CapÃtulo 10
Quando chegou no haras.
- Pensei que não ia mais voltar pra casa! - falou Sílvia indo ao encontro da sobrinha e lhe dando um abraço carinhoso.
- Vê só o que essa menina aprontou comigo, dona Sílvia! - Roberto levantou a lona da caminhonete.
- Vai abrir uma loja de colchões, querida? - Beatriz gargalhou com a tia.
- Nada tia, isso foi uma gambiarra minha e de Roberto pra conseguir trazer a TV.
- E pra quê você quer uma TV desse tamanho, menina?
- Pra jogar videogame, ué!
- Beatriz, e você lá tem tempo pra isso? Você não para um instante!
- Quando estiver tudo do jeito que eu quero, eu terei tempo de sobra tia. Então, já providenciei algo para me entreter. - Sílvia revirava os olhos.
- Se está com problema de vista, deveria era ter comprado um óculos. Como que você vai levar isso lá pra dentro?
- Eu levo dona Sílvia, não se preocupe. Levo, instalo, a menina merece um pouquinho de distração mesmo. Heitor, me ajuda a subir com isso pra o quarto de dona Beatriz.
- É por isso que você é meu preferido Roberto! Deixa tudo lá, que quando eu voltar instalo o videogame.
- Mas já vai sair de novo?!
- Vou ver minha ruiva tia, volto já! - deu um beijo na tia, pegou o capacete e a moto e saiu em direção as baias.
- Boa tarde, Cícero! Cadê Mérida? - antes de Cícero responder Beatriz pode ouvir os sons de Mérida. - Não precisa nem dizer, ela já respondeu! - Cícero sorriu, as duas tinham uma ligação muito forte mesmo.
- Oi minha menina! Estava com saudades de mim? - falava enquanto afagava a cabeça de Mérida que parecia feliz em ver a dona. - Também senti sua falta minha ruiva. Mas estou de volta, amanhã a gente sai pra passear tá bom? Tá muito quente agora. Quer tomar um banho? - Beatriz pegou um cabresto e colocou em Mérida, a levou até a área destinada a ducha dos cavalos. A escovou, deu um banho, deixou que ela tirasse um pouco do excesso da água. Beatriz a tocava com sutileza, afagava sua crina e encostava sua cabeça a dela, Mérida parecia gostar do contato. Se entendiam pelo olhar.
- Agora preciso ir, tia Sílvia ficou com ciúmes. Amanhã cedo volto pra gente passear. - Mérida soltou um relincho de protesto. - Não seja malcriada!
- Esses dias, foi um sufoco tirar ela da baia, dona Beatriz, estava num mau humor do cão por não está vendo a senhora. Só faltava morder os meninos, o único que ela ainda aceitava sair pra ficar no pasto era com senhor Roberto, nem eu ela queria saber.
- Essa menina é muito geniosa, Cícero. Fica bem minha ruiva. Até amanhã! - deu um beijo na testa de Mérida e voltou para sede.
- Como estava sua menina mimada?
- Mal ouviu minha voz, já começou a bater o casco no chão e bufar. Cícero disse que ela estava impossível.
- E estava mesmo. Tiveram que me chamar pra conseguir tirar ela da baia. Pense numa ruiva tinhosa. - Beatriz sorriu satisfeita, tinha encontrado a parceira perfeita. - Já está tudo instalado, dona Beatriz, eu achei que a parede não iria sustentar, aquela coisa pesa demais!
- Obrigada Roberto, vou instalar o videogame e inaugurar alguns jogos.
- Mocinha, a senhorita vai tomar um banho e vir almoçar, Roberto disse que vocês não comeram nada no caminho. Pode tratar de subir e descer em quinze minutos, ou eu vou te buscar lá em cima!
- Calma tia! Tô indo! Segura a chinela! - passou correndo pela tia e rindo.
- Priscila ligou preocupada, disse que tentou falar com você esse tempo todo e não conseguiu.
- Oxe, meu celular não tocou! - Beatriz pegou o celular no bolso da calça – Eita caramba! Esqueci ele no silencioso! Vou subir e ligar pra ela. Volto já pra almoçar tia, tô vesga de fome já.
No quarto.
“- Boa tarde, Beatriz!”
“- Boa tarde, Priscila! Celular estava no silencioso, esqueci de desativar. Cheguei agora lá do estábulo e tia me deu o recado. Quem está querendo falar comigo é a minha namorada ou a minha funcionária?”
“- As duas.”
“- Pode falar, o que houve?”
“- Carlos me ligou, um pouco depois que você saiu daqui, questionando o porque dos relatórios, se era tão importante, por que eu mesma não fazia. Disse a ele que esse assunto ele deveria tratar com você, ele me respondeu que não trataria mais nada com você, porque você, assim como sua tia não entendem de nada e que se eu quisesse, a gente poderia entrar num acordo onde eu não me arrependeria, desde que tirasse você do pé dele. E tem mais, que ele não abriria mão tão fácil assim da fazenda.” - Priscila ouviu um suspiro pesado do outro lado da linha.
“- Abrir mão da fazenda? Ela está pensando que é quem? Ele não tem direito algum sobre ela… Quarta-feira eu resolvo isso. Providenciou o celular para Letícia?”
“- Sim, ela veio buscar agora a pouco e já avisei a ela sobre a viagem de quarta e o horário que você passaria para pegá-la, ela vai estar na casa da namorada.”
“- Certo, me passa o número por whatsapp, quero deixar salvo, caso aconteça alguma eventualidade. Mais alguma coisa?” - Priscila ficou alguns segundos em silêncio, Beatriz estava com um tom muito formal, talvez não estivesse a fim de conversa que não fosse de trabalho.
“- Não, só isso mesmo.”
“- Tudo bem então, se Carlos voltar a te ligar, ignore as ligações, ele poderá falar conosco pessoalmente dentro de dois dias. Até mais!”
“- Até mais, Beatriz!” - Priscila sabia que havia pisado na bola e que não seria fácil dobrar Beatriz. Enquanto sua cabeça fervilhava, seu telefone particular tocou, era Beatriz.
“- Oi!”
“- Agora me diga o que a minha namorada queria comigo.” - Priscila sorriu, por dentro e por fora.
“- Saber se estava tudo bem, se você tinha chegado bem, se conseguiu colocar aquela TV enorme na caminhonete?”
“- Sim para todas as perguntas. Mais alguma coisa?”
“- Estou com saudades! Vai ser difícil dormir sem você.”
“- Também estou, mas daqui a pouco estaremos juntas novamente, quarta chega já.”
“- Tá bom. Vou voltar ao trabalho que aí ocupo a mente e o tempo passa rápido. Tchau!”
“- Tchau! Se cuida, não vai trabalhar demais.” - antes que Priscila pudesse responder, Beatriz encerrou a ligação, realmente não seria fácil.
Durante o almoço, Beatriz contou a tia a decisão que havia tomado sobre ajudar a família de Sara. Sílvia achou um gesto muito generoso da sobrinha e a parabenizou por isso.
- A gente não pode ajudar todo mundo, mas sempre que possamos fazer o bem a alguém, estamos fazendo a nós mesmo também. - conversaram mais um pouco sobre o andamento do relacionamento dela com Priscila, que haviam decidido assumir um relacionamento sério, não quis preocupar a tia sobre Carlos, muito menos sobre seu desentendimento com Priscila.
- Tia, vou subir, reinar um pouco nas coisas que trouxe e depois descansar. Amanhã tem muita coisa pra fazer e quarta-feira será um dia longo. Não precisa me chamar pra jantar, se der fome no meio da noite, faço um lanche. Fica bem. - deu um beijo na testa da tia e subiu para o quarto.
Instalou o videogame, jogou um pouco de cada jogo que havia comprado, quando deu por si o celular já estava despertando sobre o horário do remédio. Tomou uma ducha rápida e foi dormir. Achou melhor não falar com Priscila, estava um clima estranho entre as duas, era melhor deixar passar.
Por sua vez, Priscila resolveu respeitar o silêncio de Beatriz. A única mensagem que enviou foi com o número do celular de Letícia, como ela havia pedido. Nem mesmo um “boa noite”, recebeu ou enviou. Dormiu agarrada ao travesseiro que Beatriz havia usado nos dias que passou lá, precisava resolver aquela situação logo.
A terça-feira foi bem corrida para ambas, Beatriz passou o dia quase todo nas obras do haras e resolvendo pequenos entraves nas outras propriedades, algumas coisas, apenas ela poderia resolver, fugia da responsabilidade de Priscila. A noite chegou e assim como o dia anterior, mal se falaram. Um pouco antes de adormecer, Beatriz ouviu um sinal de mensagem em seu celular.
“- Boa noite, meu amor! Espero que você esteja bem, senti sua falta ontem na minha cama e hoje o dia todo, saudades. Até amanhã!” - já estava sonolenta demais para responder, os olhos estavam bem pesados, sorriu ao receber aquelas poucas linhas, abraçou o celular e dormiu agarrado com ele.
- Filha, tem certeza que não quer que Roberto vá com vocês?
- Tenho tia, fica tranquila! Roberto é meu braço direito aqui no haras, ele estando aqui fico tranquila, porque sei que a senhora está bem acompanhada e pode contar com ele pra o que precisar. Confie em mim, vai dar tudo certo, e hoje eu baixo a crista daquele safado.
- Tudo bem, mas tenha calma.
- Eu estou calma tia. A senhora nunca me viu ensandecida. - Beatriz sorriu para tia.
- E nem quero ver. Façam uma boa viagem, que Deus as acompanhe, quando chegar me avise.
- Pode deixar, aviso sim. - deu um beijo e um abraço na tia. - Cuida dela pra mim Roberto!
- Pode deixar dona Beatriz! - quando o carro já havia se afastado o suficiente.
- Quando você vai contar pra ela?
- Logo. Deixa ela resolver essas questões nas outras fazendas, principalmente nessa, que a gente conversa com ela.
- Tudo bem. Deixa eu ir pra lida, que Mérida vai passar mais uns dias de mau humor.
Pouco antes das nove, estacionou o carro em frente o prédio de Jéssica. Avisou a Letícia que já estava aguardando. As duas desceram juntas, Jéssica fez questão de cumprimentar Beatriz.
- Bom dia, Beatriz!
- Bom dia, Jéssica! Tudo bem? - a outra apenas assentiu com um aceno de cabeça.
- Se cuida, tá? Quando chegar me avisa. - deu um selinho em Letícia, Beatriz não se mostrava nem um pouco incomodada com a cena.
- Beatriz se importa se eu for aqui atrás?
- Não, de forma alguma. Vou passar pra pegar Priscila e como vamos revesar no volante, é bom que ela já venha aqui na frente.
- Tchau meu amor. - deu outro selinho antes de entrar no carro. Beatriz acenou com a mão para Jéssica e partiu em direção a casa de Priscila.
O trajeto era curto, fizeram todo ele em silêncio. Assim como fez com Letícia, ligou para Priscila avisando que já estava esperando por ela. Cinco minutos depois, ela já estava entrando no carro.
- Bom dia, Letícia!
- Bom dia, Priscila!
- E eu não ganho bom dia não? - Priscila sorriu. O humor de Beatriz parecia está bem melhor.
- Bom dia, meu amor! - deu um selinho demorado na namorada que a retribuiu com um olhar cheio de carinho. Letícia arregalou os olhos, por trás dos óculos escuros, por essa ela não esperava.
- Quando sua mensagem chegou já estava mais com Morpheus do que aqui, por isso não respondi, mas dormi abraçada com ela. - deu um selinho em Priscila. - Bom dia! Agora vamos pegar a estrada que essa danada é comprida.
A viagem duraria em torno de quatro a cinco horas. Pararam para almoçar por volta do meio dia, Priscila assumiu o volante, enquanto passavam para Letícia o panorama geral do que encontrariam por lá, o celular empresarial de Priscila tocou, era Carlos.
- Para o carro no acostamento. Atende e coloca no viva voz.
“- Pois não, Carlos, boa tarde!”
“- Boa tarde, Priscila, queria saber se você pensou no assunto?”
“- Não tem assunto nenhum que eu deva pensar, Carlos. A não ser o fato de você ainda não ter entregue os relatórios contábeis que lhe pedi.”
“- Lá vem você com esse papinho de relatórios. Se você quiser relatórios, você mesma venha aqui e faça, só assim fico sabendo se a dona da voz é tão bonita quanto ela.” - Beatriz sentiu o sangue ferver, Letícia soltou um “vixi” bem baixinho.
“- Sabia que isso tem nome, Carlos? Assédio e insubordinação, você poderia ser demitido por justa causa e ainda sofrer processo por isso.”
“- Quem é que está falando?”
“- Pelo visto você não acha a minha voz tão bonita quanto a de Priscila, pra não associá-la a sua chefe!”
“- Ô dona Beatriz, me desculpe, é que eu sempre me reporto mais a Priscila, por isso não reconheci de imediato sua voz. E quanto ao que falei é só brincadeira, Priscila já está acostumada com isso.”
“- Eu tenho certeza que não é só brincadeira, e no meu grupo de trabalho eu não admito esse tipo de brincadeira, entre funcionários. Isso se configura em assédio sim e eu tenho certeza que Priscila nunca lhe deu ousadia para esses tipos de comentários. Mas isso é conversa para outro dia. No momento estamos ocupadas demais pra perder tempo com você. Passar bem!” - antes mesmo de Carlos tentar contra argumentar, Beatriz encerrou a ligação.
- Há quanto tempo ele te trata desse jeito?
- Bia, não se preocupa com isso, Carlos é um escroto. Tipicamente machista…
- Há quanto tempo, Priscila?!
- Desde que eu assumi a administração geral dos negócios.
- O que? E por que você nunca me falou isso?
- Porque você já tem problema demais, eu não queria te deixar do jeito que você está agora.
- Não senhora, pode parar! Não é culpa sua eu está querendo matar aquele filho da puta! Você é vítima e não culpada. Vamos continuar a viagem, você vai dirigindo, porque se eu chegar lá e der de cara com ele, capaz de eu passar por cima dele com o carro.
- Eu não tenho dúvidas disso! - Letícia deixou escapar do banco de trás.
Beatriz estava visivelmente incomodada com aquela situação, independente de Priscila ser sua namorada ou não, aquele tipo de coisa sempre a tirou do sério: homem que não sabe respeitar mulher. Por volta das três da tarde chegaram na porteira da fazenda, havia um funcionário na guarita.
- Boa tarde! Pode abrir a porteira por favor? - o funcionário olhou para Priscila com desdém.
- E a senhora quem é? Senhor Carlos não autorizou a entrada de ninguém hoje na fazenda e eu não conheço vocês. - Beatriz já massageava a testa em sinal de impaciência, realmente Carlos se achava o dono da propriedade.
- Eu sou Priscila, essa ao meu lado é Beatriz e a que está no banco de trás Letícia. Administradora geral, dona da fazenda e veterinária responsável por todo grupo Magalhães, seguindo a ordem dos nomes. - deu um sorriso debochado para o rapaz.
- Eu vou ligar para o senhor Carlos, até onde sei não existe nenhuma dona da fazenda com nome de Beatriz. - Beatriz tirou os óculos de sol e desceu do carro.
- Meu querido é o seguinte, eu até entendo que você não nos conheça e esteja apenas fazendo seu trabalho, mas até isso você pode fazer de forma educada, agora, ou você abre essa maldita porteira ou você vai pra rua junto com o senhor Carlos quando eu demitir ele.
- Até parece que uma pessoa como você seria dona de algo assim. Dá meia volta dona, aqui não é hospício nem lugar de pouca vergonha não. - já prevendo o que ia acontecer, Letícia desceu do carro e segurou Beatriz pelo braço.
- Não faz isso, você tem todo direito de estar furiosa, mas não perde a razão. Liga pro idiota e fala que está aqui pra ele mandar esse babaca abrir a porteira.
- Mas nem fudendo eu vou pedir permissão pra entrar numa propriedade que é minha. Se ele não vai me deixar entrar, a polícia vai fazer com que ele deixe. - nesse instante o funcionário percebeu que talvez tivesse cometido um terrível erro, no meio da confusão apareceu um senhor montado num cavalo, que veio averiguar do que se tratava aquilo tudo.
- O que está acontecendo aqui, Felipe?
- Essa dona aí, e essas outras duas loucas, querem entrar na fazenda do doutor Carlos, e essa grandona insiste em dizer que é a dona disso aqui. Diga se não é uma piada, Zé?
- Piada sem graça vai ser você passar amanhã no RH pra pegar suas contas. Abre a porteira que a dona da fazenda realmente está aqui. Seja bem-vinda minha querida! - falou Zé descendo do cavalo - Não sei se você lembra de mim, mas fui muito amigo de seu pai. - Beatriz não sabia se as lágrimas eram de raiva ou de saudade, foi Zé que a ensinou andar a cavalo, antes do haras onde Sílvia morava, aquela era a fazenda favorita dos pais de Beatriz, a última vez que esteve com eles foi lá.
- Como eu iria esquecer de você? - o abraçou com força. - Depois do meu pai você é o responsável pela minha paixão por cavalos, foi você que me ensinou a montar. Quanto tempo meu velho! - lhe deu outro abraço apertado.
- Dona, me desculpe…
- Abre a porteira moleque. Você já fez a menina esperar tempo de demais. - prontamente Felipe abriu a porteira. - Vou seguindo vocês a cavalo.
Ao retornar para o carro.
- Você está bem, meu amor? - Beatriz respirou fundo.
- Vou ficar quando matar alguém. - Letícia sorriu balançando a cabeça.
- Você não muda mesmo! Sossega mulher, você vai fazer algo bem pior que matar, vai tirar dele o que é seu por direito. - apesar de não demonstrar, Priscila ficava incomodada com o fato de Letícia conhecer melhor Beatriz do que ela, era incrível o poder de acalmar que a ruiva tinha sobre Beatriz.
Ao chegar na sede da fazenda, Carlos já havia sido informado pelo porteiro que Beatriz estava chegando. Ele a esperava na porta da casa principal.
- Dona Beatriz! Por que não avisou que viria? Teria deixado avisado, a senhora não teria passado por todo esse constrangimento. - Zé vinha chegando junto, Priscila veio devagar para que fosse possível ele acompanhá-las, ele queria estar ali, sabia que aquele embate não seria fácil, Carlos era ardiloso, Zé estaria lá caso Beatriz precisasse.
- Eu não preciso avisar que estou vindo para a minha fazenda! – falou o minha com bastante ênfase. - E outra, pode ter certeza que quem passou constrangimento não fui eu. Agora saí da minha frente, que a conversa que quero ter com você, só vou ter amanhã, ainda falta gente chegar. Vamos meninas guardar as coias e descansar, o dia vai ser longo amanhã. - ao entrarem na casa, a mulher de Carlos veio do andar de cima já esbravejando.
- Mas o que diabos é isso que está acontecendo? Quem são vocês, porque estão entrando na minha casa sem convite? - Beatriz revirou os olhos.
- Era só o que me faltava! Sua casa? Eu é que pergunto, o que você está fazendo na minha casa? Porque até onde eu sei em todas as fazendas há uma casa para o administrador e a casa principal fica livre, para quando os donos – falou se virando pra Carlos – chegarem a sede, ter onde ficar. Ou estou errada, Carlos?
- Está certa dona Beatriz, é que meu irmão estava desempregado e cedi a casa que eu deveria ficar pra ele. Como dificilmente alguém aparece por aqui, eu achei…
- Você não é pago pra achar nada, inclusive você não faz nada do que é pago para fazer.
- Você não disse que essa drogada jamais apareceria por aqui? E não é porque você herdou isso aqui dos seus pais que tem o direito de falar assim com meu marido, ele que mantém essa fazenda de pé. - Beatriz gargalhou.
- Sério isso? Os dois, fora daqui, agora!
- Dona Beatriz, calma, a casa tem oito quartos, tem sete quartos disponíveis ainda, dá pra acomodar tranquilamente a senhora e suas amigas. - lançou um olhar de cobiça de soslaio para Priscila.
- Sabe, Carlos, agora eu entendo porque você fica assediando minha funcionária pelo telefone, com uma voz histérica dessa da sua mulher, você tem que achar a voz de Priscila bonita mesmo. Agora deixa eu esclarecer um pouco melhor, antes que eu tenha de desenhar. Eu até poderia, caso você fosse outro tipo de pessoa, dividir um espaço que é meu com vocês, mas eu não quero e nem tenho obrigação alguma de fazer isso. Vocês têm trinta minutos para pegar as coisas de vocês e sumirem daqui, no entanto não ouse sair da fazenda, ou mando a polícia atrás de você. - Beatriz falava de forma serena, apesar de já sentir os efeitos da ansiedade tomando conta do seu corpo, ela não podia surtar agora, não ali.
- E a madame acha que vamos ficar onde? - perguntou a mulher de Carlos com deboche.
- Isso não é problema meu. Em uma das várias baias vazias por causa dos cavalos que seu marido vendeu sem autorização, por exemplo. - Carlos perdeu a cor imediatamente. - Tenho certeza que a senhora conseguiria ficar bem confortável lá. E só pra constar já se passaram cinco minutos. - falou Beatriz olhando para o relógio e dando um riso cheio de sarcasmo para os dois.
Quando a mulher de Carlos pensou em retrucar mais uma vez…
- Vamos Olga, com os ânimos estiverem mais calmos nós resolveremos isso. A gente fica na casa de Fernando, por enquanto.
- Pode ter certeza que é por enquanto mesmo. - sorriu ainda mais sarcástica Beatriz, sentando no sofá e colocando os pés sobre a mesa de centro.
Letícia e Priscila acompanhavam tudo estarrecidas, tanto pela falta de noção de Carlos e sua mulher, quanto pela frieza de Beatriz. Zé apenas coçava a barba acompanhando tudo.
- Sabe menina, desde moleca eu sabia que você seria durona, mas não imaginava que seria tanto! Seu pai teria orgulho de você, eu vejo a fibra dele aí. Você é igualzinha a ele. Deixar esses dois saírem pra poder ir embora também, quero garantir que ele não tente nenhuma gracinha. - Beatriz sorriu para Zé de forma aliviada. Vinte minutos depois Carlos e a mulher desciam as escadas, saíram batendo a porta, sem dizer uma palavra.
- Bia, não tem risco dele ter levado algum documento importante pra apagar os rastros? - Beatriz olhou para Zé e trocaram um riso cúmplice.
- Tudo que ele acha que não sei, alguém tratou de documentar e me entregar. - piscou o olho pra Zé. - Deixa eu te apresentar, Zé: Priscila a administradora geral do grupo e Letícia, a veterinária responsável por manter tudo em ordem a partir de agora. Meninas, esse é o Zé, meu escudeiro desde as fraldas. - Zé cumprimentou as meninas com um aceno de cabeça e se despediu para que elas pudessem descansar.
Antes de subir, Beatriz tinha uma última coisa a fazer. Foi até a cozinha.
- Boa tarde! Eu gostaria de pedir desculpas por toda a gritaria, que eu tenho certeza que vocês ouviram poucos minutos atrás. Vou passar um tempo aqui com vocês e depois de descansar um pouco, desço pra saber o que vocês estão precisando, pra que minha estada aqui seja a melhor possível para todos nós. Até mais tarde!
- Patroa. - chamou uma senhora que parecia ser a responsável pela cozinha. - O que a senhora vai querer para o jantar?
- Como é seu nome, minha querida?
- Inês, patroa.
- Inês, a partir de hoje, não precisa se dirigir a mim como patroa. Beatriz, dona Beatriz, como vocês acharem melhor, tudo bem? Respeito não vem com um título, não quero ser patroa de ninguém. E quanto ao jantar. Faça o que você sabe fazer de melhor, quando eu ou as meninas quisermos algo diferenciado, a gente fala com vocês. Um jantar simples e gostoso, estará de bom tamanho. Até mais tarde! - os empregados ficaram se entreolhando sem entender nada, tanto Carlos quanto a esposa, descreviam Beatriz como uma menina mimada e desajustada. Naquele momento ela se mostrava o oposto.
Já nos quartos.
- Não vai ficar comigo? - indagou Priscila quando Beatriz entrou no quarto sem as malas.
- Melhor não. - Beatriz deitava na cama, estava exausta.
- É por causa de Letícia? - Beatriz sentou quase que instantaneamente.
- Não, claro que não! Que ideia é essa? Você viu o clima que está aqui, eu não conheço ninguém aqui além do Zé, a maioria dos funcionários pelo visto são bem leais a Carlos. Eu não quero dar motivo para ninguém usar nossa situação como arma contra a gente.
- Tá bom. - respondeu Priscila com uma voz triste.
- Ei, vem cá. Não pensa bobagem. Confia em mim! Meus olhos, meus pensamentos, meu amor, são seus, não duvide disso. - trocaram um beijo terno. Priscila estava insegura, por mais que tentasse disfarçar. - Vou descansar um pouco, faz o mesmo, a gente se vê na hora do jantar. - deu mais um beijo na namorada antes de sair do quarto.
Na hora do jantar.
- Inês, você lê pensamentos?
- Não, dona Beatriz, por que? - respondeu Inês sem jeito.
- Se tem uma coisa que me faça perder os modos a mesa, é uma boa galinha guisada e só pelo cheiro dessa, eu sei que vou perder a cabeça. Ainda mais com uma macaxeira enxutinha desse jeito, aí sim, é pra acabar comigo. - Inês sorriu satisfeita, nunca havia recebido um elogio dos outros patrões. E realmente Beatriz comeu como se não houvesse amanhã.
- Bia, você vai acabar passando mal! - falou Priscila impressionada com a voracidade de Beatriz.
- Vou passar mal é se não comer isso aqui. Isso tá bom demais Pri! Inês, tem pão, com o miolo bem molinho pra eu passar nesse caldo que ficou aqui no prato?
- Tem sim, eu vou buscar pra senhora.
- Ainda cabe coisa aí?! Meu Deus! - Letícia ria com a cara de espanto de Priscila.
- Não é a toa que entre a gente ela é “magra de ruim” - falaram as duas ao mesmo tempo, enquanto sorriam, provavelmente relembrando alguns dos vários momentos que passaram por situações do tipo. Inês chegou a tempo com o pão, antes que o clima pesasse.
- Bom, agora que já estou saciada. Estava uma delícia Inês, de verdade. Agradeça as meninas por mim e se sinta parabenizada também. Estava perfeito! Eu preciso me reunir com você lá no quarto Priscila antes da reunião de amanhã. Preciso jiboiar deitada.
- Realmente, você comeu o equivalente a um boi. Santo Deus!
- Vamos? Letícia, amanhã logo cedo a gente sai pra vistoriar os animais, marquei com o Zé por volta das seis, tá bom?
- Está sim. Quanto mais cedo melhor.
- Boa noite, até amanhã!
- Até Bia, boa noite!
Já no quarto. Beatriz enlaçou Priscila pela cintura a beijou com saudade, um gemid* veio quase que instantaneamente de Priscila.
- Que saudade eu estou dessa boca! - deu mais um beijo demorado em Priscila.
- Só da boca?
- Não provoca! De você inteira! - mordeu o lábio, puxou Priscila consigo pra cama, o encaixe foi perfeito, Priscila sentada sobre o ventre de Beatriz, que já colocava as mãos habilidosas para funcionar.
- Bia… assim eu não resisto!
- A intenção é essa. - falava sorrindo com os lábios colados aos de Priscila.
- Do jeito que você comeu, é capaz de ter um troço se a gente fizer algo. - Beatriz levantou a sobrancelha. - Eu disse “se”, e nesse caso é apenas um se, realmente.
- Você está bem malvada comigo!
- Hoje estou preservando sua vida mesmo. - caíram na gargalhada, Priscila deitou ao lado de Beatriz na cama.
- Você falou que falta chegar alguém. Quem?
- Os advogados. Você acha que eu viria pra cá desarmada, que te colocaria sozinha nessa fogueira? De forma alguma, estaremos amparadas juridicamente também.
- Olha, eu estou encantada com essa sua perspicácia! Sério, estou muito orgulhosa de tudo que você vem conseguindo fazer, das decisões que vem tomando.
- Será que o que o Zé falou é verdade? Sobre eu parecer com meu pai, que ele teria orgulho de mim?
- Eu não tenho dúvidas disso, ele não me parece o tipo de pessoa que fala algo apenas para agradar alguém. Você foi maravilhosa com aqueles dois, se bem que teve momentos que eu achei que você fosse quebrar a cara dele, mas eu até entenderia.
- Eu não vou permitir que ninguém fale com você daquele jeito. Ele está com sorte que estou colocando o profissional na frente do pessoal, era pra ele está no hospital esse momento. - Priscila depositou um beijo cheio de carinho nos lábios de Beatriz. O celular despertou.
- Hora de dormir. - falou Beatriz tirando uma mecha de cabelo do rosto de Priscila. - E hoje vou realmente precisar do meu remedinho da paz. - sorriu mais uma vez.
- Qualquer coisa estou aqui do lado, tá? É só me chamar.
- Qualquer coisa, mesmo? Então nem precisa sair aqui do quarto.
- Menina impossível! Fica bem. Boa noite, meu amor! - deu um selinho em Beatriz.
- Boa noite! - Priscila voltou para o quarto, adormeceu rápido também, estava cansada, muita coisa havia acontecido.
Pela manhã, logo cedo, o cheirinho do café já tomava conta da parte de baixo da casa.
- Bom dia, meninas! - falou Beatriz ao entrar na cozinha. - Eu vim flutuando atrás desse café, que cheiro delicioso!
- A gente torra e mói os grãos aqui mesmo, por isso o cheiro é diferente desses vendidos em pacote. - falou uma das mulheres que estava na cozinha.
- Isso aqui é leite de verdade? Leite tirado direto da vaca? - Beatriz cheirava o líquido que estava na sua frente.
- Sim, quer um pouco no café? - os olhos de Beatriz brilharam.
- Quero sim, por favor! - ela sorveu aquele café com leite como se fosse um néctar dos deuses.
- Experimenta com esses biscoitos de nata. - Ofereceu Inês.
- Hummm! Isso aqui é muito bom, meu Deus!
- O que eu te disse, Priscila?! Eu sabia que ela não estaria mais no quarto. Isso é pior que um cão farejador pra comida, sente o cheiro de longe.
- Mas até meu estômago deu sinal de vida quando senti o cheiro do café. - emendou Priscila.
- Vocês precisam provar isso aqui, vocês não têm ideia! - Beatriz falava de boca cheia, as meninas da cozinha sorriam, enquanto Letícia e Priscila apenas revirava os olhos.
- Bom dia, meninas! Passaram bem a noite?
- Sim! - responderam as três ao mesmo tempo.
- Está pronta, Beatriz?
- Estamos! Letícia vai junto.
- Não se assustem com o que verão, a situação não está muito boa. Infelizmente choveu esses dias, a estrada está horrível, teremos que ir a cavalo e como não sabia que a doutora ia junto, trouxe apenas o meu e o seu.
- Tem problema não, ela vai comigo.
- Tudo bem então, vamos?
- Volto já, vai aprontando as coisas no escritório. Andrade e Mateus, estão chegando daqui a pouco. E desmancha o bico, apesar de você ficar linda com ciúme. - cochichou no ouvido de Priscila.
Beatriz subiu no cavalo e ajudou Letícia a subir a segurando pelo braço e fazendo impulso, num pulo ela já estava atrás de Beatriz, tentou se segurar de uma forma que não causasse tanto mal estar em Priscila. Beatriz segurou o trote do cavalo pra também evitar o máximo de contato, não queria nem Priscila, nem Letícia pensando besteira. Enquanto Zé seguia um pouco mais a frente.
- Senti o olhar de Priscila me fuzilando.
- E estava mesmo. - sorriu Beatriz. - Mas relaxa, eu tenho certeza que com o tempo isso passa. Ela só está insegura, mesmo eu dizendo que não há motivos pra isso. E realmente não há.
- Bom ouvir isso. Também tenho tentado convencer Jéssica de que o que aconteceu entre a gente foi uma confusão de sentimentos. Sinto falta da nossa amizade. Mas não quero comprometer meu relacionamento com ela.
- Não tiro sua razão. Espero que um dia eu consiga limpar essa lambança que fiz, que está pior que essa estrada aqui.
- Eu acho que você já está conseguindo. Você mudou, Bia. E pra melhor. - Beatriz sorriu. Estava feliz em perceber que aos poucos estava recuperando a confiança e o carinho de Letícia.
- Chegamos! - Beatriz não acreditava no que via, o estado de conservação do estábulo era deplorável. Começava a ter receio do encontraria lá dentro.
Diferente do que acontecia no haras onde estava com sua tia, o odor de urina e fezes era insuportável. Funcionários sem botas, luvas e a maioria sentado do lado de fora conversando. As baias extremamente sujas e úmidas. Era possível ver carrapatos em muito animais, alguns deles visivelmente abaixo do peso. Assim como as baias estavam bem sujos, apenas uns três animais encontravam-se em situação decente. Justamente os mais valiosos que Carlos negociava cobertura sem o consentimento de Beatriz e Sílvia, estes estavam inclusive separados dos demais. E o quanto mais observavam as coisas só pioravam, rações em contato com o chão úmido, algumas delas abertas o que possibilitava o contato com ratos. Muitas baias sem água, cavalos extremamente impacientes.
- Zé, que cena de filme de terror é essa? Se bate uma fiscalização aqui, tá todo mundo encrencado e além disso, é muita crueldade com esses animais. Por que esse pessoal está aí sentado sem fazer nada, enquanto tudo está esse caos?
- Beatriz, Carlos não dá a mínima se o serviço está sendo feito ou não, eu até tento mandar nesse pessoal, mas eles dizem que eu não mando em nada, que minha serventia aqui já acabou. Infelizmente eu sozinho não tenho como fazer tudo. - Beatriz massageava a testa, estava muito irritada com o que via.
- Bia, temos problemas bem sérios aqui, a começar pelos cascos, estão deformados. Não tem nenhum casqueador?
- Temos três ótimos aqui na região, mas nenhum vem mais aqui porque Carlos nunca paga o que combina e eles se recusam a atender os cavalos nessa situação.
Beatriz foi até onde estavam os trabalhadores.
- Bom dia! Tudo bem com vocês? - ficaram em silêncio, alguns inclusive ignoraram a presença dela e continuavam conversando. Mesmo assim Beatriz insistiu – Vocês tão recebendo salário certinho no final do mês? - um deles resolveu se pronunciar.
- Qual é o problema, dona?
- Estão ou não estão?
- Estamos sim, porque?
- Então não faz sentido esse estábulo, esses cavalos se encontrarem nessa situação.
- E a senhora é alguma fiscal, ou protetora dos animais, por acaso? - todos caíram na gargalhada.
- Não, sou a pessoa que paga o salário de vocês! - todos ficaram assustados. - Aliás, pagava, porque a partir de hoje, todos vocês estão demitidos.
- Calma dona. - interviu o goz*dor segurando no braço de Beatriz, que o fuzilou com o olhar.
- Solta o meu braço agora, se além de desempregado você não quiser ficar sem os dentes também. Todos vocês, pra fora da minha fazenda agora. Aguardem o telefonema do pessoal do Rh pra virem acertar as contas de vocês. Zé, eu quero o nome de cada um, já que nenhum deles está usando o crachá que eu mandei confeccionar e enviei a mais de três meses pra cá.
- Sim senhora dona Beatriz.
- E mais uma coisa, ligue para os casqueadores, diga que eu pago três vezes o valor do que eles cobram por cavalo. Sobrou algum funcionário aqui?
- Sim, estão lá no outro módulo.
- Todo mundo pra cá, agora, pra limpar essa imundice e tentar amenizar a situação. - Zé saiu em disparada para o outro módulo. Em vinte minutos os trabalhadores estavam lá, eram poucos, mas com organização daria pra dar um jeito temporário na higiene do local.
- Eu sei que vocês têm os afazeres de vocês e foram instruídos pelo Carlos para isso, só que ele não está mais no comando. Meu nome é Beatriz e eu sou a proprietária da fazenda. Espero contar com a colaboração de vocês, pra gente tentar deixar esse lugar mais digno por hora para esses animais. - era nítida a interrogação no rosto dos rapazes que procuravam pela equipe responsável pelo local. - Seus colegas de trabalho acabaram de ser demitidos, por não estarem cumprindo com o que eram pagos para fazer. Em breve contrataremos mais pessoas que estejam comprometidas a trabalhar com seriedade, mas nesse momento preciso muito da ajuda de vocês!
- É só dizer o que a gente tem de fazer dona Beatriz, que a gente vai fazer, não tenha dúvidas. Falou o que parecia ser o encarregado do grupo.
- Muito obrigada…
- Sílvio.
- Sílvio, muito obrigada mesmo! É imprescindível que comecemos pela limpeza do local. Soltar os cavalos no pasto, limpar o máximo de baias que der por hoje e todo pavilhão, jogar fora tudo que estiver vencido, estragado, aberto ou em contato direto com o chão. Mas vamos dar prioridade ao bem-estar dos animais, banhar os que precisam de banho. Letícia estará como veterinária responsável nos próximos dias, enquanto eu resolvo problemas burocráticos lá na sede, a palavra dela e de Zé, a partir de agora são lei. Não precisam questionar, apenas façam, eles têm carta branca pra decidir o que fazer na minha ausência.
- Estava na hora de alguém dar um freio no Carlos mesmo e nos folgados daqui. -Comentou um dos funcionários.
- Agora vamos arregaçar as mangas e começar o batente. - Beatriz colocou as botas e luvas e foi fazer parte do mutirão de limpeza. Era visível a felicidade dos cavalos ao serem soltos no pasto, parecia que aquilo não acontecia a muito tempo. Uma equipe ficou responsável por limpar as baias e outra por banhar os cavalos das baias que estavam sendo lavadas. Quando estava na quinta baia.
“- Preciso de você aqui. Carlos chegou com dois advogados a tira colo e tem vários funcionários junto com eles esbravejando contra você.”
“- Estou indo. Não o deixe entrar, nem saia. Estou chegando.”
- Zé, Letícia, estou indo pra sede, Carlos está lá criando caso com Priscila.
- A menina quer que eu vá junto?
- Não Zé, preciso de você aqui. Eu dou conta. Obrigada! - foi a vez de Beatriz sair a galope, só de pensar em Priscila tendo que lidar sozinha com Carlos e os seguidores dele, deu um nó na garganta. Quando ia chegando na sede, o carro de Andrade e Mateus estacionava junto a casa.
- Bem na hora! - desceu do cavalo e foi andando a passos firmes, primeiro cumprimentou os amigos, para só então dar atenção ao pequeno grupo que se encontrava sentado na varanda da casa sede.
- O que vocês ainda estão fazendo aqui?
- A senhora não pode simplesmente nos expulsar daqui.
- Eu não expulsei ninguém! Eu demiti vocês, é diferente. E sim, eu posso fazer isso, afinal vocês não estavam cumprindo com o que eram pagos para fazer.
- Nós recebíamos ordens do administrador da fazenda, então se tem algo errado a culpa não é nossa, é sua que não soube escolher em quem confiar.
- Primeiro, eu não escolhi ele como administrador, ele se aproveitou da ingenuidade da minha tia. Segundo não estou vendo aqui nenhuma criança que não saiba qual é sua obrigação, tenho certeza que esse não é o primeiro emprego de vocês, e mesmo que fosse, a situação insalubre que se encontra aquele local é nítida até pra um leigo. Eu não quero mais nenhum de vocês aqui. O Rh do grupo vai entrar em contato com vocês, agora vão embora que eu tenho mais problemas pra resolver.
- Isso não vai ficar assim! Nós vamos acionar o sindicato.
- Podem acionar, eu aconselho que façam isso mesmo, porque vocês irão precisar. - Carlos acompanhava tudo em silêncio. Os trabalhadores viram que não teria acordo e foram embora um por um.
- Pelo visto não será tão fácil quanto você falou. A moça sabe o que está fazendo. - disse um dos advogados, Carlos engoliu a seco.
- Daqui a pouco eu chamo vocês, deixa a gente se organizar. Cinco minutos eu chamo vocês. - entrou em casa com o semblante preocupado. - Um minuto, rapazes, preciso ver se Priscila está em condições de participar dessa reunião. - entrou no escritório e fechou a porta.
- Como você está? - a abraçou preocupada. - Fizeram alguma coisa com você, lhe xingaram?
- Não, não. Estavam exaltados, Carlos colocando lenha na fogueira. Estava preocupada contigo, no que poderiam fazer com você. Você está bem? - Beatriz a beijou com sofreguidão, estava com medo que Priscila pudesse ter sofrido as consequências de suas atitudes.
- Estou sim. Podemos começar a reunião? - Priscila assentiu com a cabeça. - Rapazes, pode entrar, fiquem à vontade, Priscila vocês já conhecem, não é mesmo?
- Sim, sim. Como vai Priscila? - indagou Mateus.
- Nervosa, mas bem.
- Resolveremos tudo hoje, não se preocupe. - tranquilizou Andrade. - Beatriz, se quiser chamar os três mosqueteiros, fique à vontade.
- Podem entrar, vamos para o escritório. Desculpa a demora estávamos organizando as coisas.
Ao se acomodarem, Carlos tratou logo de se pronunciar, o que desagradou até mesmo os advogados dele.
- Eu trouxe meus advogados para que a gente consiga resolver isso de uma forma amigável, não precise de ação judicial e todo mundo saia feliz. - Beatriz respirou fundo, para falar o mais brando possível.
- Mas não tenha dúvida que terá ação judicial, tanto cível quanto criminal, o que não me falta são provas para ajuizar várias coisas contra você e pode ter certeza que eu não pouparei esforços pra isso.
- Como assim, dona Beatriz? - indagou um dos advogados – Desculpa o mau jeito, meu nome é Gustavo e esse é meu sócio e amigo de longa data, Silas. - Beatriz apertou a mão dos dois, pareciam pessoas do bem, mas não se deixaria levar pelas aparências.
- Priscila, faça as honras.
Priscila começou a explicar de forma bem objetiva e apresentando documentos de tudo que estava se passando na fazenda. Superfaturamento de materiais, notas fiscais frias, negligência com os animais. Como dinheiro que era repassado para melhorias na propriedade não era utilizado e tomava fim desconhecido, contratação de funcionários laranjas, recusa de entrega dos relatórios mensais de despesas da fazenda, entre várias outras coisas de cunho administrativo que vinham sendo negligenciadas ou adulteradas para benefício de Carlos e tudo isso com provas materiais e consistentes. Enquanto Priscila explicava, os advogados de Beatriz expunham de forma pontual no que juridicamente aquilo implicava. Os advogados de Carlos se entreolharam e respiraram fundo.
- Além do fato do senhor Carlos está vendendo cobertura dos meus animais sem a minha autorização e ficando com todo dinheiro da venda de sêmen. - Carlos empalideceu ainda mais.
- Você não tem como provar isso!
- Priscila, por favor, o pendrive. - Priscila ligou o retroprojetor, apareceu na parede vídeo e áudio, nítidos das negociações de Carlos ali mesmo naquele escritório, com alguns fazendeiros da região. Assim como o recebimento do dinheiro e a coleta e entrega do sêmen, o que comprovava o crime. - Agora coloca a gravação da penúltima ligação que ele lhe fez. - Priscila selecionou um arquivo de áudio.
“- Ficando do meu lado você só tem a lucrar! Essa tal de Beatriz deve ser tão tresloucada quanto a tia dela, de quem tiro dinheiro a anos e a idiota não percebe. Podemos ganhar muito dinheiro, querida, quer dizer, você pode ganhar muito dinheiro junto comigo e ainda desfrutar da minha companhia. Tira essa mimada dos meus calcanhares que lhe recompensarei com maior prazer, nos dois sentidos.” - Beatriz rangia os dentes.
- Só nesse áudio temos dois crimes: assédio e estelionato comprovado pelo próprio senhor Carlos, quando diz que tira dinheiro a anos da minha tia. Então, qual seria mesmo a sua proposta de acordo? Se é que você está em condições de propor ou negociar alguma coisa. - Carlos estava visivelmente transtornado, enfurecido.
- Você se acha muito esperta garota, mas você está mexendo com gente grande, não faz ideia de onde está se met*ndo…
- Não, vocês que não fazem ideia de onde se met*ram. A partir de agora nossas conversas só serão em juízo e entre nossos advogados. Eu não tenho acordo nenhum pra fazer com você e quero que até o final do dia você vá embora daqui com sua família.
- Como é? E meus direitos?
- A justiça vai decidir se você tem algum direito ou não. Se brincar você que vai ter de me indenizar por toda perca financeira que tive, que comprovadamente foi culpa sua. Agora se vocês me dão licença.
- Olha aqui sua fedelha…
- Carlos, vamos embora, você realmente não está em condições de exigir nada. Precisamos analisar a situação com calma.
- Aqui está o número do nosso escritório, quando tiverem um posicionamento, entrem em contato conosco. Podem ter certeza que juridicamente, Beatriz está amparada.
- Obrigado! Tenham um bom dia!
- Até o final do dia Carlos, ou chamo a polícia. E outra coisa, leve apenas suas coisas de uso pessoal, se eu ver um móvel saindo, nem que seja um banquinho, eu dou queixa de roubo. - Carlos saiu batendo a porta, esbravejando todo tipo de palavrões possíveis. Por mais que os advogados tentassem acalmá-lo, parecia que ele estava descontrolado.
- Teremos uma batalha e tanto pela frente. - comentou Andrade.
- Eu sei.
- Você precisa tomar cuidado com a sua segurança, se ele é capaz de fazer esse tipo de coisa por ganância, ele pode tentar algo violento contra você. É uma possibilidade que não podemos descartar. Ele ou algum desses fazendeiros envolvidos, até mesmo um dos trabalhadores demitidos, que estavam bem insatisfeitos. - Beatriz tinha ciência daquilo, mas não queria preocupar Priscila.
- Eu vou me cuidar, se eu perceber que a coisa está engrossando eu aciono a polícia, peço proteção judicial, o que seja. Agora vamos deixar esse assunto de lado, vão descansar, que sei que a viagem foi dura, cinco horas de estrada é cansativo demais. Daqui a pouco o almoço está pronto e peço pra chamar vocês. Muito obrigada por terem vindo. - depois que os dois saíram da sala.
- Bia, eu estou preocupada.
- Não fique, vai ficar tudo bem. Não vai acontecer nada. - abraçou Priscila, tentando acalmá-la.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]