Capítulo 7
Com o passar dos dias, Beatriz foi se habituando a rotina de trabalho no haras, sua tia lhe ensinava tudo que era possível, percebeu de cara que era preciso incorporar um programa de controle do que entrava e do que saía de materiais, desde a ração, medicamentos, equipamentos de montaria aos materiais de limpeza, por exemplo. Tudo era feito de forma manual e sem um controle o que levava muitas vezes a falta de determinados produtos ou vencimento de outros. Ligou para Priscila e pediu que ela providenciasse isso, gostaria de fazer um sistema integrado, que mesmo de longe fosse capaz de acompanhar o que acontecia nas outras propriedades.
Aos poucos a terapia e a medicação começavam a fazer efeito, ela se sentia mais disposta, as oscilações de humor diminuíam visivelmente e cada dia mais ela conseguia manter o foco e resolver o emaranhado de problemas que vinham se acumulando.
“- Bom dia, Carlos! Tudo bem? É Beatriz, sobrinha de Sílvia”
“- Bom dia, dona Beatriz! Tudo bem sim e com a senhora?”
“- Tudo bem também. Acho que tia Sílvia já lhe avisou que a partir de agora quem está a frente das fazendas sou eu. Por isso eu gostaria que você me enviasse ainda hoje, um relatório, uma planilha, o que ficar melhor pra você, sobre as contas da fazenda. Quantidade de animais, o que é gasto com ração, vacinas… essas coisas. Preciso ter um panorama da situação e os relatórios que ela tem aqui, estão desatualizados, são de quase quatro meses atrás.”
“- Eu não garanto enviar isso ainda hoje pra senhora não, leva tempo pra fazer esse levantamento.”
“- Mas você como administrador deveria ter tudo isso pronto, como que você faz o controle do que entra e do que sai nas contas? Eu preciso desse relatório pra hoje, caso contrário, amanhã mesmo eu vou até aí e faço esse levantamento pessoalmente, dessa forma, subentendesse que seu trabalho não se faz necessário, correto?”
“- A senhora tem toda razão dona Beatriz, até o final da tarde eu envio por e-mail isso pra senhora.”
“- Obrigada, Carlos, fico no aguardo. Até mais!”
- Você está me deixando tão orgulhosa, sabia? - Beatriz sorria satisfeita para tia. Precisava fazer outra ligação, essa bem mais difícil.
“- Bom dia, Beatriz!”
“- Bom dia, Priscila! Eu pedi ao Carlos os relatórios, mas eu acredito que se ele enviar, vai ser algo fictício, assim que chegar pra mim eu envio pra você. Conseguiu providenciar o programa?”
“- Sim, do jeito que você pediu. Vai ficar um pouco caro, mas cotando com outras empresas e pela qualidade, suporte que eles garantem dar, vai valer a pena.”
“- Tudo bem. Se possível, marque uma reunião com os responsáveis pelo programa aqui no haras na quinta-feira. Eu quero me inteirar do funcionamento dele antes, e preciso me reunir com você também. Já montou o plano estratégico? Quero ver se no máximo, semana que vem a gente viaja, tudo dando certo na quinta, já poderíamos introduzir o programa aqui e lá, o que me diz?”
“- Ok. Assim que terminar de falar com você eu ligo para o pessoal da empresa e lhe dou um retorno. O plano já está montado, chegaremos lá sabendo exatamente quais as questões pontuais a serem cobradas e analisadas, caso não seja problema, a gente pode ver isso na quinta mesmo. No que depender de mim, podemos viajar semana que vem e tenho quase certeza que o pessoal da empresa também consiga agilizar a parte deles. Já conseguiu um veterinário, quer que eu tente resolver isso pra você, fazer algumas entrevistas?”
“- Esqueci completamente dessa parte. Vou tentar resolver, se não conseguir te dou um retorno.”
“- Mais alguma coisa?”
“- Não, por enquanto só isso mesmo. Obrigada!”
“- Assim que conseguir uma posição do pessoal da empresa lhe aviso.”
“- Tudo bem, até mais!”
Desde a despedida na praia, não haviam se visto mais. Todas as conversas que tinham era via telefone, e-mail e apenas de cunho profissional. Aparentemente estavam conseguindo lidar muito bem com a situação.
Mauro ligava quase todos os dias para saber como Beatriz estava, percebia uma mudança significativa no humor da amiga.
Beatriz respirou fundo, para fazer a última ligação da manhã antes de sair para verificar como estava o andamento da reforma que estava sendo feita nas baias dos cavalos.
“-Bia?!” - Letícia, custou acreditar que realmente era o nome de Beatriz que aparecia no visor de seu celular.
“- Bom dia, Letícia, tudo bem?” - Letícia estranhou aquele tom formal.
“- Tudo bem e com você?”
“- Tudo bem também. Olha, sei que você nem deve mais lembrar, mas você conseguiu sondar com algum de seus amigos de profissão sobre o trabalho que comentei contigo?”
“- Caramba, Bia. Esqueci. Me desculpa!”
“- Imagina, tranquilo. Tem como você me passar o contato de algum? Que aí eu mesma ligo pra fazer uma pré entrevista. Começo as fiscalizações a partir da semana que vem, quer dizer pretendo, mas pra isso preciso de um veterinário, infelizmente o daqui do haras não pode viajar comigo, vou ficar muitos dias fora e deixaria o haras desfalcado. E eu queria alguém pra ficar como veterinário chefe, entende?”
“- Eu vou fazer algumas ligações e daqui a pouco eu te dou um retorno. Pode deixar que até o final do dia você terá um veterinário.”
“- Obrigada! Até mais! Bom dia!”
“-Bom dia! Tchau!” - Letícia estava alheia a tudo que estava acontecendo, só havia uma pessoa que conseguiria lhe explicar com riqueza de detalhes.
- Fala criatura, que agonia é essa de falar comigo pessoalmente?
- Beatriz ligou pra mim. - Mauro fez cara de surpresa.
- O que?! Como assim ligou? E eu pensando que ela estava concentrada no trabalho!
- E está! É justamente isso que eu quero saber, o que tá rolando? Ela me ligou de um jeito tão formal e cordial, que estou aqui ainda tentando digerir tudo.
- Ela se mudou para o haras. Logo após aquela confusão toda. Está na terapia, tomando uns remedinhos do bem pra controlar a ansiedade e a depressão. Ela incorporou realmente a mulher de negócios da família.
- Eu confesso, que quando vi o nome no visor, achei que fosse pra tentar alguma reconciliação, alguma daquelas artimanhas dela já tão conhecidas.
- Ficou decepcionada, né safada? Aposto que ficou de perseguida batendo palmas.
- Deixa de ser palhaço! Você sabe que já estou em outra.
- Se entendeu com Jéssica?
- Uhum. Aquela confusão toda serviu pra abrir meus olhos. Ela não é uma má pessoa, qualquer uma na situação dela faria o mesmo. Estamos indo bem. E Bia, se entendeu com a naja?
- Não, não. Estão trabalhando juntas, mas todo contato que têm é por telefone, pelo que entendi dali não sai mais nada não. Vez ou outra, encontro Priscila, sempre sozinha, ou com alguém do escritório, ela realmente se afastou de Laura.
- Hummm. Bom, deixa eu ir, prometi a Bia que arrumaria um veterinário pra ela até o final do dia.
Letícia ligou para todos os seus amigos, conhecidos e indicações de seus amigos, mas sem sucesso, todos estavam ocupados ou não tinham disponibilidade para viagens devido a outras atividades. Não sabia se seria a decisão mais acertada, mas arriscaria.
“- Oi, Letícia!”
“- Infelizmente todo mundo que conheço e todo mundo que essas pessoas conhecem estão ocupadas.” - ouviu um suspiro de frustração do outro lado da linha.
“- Obrigada, Letícia! Vou tentar achar alguém fora da cidade ou até mesmo fora do estado.”
“- Bia...”
“- Pois não!”
“- Se não for problema pra você, eu me candidato ao cargo. Estou trabalhando em clínica, os donos das fazendas não me querem por achar que não tenho força pra lidar com os bichos, então seria uma oportunidade e tanto para mim.” - Beatriz pensou um pouco.
“- Eu vou pensar, ok? Conversar com tia Sílvia, ver o que ela acha disso. Pra mim não há problema algum, mas Priscila está a frente da administração geral, eu não quero que nada tire meu foco do que estou disposta a fazer. Então você pense também se realmente vale a pena pra você, até sexta te dou uma resposta, se antes disso você receber alguma proposta não precisa se prender a minha oferta.”
“- Tudo bem, vou pensar e fico no aguardo da sua ligação. Até mais!”
“- Até!”
Mal desligou o celular, já recebia uma ligação de Priscila.
“- Oi, Priscila!”
“-Beatriz, consegui marcar a reunião com o pessoal, eles inclusive já levarão os equipamentos para instalação aí do haras e da próxima fazenda, assim como uma pessoa para nos repassar tudo que for necessário e sanar quaisquer dúvidas. Carlos enviou os relatórios?”
“- Ainda não, eu sabia que ele iria fazer corpo mole, eu não vou pressionar, vou deixar ele bem a vontade, semana que vem ele terá uma grata surpresa.”
“- E o veterinário, conseguiu?”
“- Bem lembrado, não consegui. Aqui na cidade não tem ninguém disponível, se não for sobrecarregar você, tenta ver alguém em estados próximos, deixa bem claro que iremos custear tudo e que o salário está bem acima do mercado. Hoje é segunda, será que até sexta você consegue me dar uma resposta?”
“- Farei o possível para conseguir. Mais alguma coisa?”
“- Não. Obrigada! Até mais!”
“- Até mais… meu amor. - a última frase falou após desligar o telefone.
Durante o jantar, Beatriz comentou com Sílvia sobre a possibilidade de contratar Letícia, caso Priscila não conseguisse também ninguém.
- Como você se sente em relação a isso, minha querida?
- Tranquila tia. Pra mim é indiferente, se ela fizer o trabalho dela bem-feito e não confundir as coisas, eu não tenho nenhum receio.
- E quanto a Priscila?
- O que tem ela?
- O que ela acha disso?
- Não falei com ela ainda, mas na quinta-feira após a reunião com a empresa do novo programa, a gente vai sentar pra conversar sobre algumas coisas e caso não tenhamos encontrado ninguém, pergunto a opinião dela.
- E você vai levar em consideração caso seja negativa?
- Claro, ela está a frente de tudo, não é justo colocá-la para trabalhar com alguém que vá causar algum mal estar na qualidade do serviço dela.
- Você ainda gosta dela não é, de Priscila? - Beatriz passou a mão nos cabelos.
- Muito! Mais do que eu gostaria, mas eu não quero pensar nisso agora. Meu foco é a gente começar a arrumar a casa.
- Muito bem. Tudo a seu tempo.
Realmente, Beatriz estava deixando de agir na impulsividade e conseguindo separar o profissional do particular.
“- Oi mãe!”
“- Oi, filha! Como você está?”
“- Estou bem, cansada, mas bem. Está uma correria e tato esses dias.”
“- E como andam as coisas com Beatriz?”
“- Na mesma. Temos uma relação estritamente profissional.”
“- Mas vocês já se viram? Desde o que aconteceu?”
“- Não. Durante esses seis meses só nos falamos por telefone, apesar dela me tratar muito bem, sempre com muita educação, a indiferença continua a mesma, isso dói pra caramba.”
“- Entendo filha. Talvez seja hora de você superar isso, infelizmente não deu certo. Acontece!”
“- Eu não quero me envolver com ninguém agora não. Estou começando a ter êxito na minha vida profissional, prefiro continuar focada nisso.”
“- Tudo bem, filha. Mas não se cobre tanto, nem se culpe tanto também, você errou, mas está tentando ser uma pessoa diferente, isso é importante. Fica com Deus! Beijo!
“- Beijo mãe, tchau, tchau!”
Na casa de Letícia.
- Amor, precismos conversar. - Jéssica já ficou ressabiada.
- O que tá pegando?
- Beatriz me ligou hoje. - diante do olhar da namorada, Letícia tentou logo tranquilizá-la. - Não é nada disso que está pensando. Ela queria ajuda para indicação de algum colega veterinário para ajudá-la na fiscalização das fazendas.
- E?
- Eu não consegui arrumar ninguém. Como ando muito insatisfeita lá na clínica, estava pensando que seria uma boa aceitar esse trabalho.
- Ela te ofereceu a vaga?
- Não, hoje. Mas a uns seis meses atrás ela me convidou para trabalhar com ela, eu recusei porque foi em meio toda aquela confusão com Priscila. Eu queria saber o que você acha, ela disse que caso não conseguisse ninguém até sexta, eu pensasse no assunto que ela entraria em contato comigo. - Letícia estava apreensiva, sabia da rixa de Jéssica com Beatriz, mas a situação hoje era outra.
- Você teria que passar bastante tempo com ela, não é mesmo? E bastante tempo longe de mim. Eu não sei se isso me agrada. Eu conheço Beatriz, sei como ela é...
- Eu conversei com Mauro, ele disse que ela está muito diferente, menos impulsiva, extremamente focada no trabalho, fazendo terapia… e o mais importante, é que não importa o que ela fizer, eu estou bem com você, me sinto segura ao seu lado, nossa relação é maravilhosa e eu estou muito segura de que o que existiu entre eu e ela foi algo passageiro. Não nutro mais nenhum tipo de sentimento que não seja de amizade, ainda que abalada por tudo que aconteceu, por Beatriz. Então se você confiar em mim, em nós, seria a realização de um sonho pra mim finalmente trabalhar com o que tanto amo, que são os cavalos.
- Não vou negar que me sinto incomodada ao saber que você vai passar tanto tempo com ela, mas se vai te deixar feliz, acho que vale a pena tentar, se começar a ficar estranho, a gente repensa.
Letícia abraçou a namorada e lhe deu um beijo com um sorriso que ia de um canto a outro da boca. Agora era esperar o contato de Beatriz.
Na quinta-feira, após a reunião com a empresa desenvolvedora do programa, Beatriz ficou muito satisfeita, realmente Priscila havia acertado em cheio o que ela queria. Começaram a instalação das máquinas no mesmo dia, não havia um só computador na fazenda, Beatriz fez um grande investimento para comprar maquinário de qualidade, tudo agora ficaria mais fácil de controlar e o melhor, em tempo real, pois todo sistema era interligado de forma on line.
Enquanto o pessoal cuidava da instalação, Beatriz pediu a Priscila que ficasse no escritório, para uma reunião rápida. Elas estava deslumbrante, Beatriz não conseguia deixar de olhá-la vez ou outra, durante a explanação sobre as necessidades da fazenda, de que forma elas queriam que o sistema funcionasse, Beatriz estava ainda mais encantada por aquela Priscila profissional. Já a sós.
- Conseguiu o veterinário? - Priscila fez cara de frustração.
- Não. Eu tentei, Beatriz, liguei para várias pessoas, mesmo fora do estado, o fato das viagens faz com que muitos desistam, principalmente os que têm família. - Beatriz suspirou em sinal de descontentamento, não com Priscila, pois sabia que realmente ela havia feito tudo que poderia fazer.
- Eu falei com Letícia, para ela me indicar alguém, mas ela também não conseguiu ninguém. No entanto, ela se ofereceu para assumir a vaga. Eu disse a ela que conversaria com você antes, para então dar uma resposta. - Priscila ficou surpresa.
- Comigo?
- Claro! Você é meu braço direito, está a frente de tudo, na maioria das vezes é a você que ela terá de se reportar. Por mais que a gente conviva de forma civilizada, não tem como simplesmente esquecer o que aconteceu, marcas e mágoas ficam, e eu não quero lhe colocar em uma situação desconfortável. Você está fazendo seu trabalho de maneira excepcional e lhe agradeço imensamente por toda essa dedicação, então o mínimo que eu posso fazer é respeitar seu bem-estar profissional. - Priscila entendeu muito bem o que aquele “marcas e mágoas” queria dizer, por mais que não tivesse sido dirigido diretamente para ela.
- Beatriz, muito obrigada pela consideração. Eu acredito que nesse momento devemos priorizar o que estamos decididas a fazer, se Letícia é nossa única opção e ela se dispõe a trabalhar conosco, não vejo motivo, pelo menos de minha parte, para não incorporá-la a nossa equipe, eu tenho certeza que conseguiremos agir com maturidade e profissionalismo. - Beatriz sorriu satisfeita, pelo visto ela não era a única que estava amadurecendo.
- Ótimo! Então liga pra ela e orienta sobre todo processo de admissão, assim semana que vem já podemos colocar em prática nossa primeira intervenção. - Beatriz passou o contato de Letícia para Priscila e a deixou no escritório enquanto ia verificar como andava a instalação das coisas.
“- Alô!?”
“- Bom dia, Letícia! É Priscila, tudo bem?” - Priscila fazia um esforço descomunal para ser o mais simpática possível.
“- Bom dia, Priscila! Tudo bem sim.”
“- Estou ligando a pedido de Beatriz, para saber se você ainda tem interesse na vaga de trabalho?”
“- Sim! Tenho!”
“- Se possível gostaria que você passasse lá no escritório na segunda-feira, já com toda a documentação necessária, me informa teu e-mail, por favor, para que eu possa enviar uma lista do que preciso que você leve.” - Letícia deu o endereço de e-mail e mais algumas informações que Priscila solicitou. - “ Ok. Por enquanto é isso, anota meu número de telefone, qualquer dúvida que surgir até lá você pode me ligar, essa parte administrativa de funcionários é por minha conta.”
“- Tudo bem Priscila, obrigada pelo contato e até segunda!”
“- Por nada! Seja bem-vinda!” - a tempos atrás talvez essa frase soasse de forma irônica, mas Priscila consegui manter a postura de maneira impecável.
Ao chegar em casa.
- Adivinha quem é mais nova veterinária do grupo Magalhães?
- Conseguiu?!
- Sim!!! Priscila me ligou hoje agendando uma reunião para segunda-feira. Vamos comemorar? - Letícia lançou um olhar bem safado para Jéssica, que já se sentia mais tranquila só de saber que Beatriz não havia feito questão de ligar para dar a notícia da contratação e que Letícia não demonstrava está nem um pouco incomodada com isso. Saíram para jantar e a sobremesa daquela noite foi recheada de muito amor.
Na fazenda.
- Priscila minha querida, você não acha que ficou muito tarde para você voltar não? Dirigir sozinha, a noite, é meio arriscado. Dorme aqui, amanhã pela manhã você volta.
- Dona Sílvia, eu tenho tanta coisa pra fazer no escritório amanhã. A estrada está bem movimentada esse horário ainda. Eu vou com cuidado, prometo.
- Tia Sílvia tem razão. Fica, janta com a gente, amanhã de manhã você vai. O dia foi cansativo hoje. Descansa.
- Tudo bem então. Eu fico.
- Ótimo, vou pedir para Rosa, arrumar o quarto de hóspedes para você. Daqui a pouco está pronto.
Priscila sentou em um dos sofás da sala, enquanto Beatriz subiu para o quarto. Sabia que ela a estava evitando, por mais que se concentrassem em outras coisas, a tensão entre as duas era quase palpável.
- Apesar de você ainda não ter me devolvido a que te emprestei meses atrás, eu vou arriscar a ficar sem outro par de roupas. Pelo menos você dorme de roupas limpas. - Priscila deu um riso tímido e esticou a mão para pegar as roupas, sem querer seus dedos tocaram os de Beatriz, foi algo rápido, mas o suficiente para provocar um frio na barriga das duas.
O jantar transcorreu tranquilo, aparentemente, Sílvia não parava de falar um segundo com Priscila, que apenas sorria dando a entender que estava prestando atenção em tudo. Beatriz estava inquieta, ver Priscila de cabelos molhados, com aquele cheiro que ela conhecia tão bem, a fazia ter lembranças que eram impossíveis de evitar.
- Vocês duas me dão licença, mas eu vou pro meu quarto. Estou com uma dor de cabeça, que insisti em não dar trégua.
- Tomou seus remédios, minha querida?
- Tomei sim tia, não é por causa disso não, acho que foi a correria da semana, o dia hoje estava muito quente…
- E a noite, então, está fervendo pelo visto… - falou Sílvia displicentemente, que foi repreendida com um olhar pela sobrinha.
- Boa noite! Até amanhã. - deu um beijo na testa da tia e fez um aceno de cabeça para Priscila.
Não que a presença de Priscila a incomodasse, longe disso, mas vê-la, sentir seu cheiro, olhar aquele sorriso, os gestos delicados, o tom de voz macio, fazia com que a saudade ficasse perigosamente difícil de se conter. Tomou o último remédio do dia e conseguiu ter uma noite de sono “sossegada”.
Quando Priscila desceu para tomar o café da manhã e ir embora, Beatriz já havia saído para andar a cavalo. Tinha virado um hábito já, nos dias mais tranquilos, ela acordava cedinho, tomava café e ia cavalgar um pouco pela fazenda, se sentia em paz.
- Bom dia, minha querida! Caiu da cama hein?! Pena que Beatriz caiu mais cedo ainda, nem vai dar pra vocês se despedirem.
- Bom dia, dona Sílvia! - Priscila estava visivelmente desconfortável, tinha uma cara de dor, rosto pálido, lábios roxos.
- Está tudo bem, Priscila? Você não está com uma cara muito boa.
- É só cólica, dona Sílvia, chegar em casa tomo um remédio e fico melhor. Não era pra minha menstruação ter vindo hoje.
- Você vai dirigir desse jeito? Eu vou ligar pra Beatriz, você não vai sair daqui assim não.
- Não precisa, dona Sílvia. Eu estou bem. Vou pegar logo a estrada, estou muito enjoada pra comer. Muito obrigada e até outro dia! - apesar da dor, Priscila não queria que Beatriz pensasse que aquilo era algum tipo de encenação por parte dela, estava trêmula, mas estava decidida a ir embora.
- Vocês são muito teimosas. Apareça mais vezes, gosto muito de você. - deu um abraço em Priscila e pode sentir como estava suando frio devido a dor.
“- Beatriz, desculpa atrapalhar seu passeio minha filha, mas Priscila está passando muito mal e mesmo assim foi embora, ela estava prestes a desmaiar de tanta dor!”
“- Ela disse o que era, tia?”
“- O mesmo que lhe transforma num bicho todo mês: cólica menstrual.”
“- Faz tempo que ela saiu?”
“- Tem uns cinco minutos.”
“ Estou perto da estrada de acesso a fazenda, vou tentar encontrar com ela.”
“Vamos lá menina, vamos ver se você é veloz mesmo como me disseram”
Saiu a galope pelo pasto, até se aproximar da estrada de acesso, olhou em direção a saída, não percebeu marcas de pneu recentes, quando olhou no sentido contrário, avistou o carro de Priscila parado a beira da estrada. Deu mais um incentivo para sua companheira de jornada e saiu a galope em direção ao carro. Chegando lá, encontrou Priscila recostada no banco, tudo indicava que havia vomitado, ainda estava muito pálida e com feição de dor. Beatriz desceu de sua égua.
- Por que a senhora é tão teimosa, dona Priscila? Desliga o carro, tranca as portas, vem comigo, vou te levar de volta pra casa.
- Eu estou melhorando, Bia… desculpa, Beatriz. Não precisa se preocupar.
- Isso não é você quem decide. Tem medo de andar de cavalo? - Priscila a olhou com os olhos arregalados.
- Eu não vou correr, mas não posso deixar Mérida solta aqui, estamos longe da sede, nem você está em condições de dirigir, então… - Priscila fez o que Beatriz pediu, sabia que não conseguiria ir muito longe daquele jeito.
Beatriz a ajudou subir em Mérida, colocou ela na parte da frente da sela e a amparou por trás, automaticamente Priscila escorou seu corpo ao de Beatriz, encostando a cabeça em seu ombro.
- Fica calma! Eu vou cuidar de você. - sussurrou Beatriz em seu ouvido. Priscila fechou os olhos e tentou aproveitar aquele momento, Beatriz saiu em direção a sede da fazenda num trote suave.
Ao se aproximar da casa, avistou sua tia que já esperava pelas duas na varanda.
- Olhe, não é um príncipe, muito menos um cavalo branco, mas é uma cena linda de se ver, mesmo sabendo que você está péssima, Priscila. Parece cena de filme… - antes que a tia continuasse, Beatriz a lançou um daqueles olhares de reprovação que a fez soltar um “ops” instantaneamente.
- Roberto, me ajuda a descer ela, por favor! Depois leva Mérida para baia, pede pra um dos rapazes dar um banho nela, a bichinha é boa na corrida mesmo e assim que puder, busca o carro de Priscila que ficou lá na estrada de acesso. - entregou as chaves do carro, após colocarem Priscila no chão.
- Pode deixar, dona Beatriz!
- Obrigada! - amparando Priscila pela cintura a conduziu até o quarto onde ela havia dormido na noite anterior.- É, pelo visto dessa vez não ficaria sem outro par de roupas. Troca de roupa, eu vou buscar remédio pra você.
- Beatriz, tem muita coisa pra fazer no escritório…
- Como sua chefe, eu estou ordenando que você tire o dia de folga. E como funcionária exemplar que eu sei que você é, não irá passar por cima de uma ordem minha. - sorriu e piscou o olhou para Priscila. - Troca de roupa, deita, que vou buscar algo pra você se sentir melhor.
- Tia, preciso da bolsa de água quente, um daqueles chás que a senhora faz pra mim e meu remédio eu pego no quarto.
- Já está tudo aí sobre a mesa. Posso pedir a Rosa pra levar, se você quiser.
- Não, não, eu mesma levo. - depois de passar no quarto para pegar o remédio, Beatriz deu duas suaves batidas na porta antes de entrar.
- Pode entrar!
- Está aqui seu kit de salvação. Não me pergunte do que é o chá porque tia nunca diz. O remédio e a bolsa, tenta descansar que você vai se sentir bem melhor. - pegou o telefone da empresa que ficava com Priscila e colocou no bolso. - Isso é pra ter certeza que a senhorita vai conseguir descansar. Se precisar de alguma coisa é só chamar, tia Sílvia está em casa, eu preciso ir olhar as obras das novas baias e como está ficando o galpão de treinamento. Na hora do almoço estou de volta.
- Tá certo, obrigada! E desculpa toda essa confusão.
- Descansa. - desceu as escadas e pediu para tia ficar de olho em Priscila.
Beatriz estava muito satisfeita com o bom andamento das reformas. As coisas estavam ficando do jeito que ela havia planejado e muito em breve o haras poderia ser reaberto. Tentava trazer um novo conceito para propriedade, que além da criação de cavalos contaria agora com uma escola de equitação, um centro de treinamento, uma loja com artigos voltados para montaria, além de um centro de terapia com cavalos, para crianças com diversas síndromes e limitações físicas. Sabia que levaria tempo, mas que só de ver o esboço, já se sentia realizada. Conversou com o responsável pelas obras, viu que tudo estava dentro do cronograma estipulado por eles.
Na hora do almoço.
- Como ela está?
- Beliscou alguma coisa e voltou a dormir. Você deu um sossega leão pra ela foi?
- Claro que não tia! Cada ideia. Esse remédio é forte mesmo, faz a gente relaxar e diminuí bastante as cólicas.
- Vocês duas ficam lindas juntas. - Beatriz respirou fundo.
- Eu sei, mas não é a hora ainda. Eu nem sei se ela está sozinha e também não quero entrar nesses detalhes, muito menos se ela ainda sente… ou se algum dia sentiu alguma coisa por mim.
- Não sei qual parte do “eu não vou desistir de você”, no dia que vocês se despediram lá na casa de praia da mãe dela, você não entendeu.
- A senhora tem uma audição realmente excepcional hein, dona Sílvia!? - deu um beijo na testa da tia, antes de subir para tomar um banho.
Beatriz passou o resto do dia em casa, atendendo as ligações que chegavam no celular da empresa. Percebeu a carga de trabalho que Priscila tinha que lidar todos os dias e isso a fez admirar e respeitar ainda mais o profissionalismo dela. No final da tarde.
- Entra.
- Oi! Está melhor? - falou escorada na porta sem entrar no quarto.
- Estou sim, meio nauseada ainda, mas a dor nem se compara ao que estava sentindo hoje pela manhã. Você e sua tia foram ótimas. Obrigada!
- Imagina! Fico feliz que esteja bem. Me lembra de te dar um aumento, porque se todos os dias forem como hoje, você é uma guerreira, aquele celular não parava de tocar, tive que desligar as seis da noite, porque ainda tinha gente sem noção ligando. - Priscila sorriu.
- Beatriz, entra e fecha a porta, por favor. Eu preciso te fazer uma pergunta. - Beatriz ficou travada, talvez não estivesse pronta para perguntas, mas fez o que Priscila pediu. Ficou encostada na porta pelo lado de dentro.
- Você contou a sua tia, sobre o que aconteceu? Sobre os áudios? - Toda aquela noite passou como uma avalanche na mente de Beatriz. Ela olhou de lado, não queria demonstrar a tristeza que aquilo ainda lhe causava.
- Não. - respondeu de forma seca.
- Obrigada! Mesmo sabendo que não mereço esse tipo de consideração. Sua tia é uma pessoa maravilhosa, não merece passar por isso. Assim como você não merecia. - Beatriz respirou fundo, resolveu seguir o conselho de sua terapeuta e começar a botar pra fora de forma consciente o que lhe incomodava.
- Eu sei que a gente precisa ter essa conversa, eu te devo isso, eu me devo isso. Mas não agora, tá? Ainda tem muita raiva aqui dentro de mim, eu quero deixar ela secar. Não quero lhe machucar, nem me machucar por algo que já passou e não vale a pena ser resgatado. - uma lágrima rolou pelo rosto de Priscila, e meio que lendo seus pensamentos, Beatriz continuou. - Me refiro ao que separou a gente e não ao que a gente estava começando a sentir uma pela outra... o que aconteceu na noite que antecedeu aquele circo todo, não é algo que se consegue fingir. Se você realmente não vai desistir de mim, me dá um tempo pra eu me encontrar, pra eu me firmar, aceitar que o que aconteceu no passado tinha que acontecer. Eu te prometo que a gente ainda vai conversar sobre a gente, só tenha um pouco de paciência. - se aproximou da cama e sentou ao lado de Priscila.
- Eu sinto sua falta! - falou Priscila enquanto acariciava o rosto de Beatriz.
- Eu também sinto a sua. Mas tem muita coisa que preciso resolver comigo, para estar pronta pra você, para nós. Confia em mim, espera só mais um pouco. - Priscila a abraçou com força, trocaram um beijo rápido, mas cheio de significado. - Fica bem, tá? Quer que eu peça pra trazer seu jantar aqui?
- Não, não. Eu vou tomar um banho e desço pra jantar com vocês.
Na manhã seguinte Priscila voltou para casa, apesar de não ter sido daquela vez, conservava um fiozinho de esperança que talvez fosse possível uma reconciliação com Beatriz. Ela iria respeitar o tempo pedido, não iria forçar situações, esse tipo de atitude não condizia mais com a pessoa que ela estava tentando ser.
Fim do capítulo
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Elizaross
Em: 24/10/2018
eu realmene não consigo entender a Beatriz....Tá dificil!! cd cap. minha vontande e de dar uns belos tapas nela..
Quando penso que ela cresceu e ta melhorando, volta 10 casas.. ta dificil..
Essa patricia podia tomar cha de sumiço
Resposta do autor:
Calma, as vezes pra ficar bom precisa tudo desabar antes, é como uma reforma me casa, do caos ao explendor. Quem sabe Beatriz não nos surpreende?!
Um grande abraço e obrogada por acompanhar!
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