Seis horas de cirurgia, Roberta cochilava apoiada no ombro de Carlos na recepção, o cansaço já abatia todos os envolvidos naquele procedimento. A aproximação dos dois depois desse reencontro estava ficando cada dia mais evidente, Carlos ainda tinha esperanças de algum dia resolver sua vida com a ex-namorada, Roberta por sua vez, sabia que ficar fingindo que tudo tinha sido superado não era mais opção, em algum momento teria que conversar com Carlos para resolver os problemas do passado.

Raquel mantinha-se firme no seu intuito de trazer sua amiga de volta à vida. Izabel também não saiu do lado das amigas. No balcão assistindo a tudo ainda estava Ângela, ainda aflita, não piscava, não tirava os olhos de sua mentora. Cada minuto que passava, ficava mais claro que seu sentimento por Carolina era mais que admiração, era mais que carinho, era amor.

Aline, outra residente de cardiologia que fazia parte da equipe chefiada anteriormente por Carolina voltou ao balcão para acompanhar uma parte do procedimento e sentou ao lado de Ângela, as duas eram muito próximas e Aline foi ver como estava a cirurgia.

 

-- E aí amiga, como está essa cirurgia?

 

-- Ai Aline, parece uma eternidade, isso não acaba nunca. – Sacudia as pernas – Parece que eu vou explodir.

 

-- Calma Ângela, vai dar tudo certo, por que essa aflição toda?

 

-- Ela precisa acordar Aline. – Seus olhos encheram de lágrimas –

 

Aline percebeu que havia mais que insegurança ali, havia medo, medo de perder algo que nunca se teve.

 

-- Amiga, o que está acontecendo com você, me conta. Você está muito estranha ultimamente.

 

Ângela pensou se era o momento para aquela conversa, mas precisava desabafar, não aguentava mais guardar aquele sentimento apenas para si.

 

-- Eu estou apaixonada por ela. – Olhou para a residente –

 

Aline engoliu seco, não imaginava que a amiga estava nutrindo sentimentos por sua mentora e ainda por cima correndo o risco de nunca viver esse amor.

 

-- Quando isso aconteceu?

 

-- Eu não sei. – Abaixou e segurou a cabeça com as mãos –

 

-- Ei, você pode estar confundindo os sentimentos, o fato de estar cuidando dela, isso está mexendo com você.

 

-- Não, não é. – balançou a cabeça – Antes, eu já sentia, mas eu evitei a todo custo para não misturar as coisas. Só que não dá mais. – Olhou pelo vidro – Eu preciso dela.

 

Ângela levantou da cadeira e aproximou-se do vidro, encostou as mãos e a testa na transparência e deixou as lágrimas caírem. Aline foi ao seu encontro e a abraçou. Não disse mais nada. Apenas confortou a amiga.

Na mesa de cirurgia, Raquel se concentrava para terminar o procedimento sem nenhum deslize, nada que pudesse colocar a vida de Carolina em risco.

 

-- Raquel, está tudo bem aí? Você está bem?

 

-- Sim Izabel, eu estou bem, estamos chegando na reta final do procedimento, mais uma hora ou duas e eu termino.

 

-- Ela tem chances?

 

Raquel desviou o olhar para a amiga e hesitou, mas respondeu.

 

-- Sim, se tudo correr como o planejado em setenta e duas horas ela pode acordar.

 

Izabel respirou aliviada, olhou para o semblante adormecido de Carolina e pediu que ela aguentasse firme.

Carolina permanecia na escuridão, perdida em seus sonhos, em seus devaneios.

 

Agosto de 2009

 

 

Roberta já tinha conseguido atingir sua meta de emagrecimento, conseguiu chegar aos noventa quilos e estava muito feliz, apesar dos novos problemas que surgiram após sua perda de peso como o excesso de pele que ficou a incomodando por um bom tempo, ela estava feliz.

Estava na hora de entrar para o programa de cirurgia plástica, onde removeria esse excesso com a ajuda de um cirurgião plástico para melhorar sua aparência de uma vez por todas.

Carolina a ajudou com esse procedimento também, acompanhou as consultas, e estava ao lado da amiga nas três cirurgias que ela fez para reparar o corpo.

Carlos estava morando em Macaé, trabalhava em uma empresa de construção de navios, conheceu uma moça e estava morando com ela, não se casaram, mas ele parecia feliz, e isso era o suficiente para Carolina.

Com a cirurgia de Roberta, Carolina estava ajudando a amiga e passava mais tempo com ela do que no seu próprio apartamento, acabou oferecendo a Samantha que ela ficasse um tempo por lá, já que ela estava com dificuldades.

Depois que seu pai faleceu, Samantha ficou morando sozinha na mansão até a mesma ser vendida em um leilão para quitar o restante das dívidas que seu pai deixou, sem dinheiro e sem ter para onde ir, acabou indo morar de favor no apartamento de Carolina. O mundo dá voltas inexplicáveis.

A médica deixou bem claro que seria apenas um favor e isso não significava que elas estavam juntas, mas ela se preocupava com Samantha e queria ajuda-la.

 

-- Samantha, eu vou passar um tempo na casa de Roberta pra ajudar com a cirurgia que ela vai fazer, você pode ficar no meu apartamento até você ajustar a coisas.

 

-- Você tem certeza, Darling?

 

-- Sim, não me custa nada. Mas não estou te convidando pra morar comigo, eu não estou voltando pra você, entendeu? É só pelo tempo que você precisa para comprar algum lugar pra você morar.

 

-- Eu bem que gostaria que fosse isso. – Olhou triste – Mas eu sei que não é.

 

-- Samantha, só me faz um favor, respeita minha casa, não leva seus amigos loucos pra lá e nem fica se drogando no meu apartamento.

 

-- Eu prometo, eu vou me comportar. – Beijou os dedos em uma cruz – Mês que vem eu já devo estar com um apartamento para morar.

 

-- Sei. – Olhou desconfiada --

 

E assim, Samantha levou inúmeras malas para o apartamento de Carolina, quase não cabiam na sala da cardiologista, isso já deixou a médica um pouco chateada, Samantha prometera que iria ajudar a manter o apartamento em ordem e no primeiro dia já descumpriu com sua promessa. Raquel e Izabel avisaram que não era uma boa ideia, mas Carolina acreditava em uma mudança da ex-namorada. Ela sempre acreditou no melhor das pessoas.

Carolina ficou com Roberta por um mês, e aparecia no apartamento para pegar algumas roupas e ver se estava tudo em ordem. Roberta também achou insanidade de Carolina deixar Samantha ficar no seu apartamento, mas não conseguiu convencer a amiga a mudar de ideia.

Samantha quase nunca ficava em casa a noite, estava fazendo trabalho com Estela todos os dias, mas do mesmo jeito que ganhava o dinheiro, ela gastava e não conseguia juntar para comprar o apartamento que ela queria para ficar independente novamente.

Roberta precisou de cuidados mais intensos, uma das cirurgias infeccionou e ela foi internada novamente. Carolina a acompanhou e durante esses dias ela voltou para sua casa.

O apartamento que costumava ser organizado e limpo estava completamente bagunçado, sujo e largado. A médica ficou muito irritada com o cenário que encontrou ao chegar em casa, garrafas de bebida sobre a pia, louça suja, roupas espalhadas pela casa.

Ela foi até o quarto de hóspedes e a cama estava desarrumada, mais roupas pelo chão e nenhum sinal de Samantha. Ela percebeu sacolas de lojas de marca jogadas em um canto e viu roupas novas com a etiqueta ainda e sapatos novos em caixas perto da janela.

Samantha continuava esbanjando sem poder. Isso não era da sua conta, mas a incomodou, pois, a modelo disse que queria guardar o dinheiro para comprar seu próprio apartamento.

Depois de um plantão cansativo, Carolina pôs-se a limpar sua casa, recolheu o lixo, limpou a geladeira que tinham vários alimentos estragados, lavou a louça, arrumou seu quarto e a sala que ainda tinham várias malas espalhadas, tentou organizar para ficar melhor acomodadas e foi lavar o banheiro. Na lixeira encontrou várias cápsulas de cocaína. Mais uma vez o sangue subiu e ela ficou muito magoada com Samantha, ela pediu e a modelo não cumpriu com o prometido.

Carolina tomou seu banho e finalmente foi se deitar, deixou um recado no celular de Samantha avisando que estava em casa, mas não recebeu retorno.

Já era madrugada, quando Samantha entrou no apartamento, completamente embriagada, voltava de uma festa, percebeu o apartamento diferente, foi até a cozinha e viu tudo arrumado, imaginou que Carolina tinha passado em casa, agradeceu mentalmente por não ter que arrumar nada no dia seguinte. Foi para o quarto e adormeceu sem se trocar.

Na manhã seguinte Carolina estava de folga, assistia TV na sala quando finalmente Samantha levantou, com ressaca e ainda arrumada da noite passou pela sala e viu a médica no sofá.

 

-- O que você está fazendo aqui? – Estava toda descabelada –

 

-- Eu moro aqui, se você não sabia acho melhor te avisar né. – Disse sarcástica –

 

-- Ai Carolina, hoje não, eu estou péssima.

 

Samantha foi até a geladeira e bebeu água no gargalo da garrafa, o que irritou Carolina mais ainda.

 

-- Samantha, pelo amor de Deus, pega um copo!

 

Carolina levantou e tirou a garrafa da mão da modelo e colocou na pia, acabou molhando a blusa de Samantha.

 

-- Porr* Carolina, olha só o que você fez, me molhou. – Mostrava a blusa –

 

-- Porr* Samantha, essa é minha casa e você está zoneando com tudo. Você continua se drogando, eu achei suas cápsulas na lixeira do banheiro, você acha que eu estou feliz com isso? Na minha casa? – colocou as mãos na cintura --

 

-- Cara, isso foi no dia que Julia e Savana estiveram aqui. – Coçou os olhos –

 

-- Eu não te pedi para não trazer ninguém aqui, Samantha? – cruzou os braços –

 

-- Foi rápido, nós íamos sair, tinha trabalho, como eu estou sem carro elas vieram me pegar. – Segurou a cabeça com uma das mãos --

 

-- Não interessa, eu exijo respeito na minha casa, são minhas regras, se quiser ficar aqui, tem que dançar a minha cartilha.

 

-- Tudo bem, não vai mais acontecer, ok. – Levantou as mãos – Eu vou tomar um banho.

 

-- Eu vou trabalhar daqui a pouco, você deveria procurar um emprego de verdade.

 

Samantha ficou quieta, Carolina foi se arrumar para ir para o hospital, depois de alguns dias, Roberta voltou pra casa e Carolina preferiu não ficar longe do seu apartamento para que Samantha não fizesse nenhuma besteira. Mas com Samantha tudo é possível.

 

Dezembro de 2009

 

Carolina continuava dividindo o apartamento com Samantha, a loira já estava conseguindo tirar a paz da médica, Carolina percebeu que mesmo se tivesse continuado com a relação das duas, não iria durar, Samantha não consegue mudar.

Ela já se sentia dona do apartamento da Cardiologista, tentava mandar em Carolina e na dinâmica do apartamento, mas Carolina não deixava, e um dia em meio a uma briga Carolina deu o prazo até o final do ano para Samantha conseguir um lugar para morar, em janeiro a loira deveria sair da casa dela.

 

-- Samantha, você tem até o final de dezembro para arrumar um lugar para ir, eu não posso mais permitir que você fique aqui tentando mandar na minha vida. – Andava pela sala – O que eu faço ou o que eu deixo de fazer é problema meu.

 

-- Eu não quero você andando com essa Raquel, ela só quer ir para cama com você.

 

-- Só para te lembrar, nós não estamos mais juntas, você não manda em mim. O combinado foi que você ficaria aqui um mês, para se organizar e encontrar um apartamento, já passou três meses, e você continua sem se mover.

 

-- As coisas não estão fáceis, Carol. Você não entende. – levantou –

 

-- Eu entendo sim, que depois do coitado do seu pai, agora você quer se encostar em mim. Você sai todos os dias dizendo que vai trabalhar, mas nesse tempo todo, não ajudou em nada com as contas do apartamento, ao contrário, ainda fica me pedindo para comprar um monte de besteiras para você.  – Bateu as mãos no corpo – Porr* Samantha, toda semana tem uma sacola de roupa nova e cara no seu quarto e eu aqui te bancando? Vai ver se eu estou na esquina.

 

-- Carol, não é assim. Os trabalhos estão fracos, eu faço, mas não estou ganhando mais a mesma coisa. E eu preciso manter a aparência, senão eu fico para trás.

 

-- Não me interessa! – cortou o ar com as mãos – Já chega! Você tem que aprender a ter responsabilidade. Você tem até primeiro de janeiro. Depois disso, você sai.

 

Carolina pegou sua mochila e foi trabalhar. Samantha ficou pensativa, sabia que estava errada, mas ainda estava com as mesmas manias de antes, achando que não precisava pagar por nada, que Carolina tinha obrigação de bancar sua condição, acabou pensando no que ia fazer. Não tinha guardado nenhum dinheiro. Mentiu para Carolina, seus trabalhos lhe rendiam um bom valor em dinheiro, mas ela gastava tudo com roupas, salão e drogas, egoísta como sempre foi, não ligava para ninguém.

Agora estava sem saída, teria que encontrar um apartamento para alugar pelo menos, a cardiologista estava resolvida a despejar a inquilina inconveniente.

No hospital, ela reclamou com Raquel, que a avisou sobre esse ato de boa samaritana.

 

-- Caraca, Raquel, eu não aguento mais Samantha lá em casa. – Balançou a cabeça – Ela conseguiu me tirar do sério.

 

-- Eu te avisei, você não quis me ouvir. – Escrevia em um prontuário – Samantha e parente são iguais a peixe, se passar mais de três dias em casa já começa a feder.

 

Carolina deu um tapa no ombro da amiga e acabou rindo. -- Eu sei, eu nunca vejo o lado ruim das pessoas. Achei que ela tinha aprendido uma lição com a morte do pai dela, mas não mudou nada. – Encostou-se no balcão da enfermagem –

 

-- Carol, as pessoas não mudam, é muito difícil mudar a personalidade de alguém. Ela foi criada desse jeito, ela não vai perder essas manias.

 

-- Que viagem, minha vida virou um inferno, minha casa está uma bagunça, ela não lava um copo, e ainda fica exigindo que eu mantenha a casa limpa. – Riu de nervoso –

 

-- Ainda bem que você pulou fora desse relacionamento a tempo, já pensou se isso fosse um casamento?

 

-- Eu tinha divorciado com uma semana! – bateu no balcão de leve –

 

Raquel riu da amiga, Izabel chegou e pegou uma parte da conversa.

 

-- E aí meninas. Tudo bem? – apoiou uma prancheta no balcão –

 

-- Comigo está, mas Carol está com uma hóspede bem inconveniente. – Saiu rindo – Vou visitar um paciente. – Soprou um beijo para as amigas –

 

-- Palhaça!

 

-- O que houve Carol?

 

-- Samantha.

 

-- Ui, só de ouvir esse nome eu me arrepio inteira! – Riu com a amiga -- O que ela fez dessa vez? – Escrevia em uma receita – Ela ainda está no seu apartamento?

 

-- Sim, esse é o problema.

 

-- Amiga, nós te avisamos que isso era uma loucura, mas você não quis ouvir.

 

-- Eu sei, Raquel já me disse isso e Roberta também. – Revirou os olhos -- Eu achei que ela tinha mudado, mas não adianta, Samantha não tem o menor juízo.

 

-- Acho que nesse caso quem não teve juízo foi você, que levou ela para morar no seu apartamento.

 

-- Pois é, você tem razão, mas eu avisei a ela que ela só tem esse mês para arrumar um lugar para ir, em janeiro ela está fora da minha casa.

 

-- Hum, muito bem, agora eu gostei. Só resta saber se ela vai cumprir com esse trato já que ela não cumpriu com nenhum dos outros.

 

Carolina sentiu medo daquela observação de Izabel, ela tinha razão, Samantha não cumpriu com nenhum acordo feito entre as duas, será que agora ela cumpriria?

No final de dezembro, o prazo de Carolina estava se acabando e Samantha já estava procurando por apartamento, mas nenhum nunca era suficiente para a modelo, queria luxo, mas sem ter condições de bancar.

Carolina estava no meio de um plantão noturno quando seu celular tocou, era a síndica do seu prédio.

 

-- Alô.

 

-- Alô, Carolina?

 

-- Sim, sou eu, quem está falando?

 

-- Carolina é Iara, síndica do condomínio, tudo bem?

 

-- Oi Dona Iara, tudo bem, mas e com a senhora? O que houve para me ligar a essa hora? Está acontecendo alguma coisa? – pensou em Samantha –

 

-- Então, minha filha, você está em casa?

 

-- Não, eu estou no hospital de plantão.

 

-- Eu até imaginei, pois você nunca causou nenhum transtorno por aqui, mas é que hoje acho que está acontecendo alguma coisa no seu apartamento, pois está uma música alta e muito barulho. Os vizinhos de baixo e do seu lado estão incomodados.

 

-- Ai, era só o que me faltava. – Fechou os olhos – Dona Iara, tem uma amiga minha passando um tempo no meu apartamento, ela que deve estar com alguns amigos, eu vou ligar pra ela e tentar resolver isso. Qualquer coisa me liga novamente que eu tento fugir e vou até aí.

 

-- Tudo bem, eu te aguardo.

 

Carolina desligou o celular e ligou para Samantha, estava irada, nunca havia recebido nenhuma reclamação de nenhum vizinho se dava muito bem com os poucos que conhecia por encontrar no elevador ou na garagem. Ligou três vezes até Samantha finalmente atender.

Ouviu muito barulho, música alta e gente conversando.

 

-- Alô.

 

-- Samantha, o que você está fazendo? O que está acontecendo no meu apartamento?

 

-- Nada Carol, os meninos vieram aqui e estamos conversando. – Correu até o som para abaixar o volume – Nada demais.

 

-- Samantha a síndica me ligou reclamando da bagunça, manda esse povo embora, aproveita e vai com eles. Mas acaba com isso agora! – foi incisiva –

 

-- Calma, eu vou resolver isso. Pode deixar.

 

Desligou o telefone. Carolina ligou para a sindica e avisou que se o barulho não terminasse que ela ligasse novamente.

Não houve surpresa quando o celular de Carolina tocou novamente, era a síndica avisando que nada tinha mudado e que tinha batido na porta do apartamento e uma mulher havia sido bem grosseira com ela. Carolina ficou irada.

 

-- Pode deixar Dona Iara, peço mil desculpas, eu vou agora mesmo para casa.

 

Desligou o telefone e procurou Raquel no repouso médico, as duas tinham alguns plantões juntas.

 

-- Raquel, me salva, pelo amor de Deus.

 

-- Que foi menina? Quem morreu? – levantou da cama –

 

-- Ninguém ainda, mas eu estou indo matar Samantha.

 

-- Ih, a outra está aprontando de novo. – Coçou os olhos --

 

-- A síndica me ligou. Ela está aprontando no meu apartamento.

 

-- Caraca, essa não muda mesmo.

 

-- Cobre meu plantão um pouco, eu vou em casa e volto logo.

 

-- Claro, vai lá. Eu te cubro. – levantou – Boa sorte.

 

-- Obrigada.

 

Carolina saiu apressada do hospital no meio do plantão, pegou o carro e dirigiu até em casa, sorte que na madrugada o trânsito é mais calmo. Chegou chateada pela situação que Samantha havia criado.

Ao sair do elevador já conseguia ouvir o barulho vindo de seu apartamento, ficou irada, chegou na porta e abriu, encontrou Julia e Pedro na sala se beijando em seu sofá, mas não viu Samantha, já sabia que a loira estava com Savana no quarto. Caminhou até o som e desligou.

Pedro e Julia viraram para reclamar achando que Samantha tinha desligado o som e deram de cara com Carolina de cara feia para os dois, eles ficaram completamente sem graça.

 

-- Cadê Samantha? – cruzou os braços –

 

-- No quarto com Savana. – Julia respondeu se recompondo –

 

-- A festa acabou, por favor retirem-se da minha casa. – Apontou a porta –

 

Sem falar nada, os dois recolheram suas coisas e saíram pelo corredor em silêncio. Agora era hora de se entender com Samantha.

Foi até o quarto de hóspedes e para sua surpresa, ele estava vazio, seu sangue ferveu. Não acreditou que Samantha estava usando o seu quarto para trans*r com Savana.

Segurou a maçaneta e abriu a porta com voracidade, não acreditou ao ver Samantha nua em sua cama, cheirando cocaína sobre o corpo também nu da mulata.

 

-- Samantha, a festa acabou!

 

A loira tomou um susto e pulou da cama, dessa vez, Savana não falou nada, sabia que estava errada e não tinha moral para falar qualquer coisa para Carolina. Apenas puxou um lençol para se cobrir.

Samantha não sabia onde enfiav* a cara, não sabia o que fazer, sentou na cama e fez o mesmo, puxou a outra ponta do lençol para se cobrir.

 

-- Carol, desculpa. – Olhava pra baixo –

 

-- Samantha, você não tem mesmo jeito não é. Na minha cama? – seus olhos encheram de lágrimas – Eu fiz tudo o que eu pude pra te ajudar, mas você não se ajuda. Eu não tenho mais o que fazer. – Bateu as mãos no corpo –

 

-- Eu sei que eu vacilei. Mas me perdoa. – levantou e foi até Carolina –

 

-- Vai colocar uma roupa. – Virou de costas – E você Savana, sai da minha casa!

 

A mulata levantou e se vestiu, passou pelas duas e pela primeira vez se desculpou com Carolina. Samantha colocou a roupa e foi para a sala onde Carolina estava recolhendo a bagunça feita pelo grupo.

 

-- Carol, eu posso explicar.

 

-- Cala a boca Samantha! Não tem explicação para isso. – Mostrava as garrafas nas mãos – Não tem explicação para eu estar no meio do meu plantão recebendo ligação da síndica pra reclamar de bagunça no meu apartamento.

 

Samantha ouvia quieta, sabia que tinha passado dos limites, estava chateada com o prazo que Carolina lhe deu, acabou chamando os amigos para farrear e não se preocupou que estava na casa da médica, esqueceu que não estava mais em sua cobertura e os limites daquele apartamento eram menores e diferentes do que ela estava acostumada. Depois que ela usava as drogas, perdia totalmente o bom senso.

 

-- Não tem explicação o fato de eu ter que largar meu plantão para vir até minha casa para colocar fim numa festa que estava incomodando meus vizinhos. – Apontava para o apartamento ao lado -- Aqui do lado tem uma senhora de setenta anos, Samantha, setenta anos, que deve estar apavorada com esse barulho todo que você fez.

 

-- Desculpa Carol. – Chorava – Eu não sei o que aconteceu.

 

Carolina riu de nervoso. – Você não sabe? Eu sei. Eu devia ter escutado minhas amigas, eu tentei te ajudar, e olha o que eu ganhei, só problemas. Você não pode ser ajudada Samantha, eu não consigo te entender. – Balançou a cabeça negativamente –

 

Carolina jogava fora o lixo deixado pelos amigos da modelo, garrafas, comida, caixa de pizza, pratos sujos na pia, copos espalhados pela casa.

Samantha ficou calada. Carolina apoiou as mãos no balcão que dividia a cozinha da sala e olhou para a ex-namorada.

 

-- Você sai amanhã. E nem mais um dia!

 

-- Mas para onde eu vou? – olhou desesperada –

 

-- Samantha, eu sinto muito, mas isso não é mais problema meu. Eu fiz o que eu pude. Agora eu lavo minhas mãos.

 

-- Carol. Por favor. – Caminhou até a médica –

 

-- Arrume a casa, eu preciso voltar pro hospital, eu vou dobrar o plantão, saio sete da noite, quando eu chegar em casa, eu não quero mais te encontrar. – disse triste –

 

Samantha segurou Carolina desesperada, tentou abraçar a médica implorando seu perdão.

 

-- Carol, por favor, me escuta, eu juro que eu vou mudar, eu vou melhorar.

 

-- Samantha me solta, você nunca vai mudar, eu até pensei que você tivesse aprendido alguma coisa com a morte do seu pai, mas seu luto só durou uma semana. – Se soltou da modelo – Eu te conheço a mais de dez anos e você nunca mudou. Tem coisas e pessoas que não mudam e você é uma delas.

 

Carolina pegou a bolsa no sofá e saiu do apartamento, deixou Samantha para trás, sem saber o que fazer, era alta madrugada, e depois de encerrar aquela festa desagradável, Carolina voltava para o seu plantão, deixando a modelo com pesar, mas certa que esta era a coisa certa a se fazer. Pelo menos para a sua vida voltar ao normal.

Carolina tentou de tudo para ajudar a ex-namorada, mas Samantha não queria ajuda, ela queria facilidade e isso a médica não daria mais.

Samantha fez o que a médica falou, arrumou a casa, do jeito dela, e durante o dia, arrumou suas coisas, ligou para alguns amigos, mas todos se recusaram a recebe-la em suas casas. Cada um com uma desculpa diferente, Savana para quem ligou primeiro foi a primeira recusa, com a desculpa que seu apartamento era pequeno demais para as duas, isso a magoou, percebeu o que Carolina dizia sobre as suas amizades, que na hora do aperto, esses amigos nunca estariam lá para ela.

Tentou Julia, Pedro, e outros amigos antigos, nenhum aceitou receber a modelo, em um ato desesperado, ela ligou para Estela, a mais velha foi a única que aceitou receber Samantha em sua casa, com a cobrança de alguns favores em troca, o que Samantha se viu obrigada a aceitar.

Juntou suas malas e chamou um taxi, se viu sozinha novamente, sua mãe não ligava pra ela, não seria agora que faria diferente, sentiu uma tristeza invadir o seu peito quando carregava suas malas até o taxi, precisou fazer duas viagens, o motorista quase não a levou por reclamar da quantidade de bagagem.

Na última viagem com suas últimas malas, ela deixou a tristeza dominar, e suas lágrimas caírem, entendeu que perdeu todas as chances com Carolina, até de ter uma amizade com a médica, relembrou sua trajetória e percebeu que Carolina foi a única pessoa que havia lhe dado inúmeras chances de ser uma pessoa melhor, foi a única que lhe ofereceu abrigo, foi a única que confiou nela várias vezes, mas ela sempre quebrou essa confiança.

Samantha nuca foi feliz de verdade e nunca seria, sempre viveria essa vida de futilidades, de vida fácil, depois de perder Carolina pela centésima vez, ela acabou se rendendo à sua solidão, aceitou o fato de não conseguir mudar e que não adiantava tentar, ela sempre voltava aos vícios antigos. Carolina tinha razão, ela nunca mudaria.

Fim do capítulo