um funcionário do hotel segurava a comida em uma das mãos e a sacola da lavanderia em outra. Agradeci ao menino, dei uma gorjeta e retornei ao quarto. Fui até o banheiro, com o medo na mão para não falar outra coisa e bati na porta com o máximo de delicadeza possível.
- Carol, a comida que eu pedi pra você chegou. Não quer vir comer?
- OK - essa foi a resposta dela. Caraca, ela tá brava comigo mesmo. Um tempinho depois saiu do banheiro, sem a toalha ou o roupão do hotel, apenas de calcinha, sutiã e a raiva. Claro que eu dei uma boa olhada, não só vendo o quão gostosa ela é, assim como pude ver que ainda está toda cheia de roxos e arranhões pelo corpo.
- Eu pedi uma salada pra você, tudo bem?
- Claro. É o suficiente até chegar lá no Gigio. Você vai querer ir Fernanda? - ela só me chama de Fernanda quando está brava.
- Quero ir sim. Parece um lugar bem gostoso pelo que você e o Lucas falaram.
- Sim, sim. Onde está a salada? - olhou rapidamente no quarto e encontrou a embalagem no balcão, ao lado do depoimento dela. Montou rapidamente o prato, em silêncio e depois sentou na cama, ao meu lado. - Não quer ir se trocando? A roupa serviu?
- Ah, não tudo ainda.
- Então prova, se não servir da pra trocar. Não consegui andar no shopping, então passei em uma loja perto da delegacia e peguei. Espero que sirva. Como não conheço bem seu jeito de se vestir e tudo mais, peguei algumas peças básicas, padrão. Só para segurar até você voltar para Portugal.
- Carol, sei que você está brava comigo. E tem razão de estar, podemos conversar?
- Quer falar do que Fernanda? Você deixou bem claro seu lado hoje mais cedo. Então é isso.
- Não amor, eu errei em te pressionar daquela maneira. Eu tenho meu lado nisso tudo, mas não posso exigir o que te cobrei.
- Fernanda, meu dia foi definitivamente uma merd*. Ter uma DR agora não vai me ajudar em absolutamente. Estou cansada, não quero discutir. Só saiba que eu estou em um momento da vida, que se for pra passar raiva, eu passo sozinha em uma praia.
- Não quero ter DR Carol, quero conversar. Você está com uma carinha super pra baixo, sei que contribui pra isso, mas não posso voltar atrás. Só posso te pedir desculpas, falar que eu errei.
- Fer, eu nunca te escondi nada. Desde o começo você sabe que eu estava casada. Quanto tempo demorei para conseguir me soltar e beijar você? Você estava lá, viveu isso comigo. Eu voltei ao Brasil para resolver exatamente isso. Nunca prometi que seriam rosas ou flores o tempo todo. Eu tenho problemas aqui, muitos, assim como você tem os seus em Portugal. A merd* é que eu fui sequestrada, perdi alguns dias, estou quebrada. Não estou conseguindo lidar comigo agora, quem dirá com ciúmes seu, revolta de ex. Eu to cansada, só isso.
- Eu sei meu amor. Eu forcei uma barra que não deveria. Te cobrei quanto a algo que não posso cobrar. Fiquei com ciumes, muito ciumes. Aí juntou o calor absurdo daqui, não estou mais acostumada com isso. O seu colega lá na clínica me olhou tão feio que eu fiquei meio mal.
- Já pensou que o que você passou hoje, foi exatamente o que eu passei em Urros? Seus amigos, seus conhecidos, seu local de trabalho, seu clima. O meu ainda foi pior, porque você foi um saco de ser humano, grossa, mal educada, ignorante. Não quero dizer que o meu ou o seu foi pior, mas Fer, não preciso de grosseria agora. Não preciso de problemas - o olho dela começou a encher de lágrima, dava para ver o quanto ela estava desgastada emocionalmente, quebrada.
Ela secou os olhos como pode e tentou continuar comendo a salada, mas na garfada seguinte não aguentou, empurrou o prato para o lado, dobrou os joelhos e começou a chorar. Não foi um chorinho pouco não, foi de soluçar. Eu quase que em automático me estiquei, e fiquei pertinho dela, abraçando-a. Coloquei sua cabeça no meu ombro e comecei a fazer cafune.
- Princesa, você está super cansada. Não quer ficar em casa hoje? Vamos na cantina amanhã. Pedimos alguma coisa mais forte pra você comer. Assistimos um filme, você fica aqui no meu colo!
- Não Fer. Eu quero ir lá, preciso me divertir um pouco. E preciso conversar com a Clara. Quero resolver essas coisas logo e poder voltar pra Urros.
- Mentira. Você só não quer ficar só nessa saladinha fitness. Quer mesmo é algo pesado! Conta a verdade - ela abriu um sorriso com a piada
- Se eu te contar a verdade Fer… Eu adoro salada, por mim eu comeria só isso na vida. Uma saladinha e um peixe grelhado, eu amo! Apesar que isso é aqui no Brasil, nesse calor gostoso. Em Portugal não dá pra viver só disso não.
- Não mesmo, lá precisamos de sustança. Quer mesmo ir na cantina então?
- Quero sim. Só preciso de um tempinho aqui, no seu colo. Depois disso me troco e vamos.
- Ah bom! Eu não ia deixar você toda delicia sair assim, sem roupa.
- Sua boba!
- Se isso fizer você sorrir um pouquinho posso passar o dia todo fazendo piadinha.
- Prefiro muito mais você divertida que quando está chata, ciumenta. Essa não é você Fer.
- Desculpa, eu vou melhorar isso.Eu fui muito chata com você de manha, foi um ciumes absurdo.
- Ciumes do que? De um celular tocando?
- Ah, sim. Ela ficou te ligando o tempo todo. Me incomodou que você não deu um corte, sei lá.
- Fer, eu não atendi o telefone. Só atendi quando você surtou. Meu amor, eu não posso apagar o que eu vivi, não posso tirar meu passado de mim. Eu só posso deixar meu passado lá, onde está. Mas pra isso você não pode ficar brigando comigo. Pensa o quao complicado e doloroso pra mim é tudo isso, foi uma vida. Hoje quando eu falei com a advogada foi um misto de paz com tristeza. Nunca é fácil você acreditar em alguém e perceber que essa pessoa não é nada, nada do que eu acreditei que fosse.
- Eu sei , mas pensa o meu lado. O tempo todo o celular tocando, pessoas me olhando feio. Eu também fiquei chateada.
- Fernanda, o que eu posso fazer sobre os outros? Eu posso te apresentar como estou fazendo, te levar nos meus espaços como eu fiz, mas não posso obrigar ninguém a desconsiderar que eu apresentei uma pessoa antes, que fui acompanhada por uma pessoa por anos antes de você.
- Pode me levar de novo pra comer a feijoada. Fiquei com tanta raiva que nem comi.
- Eu vi. Bem feito. Perdeu “ mo feijuca” boa por ciúmes. Da próxima aproveita o tempo comigo e para de drama.
- Desculpa eu ter mexido no seu depoimento. Eu fiquei curiosa.
- Tudo bem. Eu que esqueci de guardar.
- Eu li só a primeira pagina.
- Isso não muda que você mexeu em algo que não era seu. Mas tudo bem, passou.
- Eu sei, desculpa mesmo. Não vou mais fazer isso. Se um dia quiser falar sobre o sequestro e o que aconteceu la, eu estou aqui. Não quero te forçar a nada, muito menos a falar sobre o sequestro. Como foi o resto do dia? O cirurgião avaliou seus exames?
- O resto do dia foi uma bosta. A cirurgiã olhou a tomografia, falou que quanto ao figado, eu posso aguardar, sem mexer em nada agora. Deve ter sido mesmo consequência de alguma das porr*das que eu tomei. Deve ter sangrado na hora e o próprio corpo deu conta de segurar o sangramento. Só tenho que ficar de olho, se começar a doer, eu desmaiar, essas coisas que você sabe, aí eu preciso voltar que pode ter começado a sangrar de novo.
- E quanto ao rosto? A fratura?
- Essa é uma das bombas do dia. Se eu deixar colar sozinha, eu fico com sequela, meu rosto pode deformar ou ficar com o olho inchado a ponto de estragar algo. Então a melhor medida é operar, o que vai me dar uma cicatriz no rosto. Mas entre os dois digamos que a cicatriz é melhor que o olho ruim.
- Você vai pedir uma segunda opinião? Algo assim?
- Não, confio no trabalho dela. Já deixei marcado a cirurgia para a proxima segunda. Vai ser coisa rapida, nem uma hora, vai ser abrir colocar a plaquinha e fechar. Vai dar mais trabalho a anestesia que a cirurgia.
- Precisa ser anestesia geral?
- Sim, é rosto. Precisa monitorizar bem.
- E depois, como foi na delegacia?
- Ah, a Flávia é um amor de pessoa. Foi super calma comigo, me deixou falar de boa. A parte mais incômoda foi quando tive que confirmar que o Puca e o Caroço me sequestraram.
- Caroço?!
- É. Foi assim, o Puca é o cara que fez faculdade comigo e me sequestrou. O Caroço foi um dos imbecis que me bateram, ele era responsável por me levar de um lugar pro outro e tals. E o terceiro imbecil do bando era o Grilo, chefe da quadrilha e namorado da menina que eu tive que fazer o parto. Esse imbecil felizmente morreu na troca de tiros enquanto a Flávia e a equipe dela quebravam o cativeiro. A minha cara quebrada e o roxo no pescoço é culpa desse imbecil. Tinha mais uns caras, que faziam a segurança do lugar. Tinha uma equipe de enfermagem no centro cirúrgico que eles tinham, essas pessoas eu não sei nem reconhecer, só bati o olho neles. Mas esses três se eu pudesse eu matava.
- Carol, essa sensação ruim vai passar. É algo muito recente.
- O que me preocupa não é a sensação ruim, isso eu entendo que leva tempo. A minha preocupação é o medo que eu estou tendo, de andar sozinha, de dirigir. Antes de passar na delegacia eu tentei ir no shopping, eu tive um ataque de pânico, não consegui entrar. Travei na porta, comecei a chorar, tremer. Por isso comprei a roupa em uma lojinha de rua, mais simples. Eu devo estar com estresse pós traumático ou algo desse tipo. Talvez voltando para Urros eu me sinta mais segura lá, mas aqui em São Paulo, hoje, eu tenho pânico. Pelo menos saber que o Grilo morreu foi algo bom do dia. Ele me ameaçou de tantas formas, de tantas maneiras que eu fiquei bem mais leve sabendo que ele morreu.
Eu me mantive em silêncio, apenas tive a reação de abrir novamente os meus braços, oferecendo mesmo que por um breve tempo, um lugar seguro para ela chorar e encostar, para ela poder se sentir bem. Ficamos ali naquela posição por mais um tempo. Eu meio que controlei o relógio, para não nos atrasarmos muito, mas por mim eu ficava com ela no colo, dando cafuné ali pra sempre. Apenas cuidando para que nada de mal acontecesse com ela.
- Amor, não querendo quebrar esse momento nosso, mas acho que se a gente não se trocar meio que agora, vamos nos atrasar pra ir na cantina.
- Que horas são?
- 18h30.
- Caraca. Vamos nos atrasar já. Se troca rapidinho, ai vamos - ela pulou da cama, foi direto ao banheiro, acredito que passar uma água no rosto inchado de tanto chorar e tentar se recuperar. Quando ela voltou eu já tinha colocado uma das calças e camisas que ela me deu. Até que ficou bem confortável. - Ficou bonita a roupa, encaixou bem. Eu estava com medo de não servir.
- Não, você acertou o tamanho. Ficou perfeito. Como sabia meu tamanho?
- Haha, que pergunta Fer. Conheço seu corpo, quase tão bem a ponto de saber o tamanho da sua roupa.
- Quase tão bem?
- Sim, para um mês e pouquinho juntas, não dá para conhecer todos os detalhes. Mas eu sei da sua pinta no pé.
- Como assim?! Ninguém sabe dessa pinta!
- Ah, tá. Qualquer um que já te viu descalça deve saber. - mostrei a língua pra ela, dando risada da situação.
- Você vai usar esse vestido?
- Vou. Comprei ele hoje lá na loja também. Estou sem nenhum. Todos os meus estão sob os domínios do inimigo.
- Hahaha, melhor definição. Não imagino você de vestido.
- Ah, eu não levei nenhum para Portugal, aquele lugar é frio de mais para usar vestido. Até tive hipotermia lá.
- Ah, teve hipotermia porque foi correr a noite, de bermuda, na neve e bebendo água gelada. Queria o que? Pensa eu igual uma louca, deitada em cima de você numa estrada escura te socorrendo.
- Hahahaha. Estava com tanta raiva que só correndo para não brigar com você.
Enquanto estávamos conversando ela foi se trocando, colocou o vestido, depois foi cabelos, passar maquiagens. Quando terminou de se arrumar, caraca, definitivamente estava linda. O vestido era de um pano fininho, leve, e cobria o corpo dela até o tornozelo. No colo era decotado em V, mas de um jeito elegante. O cabelo castanho estava ondulado, lindo, meio molhado e meio seco, que ela fez um daqueles coques bagunçados lindos que só ela sabe fazer. A maquiagem leve completou aquele visual, ela estava extremamente elegante e simples ao mesmo tempo. Com a maquiagem leve deu para dar uma disfarçada no roxo e inchado do olho, mas ele ainda estava lá. Quando eu vi a cena por completo fiquei atonica, mais apaixonada que já estou.
Enquanto ela se olhava no espelho para ver se tudo encaixava no visual e passava delicadamente a mão no olho, como se conferisse o quanto ainda estava machucado, eu abracei ela por trás. Eu sou um pouco mais baixinha que ela, mas não muito, coisa de uns 10 centímetros, mas nossos rostos ficaram próximos, onde pude dizer ao pé do ouvido dela: Você está linda, como consegue ficar cada dia mais elegante?
- Que nada Fer, para de bobagem. Olha essa cara inchada de choro, e esse roxão no olho.
- Marcas das batalhas da vida, marcas que você viveu, sofreu, se ergueu. Aquela correntinha do Douro ficaria linda em você. Vamos providenciar uma outra.
- Fiquei todo o tempo do sequestro com ela, me deu forças para seguir firme.
- Esquece isso por enquanto. Vamos aproveitar essa noite, vamos comer bem, beber. Vamos nos divertir e quando voltarmos, faço questão de tirar esse vestido de você.
- Quem promete tem que cumprir, maria passivona.
- Não creio que você me chamou assim.
- Adorei ver sua cara de “não acredito nisso”.
- Falou quem não parece nem um pouco sapatão!
- Ah tá?! Porque não parece sapatão e mais ainda, sapatão tem padrão, fenótipo? - enquanto conversávamos, fomos andando em direção a recepção do hotel, para pegar o carro.
- Ah, não é isso. Mas se alguém olhar você na rua não vai achar que é sapatão.
- Ninguém tem que achar nada Fer. Estou com você, você tem que saber que sou lésbica. já to bem satisfeita. Você, minha família, as pessoas mais próximas. O resto dane-se. E convenhamos, você sabe que sou sapatão - ela me olhou com uma expressão sedutora, claramente falando sobre sex*. Eu óbvio que fiquei vermelha, dando margem pra ela praticamente gargalhar na minha cara.
Fim do capítulo
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