Capítulo 8
Júlia entrou em seu quarto desesperada, depois que conseguiu se desvencilhar dos braços de Sylvia. Todo o seu corpo tremia, até seus dentes se chocavam uns com os outros. Suas carnes pareciam soltas e o corpo todo começou a doer, devido à tensão sofrida. Fechou a porta e se recostou na mesma para poder respirar direito. Inspirou profundamente em busca de ar. Seu corpo todo ardia e ainda podia sentir o cheiro dela, o toque das mãos e dos lábios em sua pele. O hálito quente cheirando a vinho invadiu suas narinas de forma deliciosa, obrigando-a a fazer um esforço sobre humano para resistir e não se entregar de vez. Precisava ir embora dali o quanto antes. Iria contrariar dona Cláudia, Antenor e até a si mesma, mas não iria mais passar os finais de semana ali. Seria muito arriscado. Se Sylvia continuasse a beber e se comportar como fez essa noite, ela, Júlia, acabaria cedendo.
Sentindo a respiração mais controlada, afastou-se da porta e se dirigiu ao banheiro. Tirou a roupa e abriu o chuveiro. O contato da água morna serviu de bálsamo para seu corpo dolorido. Ficou longos minutos sentindo a carícia da água. Quando tocou nas partes íntimas seu corpo reagiu violentamente. Mais que de imediato, retirou a mão. Não iria mais ceder aos apelos da carne. Teria que, de uma vez por todas, tirar Sylvia da cabeça.
Já de volta ao quarto, colocou uma camisola e sentiu que o banho aliviou um pouco a tensão do corpo, mas o desejo alucinante que sentia pela enteada, continuava intenso. Sentou-se na elegante cama de érable e, delicadamente, começou a passar um pé sobre o grosso e macio tapete de veludo verde claro. Precisava se distrair de alguma forma. Quem sabe aquele simples e tolo contato em seu pé, aliviasse a forte tensão que sentia na região pélvica? Pensou com um sorriso triste a se ensaiar em seus lábios.
A suave e morna luminosidade que era espargida no ambiente, provinha do abajur sobre o criado mudo. Júlia deixou seus olhos vagarem pelo quarto e procurou se distrair também, contemplando o matiz gracioso deixado pela fraca iluminação no papel de parede. Não teve coragem de se deitar naquele momento, pois tinha a absoluta certeza que seria pior. Suas mãos não iriam lhe obedecer, e sim procurar aliviar os anseios de seu corpo. Sua mente digladiava com seu coração e com o desejo que lhe abrasava as entranhas. Travava uma enorme batalha, pois sua razão lhe dizia para não pensar, não desejar a enteada, para manter-se longe dela, mas o seu coração e o seu corpo gritavam por ela e ansiavam, principalmente naquele momento, que ela adentrasse ali em seu quarto e lhe tomasse nos braços.
Olhou para a porta e um frio provocado pelo desejo reprimido lhe contraiu o estômago e lhe estremeceu o corpo. Sem perceber apertou as pernas e mordeu os lábios.
Levantou-se em direção ao toucador. Escovou mais uma vez os opulentos cabelos negros. Novamente olhou para a porta. Fechou os olhos e desejou ardentemente que esta se abrisse e que Sylvia surgisse por ela. Sua razão tentava acordá-la do devaneio, mas o anseio se fazia mais forte e se punha novamente na vã espera. Ali em pé, imóvel, sob a transparência da camisola branca, a luz revelava as formas perfeitas de um corpo de 30 anos de existência. Corpo este que ansiava desesperadamente ser tocado, ser possuído, ser amado, mas apenas por uma pessoa.
Júlia fechou novamente os olhos, e, se esquecendo da decisão de não sucumbir às fraquezas da carne, permitiu que suas mãos dessem início a uma carícia sensual pelo seu corpo. Com os olhos fechados, imaginou outras mãos. Tocou os seios rijos, beliscando levemente os bicos. Gem*u. A outra mão desceu vagarosamente para o ventre, que se encontrava tenso e em brasa. A boca, intumescida e entreaberta ansiava pelo sonhado beijo. Mordeu fortemente o lábio inferior ao tatear a umidade. Um grunhido doloroso escapou-lhe da garganta. O corpo em febre movimentava-se instintivamente. Apertou as pernas mantendo a mão em sua intimidade, enquanto a outra, rápida, continuava tocando o seio. Um forte tremor sacudiu-lhe o corpo e o delicioso êxtase fez com que dobrasse os joelhos e se sentasse no chão. Ali ficou por alguns minutos, recuperando a força.
Logo depois, ainda arfando, seguiu em direção à cama. O contato do corpo quente com o frio cetim do lençol lhe estremeceu. Deitou-se e encolheu as pernas até o peito. Percorreu a mão sobre o lugar vago na sua grande cama de casal e desejou que ela estivesse ali. Mais uma vez chorou. Chorou pelo que não permitiu acontecer e por saber que teria que continuar lutando para que não acontecesse.
************
No outro dia Júlia acordou cedinho e arrumou a bagagem para voltar para sua casa. Encontrou com dona Cláudia na copa e a boa senhora espantou-se ao vê-la com a bolsa do lado, seguida pela babá com Antenor nos braços.
--Aconteceu alguma coisa Júlia? Antenor está doente?
-- Não, dona Cláudia! -- Sem saber o que dizer, buscou alguma desculpa -- Tenho que... voltar... para casa! -- Abaixou as vistas, pois odiava mentir -- É... é que me lembrei... que tenho... que resolver algumas coisas... para amanhã...!
Dona Cláudia a observava atentamente enquanto a ouvia. Permaneceu alguns segundos em silêncio e depois acenou com a cabeça concordando. Imaginou que havia acontecido alguma coisa, pois na noite anterior ouviu a voz um tanto embriagada de Sylvia no corredor.
-- Tudo bem filha! Volte quando quiser! -- Pegou o sobrinho no colo e abraçou-o fortemente. Devolveu-o à babá e abraçou Júlia. -- Tudo vai ficar bem, querida! -- Finalizou a conversa e beijou-a nas faces.
Júlia entrou no carro e partiu dali com o coração dolorido, mas certa de que aquela foi a melhor atitude a ser tomada. Estava decidida, inclusive, a passar uma temporada com a única tia que possuía, no interior da Bahia, precisamente na Chapada Diamantina. Lá seria o lugar ideal para se acalmar e se curar de vez da loucura que estava dominando-a.
Menos de uma hora depois, entrava em sua casa. Foi direto para o quarto e deu vazão às lágrimas. Algumas horas mais tarde ligou para a prima e pediu que fosse vê-la. Teria que se abrir com Helena. Ela era a única pessoa que poderia ajudá-la, inclusive apoiá-la em relação a sua viagem para o interior da Bahia.
Helena chegou logo, uma vez que morava próximo. Ficou aflita ao ouvir a voz chorosa de Júlia. Encontrou-a largada na cama com o rosto vermelho de tanto chorar.
-- Querida! O que houve? Por que veio tão cedo da chácara?
Júlia se jogou em seus braços e depois de se acalmar um pouco, encarou a prima.
-- Preciso lhe contar... algo! -- Os olhos angustiados fitavam Helena com desespero.
-- Claro minha prima! Pode falar!
-- Aconteceu... está acontecendo... uma loucura... uma loucura comigo!
Helena mantinha-se em silêncio, porém atenta.
-- É... Você não... não deve contar... nem ... nem mesmo para Antônio! Por favor!
-- Claro que não! Já que é um segredo, é evidente que não vou contar nada para ninguém! -- Abraçou-a mais forte -- Sabe que pode confiar em mim!
Júlia afastou-se um pouco e tomou-lhe as mãos.
-- Quero que me ouça, sem me interromper...! Preciso... Preciso desabafar... Tirar isso do meu... peito! Senão... Senão vou... vou enlouquecer -- As lágrimas, de seus olhos, caiam uma atrás da outra.
-- Estou aqui, meu amor! Vou lhe ouvir e lhe apoiar, seja o que for que queira me contar!
Júlia a olhou em silêncio por alguns instantes, depois deu início à narrativa.
-- Lembra-se... daquele dia no hospital, quando Antenor... morreu?
Helena apenas balançou a cabeça.
-- Pois é, foi ali que essa loucura me dominou, tomou conta de mim. Lembra-se que Sylvia passou mal?
Helena novamente acenou a cabeça incentivando-a a continuar.
-- Eu fiz uma loucura... naquele dia, Lena! Uma loucura que... que jamais deveria ter feito. E... E... foi a... minha perdição. -- Se jogou novamente nos braços da prima.
-- Ajude-me, Helena! Eu... Eu não posso... sentir isso!
Helena, desesperada, tomou-lhe o rosto entre as mãos.
-- Júlia! Fique calma e me fale o que está acontecendo com você! Confie em mim! Não tenha medo de nada! Seja o que for que tenha para me dizer, eu estarei do seu lado! Sempre!
Júlia olhava-a e meneava a cabeça, desolada.
-- Eu... eu estou perdida.... Perdida!
-- O que foi que aconteceu no hospital, querida?
Tentando se acalmar para continuar a falar, Júlia respirou fundo.
-- Quando... Quando você saiu em busca do médico, eu... Eu fiquei...lá com Sylvia, e... fiquei olhando-a e... e... -- Novamente as lágrimas derramaram dos seus olhos -- Eu fiquei olhando-a... ali deitada, desmaiada... tão frágil... tão linda!. Aquele rosto perfeito... Não resisti, Lena... acariciei a face, os cabelos dela. -- Fechou os olhos, e parecendo reviver o momento, continuou, deixando Helena estarrecida, apesar de já, praticamente, ter certeza dos sentimentos da prima pela enteada -- Aspirei o perfume que emanava dela... Observei-lhe o corpo..., a blusa que..., que com os primeiros botões desabotoados..., deixava parcialmente à mostra o... início dos... seios. -- A respiração dela ficando entrecortada deixou Helena ainda mais perplexa. -- Lena... Eu... Eu senti... vontade de... vontade de tocá-la, de... de beijá-la quando ela... é... quando ela... umedeceu os lábios com a língua! -- Olhou para a prima e Helena leu vergonha em seu olhar. -- Desculpe-me...Lena! Quando... quando ela... umedeceu os... os lábios eu... eu fiquei tonta na hora.
Helena novamente a abraçou. Não tinha mais nenhuma dúvida. Agora estava mais do que explicado porque a sua prima nunca se interessou por homem nenhum. Mas ela se sentir atraída justamente por Sylvia era muita ironia do destino.
-- Lena quando ela... abriu os olhos e... e meu olhar se encontrou com o dela e... e num dado momento ela... ela esboçou um sorriso... eu a quis para mim, Lena!. A quis, entende? A desejei para mim. -- Levantando-se abruptamente da cama e pondo-se a caminhar de um lado para o outro do quarto, confessou o que não queria admitir nem para si mesma. -- Eu a quero Lena! Eu preciso tê-la na minha vida..., de um jeito ou de outro. -- O pranto desesperado dominou-a novamente. -- Mas sei que... que não posso tê-la! Ela é... minha enteada! Irmã do... do meu filho!
Helena a amparou em seus braços.
-- Calma, calma minha querida. Tudo isso vai passar! Tente se acalmar!
***********
Por volta das onze horas da manhã do domingo, eu acordei, pois só consegui conciliar o sono, quando o dia já estava amanhecendo. Minha cabeça doía terrivelmente. Levantei-me indo em direção ao banheiro. A cada passo que dava sentia um martelar nas têmporas e na testa. Abri o chuveiro e a água morna me ajudou a despertar do sono que ainda sentia. Fiquei ali por quase meia hora e depois voltei para o quarto, envolvida num roupão macio e cheiroso. Sentei-me na cama levando uma mão à cabeça e franzindo a testa diante da insuportável dor. De repente, a noite anterior veio-me à lembrança. Um frio medonho invadiu meu estômago e o receio de encarar Júlia tomou conta de mim.
"Deus, como eu vou olhar para ela, depois do que fiz ontem! "
Mais que depressa vesti uma roupa leve. Iria encarar de vez a vergonha que estava sentindo. Nunca foi do meu feitio fugir e sim assumir meus atos.
Sai do quarto com o coração na mão. Minhas pernas mal se sustentavam ao descer as escadas. Assim que entrei na copa dei de cara com tia Cláudia sentada à mesa olhando um livro de receitas. Ela me olhou e sorriu.
-- Filha! Dormiu bastante, hein?
-- Pois é, tia! Não consegui dormi essa noite!
Ela apertou os olhos e ficou me observando. Depois, numa voz de leve censura, perguntou:
-- Não me deve satisfações Sylvia, mas posso saber o que aconteceu essa noite?
Olhei para ela seriamente, não tinha porque mentir.
-- Fiquei na rede olhando a lua e exagerei no vinho.
Seus olhos pareciam querer ler minha alma
-- Só isso?
-- Tia! Por que esse interrogatório? Aconteceu alguma coisa?
Ela afastou o livro e segurou minhas mãos.
-- Aconteceu. Júlia foi embora hoje bem cedinho!
Senti um soco no estômago. E meu rosto, com certeza, deve ter ficado pálido. Mais pálido do que já era. Levantei-me e aproximei-me do janelão que dava para o quintal. Não consegui dizer nada.
"Meu Jesus! Eu a assustei! Agora que não terei a menor chance! A perdi, sem ao menos ter tido a chance de tê-la!
Minha tia pousou as mãos nos meus ombros e com uma voz suave, continuou me interrogando.
-- Minha filha, você fez alguma coisa com ela?
Continuei muda e engoli o choro que ameaçava romper. Ela continuou.
-- Como já lhe disse no dia do seu aniversário, eu percebi o que está sentindo por ela. Imagino que tenha feito algo que a assustou!
Virei-me para ela, abracei-a e deixei o choro vir.
-- Tia! Ajude-me, tia! Eu... eu estou apaixonada por ela... estou louca por ela! Eu a agarrei ontem! Tentei... tentei beijá-la.
-- Oh! Minha filha! Não devia ter feito isso! -- Apertou-me mais em seus braços --Tenho certeza que ela sente o mesmo! Aqueles lindos olhos dizem isso quando olham para você! Mas tudo isso é novo para ela, meu bem!
-- Eu... eu a assustei tia! Ela deve estar me odiando! Deve estar com nojo de mim!
-- Não! Ela jamais sentirá ódio de você, querida! Muito pelo contrário! Ela só foi embora porque deve estar assustada com os próprios sentimentos! -- Beijando-me as faces se afastou.
-- Ainda bem que Augusto já voltou para Lisboa!
-- Nem me fale dele! Tenho pensado seriamente em romper de vez com esse noivado, mas fico com pena dele. O pai vai deserdá-lo se não se casar.
-- Esse casamento já está condenado ao fracasso, minha filha! Você não gosta dele!
Olhei para ela e esbocei um sorriso.
-- A senhora sabe tia, que eu não gosto dele e nem de homem nenhum!
Sentei-me e apoiei minha cabeça sobre a mesa e deixei o choro me dominar de vez.
-- O que eu faço tia, para que ela volte a frequentar esta casa? Tenho medo de que ela não queira mais me ver, nem me deixar ver Antenor!
-- Dê tempo a ela, Sylvia! O tempo se encarregará de resolver tudo! Deixe passar alguns dias e depois iremos à casa dela. Afinal ela não pode lhe impedir de ver seu irmão.
***********
-- Júlia, minha querida, eu já suspeitava do que está acontecendo com você. A maneira como você olha para Sylvia, o nervosismo que lhe domina na presença dela deixam claro que ela representa muito para você.
Júlia deitou-se na cama e escondeu o rosto no travesseiro.
-- Por que não me disse nada, Lena?
-- Achei que não devia! Estava esperando que você um dia me dissesse. Agora...
Júlia virou-se para ela, curiosa.
-- Talvez seja melhor você procurar esquecê-la, ela é noiva e acredito que não compartilhe dos seus sentimentos.
Júlia olhou-a por longos segundos e depois deu um sorriso.
-- Aí é que você se engana, minha prima!
Helena deitou-se ao seu lado, com a curiosidade visivelmente aguçada.
-- Lena, pelo amor de Deus! Não comente com ninguém. Ela... ela tentou me beijar ontem à noite. Tomou muito vinho e... e me agarrou!
Helena se sentou na cama e levou uma mão à boca arregalando os olhos.
-- Sylvia?! E... E Augusto? Meu Deus! Que ironia do destino!
Júlia virou-se na direção dela e anunciou.
-- Vou passar uns dias com minha tia, lá na Bahia, Lena! O que você acha? Preciso ficar longe dela. Caso contrário, não conseguirei me segurar e acabarei dando vazão aos meus instintos, a esse sentimento louco.
Helena voltou-se para ela, esboçou um sorriso e ficou fitando-a longamente. Depois sentenciou.
-- Com essa viagem, você só estará adiando os acontecimentos, Júlia.
-- Nada disso! Vou esquecê-la! Tenho que esquecê-la!
-- Ninguém esquece um amor verdadeiro, Júlia! Se Sylvia chegou ao ponto de lhe agarrar é porque ela também está louca por você, e enquanto vocês não viverem isso, não terão sossego. Escute que estou dizendo!
-- Mas não podemos, Helena! Ela é minha enteada!
-- Mas não é sua filha! -- Levantou-se, se dirigindo à porta do quarto -- Fuja o quanto quiser, mas não vai adiantar nada! Vou pegar um café, aceita?
Júlia ficou ali olhando para o teto, sem saber o que fazer com o turbilhão que lhe revirava o peito. As imagens da noite anterior voltaram e um breve sorriso bailou em seus lábios. Ainda sentia o calor dos lábios e das mãos dela em sua pele.
Alguns minutos mais tarde, Helena retornou com duas xícaras de café. Sentou-se na cama e foi logo dizendo.
-- Aconselho apenas que vocês sejam o mais discretas possível. Ainda vivemos num mundo muito conservador e preconceituoso, apesar de estarmos às portas do terceiro milênio.
*********
Uma semana após a conversa com Helena, Júlia voou para Salvador, capital da Bahia, com seu filho e a babá. Lá chegando, fretou um táxi para levá-la até Mucugê, no interior do estado, precisamente na Chapada Diamantina. Júlia havia ido até a cidade apenas uma vez quando criança, junto com os pais e o irmão, visitar a tia, a única irmã viva da sua mãe que se casara com um baiano e se mudara com ele para lá. Não tinha quase nenhuma lembrança da cidade, apenas de que era uma cidadezinha pitoresca, pequena e bonita.
No dia seguinte ao retorno da chácara passou um telegrama para a tia avisando da sua ida. Recebeu a resposta da tia que a esperava de braços abertos.
Num sábado à tardinha, Júlia desceu do táxi, diante de um casarão no estilo colonial. Ali praticamente todas as casas eram no estilo colonial. Visitar Mucugê é como voltar no tempo e Júlia se sentiu em pleno século XVIII ou XIX. Ficou fascinada com a arquitetura e as ruas calçadas com pedras.
Uma mulher de quarenta e cinco anos surgiu na porta com um radiante sorriso no rosto.
-- Minha sobrinha! Há quanto tempo não nos vemos!
As duas se abraçaram. Em seguida a senhora tomou Antenor nos braços.
-- Lindo! Lindo com você, minha filha! -- Beijou-o e Júlia pode reparar que a sua beleza era de família, pois sua tia era uma mulher muito bonita, com olhos azuis expressivos e lindos cabelos negros com uns poucos fios grisalhos.
Entregando Antenor que estava choroso devido ao cansaço da viagem, à babá, convidou-os a entrar. Júlia se deparou num corredor com piso de madeira e teto alto. Ao longo do corredor algumas portas davam acesso a diversos cômodos, que davam passagem a outros ambientes. Depois de mais alguns passos entraram numa grande sala decorada com móveis antigos de madeira nobre e ainda bastante conservados. Nas paredes, Júlia pode perceber diversos retratos, que, pela aparência devia ser da família, a grande maioria com olhos azuis. À direita da sala subiram por uma escadaria com destino ao andar superior. O motorista do táxi, auxiliado por um empregado da casa, seguia atrás com a bagagem.
No topo da escada, Júlia pode vislumbrar outra ampla sala com quatro janelas com sacadas que davam para a rua. Encantada, aproximou-se de uma e apreciou o sol se pondo por detrás dos lindos montes azulados tão comuns na Chapada Diamantina. Observou também a pracinha em frente com alguns bancos, um mimoso jardim e algumas pessoas circulando. Respirou o ar puro e sorriu. Iria fazer o possível para usufruir das benesses daquele lugar. Mas, mesmo olhando para aquele mundo distinto e encantador, seu coração e seu corpo gritavam por Sylvia. A saudade machucava seu peito. Afastando-se da janela foi em direção à tia que a esperava no meio da sala.
Seguiram por outro corredor com diversas portas e, finalmente, a senhora Dulce abriu uma porta dando-lhe passagem para um quarto amplo e bastante arejado.
-- Minha filha, não temos banheiro nos quartos, pois a casa é muito antiga e tombada, o que não me permite fazer muitas intervenções, mas temos um aqui no final do corredor e dois lá em baixo.
-- Está tudo ótimo, tia! -- Voltou-se para a babá e pediu que ela desse um banho em Antenor, pois o coitadinho estava visivelmente cansado.
-- Mas ele é tão fofo, Júlia! -- Dulce aproximou-se, o beijando na cabecinha.
Virando-se para o motorista do táxi, que pedira informação sobre algum hotel, a boa mulher segurou-lhe o braço e disse:
-- Não senhor! Faço questão que o senhor pernoite aqui conosco. Não precisa ficar em hotel.
-- Eu lhe agradeço senhora, mas não quero incomodar.
-- Imagina! Não será incômodo algum -- Dizendo isso, pediu ao empregado que o levasse para um dos quartos no térreo.
Júlia sentou-se numa cadeira em seu quarto e olhou para a tia.
-- Tia, quero ficar uns dias aqui com a senhora! Estou precisando arejar minha cabeça.
-- Trouxe seu violão? -- Perguntou com um amplo sorriso. Ela também arranhava um pouco alguns instrumentos de corda.
-- Trouxe sim, tia! Inclusive vou sentir saudade dos meus alunos. Tive que passá-los para um colega, para que não ficassem prejudicados. Mas, quando retornar, os tomarei de volta -- Declarou sorrindo.
-- Fico feliz que tenha trazido querida, assim poderemos fazer um dueto numa noite de lua, você com o seu violão e eu com meu velho bandolim.
Mais uma vez as duas se abraçaram.
-- Seja sempre bem-vinda, minha querida!
********
Eu não podia acreditar no que estava ouvindo de Helena. Estava sentada à minha mesa, na minha sala na empresa e sentia-me aos pedaços.
Havia pedido a Helena, notícias do meu irmão, pois já não estava mais aguentando de saudades de Júlia. Desde que ela havia fugido lá de casa, não a procurei, conforme minha tia me aconselhou. Deixei-a sozinha para que ela digerisse a minha loucura. Mas, por mais incrível que pareça não sentia arrependimento. Faria tudo de novo e, acredito que avançaria bem mais.
-- Ela foi passar uns dias com a tia, Sylvia!
-- E quando retorna? -- Não estava conseguindo disfarçar minha cara de frustração.
-- Não me disse, mas sei que ela pretende ficar lá por um bom tempo. A tia dela mora muito longe daqui.
A minha saudade já estava se misturando com raiva. Estava com vontade de esganar Júlia.
-- Posso saber onde é esse lugar tão distante? -- Helena percebeu meu tom de voz irritado e irônico.
-- Claro! Ela foi para o interior da Bahia. Para uma cidade chamada Mucugê.
Estranhei aquele som. Realmente o Brasil tinha uns nomes estranhos para bairros e cidades. Alguns municípios de São Paulo, por exemplo, eu ainda não conseguia pronunciar direito, além de muito extensos, cheios de vogais.
-- Como? Não entendi. Muc...?
-- M u c u g ê. -- Helena soletrou, sorrindo.
-- Apesar de saber português, Helena, essas palavras de origem indígena e africanas, ainda fazem minha língua tropeçar.
-- Entendo.
Levantei-me ainda sob o efeito do choque.
"Ela fugiu de mim!"
-- Poderia ao menos ter nos avisado! Afinal eu e tia Cláudia somos parentas de Antenor.
Helena não disse nada, apenas abaixou a cabeça. Sabia que eu tinha razão, mas não ia se colocar tão ostensivamente contra a prima.
-- Mas, tudo bem. Quando ela retornar posso rever meu irmão. -- Aproximei-me da janela e dispensei Helena.
Fiquei ali olhando para a cidade e deixando a dor do meu coração sangrar pelos meus olhos. O medo de que ela estivesse me odiando me apavorava, mas ainda assim, não me arrependia do que fiz. Adorei fazer aquilo. Pelo menos teria a lembrança do cheiro dela, do calor e sabor da pele em meus lábios. Queria mesmo era ter provado aquela boca que, com toda certeza, devia ser deliciosa.
*********
Leves batidas na porta me trouxeram de volta à realidade. Lisa veio me chamar para a reunião.
-- Os representantes já chegaram senhorita.
Seguimos para a sala de reuniões. A minha vida estava se resumindo a apenas trabalho. Ainda não tivera tempo de fazer amigos. Além de Antônio, Helena e alguns diretores da empresa que, com exceção dos dois primeiros, me bajulavam, não havia encontrado ninguém com quem pudesse estreitar laços. Mas, também não tinha tempo para mais nada, o trabalho me absorvia por inteiro. Chegava em casa cansada e ainda tinha que fazer leituras de relatórios com Lisa. Ela, além de secretária, era uma grande amiga. Peguei-me algumas vezes com receio de que ela se encantasse com algum rapaz e se afastasse de mim. Eu e meu egoísmo! Mas quem não era egoísta? Queria-a perto de mim. Era a irmã que eu não tive, mas a minha possessividade não chegava ao ponto de prejudicá-la. Queria vê-la feliz, mesmo que para isso fosse necessário que ela se afastasse de mim. Lisa merecia toda a felicidade do mundo.
Os representantes das nossas filiais em outros países já se encontravam sentados a minha espera. Todos com seus relatórios em mãos. Sentei-me à cabeceira da mesa e os cumprimentei. Olhei para o rosto de um por um. Todos homens. As únicas mulheres ali, eram eu e Lisa. Aquela reunião ia ser longa! Analisar e discutir relatório por relatório era um trabalho, de certa forma, enfadonho, principalmente para mim que me encontrava irritada e inconformada com a fuga da minha madrasta.
Fim do capítulo
Boa tarde queridas leitoras,
Fico muito feliz que estejam gostando da história.
Gostaria de saber o que estão achando sobre esse pequeno conto. Se vocês puderem e quiserem se manifestar através de comentários seria interessante, pois a opinião das leitoras é muito importante.
Um abraço a todas
Nicole
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Endless
Em: 15/07/2018
Também li no ABCles. E a parte que, também, me encantou foi essa passagem pela Chapada Diamantina. Estive em Mucugê de passagem, mas a impressão foi inesquecível!
Autora, não seja cruel e mande mais capítulos. Sei que está editando (percebi as mudanças), mas alivie nossa "fome".
Boa sorte!
Resposta do autor:
Boa tarde Endless,
A Chapada Dimantina é muito linda, mesmo. Cada paisagem deslumbrante!
Estou relendo a história e estou fazendo pequeníssimas mudanças como, uma palavra aqui outra ali, mas nada que altere a história. O tamanho dos capítulos postados aqui no Lettera estão bem maiores que no ABCles.
Fico muito feliz que esteja apreciando este conto. Espero que continue.rsr
Bjs.
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LuBraga
Em: 15/07/2018
É com grande prazer que retomo a leitura deste conto desde o Abcles e agora aqui no Lettera.
A surpresa para mim fica por conta do final, uma vez que não tive a oportunidade de sabê-lo no Abcles, infelizmente.rsrs
Feliz por ter a dadiva de conhecer mais uma grande escritora, você Nicole é sem dúvida uma das melhores que já tive o prazer de ler.
Parabéns e aguardando o próximo capítulo. rsrs
Sua escrita cativa-me bastante.
Resposta do autor:
Boa tarde Lu,
Muito obrigada por suas palavras. Espero que continue apreciando.
Bj.
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