Capítulo 6
Na manhã seguinte, antes de entrarem no carro. Sílvia chamou Priscila de canto.
- Vai com Bia lá atrás. É o mesmo percurso do acidente, desde então ela nunca mais foi para praia aqui. Eu vou dirigindo, conheço mais ou menos a região. É só você me indicar o local quando chegarmos lá. - Priscila assentiu com a cabeça.
Beatriz ficou sem entender porque Priscila havia sentado atrás e não iria dirigindo. Ao perceber a cisma da sobrinha.
- Eu serei a motorista das senhoritas. Mas nada de saliência aí atrás. - enquanto Priscila caía na risada, Beatriz apenas estreitava os olhos.
- Se importa se eu colocar os fones de ouvido?
- De forma alguma, desde que você não se importe de segurar na minha mão. - Beatriz sorriu com aquele gesto, sabia o que significava, Priscila estava preocupada com ela. Segurou a mão dela e beijou as costas da mão. Após colocar os fones no ouvido, encostou a cabeça no ombro de Priscila e tentou relaxar o máximo que podia.
Sílvia passou o tempo todo conversando com Priscila e olhando pelo retrovisor interno como estava sua sobrinha. Ao se aproximarem do local do acidente, Priscila sentiu Beatriz apertando sua mão. Perguntou a ela baixinho, após tirar um dos fones de seu ouvido:
- Quer voltar? A gente volta. - Beatriz balançou a cabeça negativamente, ao chegar na descida que antecedia a curva, já chorava baixinho e num fio de voz.
- Tia, quando passar da curva para o carro, por favor! - Sílvia não questionou, sabia que a sobrinha precisava passar por aquele ritual. Após passar da curva, parou o carro no acostamento em segurança. Beatriz desceu do carro.
- Vocês vêm comigo?
- Claro! - responderam ao mesmo tempo Priscila e Sílvia. Atravessaram a estrada, Beatriz caminhou lentamente até a curva onde se encontravam duas cruzes com os nomes dos pais dela, ficou lá de frente a elas por algum tempo, chorando baixinho de forma contida, por mais que ali não fosse o lugar do sepultamento dos dois, foi ali que eles foram tirados dela. Ela acariciou as duas cruzes de madeira, já gastas pelo tempo, tirou uma de suas pulseiras de couro do braço e a amarrou na cruz que recebera o nome de sua mãe. Já de seu pai ela amarrou um cordão que sempre levava consigo. Se despediu dos dois e voltou para suas acompanhantes que também estavam com os olhos marejados, recebeu o abraço das duas.
- Há tempo pra tudo meu amor! Talvez agora você entenda isso, você fez a passagem no seu tempo. Estou muito orgulhosa de você. - Beatriz se agarrou com todas as forças a sua tia. Aquele momento era importante para as duas. Voltaram para o carro com o sentimento de dever cumprido, parecia que Beatriz havia tirado o peso do mundo das costas. Continuou o resto do trajeto deitada no ombro de Priscila e segurada em sua mão, estava bem mais serena.
Ao chegarem na casa da mãe de Priscila foram recebidas com muito entusiasmo pela anfitriã.
- Muito prazer, me chamo Paula. Estou muito feliz que tenham vindo! Para Pri ter trazido vocês, devem ser realmente muito especiais pra ela! Fiquem a vontade! Priscila meu amor, leva elas até os quartos que irão ficar, estou esperando vocês lá na piscina.
- Tá certo mãe. Descemos já! - deu um beijo e um abraço na mãe. Mostrou o quarto para Sílvia, que entrou e foi acomodar suas coisas.
- E esse aqui é o nosso!
- Nosso? Sua mãe…
- Fica tranquila, minha mãe aceita numa boa. - deu um selinho em Beatriz. - E você acha mesmo que eu iria passar o fim de semana inteiro longe de você? Você me colocou no mau costume de dormir sentindo seu cheiro. - trocaram mais alguns selinhos e desceram para se juntarem a mãe de Priscila na piscina, Sílvia já estava lá.
- Muito bonito aqui, Paula. Sua casa é muito aconchegante. - elogiou Sílvia.
- Obrigada! Aqui é nosso refúgio, não é mesmo filha? - Priscila assentiu com a cabeça, estava radiante. Ficaram tomando suco e refrigerante, enquanto beliscavam alguns tira gostos, Priscila comentou com a mãe, antes de irem, sobre o problema de Beatriz com álcool, a mesma imediatamente providenciou de retirar toda e qualquer bebida alcoólica da casa, sabia o quanto essas coisas eram difíceis. Não queria constranger a convidada da filha.
- Mãe, a gente vai dar uma volta na praia, até o almoço ficar pronto.
- Tudo bem, mas não demorem, daqui a pouco estou botando a mesa.
- Pode deixar! - virando-se para Beatriz. - Vamos? - estendeu a mão pra ela que prontamente a envolveu com a sua.
Não iriam muito longe. Beatriz estava feliz por ouvir o barulho do mar novamente, sentir seu cheiro, seu coração estava em paz. O mar estava tranquilo, caminhavam próximas da água, sentindo as ondas vez ou outra molharem seus pés. Colocando o braço sobre os ombros de Priscila e tendo sua cintura enlaçada por ela.
- Obrigada! Você não tem ideia de como está aqui é importante pra mim.
- Não precisa me agradecer. Eu que agradeço por você confiar em mim em um momento assim. - Beatriz a beijou na testa, deram mais alguns passos, até que…
- Aquela ali não é Beatriz? - Letícia se virou em direção onde Bruno apontava.
- Impossível! Beatriz na prai… - Mauro parou a frase no meio. - Caralh*! É ela mesmo! - totalmente alheia ao que acontecia, Fernanda, uma das amigas que tinham em comum, gritou de onde estavam:
- Bia! - Beatriz não acreditava naquilo. Avistou os amigos, sentiu Priscila tirar o braço de sua cintura.
- Não precisa fazer isso. Fica tranquila. - beijou a testa dela. - Vamos lá falar com eles.
- Letícia está lá. Eu te espero aqui, não quero confusão.
- Nem eu, mas se você não se sente bem para ir, eu também não vou. - Priscila ponderou um pouco.
- Tudo bem, vamos. Mas não quero ser problema pra você.
- Você é minha solução. - sorriu pra ela, enquanto caminhavam em direção ao grupo que olhava o desenrolar da cena completamente bestificados.
- Se a gente tivesse combinado não teria dado tão certo. - falou em tom de brincadeira, havia uma tensão enorme no ar. Letícia não disfarçava o descontentamento.
Mauro a abraçou, a olhou com lágrimas nos olhos, sabia o que aquilo significava pra ela, recebeu um sorriso de volta, Bruno também a cumprimentou cheio de carinho, Letícia a dirigiu um oi seco. O restante do grupo cumprimentou Priscila de forma descontraída. Letícia apenas revirava os olhos.
- Ficam pra almoçar com a gente? Estamos na casa de praia de meus pais. - Fernanda voadora como sempre, não percebeu que estava prestes a acontecer um assassinato ali.
- Obrigada, Nanda! Mas a gente saiu pra dar apenas uma caminhada, tia Sílvia e a mãe de Priscila estão nos esperando. Acho que se não voltarmos logo é capaz das duas virem atrás da gente com uma chinela na mão. - Beatriz tentava agir da forma mais natural possível, sentia os olhos de Letícia lhe queimando de ódio.
- Tudo bem, então! Mas apareçam, vamos ficar o final de semana e um pedacinho do feriado. Ahh! Vocês duas juntas é a coisa mais linda de ver! - Priscila ficou corada, Beatriz não sabia onde enfiar a cabeça, Mauro e Bruno pareciam está procurando algo perdido no horizonte.
- Obrigada! Até mais pessoal! - se virando para Priscila. - Vamos? - Esta apenas assentiu com a cabeça.
Quando já haviam se afastado o suficiente.
- Essa menina é avoadinha assim, ou ela estava provocando mesmo?
- Nanda não é desse mundo. Ela vive no mundo da lua!
- Percebi! Acho que as coisas entre você e Letícia só pioraram agora, e tudo culpa minha. - Beatriz parou de caminhar, virou Priscila de frente pra ela.
- Não fala mais isso. Eu estou bem com você. Muito bem por sinal…
- Mas não sou eu que você ama. - falou baixinho.
- Mas já fui perdidamente apaixona por você um dia e isso não faz muito tempo. - Priscila a olhou surpresa. - Você foi meu amor platônico durante toda a adolescência e mesmo depois de mulher feita, ainda nutria algo que não sabia explicar. Por que você acha que nunca fiquei sério com ninguém? Porque a única mulher com quem eu desejei ter algo do tipo era inatingível pra mim, e essa mulher sempre foi você! Mas aí eu e Letícia, que sempre fomos amigas, trans*mos pela primeira vez e todo resto você sabe. - Priscila ficou na ponta dos pés e deu um selinho em Beatriz, a abraçou apertado.
- Vamos pra casa, se não realmente minha mãe vem atrás da gente com uma chinela na mão, ela não é muito diferente da sua tia.
Ao chegarem em casa:
- Já estávamos indo buscar as duas. - falou a mãe de Priscila, demonstrando uma falsa zanga.
- Só faltou a chinela. - comentou Beatriz, rindo para Priscila.
- Estaria na minha mão. - completou Sílvia imediatamente.
O almoço foi bem descontraído, conversaram bastante sobre a infância das meninas, tanto Beatriz quanto Priscila, tiveram seus momentos de constrangimentos diante dos relatos. Passaram a tarde na piscina, aproveitaram o máximo o dia.
Não muito longe dali.
- “Não tire conclusões precipitadas”, você disse, que conclusão devo tirar agora, Mauro? Você viu como elas estão? Ela disse que me amava ontem e hoje está aqui ao lado dela! Você faz ideia do que isso significa? Durante anos, eu tentei, você tentou, tirar ela daquele luto eterno, mas ela nunca cedeu, e a quem ela confiou isso? A patricinha com quem segundo ela só trans*vam por ela “está perdida e bêbada”. Nunca pensei que Beatriz fosse tão hipócrita! - Letícia estava fora de si.
- Ok, vamos por partes. Vou lhe responder da mesma forma que você me respondeu dias atrás sobre o fato de está com Jéssica: Beatriz abriu o coração pra você, disse o quanto lhe amava, e eu acredito nela, sei que isso é verdade, e o que você fez? Desdenhou, deixou bem claro pra ela que não acreditava no que ela estava dizendo, então você queria que ela fizesse o que? Ficasse chorando e ainda mais depressiva? Será que você ainda não se deu conta que Bia está passando por um dos piores momentos da vida dela? Você acha que ela se tornaria uma alcoólatra por hobby? E outra coisa que você está esquecendo, ou fazendo de conta que não lembra, ela sempre, sempre e quando eu digo sempre, é sempre mesmo, foi apaixonada por Priscila e você sabe muito bem disso! Várias foram as vezes que você mesma a confortou por causa desse amor não correspondido, então não venha com essa conversinha de que foi de uma hora para outra. Você tem todo motivo do munto pra está puta da vida, inconformada, afinal quando finalmente Bia te deu uma chance, Priscila caiu de paraquedas entre vocês, da forma mais conturbada possível…
- Eu não acredito que você está do lado delas! - antes que Mauro pudesse revidar, Bruno interveio.
- Quer parar de dar chilique, Letícia?! Quem criou expectativas foi você, por mais que Beatriz tenha agido errado, tenha sido fraca, ela foi honesta o suficiente pra lhe dizer os motivos de se afastar de você, como amante, nunca como amiga. Será que você estaria segurando essa barra que ela está passando? Que tipo de amor é esse que o orgulho vem em primeiro lugar? Enquanto você está fazendo questão de ser a pior pessoa do mundo pra ela, Priscila está no caminho oposto, eu também não a suporto, mas a aflição que eu vi nos olhos dela lá no hospital não é algo que se encena. Se você acha, que está ao lado de Beatriz é seu direito, faça isso acontecer. Se comportando com essa infantilidade, você só vai afastá-la cada vez mais e o que é pior, jogá-la de bandeja nos braços de Priscila, que pelo visto está cuidando muito bem dela. Agora me deem licença que eu vim pra cá relaxar e me divertir, não fica dando consultoria a adolescente birrenta, no momento a patricinha mimada aqui é você!
Mauro ficou surpreso com Bruno, ele nunca havia se metido em discussão alguma, mas Letícia merecia realmente ouvir tudo que foi dito por ele.
Após o jantar, Beatriz deitou em uma das redes que ficava na varanda, Priscila veio logo em seguida e se aconchegou em seus braços. Sentiu sua companheira de rede soltar um suspiro de satisfação, pra logo em seguida a envolver em seus braços.
- Desse jeito eu durmo!
- Ultimamente é só isso que a gente tem feito deitada mesmo. Daqui a pouco tia Sílvia vem olhar se estamos comportadas. - Priscila sorriu, sabia que o humor de Beatriz andava bem oscilante, devido a falta do álcool, do cigarro e principalmente de sex*.
- Mas namorar a gente pode. Beijo e abraço não vão lhe fazer mal. - ficaram namorando na rede, Beatriz se comportava de forma exemplar, afinal a mãe de Priscila e sua tia estavam na sala, bem próximo delas.
- Meninas, estamos indo deitar. Quando subirem fechem as portas, por mais que aqui seja seguro, nunca se sabe.
- Também estamos indo mãe.
- Boa noite, minha querida! - deu um beijo na testa da filha. - Boa noite, Beatriz!
- Boa noite! - responderam as duas juntas. Sílvia também foi falar com as duas antes de se recolher.
Já no quarto, Beatriz não tentou nada mais ousado com Priscila, foi tomar banho e voltou para o quarto, para esperar por ela. Estava pensativa, um pouco triste, pela segunda vez na mesma semana havia aberto seu coração e sido ignorada, percebeu como Priscila mudou de assunto, foi tirada de seus devaneios com a saída de Priscila do banho. Ela estava deslumbrante, com uma camisola bem sexy e por baixo um conjunto de lingerie preta belíssima, que realçava ainda mais sua pele clara. Seus olhos brilhavam, era impossível disfarçar o desejo que ardia dentro de si.
Priscila se aproximou lentamente, subiu na cama como uma felina, se encaixou sobre as pernas de Beatriz, lhe deu um selinho demorado, para então falar.
- Eu não sei se você percebeu, mas sua tia não nos proibiu de “traquinagens” hoje. - mordeu a ponta da orelha de Beatriz, que sentiu um arrepio tomar conta de todo seu corpo. - Então eu deduzo que você já está de alta.
- Você está linda! Incrivelmente, sedutoramente, linda! - Beatriz a beijou em meio a um sorriso. Priscila a encarou por um instante.
- Posso te pedir uma coisa? - Beatriz assentiu com a cabeça, naquele momento ela estava inteiramente entregue a Priscila. - Faz de conta que essa é nossa primeira vez. Faz amor comigo, da forma que você imaginava que seria. Eu não quero apenas uma trans* hoje… - Beatriz a beijou com suavidade.
- Eu não quero apenas uma trans* com você já faz tempo, quero você por inteiro e quero ser sua por inteiro, como sempre quis. E não tenha dúvidas que essa é nossa primeira vez. - Priscila tinhas os olhos cheios d’água, dali por diante renunciaram a tudo que antecedeu aquele momento único, Priscila estava completamente embriagada pelos carinhos de Beatriz, aquela pegada firme que ela tanto gostava continuava lá, mas a suavidade, a atenção o cuidado, a cumplicidade a cada gesto era algo que ela ainda não tinha tido o prazer de sentir. Se sentiu amada realmente, e aquele tipo de coisa não é algo que se finja, vem de dentro. Beatriz a amou e se deixou amar por completo.
O dia raiou e trouxe consigo mais certezas que incertezas para ambas. O clima da noite anterior perdurava, os olhares trocados não eram apenas lascivos, havia algo mais, algo que não sabiam explicar, mas conseguiam sentir intensamente. O dia passou suave, entre brincadeiras e conversas descontraídas. Após o almoço a mãe de Priscila sugeriu que fossem a praia, a maré estava baixa e com isso o mar estaria calmo, ótimo para aproveitarem a tarde. E assim fizeram.
Quando já estavam voltando pra casa, mais uma vez trombaram com Fernanda.
- Bia!! Nem voltou pra curtir com a gente, sua danada!
- Ihhh Nanda, foi mal! Acabei nem vendo o tempo passar. Deixa eu te apresentar: Sílvia, minha tia, Paula mãe de Priscila.
- Olá!! Prazer conhecer vocês! - as duas senhoras acenaram gentilmente para Fernanda. - Vai ter um lual hoje, você vão né? Tu anda muito sumida, precisando colocar a farra em dia.
- Não vai dar Nanda, eu vim pra cá pra descansar, evitando farras.
- Ahh,qual é, Bia?! As coisas andam muito sem graça sem seu humor ácido por perto. Me ajuda Priscila, pelo menos uma passadinha, não mais que isso, por favor! - Sílvia olhava sério para sobrinha.
- Eu vou pensar, ok? Mas não garanto nada. Qualquer coisa apareço.
- Tá. Você anda muito certinha depois que começou a namorar Priscila. Aliás, as duas andam certinhas demais. - Priscila e Beatriz encararam Fernanda para só então ela se tocar. - Putz!! Foi mal meninas! Elas são uns anjos tias, eu que sou destrambelhada mesmo! Bom, deixa eu ir, preciso arrumar gelo, pra gelar as cervas. Espero as duas lá, hein?! Nem que eu tenha que vir buscar vocês em casa.
- Eu não sei se deveria perguntar que tipo de coisas vocês duas andavam aprontando. - Beatriz e Priscila coraram na hora com o comentário de Paula. - Pela cara de vocês, acho melhor não saber mesmo. Agora, pelo menos o fato de eu estar de nora nova, isso eu deveria ter sido avisada.
- Mãe, essa guria é louca! Eu e Bia estamos apenas nos conhecendo, não é Bia?
- Uhum!
- Santo Deus, imagina quando se conhecerem de verdade como não vai ser, se já não se desgrudam de agora! - Sílvia estava calada demais. Paula se divertia com a cara das meninas.
Voltaram pra casa sem maiores constrangimentos, aquelas duas juntas não davam uma trégua.
Por volta das oito da noite, a campainha da casa de Paula tocou.
- Está esperando alguém, mãe?
- Não filha, só convidei vocês. Deve ser a maluquinha lá da praia. - Beatriz e Priscila se entreolharam. Após olhar pela janela. - É ela mesmo.
- Oi boa noite! Eu disse que vinha buscar vocês, não disse?
- Nanda, não vai dar, sério!
- Que isso Bia, em cinco minutos a gente está lá, a pé. Só um pouco vai. Por favor!
- Eu acho que seria uma boa para vocês meninas. Estão trancadas aqui com a gente, conversar um pouco, dançar, sei lá o que vocês fazem nessas festas.
- Olha aew! Ganhei uma aliada! - Beatriz olhava para tia, tentando algum sinal de aprovação.
- A gente vai e fica só um pouco, Bia. Só assim Fernanda sossega.
- Tá bom! A gente vai se arrumar e chega já lá. - depois que Fernanda saiu.
- Beatriz…
- Eu sei tia. Eu não vou beber, prometo. Eu disse que não iria decepcionar a senhora e não vou.
- Eu cuido dela, tia Sílvia. Fica tranquila.
- Confia nelas, Sílvia. Uma hora ou outra elas terão que voltar pra realidade delas. Eu tenho certeza que vai dar tudo certo.
- Tudo bem, mas não demore. - Sílvia estava aflita. Uma coisa era Beatriz longe de bebida, outra coisa era ela ter várias opções por perto.
Em meia hora estavam prontas, foram andando pela praia mesmo, de longe já dava pra avistar a movimentação e ouvir o barulho do som. Ao chegarem no local.
- Tem bem mais gente do que eu pensava! - comentou Priscila.
- É, tem mesmo!
- Olha Bruninho e não que a danada da Nanda conseguiu? - falou Mauro todo contente ao ver Beatriz, cumprimentou Priscila de forma cordial.
- Pensei que ia ter de ir lá de novo!
- Sua louca! Devia lhe dar uns cascudos isso sim! - falou Beatriz enquanto segurava Fernanda e fingia realmente lhe dar uns cascudos.
- Vamos começar?! - entregou uma garrafa de cerveja long neck para cada uma.
- Hoje eu estou de boa, quero beber não. Tem me dado muita ressaca. - sorriu sem jeito enquanto devolvia a cerveja.
- Eu também passo. Chegar em casa de pilequinho minha mãe me dá umas boas chineladas e a gente nem vai demorar muito, né Bia?
- Uhum!
- Nossa! Vocês entraram para algum convento? - Beatriz revirava os olhos, enquanto o trio que a acompanhava, ria das tiradas de Fernanda. Letícia mantinha-se a distância, observando tudo e fulminando as duas com o olhar.
Mauro e Bruno ficaram fazendo companhia as duas, Fernanda vez ou outra passava por lá oferecendo comida e refrigerante para as meninas. Quando já estavam decidindo ir embora.
- Ora, ora, se não é o mais novo casal da cidade! Por isso que você não atendia minhas ligações, não é dona Priscila? - Laura falou alto o suficiente para que quem estivesse ao redor pudesse acompanhar o show.
- Laura, para de graça. Vamos embora, Bia? - Beatriz assentiu com a cabeça.
- Ahhh! Lembrei, a gente só pode tirar sarro da ogra na ausência dela não é mesmo? Afinal você não quer perder o melhor sex* da sua vida. Tá melhorzinha? Ficou tão tristinha no dia da ligação que bebeu até quase morrer, não foi? - Beatriz que já tinha se virado pra ir embora, voltou para prestar atenção no veneno que Laura destilava.
- Laura, para com isso, agora! - mais gente começava a chegar, com certeza aquele seria o embate do século.
- Não, não para não, continua. Eu quero ouvir tudo.
- Então você vai ouvir pela boca da sua queridinha. - tirou o celular do bolso e colocou nos áudios que Priscila havia mandado pra ela dias antes.
“- Não tem nada a ver eu ter ficado putinha por você ter falado com a rainha das trevas daquele jeito, simplesmente ainda não é a hora pra eu me livrar dela. Mesmo bêbada ela faz o serviço completo, enquanto não arrumo ninguém melhor e mais decente, tenho que aproveitar caralh*!” - em outro áudio.
“- Não enche, Laura! Estou saindo do hospital, a outra bebeu tanto que quase morre. Acho que a coitada pensou que por ter cuidado de mim ontem a noite, já era motivo pra casamento, se ela não fudesse tão bem, ia entregar pra zoonoses, afinal é lá que a gente deixa cão sarnento.” - Priscila não conseguia olhar para Beatriz, no último áudio.
“- Tu não sabe da maior, além de conseguir iludir a tresloucada da tia dela, ainda ganhei um emprego com a minha excelente performance de boa moça. Eu não vejo a hora de saborear o momento de botar ogrinha no lugar dela e do jeito que ela anda melosa, isso não vai demorar muito tempo não. Sabe cadelinha quando quer carinho, que fica babando e abanando o rabinho? Até os olhinhos são iguais.” - Mauro ia intervir, mas Bruno o conteve.
- Deixa, as vezes só um barraco desse porte pra colocar tudo no seu devido lugar. Está na hora de Beatriz sair do seu casulo, parar de se colocar sempre na condição de vítima e deixar a mulher que verdadeiramente ela é vir a tona.
Como se não pudesse ficar pior:
- Sabe Beatriz, tenho que te dar os parabéns! De todas as estupidez que você fez na vida, essa de longe é a pior. Foi por isso daí que você me trocou? “Ai Lê, eu não posso chegar para ela e dizer que vou ficar com você… fui muito sacana com ela… eu a usei...” - Letícia deu uma gargalhada, para então continuar. - Tragam um troféu de trouxa do ano para está mulher, aliás, um não, dois, caso ela perca o primeiro, porque pagar um vacilo desse a vista, não é pra qualquer uma.
- Letícia, eu não vou nem levar em consideração o que você está dizendo, porque pelo visto você bebeu demais…
- Isso vindo de uma alcoólatra realmente é preocupante! Acho que amanhã mesmo vou procurar um AAA, você poderia me indicar o seu? - só se ouviam os “nossa!” de quem estava ao redor.
- Com todo prazer! Me liga que eu te passo o endereço. Quanto a você, Laura, que bela amiga da onça não?! Estragando assim a diversão da melhor amiga?! Muito feio isso! O que me leva a crer que das duas uma: ou você quer que a fila ande pra pegar Priscila, o que eu acho pouco provável, ou o seu interesse é pra conferir se realmente o material aqui é de primeira. Mas deixa eu te esclarecer uma coisa, enquanto pra pegar sua amiga eu tinha que me embriagar, pra pegar você nem sob efeito de heroína. Então eu acho que você deu um tiro no pé. Nanda, muito obrigada pelo convite e desculpa esse inconveniente. - Beatriz deu as costas e saiu andando lentamente, todos ficaram impressionados com a serenidade dela. Enquanto se afastava, Laura tentou ir atrás.
- Dê mais um passo e eu arrebento sua cara. Faz um favor pra nós duas, esquece que eu existo.
- Ficou louca Priscila?
- Não, muito pelo contrário, nunca me senti tão lúcida. E eu estou falando sério, nunca mais dirija a palavra a mim. - Priscila saiu com passos apressados, pra tentar alcançar Beatriz, não queria que ela fizesse besteira, havia prometido a Sílvia que não deixaria nada de mau acontecer.
- Por isso que elas não queriam vir! Eu não imaginava que a treta era tão séria. - Mauro batia com a mão na testa diante de toda calma de Fernanda.
- Eu vou atrás da Bia.
- Não vai nada. Esse momento é dela e Priscila, melhor que tudo isso tenha vindo a tona agora, do que mais tarde, vai por mim. E quanto a você, Letícia, realmente seu orgulho está bem feridinho. Que a Laura aja dessa forma eu nem estranho, afinal ela não deve nada a Beatriz, agora você “chutar cachorro morto”, olhe estou chocado! Não esperava isso de você, de verdade.
Letícia baixou a cabeça e tentou disfarçar o desconforto. Sabia que realmente não deveria ter feito o fez.
Beatriz se afastou o suficiente para não escutar mais o barulho da festa, sentou na areia e ficou observando o mar, era noite de lua cheia, a praia estava bem iluminada, dava pra ver as ondas quebrando na areia. Priscila se aproximou e se ajoelhou de frente a ela.
- Bia, olha pra mim! - Beatriz chorava, era uma decepção enorme, que isso acontecesse antes ela até entenderia, mas os áudios eram atuais, não entendia como pôde ter sido tão ingênua.
- Eu estava aqui imaginando o quanto você não deve ter se divertido, internamente, por ontem. Realmente você conseguiu o que queria, me fez de idiota na frente de todo mundo, se eu não conhecesse Fernanda, cogitaria a hipótese dela ter participado disso como isca, mas eu prefiro acreditar que ela não faria isso. Também pouco importa agora. - Beatriz tentava segurar o choro o máximo que podia, mas a dor era forte demais.
- Bia, me escuta. Foi tudo da boca pra fora, eu só não queria demonstrar pra Laura que estava envolvida por você. - Beatriz sorriu.
- Não precisa mais fingir Priscila. Já está tudo bem claro pra mim, se foi da boca pra fora ou não, pouca diferença faz agora. Minha tia confiou em você, eu confiei em você, e você a retribuiu dessa forma, eu não falo nem por mim, mas ela… ela nunca te fez mal, é uma pessoa boa.
- Bia, me perdoa, por favor!
- Eu preciso me recompor, não quero que minha tia e sua mãe me vejam desse jeito. A gente vai agir naturalmente, não vou estragar o final de semana das duas. Sua mãe não merece isso, ela tem sido uma pessoa maravilhosa conosco. Amanhã eu arrumo uma desculpa e volto pra casa. Eu não sei até onde essa história de você aceitar trabalhar com a gente é verdade, mas caso realmente seja, a minha palavra está mantida, uma coisa não tem a ver com a outra, você já provou que tem competência pra isso. Depois me liga que eu digo onde fica o escritório pra você acertar tudo. Agora vamos embora, que tia Sílvia já deve está preocupada.
- Bia…
- Esse assunto acabou Priscila, não tem mais nada a ser dito.
Ao chegarem em casa.
- Estava chorando, Bia?
- Nada tia, tinha uma fogueira enorme lá, maluquice de Fernanda, acho que juntou com o vento da praia, acabou atacando a minha sinusite, espirrei o caminho de volta inteiro, estou toda congestionada. - Sílvia não iria contestar, mas sabia que havia algo de muito errado ali. - E como prometi, não tomei uma gota de álcool, vou subir, tomar um banho e um remédio pra alergia, amanhã estou nova. - deu um beijo na testa da tia e se despediu da mãe de Priscila, que apesar de não comentar nada, também percebeu que havia algo de errado.
Beatriz tomou banho e sentou em uma das cadeiras que tinha na varanda do quarto. Priscila tentou convencê-la a entrar e dormirem juntas, mas ela recusou, sem drama, sem indiretas, não parecia aquela Beatriz que ela estava acostumada a ver.
“-Oi.”
“- Como você está? Eu tentei intervir, mas Bruno não deixou.” - Mauro estava muito preocupado.
“- Quando eu descobrir eu te digo, não sei ainda, estou meio entorpecida, sei lá. Agradeça a Bruno, foi melhor isso ter acontecido agora, as vezes a gente precisa tomar um choque de realidade pra perceber o que anda fazendo.”
“- Quer conversar?”
“- Agora não, quando eu estiver com a cabeça mais fria, eu te ligo… e não se preocupa, não vou fazer besteira. Eu preciso pensar em mim e em tia Sílvia, ela não merece passar outra agonia daquelas.”
“- Tá bom. Qualquer coisa, me liga!”
“- Ligo sim! Um abraço!”
- E aí? - quis saber Bruno.
- Ela está serena até demais e isso me assusta.
- Ela está amadurecendo, amor. Vai acabar tudo bem.
Passar a noite acordada era algo rotineiro para Beatriz, ela pôde contemplar o nascer do sol da varanda. Priscila passou boa parte da noite observando Beatriz da cama. Sabia que havia chegado ao ponto final daquela história, se arrependia mais ainda de cada palavra que disse, por ter priorizado a amizade nociva e abusiva entre ela e Laura, só veio se dar conta disso quando já era tarde demais. Beatriz tomou banho e foi bater na porta do quarto da tia.
- Bom dia! O que houve? - Beatriz tentava segurar toda tristeza que estava sentindo, não era o momento pra desabar.
- Tia, a senhora fica chateada se a gente voltar mais cedo? Eu não trouxe meu remédio de alergia e não estou me sentindo bem, a dor de cabeça não está passando com analgésicos, preciso dos meus remédios.
- Tudo bem minha querida. A gente toma café e avisa a Paula que precisamos ir. - Beatriz deu um beijo na tia e voltou para o quarto, para terminar de arrumar suas coisas. Priscila apenas observava, aquele silêncio incômodo havia voltado a pairar entre as duas.
- Eu vou voltar com vocês.
- De forma alguma. Não é certo, sua mãe pagar pelos nossos erros ficando sozinha aqui.
- Nossos?
- Claro! Eu posso não ter falado, nem ter tido a intenção de te sacanear como você teve comigo, mas eu estou muito longe de sair de santa ou vítima nessa história. Eu também fui desleal com você, quando lhe usei pra afastar Letícia de mim, achando que assim seria mais fácil suportar ficar longe dela. Em alguns momentos você realmente me fez esquecer dela, mas paciência. Não tem como dar certo algo que começou tão errado, por motivos tão errados como o que aconteceu com a gente.
- Bia, o que aconteceu sexta entre a gente, aqui nesse quarto, não foi mentira, não foi encenação.
- Tudo bem Priscila, que não tenha sido, mas me responde uma coisa: se Laura não tivesse escancarado ontem o que vinha acontecendo o tipo de tratamento que você teria comigo na frente dela, seria sempre aquele? - Priscila ficou em silêncio. - Isso me responde tudo. Se cuida tá?! - deu um beijo na testa dela, antes de descer pra tomarem café. Sentaram uma do lado da outra como fizeram nos últimos dias, mas até uma Fernanda da vida perceberia que algo havia mudado.
- Paula minha querida, infelizmente teremos que adiantar nossa volta. A alergia dessa moça está muito forte e ela fez a proeza de não trazer os remédios.
- Nossa, que pena, a companhia de vocês está tão agradável. Tem farmácia aqui perto, a gente pode comprar pra ver se melhora.
- Precisa de receita médica, não vamos conseguir comprar sem. - Beatriz agradeceu a tia com o olhar por ela ter conseguido pensar numa desculpa tão rápido.
- Agora eu entendo o motivo dessa carinha triste de Pri. Mas se quiser voltar com elas pra cuidar de Beatriz eu vou entender filha.
- Imagina dona Paula! Eu me sentiria culpada em privar a senhora de passar um tempo com Priscila. Hoje já é domingo, terça-feira chega rapidinho e eu fico um abuso só quando estou assim, não é tia?
- E como, nem eu que sou família aguento as vezes! - Beatriz olhava pra tia estreitando os olhos.
- Eu fico triste, de verdade, vocês são companhias excelentes. Eu já ia esquecendo, muito obrigada pela oferta de trabalho para Priscila, ela deve ter comentado com vocês que não tem tido muita sorte, graças ao preconceituoso do pai dela. Pra ela arrumar alguma coisa só indo embora daqui e isso está fora de cogitação pra mim. Fico muito feliz que ela vá trabalhar com pessoas tão boas quanto vocês. E muito satisfeita de saber que finalmente tenho uma nora que a faz feliz de verdade. - Beatriz sorriu sem graça, enquanto Priscila olhava de lado.
- Muito obrigada por toda hospitalidade Paula! Agora deixa eu ir, antes que essa criança comece a precisar de nebulização.
- Espero recebê-las aqui mais vezes. - deu um abraço apertado em Sílvia e outro em Beatriz. Priscila tentava conter o choro. Abraçou Sílvia enquanto as palavras que havia dito martelavam em sua cabeça. Quando foi se despedir de Beatriz, o que era pra ser um selinho rápido, se tornou um beijo da parte dela, Beatriz parecia realmente anestesiada diante de toda situação.
- Eu não vou desistir de você. - sussurrou no ouvido de Beatriz enquanto a abraçava.
Já no carro.
- Quer conversar?
- Não tia, está tudo bem. Hoje realmente acredito que depois de cada tempestade vem uma calmaria, ontem eu vivi uma tempestade e tanto na minha vida, mas já passou. Vamos nos concentrar no que importa agora.
A falta do álcool e do cigarro estavam pegando Beatriz de jeito, tinha constantes oscilações de humor e a vontade de beber parecia mais e mais incontrolável ao passar dos dias. Fez o que havia prometido a tia, procurou uma psicóloga para começar a terapia, foi aconselhada a procurar a opinião de um psiquiatra também, para lidar com a ansiedade, provável causa dos vícios e da depressão. A terapia junto com as medicações adequadas, caso necessitasse, ajudaria no seu processo de recuperação. A semana passou bem rápido, e ao final dela, sua tia lhe deu uma notícia que não lhe agradou muito.
- Bia, meu anjo. Por mais que eu não queira te deixar sozinha e por mais que você disfarce, eu sei que as coisas entre você e Priscila não andam bem, mas eu preciso voltar para o haras, estou me sentindo engaiolada aqui.
- Eu vou com a senhora, tia.
- Mas e seu tratamento?
- É uma vez na semana apenas, não é tão distante vir. Só preciso retornar a psiquiatra daqui vinte dias pra dar o feedback sobre a medicação. Então, não vejo motivo pra ficar aqui sozinha. Sem a senhora por perto não vou aguentar. E pelo menos lá no haras começo a ter contato com a lida, me distraio com os cavalos e a senhora vai me ensinando o que sabe.
- Tem certeza?
- Absoluta! Nesse momento não tenho motivo algum para permanecer aqui. A senhora indo embora, tudo que eu preciso estará lá, que é sua companhia e seu apoio. Acho que já podemos começar a arrumar as malas.
- Quer que eu peça pra Roberto vir com a caminhonete?
- Não, não. Vou levar só minhas roupas e objetos de uso pessoal mesmo. Os móveis vão ficar todos aqui, até porque quando começar a viajar para fazer as auditorias, fica mais fácil sair daqui para o aeroporto.
- Perdemos nossa ajudante administrativa?
- De jeito nenhum. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Passei pra ela o endereço do nosso escritório e ela já está devidamente vinculada ao nosso grupo. - Sílvia estava impressionada com a maturidade de Beatriz conduzir as coisas.
Conseguiram arrumar tudo no sábado. Domingo logo cedo viajaram para o haras, a viagem durava um pouco mais de duas horas. Beatriz não ia lá já fazia mais ou menos uns quatro anos. Ficou feliz ao sentir aquele cheiro de mato de novo.
Foi recebida com muita alegria pelos funcionários da casa, a maioria deles a viu crescer e apesar de toda rebeldia, sempre foi muito gentil e respeitosa com todos.
Fim do capítulo
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