Raquel terminou a cirurgia, nove horas depois, Carolina estava estável, sedada, e todos exaustos.

Carlos e Roberta já tinham conversado, cochilado, tomaram café, choraram de nervoso, inúmeros sentimentos os tomaram durante esse tempo.

Izabel levou Carolina para a UTI novamente, encontrou Ângela na porta esperando pela chegada da mentora. Estranhou a presença da residente, seu plantão já tinha terminado a horas.

 

-- Ângela, o que você está fazendo aqui ainda?

 

-- Eu estava assistindo a cirurgia da Doutora Carolina. – Segurou a maca para ajudar –

 

-- Até agora? Seu plantão acabou a horas. – Começou a arrumar os aparelhos –

 

-- Sim, eu não consegui ir embora, eu precisava saber que ela iria resistir. – Olhou para Carolina adormecida e se perdeu em seu pensamento – E imaginei que você precisaria de ajuda.

 

-- Sei, estamos exaustos. – Parou – Todos nós. Por que não vai para casa?

 

-- Assim que terminarmos aqui.

 

Izabel permitiu que a residente a ajudasse com os procedimentos para acomodar Carolina na UTI e ao final dispensou a médica que parecia não querer ir embora e se afastar da cardiologista.

Depois de tomar um café e lavar o rosto, Raquel e Izabel foram até Carlos e Roberta para conversar com eles.

Carlos deu um pulo da cadeira quando viu as duas médicas aparecendo pela porta da recepção. Roberta também veio ao encontro das duas.

 

-- E aí, como foi? Ela está bem? – perguntou aflito –

 

-- Sim, ela está bem, foi tudo como o esperado, demorou um pouco mais do que o previsto, mas a cirurgia foi um grande sucesso. – Raquel sorriu –

 

-- Graças a Deus! – Carlos sorriu aliviado –

 

Roberta em um impulso o abraçou de felicidade e o rapaz deixou lágrimas caírem de seus olhos. A esperança voltou aos seus corações, para logo em seguida dar lugar ao desconforto e eles se separaram envergonhados.

Izabel sorriu ao ver a alegria dos dois, mas ainda precisavam esperar que Carolina reagisse.

 

-- Carlos, o procedimento foi realizado com sucesso, mas agora precisamos esperar que ela reaja, as próximas setenta e duas horas são as mais frágeis, vamos monitorar a evolução do quadro dela até ter certeza que podemos retirar todos os sedativos, e aí só depende dela.

 

-- Entendo. Eu posso vê-la?

 

-- Melhor deixar para amanhã, hoje ela precisa ficar totalmente isolada para evitar qualquer risco de infecção. – Izabel tocou o ombro do rapaz – Eu sei que você está ansioso, mas espera até amanhã.

 

-- Tudo bem. Amanhã eu volto. – Sorriu em direção à Raquel – Obrigado.

 

-- Não precisa agradecer. – Raquel sorriu –

 

-- Se eu não conseguir voltar amanhã eu te ligo, bel.

 

-- Claro Roberta, pode me ligar a qualquer hora.

 

-- Vem Roberta, eu te dou uma carona. – Pegou a chave do carro –

 

-- Obrigada. Até amanhã Bel. Obrigada Raquel. – Beijou as amigas –

 

-- Tchau gente.

 

Despediram-se, e Carlos levou Roberta em casa, no caminho foram conversando sobre Carolina, sobre o passado, e sobre um possível futuro.

 

-- Você não pensa em voltar pra Niterói? Agora que Carol está assim, ela vai precisar de ajuda.

 

-- Eu já pensei no assunto, vou esperar que ela acorde para decidir. É que tudo que eu tenho hoje está em Macaé, meu emprego, minha filha. – Deu de ombros –

 

-- Verdade, tem sua filha. – Sentiu remorso –

 

O silencio gritou dentro do carro novamente, Carlos parou o carro em frente à casa da advogada, e esperou que ela dissesse algo.

 

-- Obrigada pela carona. – Olhou desanimada –

 

-- Disponha.

 

Os dois se olhavam, tantas mágoas, tantos anos, tanto sentimento. Ainda existia amor ali, ainda existia desejo, os dois lutavam contra esse sentimento que insistia em se mostrar, em implicar como uma criança teimosa dizendo que estava ali.

A vontade em ambos era de esquecer tudo o que aconteceu no passado e voltar a pensar no futuro juntos, sentir o beijo novamente, o carinho, o abraço, serem um só.

Apesar de toda essa necessidade de beijar Carlos, Roberta saiu do carro às pressas, com medo de sucumbir ao desejo que já estava incontrolável.

Carlos parou de respirar por um momento enquanto via a ex-namorada se afastar e recebeu um último olhar quando ela fechou o portão. Acelerou o carro e apenas dirigiu até o apartamento da irmã.

Raquel e Izabel deixaram o hospital felizes com o resultado da cirurgia, tinham esperanças de ter Carolina acordada em três dias quando retirassem os sedativos por completo.

Tudo que elas queriam era ter a médica de volta, e Carolina, permanecia naquele estado de imersão, revivendo suas maiores lembranças.

 

Junho de 2010

 

Carolina nunca mais soube de Samantha, e era assim que queria permanecer, só sabia que ela estava morando com Estela no Rio.

Roberta já estava totalmente recuperada das cirurgias, estava linda, magra, auto estima no alto, sua saúde estava finalmente perfeita, aprendeu a sair, a namorar, estava feliz, saía com Carolina quando a médica estava de folga, e incentivava a amiga a deixar o amor chegar, mas Carolina ainda tinha seus receios. Não acreditava no amor, não conseguia ficar com uma pessoa mais de três meses, quando via que estava evoluindo para um namoro, simplesmente se afastava.

Raquel deixou o hospital Matriz para ir para São Paulo concluir uma pesquisa sobre neurocirurgia.

 

-- Poxa Raquel, você vai para São Paulo? – Estava sentada em uma das camas do repouso –

 

-- Sim amiga. – Comia um sanduíche – No fim do mês.

 

-- Por que tão longe? Não tinha um programa de pesquisa por aqui para você ficar no Rio? – encostou na parede –

 

-- Pior que não. Lá é o maior centro de neurologia do país. – Mordeu outro pedaço –

 

Carolina a observava, estava perdendo a convivência de sua amiga tão divertida e companheira.

 

-- Lá eu tenho mais condições de executar a pesquisa e ter sucesso. No estágio que está, devo ficar por lá de um a dois anos, se eu terminar antes eu volto antes.

 

-- Eu sei. Aqui não tem os mesmos recursos. Eu vou morrer de saudades.

 

-- Eu também, você podia ir comigo, podemos arrumar uma vaga para você na cardiologia.

 

-- Eu gosto daqui amiga. Prefiro ficar no meu lugar.

 

-- Nunca vi, você não gosta de mudanças né. – Terminou de comer – Muito Caxias! – Ria --

 

-- Não, eu prefiro estabilidade. – Pensou – Quando terminar volta pra cá.

 

-- Sim, eu pretendo fazer isso. – Sorriu – E aí vou te dar outro porre daqueles.

 

Carolina jogou um travesseiro na amiga. – Nunca mais.

 

            Raquel levantou e sentou ao lado da amiga na cama, a abraçou com a intenção de brincar com ela, depois do que aconteceu, as duas acabaram estreitando ainda mais a amizade. Não evoluiu para um relacionamento amoroso, o sentimento de amizade prevaleceu.

 

-- Mas você gostou! – Sorriu maliciosa – Não negue.

 

-- Eu não lembro de nada! – Gargalhou -- Você que gostou, agora é o terror das enfermeiras do hospital. – Riu –

 

-- Fazer o que? Aprendi o caminho das pedras meu bem. Não quero outra vida. – Sorriu –

 

-- Eu vou te visitar.

 

-- Eu conto com isso. – Piscou --

 

Izabel entrou na sala procurando pelas duas.

 

-- Ah, as moças estão escondidas aqui, bora trabalhar. Tem paciente chegando.

 

-- Agora.

 

Raquel levantou e deu um selinho em Carolina. As duas amigas foram para o trabalho, o lugar onde Carolina gostava de estar, era onde ela se sentia completa, nenhuma outra sensação era tão boa quanto cuidar das pessoas.

 

 

Fevereiro de 2011

 

Izabel chamou Carolina para conversar em sua sala, tinha novidades sobre o hospital e precisava resolver algumas coisas com a cardiologista.

 

-- O que houve, Bel? Não me diz que vai me forçar a tirar férias de novo? – sentou-se à frente da mesa da médica –

 

-- Não Carol. Dessa vez não. – Riu – Eu te chamei aqui porque tenho uma proposta para te fazer.

 

-- Hum, diga. – Se ajeitou –

 

-- Eu fui promovida para o cargo de chefe de cirurgia, o doutor Mario está se aposentando e me ofereceram o cargo.

 

-- Parabéns amiga. Que bom, fico feliz por você. Mas o que eu tenho com isso? – levantou uma sobrancelha –

 

-- Eu quero que você assuma o programa de residência. Eu não posso mais coordenar os internos, preciso de alguém de confiança para cuidar do programa.

 

-- Izabel, eu não sei se estou preparada para isso. – Ficou surpresa –

 

-- Carol, você é a minha melhor escolha, tenho certeza que você está preparada para esse cargo.

 

-- Izabel, eu não sei o que dizer. – Estava assustada –

 

-- Aceita, diga sim. – Abriu um sorriso --

 

-- E se eu não der conta?

 

-- Você fala comigo e revemos a situação.

 

Carolina pensou e percebeu o quanto sua amiga confiava em suas habilidades, resolveu aceitar o desafio e se empenhar mais para realizar seu trabalho.

 

-- Tudo bem, eu aceito.

 

-- Que ótimo! Parabéns doutora! Você tem carta branca para trabalhar o programa da forma que você achar melhor, se quiser mudar alguma coisa, mude, faça do seu jeito.

 

-- Izabel, é muita responsabilidade.

 

-- Por isso estou indicando você. – Piscou –

 

Carolina sorriu para a médica, sua carreira estava decolando de forma fenomenal, como prometera a sua mãe, estava crescendo profissionalmente, cada conquista era comemorada com as amigas, ela ligava para Carlos toda semana e contou a novidade.

Seu irmão ficou muito feliz, e deu a notícia que Carolina seria titia, a namorada dele estava grávida. Carolina se lembrou do episódio do passado dos dois, mas dessa vez ele estava feliz e não tinha mais as inseguranças de antes, estava estável, ela prometeu visita-los quando o bebê nascesse.

 

Carolina chamou Roberta para um barzinho, queria contar sobre Carlos, mas estava receosa, ela sabia que isso magoaria a amiga.

 

-- O que houve para você me chamar para sair em plena quarta-feira? – Ajeitou-se na cadeira –

 

-- Sei lá, eu não queria ficar em casa. – Olhava o cardápio –

 

-- Carol, o que houve?

 

-- Oi? – Olhou por cima do cardápio –

 

-- O que está acontecendo? – abaixou o cardápio que a médica segurava – Você só ia sair de casa no meio da semana se quisesse me contar alguma coisa.

 

Carolina olhou para ela e preferiu contar sobre sua promoção primeiro, e depois falaria sobre Carlos.

 

-- Eu fui promovida a chefe do programa de residência. – Sorriu –

 

-- Cara, que maneiro! Parabéns, você é meu orgulho! – Sorria – Temos que comemorar.

 

-- Tem outra coisa que preciso te falar.

 

-- Diz, depois dessa notícia, o que mais pode ter? – Chamou o garçom –

 

-- Eu vou ser titia. – Não sorriu dessa vez –

 

Roberta ficou com o braço levantado, assimilando a notícia, ia dar outros parabéns, quando se deu conta que isso só poderia ser sobre Carlos, o que a deixou triste por um momento. Tentou não demonstrar, mas não conseguiu disfarçar.

 

-- Ah, titia. – Sorriu sem graça – Ah sim. Entendo. – Abaixou o braço –

 

O garçom chegou na mesa para atende-las.

 

-- Boa noite, já escolheram os pedidos?

 

-- Sim, uma caipirinha dupla. – Roberta pediu –

 

-- Beta, não, você não bebe assim.

 

-- Hoje eu preciso.

 

-- E a senhora? – Olhou para a médica –

 

-- Suco de abacaxi com hortelã, por favor. – Olhou para o rapaz –

 

-- Já trago.

 

O garçom saiu e deixou as duas conversando.

 

-- Beta, não fica assim. – Segurou a mão da amiga sobre a mesa – Não fica chateada com ele.

 

-- Não estou chateada com ele. – Apertou a mão da amiga – Eu estou chateada comigo.

 

-- Não entendi.

 

-- Eu deixei o Carlos ir embora. – Repensou – Eu mandei que ele fosse embora. – Recolheu a mão – Eu perdi o meu amor por causa de orgulho ferido. – Lágrimas nos olhos –

 

Carolina entendeu o sentimento da amiga, de perda, de ter permitido que a imaturidade da época se sobrepor ao amor que sentia. Roberta não foi capaz de lidar com os problemas no passado e agora no presente se arrependia das ações impensadas.

 

-- Você ainda o ama, não é? – Olhou para a amiga –

 

-- Sim. Eu amo o Carlos. Nunca deixei de amar, mas eu não consegui lidar com tudo aquilo que eu passei.

 

O garçom trouxe as bebidas e entregou na mesa. Roberta observou o copo de caipirinha sobre a mesa e se arrependeu de ter pedido tanto álcool.

 

-- Se arrependeu né. – Carolina percebeu –

 

-- Pois é. – riu – Eu me arrependo de muitas coisas hoje em dia. – Olhou triste para a amiga –

 

            Carolina entendeu o que ela quis dizer, e sentiu compaixão pela amiga que estava ali tão frágil, finalmente ela admitiu que ainda ama Carlos e que se arrepende dos acontecimentos que vieram depois daquele fatídico acontecimento.

 

-- Bebe só o que conseguir. Que nem criança.

 

Roberta pegou o copo e levantou oferecendo um brinde à amiga tentando mudar de assunto.

 

-- A você, que apesar de todas as possibilidades serem contrárias, conseguiu vencer o sistema e realizar o seu sonho de estudar medicina e se tornou uma médica espetacular. – Sorriu –

 

Carolina levantou seu copo de suco e bateu no da amiga.

 

-- Obrigada.

 

Beberam um gole em seus copos. Roberta fez uma careta. Carolina levantou o copo de novo e Roberta não entendeu.

 

-- Agora eu quero brindar a você, por ter conseguido atingir sua meta, pela sua força de vontade em melhorar e hoje está aí, linda e com saúde, pronta para seguir em frente. Obrigada por estar ao meu lado.

 

Brindaram novamente, várias mudanças, novas experiências, um futuro promissor para as duas amigas que conversavam naquele bar. Tanta força escondida debaixo de rostos tão frágeis.

 

-- Carol, vamos pedir um petisco? Eu vou morrer com esse copo de cachaça desse tamanho. – Riu –

 

-- Só você Roberta. – Balançou a cabeça –

Fim do capítulo