AnaLu

O sol queimava a minha pele e a cada braçada eu percebia o quanto havia sentido falta de surfar. Me recriminei em silêncio por ter me deixado abater e ficado tanto tempo sem entrar em comunhão com o meu Deus. Aqui no meio do oceano, sentindo a brisa leve, sentindo a água salgada lamber a minha pele. e levar todo e qualquer resquício de sentimentos ruins, eu sorrio feliz. “Caraca, muleque! Que saudade que eu tava disso!”.

— Que delicia essa morena, ô lá em casa! – me viro e vejo Jorge chegando com a rapaziada da quebrada. Dou um alô geral e fico perto do meu amigo.

— Ah, neguinho... já te disse que aqui tem muita areia pro teu caminhãozinho!

— Não custa tentar, né? – Jorge estava triste. Eu conhecia meu melhor amigo como a palma da minha mão.

                — Preto... abre teu coração pra tua AnaLu... o que foi? – me aproximei do seu longboard para que nossa conversa não fosse ouvida por ninguém.

— AnaBea... não sei mais o que fazer. – neguinho tava cabisbaixo, ele realmente gostava muito da minha irmã.

— Jorge, dá tempo pra ela. AnaBea não é como eu. A mana precisa se descobrir, precisa curtir a vida... e se o lance entre vocês for pra ser será.

— Mas e se ela não voltar?

— É porque não era pra ser, velho. – Jorge olha para a praia sério.

— O que eu faço?

— Você gosta dela de verdade?

— AnaLu, eu sou completamente apaixonado por aquela branquinha. Eu faço qualquer coisa por ela. O que ela quiser, ela tem de mim. Eu fico olhando o telefone querendo mandar mensagem só pra saber como ela tá. Eu até tô assistindo Riverdale sozinho porque sei que ela gosta... e bem – ele parecia envergonhado – era uma coisa que ela me obrigava fazer, eu não gostava...mas agora viciei...

— É, neguinho... tu tá com os quatro pneus arriados pela mana.

— Eu sei. E também sei que ela não sente o mesmo por mim.

— Velho... espera. Fica por perto, mas sem sufocar. Não faz papelão, nem da crise de ciúme se ver a mana com alguém. Espera. Mas não deixa de viver. Se for pra ser, será. – ele me olhou triste. – Uiii, me puxei agora né, neguinho? Fui meio que um mestre Yoda misturado com Mestre dos Magos! – começamos a gargalhar no meio das ondas e a rapaziada ficou sem saber o que estava acontecendo. Certo que acharam que era larica.

O que eu não falei para o Jorge é que eu via AnaBea muito mais feliz agora, do que quando estava com ele. Engraçado isso. As pessoas tendem a romantizar tudo, né? Você só é feliz se tem alguém. Caraca, não! Não! Não adianta ter alguém se você não é feliz consigo mesmo. Se você não tá feliz com a pessoa que você é, com o que tem, com o que faz... E só quem pode mudar isso é você e mais ninguém. “Uiiii, hoje tô me sentindo um livro de auto-ajuda Vou fazer um podcast – Palavras de AnaLu!”. Comecei a rir sozinha e a rapaziada agora teve certeza que eu tava brisada.

Fui jogar futvolêi com Jorge, o Cebola e o Carniça. Eu fazia par com o Cebola que era um dos meus amigos de infância. Nós nos respeitávamos. Ele na sua comunidade e eu aqui na praia. Depois que eu cresci, juntava uma galerinha para dar aula de violão no quiosque do Zé. Pagava aluguel para ele e fazíamos isso quando tinha pouco movimento na praia. Eu dava também os violões se a molecada ajudasse a manter limpa a praia, claro que para isso eu pedi permissão ao Cebola, que é o chefe da quebrada. E como ele era meu parça de infância, deixou sem problema.

Depois do jogo, combinei com o Jorge, de chamar a galera do tempo de escola lá pra casa. Minha ideia era manter o meu amigo perto para que a mana tivesse realmente a certeza se estava fazendo a coisa certa. Não que eu quisesse forçar uma situação. Mas como tu vai ter certeza se não vê mais a criatura, né? Então, combinei isso com o neguinho. As mamães iriam para Búzios e a casa estaria liberada.

Subo correndo as escadas para tomar um banho e comer um lanche. Ainda tenho que ligar para Summer e AnaBea, que dormiu na vó Theodora, para virem para cá. Entro no meu quarto e a realidade me toma por completo... as fotos da Luiza estão ainda onde estavam antes... e tudo o que por uma manhã... uma ridícula manhã... eu consegui sufocar... veio à tona.

Luiza não ligou, não mandou mensagem, nada. Três dias. Três fucking days! Ela deve ter encontrado o MP4 e o Heleno no 1 dia de viagem, e não FALOU NADA! NADA! NADA! Fiquei olhando o celular. Stalkeando as redes sociais em busca de qualquer sinal de que ela se importasse. Nada. Foi então que eu vi uma foto numa rede social onde ela foi marcada. Nessa foto ela estava sorrindo para câmera junto a uma loira que, apesar de rústica, era belíssima. A legenda dizia: “Ohhh... vontade não faltou, morena, de te laçar e te levar na minha garupa pro meu MS!”. Luiza responde: “Gostei muito da companhia! Com certeza nos encontraremos em breve! E na próxima vez, encherei a Bá de beijos!”.

Gostei muito da compania. Em menos de um dia já encontrou companhia.

Com certeza nos encontraremos em breve. Tá marcando encontro. Puta que pariu!

E na próxima vez, encherei a Bá de beijos. PORRA! Já sabe até o apelido da bucet* da outra, e tá falando que vai encher de beijos! DE BEIJOS! Em rede social!

Quando eu vi essa troca de mensagens foi a gota d´agua. Hoje pela manhã, acordei antes do sol raiar e fui surfar. Consegui não pensar nela, mas agora não teve como bloquear as lembranças. Me olhei no espelho do banheiro vendo meus cabelos que batiam na minha cintura. “Eu adoro seus cabelos compridos, porque eu posso colocar os dedos e puxar enquanto você me lambe...”. Mais uma lembrança. Tomei um banho só para tirar o sal. Avisei a tia Edi que a galera iria chegar, liguei para as meninas e fui na barbearia da esquina.

Luiza

Cheguei ao aeroporto já eram quase meio-dia. Pelo menos eu vim com meu jatinho particular e pude tomar um bom banho hoje pela manhã, além de dormir numa cama decente. Mesmo assim, eu sempre fico embrulhada com os voos longos. Antes era mais, hoje em dia muito menos.

Consegui antecipar tudo o que podia e cancelei alguns compromissos menos importantes, tudo para poder estar antes em casa e ver minha AnaLu. Não liguei e não mandei mensagem porque tudo o que eu quero dizer a ela deve ser pessoalmente. Olhos nos olhos. Pele na pele. Sentindo seu cheiro e o calor do seu toque.

Heleno não me abandonou um minuto sequer. No primeiro dia, enquanto eu estava em um ensaio fotográfico para uma famosa revista, Jake o levou até uma loja, muito comum no exterior, que é especializada em montar o seu ursinho de pelúcia. Heleno teve seu dia de “princesa”. Deram banho, trocaram partes e o enchimento, revitalizaram... a atendente queria jogá-lo fora e fazer um totalmente novo, mas Jake foi enfático, pois Heleno só tem um. Depois desse primeiro dia, meu querido ursinho conselheiro me acompanhou para todo lado e eu fiquei horas conversando com ele sobre o que eu falaria para AnaLu, para Nanda, para Clarinha...

Agora eu estava sentada no carro, Heleno, ao meu lado, vestido de marinheiro, com cinto de segurança e óculos escuros. Se estou extrapolando com esse urso? Sim. “Mim deixa.”.

Chego em frente às nossas casas e vejo vários carros parados. Sons de risada podiam ser ouvidos perfeitamente da rua. Que estranho. Em plena quinta-feira! Peço a Jake que leve minhas malas para casa e me direciono para o quintal das minhas melhores amigas, de onde ouço a música alta tocando. Abraço mais forte Heleno e vou até o quintal. Vejo um monte de rostos conhecidos. São ex-colegas das meninas de escola.

Eles haviam trazido para o quintal algumas mesas da sala de jogos como ping-pong e sinuca e jogavam animadamente. Outros jogavam vôlei dentro da piscina.

— Oi, tia Lu. – um loirinho que não recordo o nome disse, saindo sem esperar eu responder. Fiquei procurando com os olhos a AnaLu e não a encontrava.

— Oi, tia! – algumas garotas passaram e eu as cumprimentei.

— Tia, Lu, quanto tempo! – Jorge me deu um beijo babado. O menino já havia bebido demais. Procurava AnaLu e ainda não tinha encontrado em lugar nenhum.

Olhei para mesa de ping-pong e a mesa de sinuca onde alguns garotos jogavam. Na piscina ela também não estava.

— Dinda! Não tava viajando? – AnaBea chegou com Summer e outra menina que eu não conhecia.

— Eu voltei mais cedo. Cadê o resto do pessoal? – não quis perguntar diretamente quem eu mais queria, porque Summer estava ali.

— As mamães e os vovôs estão em Búzios, João tá no estágio e AnaLu tá por ai.

— Ah, ok.

— Quer alguma coisa, Lu?

— Quero não.

Fui até a cozinha pegar um pouco de suco e Edy me contou das últimas doenças que ela estava tendo. Escutei todos os problemas, falando aquelas coisas que a gente fala quando não tem o que falar como: “vish” “pois é” “é brabo mesmo”.

Voltei para a piscina e sentei perto de uns garotos que falavam sobre futebol. Não entendi quase nada o que diziam, só que uma goleira gostosa havia casado com uma atacante mais gostosa ainda. (N/A: Spoiler de Amor em Jogo).

Coloquei Heleno sentado em cima da mesa e ainda fiquei procurando AnaLu com os olhos. Na mesa de sinuca um dos garotos havia tirado a camiseta e a bermuda.... perai... PUTA QUE LOS PARIU!”...  ficando só de biquíni... um biquinizinho pequenino... azul... num corpo escultural... perai... “PUTA QUE LOS PARIU!”... meu coração começou a bater descompassado... eu conheço aquela bunda... PUTA QUE LOS PARIU!”...

Continuei a observá-la de costas. AnaLu tinha cortado o cabelo raspado na nuca, deixando um pequeno topete arrepiado... eu estava procurando a minha menina de cabelos longos... PUTA QUE LOS PARIU!”...

Daqui eu conseguia ver a tatuagem nova dela. “Puta que los pariu, Luiza! Tansa! Passou duas vezes e não viu que era ela!”. Ela por sua vez estava entretida no jogo que nem me viu. Continuei a observá-la rindo e brincando com os outros garotos. Tinha um cheio de dedos para ela... Ficava colocando a mão nas suas costas, naquele vão da coluna... aquele que eu lambi tantas vezes fazendo ela gem*r...

— Tia, Lu, tira uma selfie com a gente? – uns garotos vieram e eu não tive como recusar, colocando minha máscara de “Sou simpática!”.

Quando eu volto meu olhar para a mesa de sinuca AnaBea estava lá falando com a minha AnaLu que olha na minha direção com um olhar indefinível. Sorrio e me levanto com Heleno no colo. Ela olha para ele e sua expressão se suaviza um pouco. Vendo de frente seu corte de cabelo ficou lindo! Combinou muito com ela.

AnaLu se despede do pessoal da mesa e começa a caminhar na minha direção, como uma felina. Seus olhos aprofundavam-se aos meus. Meu coração traiçoeiro errou uma batida. “Essa menina deveria ser proibida de usar biquíni em público, meu Deus!”. O gingado dos seus quadris... me lembrando de tempos atrás onde aqueles mesmos quadris estavam na minha boca... mordo forte meu lábio inferior, tentando sufocar um gemido que teimava em querer sair... e, PUTA QUE LOS PARIU, seria vergonhoso essa garotada perceber.

— Oi, tia Lu. – sua voz rouca fez meu sex* pulsar. Eu queria pega-la pela mão e tira-la dali. Prende-la na minha cama e só deixar ela sair quando toda a minha sede por ela fosse saciada.

— AnaLu, bora brincar de Marco Polo? – o mesmo muleque cheio de dedos se aproxima. – Tia Lu! – ele me abraça como se fossemos velhos conhecidos. – Como a senhora tá, tia?

— Bem. – falei seca.

— Meu pai vai enlouquecer quando souber que a senhora tava aqui. Quando ele era adolescente ele tinha uma foto sua no quarto. – falou em tom de segredo. O clima ficou estranho. Muito estranho.

— Vai indo que eu já vou, Lucas. – AnaLu falou e o garoto saiu feliz.

— Esse é o Lucas? Mas ele não era gordinho?

— Adolescência faz isso com as pessoas. Fala, Luiza, quer alguma coisa? A galera tá me esperando... – ela me olhava com tristeza misturada com raiva. Alguma coisa estava errada.

— Eu vim te trazer o Heleno. – entreguei a ela o urso reformado. AnaLu o pegou com carinho o fitando por um longo tempo.

— Tá lindão. – disse por fim. Ok, vai ser mais difícil do que eu pensei.

— Você também, esse cabelo... quer dizer...

— Mais alguma coisa?

— Não.

— Ok, Lu. A gente se vê. – ela sai com Heleno nos braços e eu não sei o que fazer para tê-la de volta. Uma dor me consome e eu não sei como aplaca-la.

— A gente se vê.

Fim do capítulo