A Italiana por Sam King
Capítulo 9 - Aprendendo o Português
Clarisse entra na biblioteca sem bater na porta, e encontra uma Amélia olhando com curiosidade as estantes dos livros. Para um momento e admira aquela guria forte, fazia uma semana desde a violência, os ferimentos da face estavam melhor, Clarisse achava que os outros também já que desde que aplicava o unguento da primeira vez, Amélia não a deixou mais faze-lo.
Mas Clarisse notava a melhora no espirito de Amélia, não ria ainda com aquela alegria , mas já dava sorrisos e estava empolgada para aprender a escrever e falar corretamente o português, ainda mais porque ela não sabia escrever na sua língua. Clarisse chama a atenção dela, que toma um sustinho se virando para ela:
- signorina, scusa ( desulpa)...non queria...
Clarisse se aproxima dela e coloca a mão sobre o ombro dela e fala terna:
- não tem problema Amélia, estais permitida a abrir e olhar qualquer livro aqui.
- grazie.
Depois Clarisse a puxa pela mão, e a faz sentar em uma mesa redonda que existe no aposento, usada para estudo. Coloca um caderno e uma caneta esferográfica, que imediatamente foi pega por Amélia, investiga aquela invenção e diz admirada:
- ma que bella, na mia Itália, as suore ( freiras) só usavam pena.
Clarisse sorrindo pega a caneta de volta e escreve algo na primeira página do caderno e diz:
- esse é seu nome.
Amélia passa a mão sobre a tinta como se quisesse sentir seu nome, mas acaba borrando de preto as letras , fica sem graça:
- ah..signorina.. scusa ( desculpa).
Clarisse pega os dedos dela e nota a mancha de tinta, retira um lenço que leva no pescoço e os limpa:
- não tem problema Amélia, mas deixaria a tinta secar antes.
E as duas se encaram, e por um instante Clarisse se perde naquela imensidão azul, as mãos se tocando suavemente trazendo um calor ameno para os dedos de Clarisse. Então ouvem uma batida na porta, as duas se soltam e quando encaram a porta, Chica está parada as observando com uma bandeja com lanches e chimarrão. Clarisse nota que a cozinheira abaixa os olhos e coloca a bandeja sobre a mesa e diz com a voz controlada:
- é um merenda "pra" dar forças "pro" estudo.
E antes que elas possam agradecer, Chica sai como se tivesse vento nos pés, Clarisse não entendeu a saída repentina e quando volta sua atenção para Amélia, percebe o olhar melancólico dela ainda para a porta. Ela senta-se e puxa a bandeja para próximo a elas e pergunta:
- porque brigaram?
- non brigamos, mas signorina gostaria de non parlare( falar) disso.
- tudo bem... vamos tomar a merenda e depois podemos começar?
- si.
Amélia respondeu mais animada e assim foi feito. Clarisse começou a ensinar o abecedário, e prevê que sua aluna seria extremamente aplicada , pois Amélia é muito inteligente, já que pega logo as letras.
Amélia está muito feliz, apesar das coisas horríveis que acontecera, a primeira aula já aprendera tanto, ver seu nome escrito deu-lhe uma emoção, foi como se ela de fato existisse. É verdade que teve que brigar muito consigo mesma, para ter total concentração nas letras e não na professora. Mas ainda assim se pegava olhando as mãos firmes dela segurando a caneta, dedos longos e brancos como leite, os cabelos soltos lisos mas que se enrolavam nas pontas, lhe caindo sobre uma face, e nesses momentos Amélia quase as tirava, gostava de ver a face dela. A ruguinha que se formava quando ela estava concentrada, a boca que se apertava segurando um sorriso quando Amélia falava algo engraçado, os olhos que as vezes se prendiam nos dela e Amélia esquecia a pergunta que faria.
E naquela tarde Amélia descobre que iria lutar uma guerra perdida, por mais que seu corpo estivesse machucado e seu coração com certa mágoa ainda de Chica, os sentimentos que Clarisse lhe despertava são diferentes do que já sentira, mas não trairia sua benfeitora tentando alimenta-los.
Foi depois de um mês de aulas que Clarisse teve coragem de perguntar sobre a vida de Amélia, as duas estavam novamente na biblioteca, e Amélia nesse instante estava lendo um poemas sobre amor ,é um comentário dela que desencadeou a curiosidade de Clarisse:
- le surore non me deixariam ler algo assim.
- tu sempre dizes essas palavra suore, mas que significa?
Amélia fecha o livro e responde:
- e Irmãs, como diz... freiras.
- ah sim, mas porque elas não deixariam e seus pais?
Amélia abaixa os olhos e coloca delicada o livro sobre a mesa e responde baixinho:
- non tive pais, fui criada em um orfanato, non tenho família.
Clarisse sente um aperto no peito e ao mesmo tempo fica maravilhada:
- te admiro Amélia, tua coragem de sair da tua terra e deixar o pouco que conheces para vir desbravar essa terra gélida dos pampas.
Amélia a encara, e mais uma vez aquela coisa de prender os olhos acontece, e Clarisse sente uma vontade quase insana de acarinhar aquela face, mas apenas segura firme a mão de Amélia, passando no gesto afeição:
- a signorina...
- senhorita não, apenas Clarisse.
- Clarisse...
E quando ouve seu nome dito com aquele sotaque, Clarisse sente uma palpitação diferente no coração e algo estranho no seu baixo ventre, Amélia ignorando o que causara continua:
- tu que es admirável, tens tanto e ainda es simples , gentil. Io non sou nada, apenas sai da minha terra porque necessitava.
- e porque?
- a guerra devastou tudo, nosso país sofreu tanto...non pode mensurar quantas crianças morreram de fame (fome), quantos anziani ( anciões) pereceram na miséria, as donne ( mulheres) sem maridos, porque morreram pela guerra. Io solo ( só) sobrevivi.
E com o relato comovente Clarisse não consegue se segurar, passa os dedos de leve pelo rosto de Amélia e abarca uma das bochechas, que fica surpresa mas aproveita o carinho:
- tu es uma guerreira, assim como teu povo. Me sinto honrada de lhe ensinar minha língua e os costumes do Brasil, me sinto honrada que sejas minha dama de companhia e espero que minha amiga.
Amélia segura a mão de Clarisse sobre o rosto e depois lhe vira a palma e deposita um beijo singelo, esse gesto além de ir parar dentro da alma de Clarisse, ainda a faz ter um comichão nunca sentido antes no meio das pernas. E temendo o desconhecido ela retira a mão do agarre de Amélia e levanta-se sem graça, recolhe todo o material rapidamente e se despede:
- tenho que ir, amanhã o mesmo horário.
- tutto bem.
E sai deixando uma Amélia confusa sobre porque Clarisse praticamente fugira.
Chica esperava na porta do seu quarto quando Amélia apareceu no corredor da ala dos empregados, agora ela também tinha um aposento ali. Elas apenas se cumprimentavam depois do ocorrido, mas Chica estava preocupada com algo, por isso quando Amélia se aproximou mais, a chama:
- Amélia.
- si.
- pode vir aqui , "pur" favor.
E Amélia a encara um tanto desconfiada, mas Chica lhe oferta um sorriso plácido e pede humilde:
- e algo que tenho que lhe falar.
Então a italiana passa por ela para entrar no quarto e Chica sentiu o perfume cítrico dela, e mesmo já tendo aceitado o final do relacionamento, não nega que Amélia ainda mexia com seu corpo. Mas ignorou essa parte e entra atrás dela, convida Amélia a sentar na cama e senta-se ao seu lado, mas dando espaço entre elas. Amélia fita em expectativa:
- como estas? As aulas estão boas?
- si, Clarisse e muito paciente para ensinar-me, estou lendo agora e sei escrever meu nome.
Os olhos de Amélia brilham de contentamento, e Chica fica na dúvida se por causa do aprendizado ou da professora, mas deixa esse assunto de lado e pergunta sem enrolação:
- tuas regras vieram?
Amélia a encara constrangida e esconde a face vermelha olhando para o chão:
- que questionamento e esse Chica?
Chica sorri com a vergonha dela, e se aproxima mais, carinhosa ergue seu queixo e diz sincera:
- e pergunta de uma amiga preocupada - Chica engole em seco - o que houve contigo no mês passado, pode ter frutos, Amélia.
E Amélia ainda está confusa, Chica entende o porquê, a italiana não sabia nada sobre vida conjugal e ainda ela lhe ensinou tudo ao revés, já que aprendeu o prazer carnal com uma mulher. Então solta o queixo e segura as mãos dela e diz serena:
- o que aquele porco fez , pode ter plantado uma sementinha na tua barriga. Clarisse te deu o vinagre não foi, mas mesmo assim.
Amélia abre os olhos e fala gaguejando:
- si, mas estava tão fora de io ...que..que nem me recorde direito...non Chica, non posso...
- ei, acalma-te, e diga-me as regras vieram?
E Amélia solta um longo suspiro e feliz:
- si vieram, santo dio.. e assim que se faz bambino( criança)?
- tem desejo ou amor antes, mas infelizmente pode ser do jeito que aconteceu com tu.
- ah Chica, estou muito felice ( feliz), non tenho um bambino aqui, non queria ter assim com violência.
E segura a barriga alegre e Chica percebe que Amélia poderia ter outro problema, mais uma vez questiona:
- tu queres ter filhos?
Sem hesitar, Amélia solta:
-si.
-mas Amélia, para isso agora sabe o que tens que fazer, "num" é?
Então Amélia chocada , nem precisou perguntar mais nada, teria que dormir com um homem para ter filhos, mas como faria isso sem trair sua natureza. E Chica percebe a tristeza permear aqueles olhos azuis, coloca uma mecha de cabelo de Amélia atrás da orelha e escorrega a mão pelo rosto da italiana:
- sinto muito por isso prenda.
- ai Chica...
E as duas se abraçam, e ali selam uma nova amizade permeada de lealdade e amor.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Lea
Em: 08/07/2022
Fico pensando se fosse ao contrário e se,no lugar da Clarisse fosse Chica a ter sido violentada,ela teria esse mesmo tratamento que está tendo a Clarisse?
Tomara que realmente ela não esteja grávida, não de um jeito violento assim. Afinal sabemos que,mesmo menstruando a mulher pode estar grávida,e sem sentir nenhum sintoma da gravidez.
Boa noite Sam!
Resposta do autor:
Boa noite minha leitora querida,
Não , a Chica não teria o mesmo tratamento, capaz deles até fazerem ela se.
"Casar" com o capataz ou mesmo expulsa la.
Sabemos que até os dias de hj o racismo e predominante e terrível, se as mulheres
Até hj sofrem com esse tipo de violência e quase nada e feito( vejo os casos infelizmente que foram
Jogados na mídia) , a mulher preta sofre mil vezes mais.
Mas vamos ver o que os próximos cap aguardam para essas protagonistas fortes.
Grande abraço.
Endless
Em: 18/07/2018
Olá, autora!
Aqui procrastinando um trabalho para comentar este capítulo e para cobrar o próximo! Brincadeirinha.
Acho lindo o sentimento de amizade. Se não dá certo, a amizade tem que prevalecer, pois acredito que primeiro, no amor, vem a amizade. Acredito que seja por isso que muitas pessoas maldizem as ex: porque nem amizade existia.
Aguardando mais capítulos para ver como Clarisse vai entrar na "roda"! Rsrsrs
Boa sorte!
Resposta do autor:
Oi,
Estou agora mesmo trabalhando neles ... confesso que está sendo um grande desafio escrever a Italiana..mas espero que esse trabalho seja recompensador para vc6!
Estou escrevendo com muito carinho :)
Acredito tbm que antes do amor vem admiração e amizade.
E quanto falar mal da ex concordo com vc sobre amizade ...mas tbm pode ser que haja um certo tesão reprimido..hahaha estou brincando!
O negocio é não guardar rancor ;)
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