Capítulo 7
Na véspera do meu retorno ao Brasil, jantava com minha mãe em nossa casa. Ela continuava mergulhada em seu mundo, mas senti que de alguma forma, ela estava tentando se aproximar de mim. Em momento algum me perguntou sobre o testamento do meu pai. Apesar de dar muito valor ao dinheiro, não era mesquinha e nunca se interessou pelos bens do marido, abrindo mão do que tinha direito pelo casamento, em meu favor. O que ela tinha era mais do que suficiente para ela esbanjar à vontade. Eu, por minha vez, percebendo o seu desinteresse, não toquei no assunto. Contei a ela que tia Cláudia estava morando comigo e achei graça da cara de desagrado que ela fez.
-- Não entendo porque vocês duas são tão hostis uma com a outra!
Ela girou os olhos, como se só o fato de mencionar minha tia, lhe causasse enfado.
-- Sua tia é muito autoritária, Sylvia! Ela mandava e desmandava em Antenor e quis fazer o mesmo comigo!
-- Não sabia! -- Imaginei que minha mãe exagerasse um pouco. Tia Cláudia fazia o tipo mãezona e, como ela era a mais velha dos seis irmãos, se achava no direito e no dever de proteger, cuidar de todos.
-- Quando viu que não conseguia me dobrar, passou a implicar comigo!
Com certeza, deveria haver ciúmes por parte de ambas. Porque geralmente cunhada não gosta de cunhada, apenas se toleram. É uma raridade uma cunhada gostar de outra. Não teci mais nenhum comentário a respeito disso, não queria de forma nenhuma me envolver na relação dela com minha tia, até porque a probabilidade de um dia elas se encontrarem novamente era remotíssima. Minha mãe não iria ao Brasil e, tia Cláudia quando vinha até a Europa a passeio, ficava no apartamento que possuía.
Terminamos o jantar em silêncio, depois fomos tomar licor na saleta da televisão. Ali ficamos caladas, olhando para a tela. Ela parecia gostar dos programas que eram transmitidos pela RTF- Radio diffusion et Télévision Française. Os minutos foram se passando e percebi que ela já estava bastante entretida com as notícias que eram transmitidas e parecia que já havia se esquecido de mim. Levantei-me e me dirigi ao meu quarto. As minhas malas já estavam arrumadas, pois no outro dia pela manhã pegaria o voo para o Brasil, levando Lisa comigo. Era triste admitir, mas eu e minha mãe éramos duas estranhas, mesmo ela tentando, com seu jeito distante, se aproximar.
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Sobrevoava o Atlântico com Lisa ao meu lado. Era maio e fazia mais de dois meses que estava na Europa e naquela sexta-feira retornava ao Brasil para, definitivamente, fixar residência. Acabei ficando em Paris mais tempo do que previra. Mas foi bom, pois estava me sentindo mais leve, mais tranquila, acreditando-me mais forte e com mais segurança para quando encontrasse Júlia. Tinha quase certeza de que não ia me desestruturar tanto mais na presença dela! Ledo engano! Aos vinte e três anos, a gente acha que sabe tudo da vida! Eu ainda não tinha consciência plena de que meu coração, ou melhor, de que eu mesma não mais me pertencia! Sentia-me aliviada também em relação a Augusto, uma vez que tinha ido até Lisboa conversar com meu futuro sogro e este manteve Augusto lá, ao lado dele. Eu precisei ameaçar romper o noivado para que ele voltasse a trabalhar. A única razão pela qual eu não me arrependi de ter continuado noiva de Augusto, foi o fato de ele ter me dado o maior presente que uma mulher pode receber: um casal de filhos. No meu caso, gêmeos, Nadja e Lorenzo.
Como eu acreditava que pudesse ser, a despeito das minhas preferências sexuais, relativamente, feliz com ele, casei-me quando me descobri grávida de dois meses. Mas naquela época eu só tinha 25 anos, sem uma mãe para me apoiar, orientar, com meu pai morto; não tinha estrutura para uma produção independente e, além do mais, havia prometido me casar com ele para que o pai não o deserdasse. Casei-me, mas pedi o desquite logo em seguida. O pai dele acreditava que eu não faria tal coisa.
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Lisa estava eufórica. Estava se mudando para um país diferente, num continente diferente. A curiosidade, expectativa e ansiedade dela eram visíveis em seus olhos que não paravam de dançar de um lado para o outro. Eu estava achando graça dela. Não parava de me fazer mil e uma perguntas sobre o Brasil: como eram os nativos, as cidades, as praias; se era verdade que os brasileiros andavam praticamente nus e tomavam banho todos os dias e etc.
-- Lisa, muitas das coisas que são ditas a respeito do Brasil são fruto da ignorância. Por ser um país subdesenvolvido, nós europeus, o olhamos com preconceito, mas lhe garanto que os brasileiros não são selvagens, nem andam praticamente nus. Esquece-se de que trabalha numa empresa brasileira e que conhece muitos brasileiros? -- O rosto dela estava corado e o sorriso não mais lhe saia dos lábios -- E quanto ao banho, com raras exceções, eles tomam banho todos os dias, sim. Mas isso não é porque eles se sentem sujos, como muitos europeus, na sua prepotência, arrogância e ignorância pensam, mas porque é um costume adquirido dos índios e também porque lá faz sol o ano inteiro. É quente na maior parte do ano. Não podemos esquecer que é um país tropical!
-- Faz sol o ano inteiro! Que maravilha! Será que vou me adaptar facilmente lá?
Como ela estava sentada ao meu lado e comecei a sentir um pouco de sono, recostei minha cabeça em seu ombro. Mas já sabia que, dificilmente, conseguiria ao menos um cochilo.
-- Mesmo no inverno, faz sol. Mas, a cidade que vamos, São Paulo, faz um pouco de frio. Você não vai estranhar porque o frio de lá nem se compara ao da Europa, mas para eles, os brasileiros, é muito intenso. -- Ela passou os braços pelos meus ombros e me aconchegou junto a si. Gargalhei quando ela soltou de chofre uma pergunta, um tanto quanto inusitada.
-- A senhorita já está tomando banho todos os dias? -- Ela estava parecendo uma criança.
Só depois que consegui controlar o riso, foi que respondi.
-- Eu sempre tomo banho todos os dias! Influência do meu pai.
-- Mesmo? -- Aproximou o nariz da minha cabeça -- Por isso que anda sempre cheirosinha! -- Constatou sorrindo com deboche.
-- Você sabia que o nosso conceito de banho é diferente do conceito de banho dos brasileiros?
Ela arqueou as sobrancelhas, curiosa:
-- Como assim, diferente? Banho é banho!
-- Para nós o banho verdadeiro é quando nos lavamos na banheira, para os brasileiros é quando se lavam, seja de que forma for, na banheira, no chuveiro, nos rios, etc.
-- Diferenças culturais...
-- É isso! Quando eu era criança, período em que meu pai ficava mais tempo comigo, ele, todos os dias, mandava minha babá me dar banho. Eu adorava ficar na banheira e chorava quando era retirada. -- As imagens da minha infância me vieram à mente e fiquei saudosa -- Meu pai também, todos os dias, se lavava na banheira, já minha mãe fazia diariamente a sua toilette de manhã e à noite e tomava banho na banheira duas vezes por semana.
-- Mas seu pai devia ser um patinho! Para que tomar banho todos os dias, se se faz a toilette?
Novamente sorri da expressão do rosto dela.
-- Ai é que está a diferença. No Brasil, as pessoas mais abastadas se dão ao luxo de tomarem banho na banheira todos os dias ou tomam banho de chuveiro quando querem um banho mais rápido. Os medianos tomam banho de chuveiro e os pobres que não possuem chuveiro, tomam banho em bacia ou nos rios. Mas sempre com bastante água!
-- E como podem gastar tanta água assim?
Ela estava incrédula e eu estava achando aquilo divertido.
-- Lisa, o Brasil é um país farto de água. Eles não foram educados para economizar água porque sempre a tiveram com fartura.
Os olhos cor de mel me fitavam brilhando de curiosidade e empolgação. Eu continuei.
-- Se você for se hospedar num hotel ou em casa de algum amigo no Brasil, você nunca vai encontrar junto às toalhas que lhe forem destinadas, as nossas tão úteis e práticas gants de toilette.
-- Como não?
-- Por que lá você simplesmente se molha sob um chuveiro e se esfrega com uma esponja ou mergulha numa banheira. Lá você não precisa tomar "banho de gato".
-- Banho de gato? O que significa isso?
-- Banho de gato para eles é a higiene feita com as nossas toalhinhas umedecidas, as nossas gants de toilette. No Brasil, só se lança mão desse método de banho, apenas em doentes que não têm condições de se levantar da cama.
Lisa meneou a cabeça, encantada com as diferenças culturais. Com o intuito de provocá-la um pouquinho, brinquei.
-- Quando for sair com um brasileiro, trate de se lavar direitinho antes! Como eles são adeptos do banho diário, têm o nariz apurado para sentir cheiros não muito agradáveis.
Caímos as duas na gargalhada. Um senhor numa poltrona ao lado nos olhou com uma cara feia.
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Como Júlia ficou sabendo por Helena que Sylvia chegaria na sexta-feira ou no sábado, preferiu ficar em casa naquele fim de semana. Dona Cláudia tentou convencê-la do contrário, mas ela foi irredutível. Só de se imaginar frente a frente com Sylvia depois do que havia feito no quarto dela, ficava em pânico, gelada. Quando se lembrava de que acordou no dia seguinte àquela noite, com a calcinha dela na mão, um arrepio de medo de ser descoberta lhe percorria o corpo todo. Descobrindo-se com a peça íntima na mão correu e colocou-a em sua mala, uma vez que não podia devolver ao lugar de onde a tirou e, também porque, se teve coragem de pegá-la, é porque queria tê-la para si. Depois daquele dia, quase todas as noites dormia com ela próxima ao rosto. Quando entrava no quarto para dormir, perdia totalmente a sanidade e tomava o pequeno tecido nas mãos e se punha a sonhar acordada com Sylvia. Já se sabia totalmente apaixonada, mas tentava a todo custo arrancá-la do pensamento. Esses meses sem vê-la a estavam deixando deprimida e emagrecera a olhos vistos. Helena havia percebido sua tristeza e quase todos os dias a visitava. Na terça-feira à noite lhe avisou que sua enteada chegaria naquele final de semana.
-- Deve ser difícil para ela mudar para um lugar tão distante! Os costumes daqui são muito diferentes dos de lá! -- Helena observou.
Júlia estava recostada, preguiçosamente, numa conversadeira enquanto a prima espalhava-se num sofá.
-- Porque você não me conta o que está acontecendo, Júlia? Por que essa tristeza toda! Você emagreceu demais. Dona Cláudia me disse que nos dias que tem passado lá, pouco tem comido.
Júlia estava com os olhos fixos no lustre pendurado no teto de forro bege. Seu pensamento estava tão perdido que Helena precisou repetir a pergunta. Assustando-se ela gaguejou.
-- Não... não tenho nada. Estou bem, Lena.
-- Júlia, Júlia! Eu lhe conheço, minha prima! Por que não confia em mim? Sabe que pode confiar!
Júlia mudou de posição e virou-se para a prima cujo sofá ficava paralelo à conversadeira em que estava.
-- Eu confio em você, Lena. Só não tenho nada a dizer. Não estou sentindo nada. Estou bem.
-- Você pode pensar que está bem. Mas será que está mesmo?
Os olhos azuis de Júlia se apertaram um pouco e se mantiveram firmes na direção de Helena.
-- Tenho observado você ao longo desses quatro meses, minha prima!
Júlia sentiu o sangue subir para o rosto e o coração disparar. Quatro meses era o tempo que conhecia Sylvia. Desviou os olhos da prima e voltou a fitar o teto. Às vezes sentia vontade de contar a Helena o tormento que lhe confrangia a alma, mas tinha medo. Não sabia como a prima iria reagir. Decidiu manter-se calada. Acreditava que com o tempo aquele sentimento fosse diminuir e, consequentemente, desaparecer.
Helena manteve-se em silêncio por longos minutos e, lembrou-se da última conversa que teve com Sylvia, ocasião em que ela perguntou pelo irmão e por Júlia. Como quem não quer nada, olhou fixo para a prima e falou de repente:
-- Sylvia me perguntou por você, quando nos falamos ao telefone!
Surtiu efeito o golpe de Helena. Júlia, ao ouvir, sentiu um choque como uma espécie de descarga elétrica no corpo. Pulou da conversadeira e, por pouco, não foi ao chão. Sentou-se e Helena percebeu que todo o sangue lhe fugiu das faces. Com dificuldade de respirar, perguntou:
-- O... O que... você disse?
Helena levantando-se se aproximou dela e se sentou ao seu lado. Ficou encarando-a. Júlia desviou o olhar, mas Helena tocou-lhe o queixo. Observou os belos olhos azuis e viu neles um fogo estranho que parecia traduzir um turbilhão de sentimentos. A azul cor do céu estava mais escura, mais intensa. Ela já havia notado essa mudança de tonalidade, mas não havia observado em quais momentos ela ocorria. A partir de agora iria observar melhor.
-- Você entendeu o que eu disse, Júlia.
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Por volta das 23 horas entrávamos em minha casa na chácara. Tia Cláudia me recebeu com o mais franco sorriso e o mais aconchegante dos abraços. Quase me quebra os ossos de tanto que me apertou. Beijou minhas bochechas e novamente me abraçou. Abraçou Lisa que, segundo ela, tinha visto uma vez ou duas, quando me visitara em Paris.
-- Vocês estão com fome? -- Pegou minha mão e foi me puxando para a copa. Lisa nos seguiu observando a casa. Ela adorava decoração, segundo me disse certa vez. Quando chegamos à copa, a mesa já estava posta à nossa espera.
-- Tia, para lhe ser sincera, eu estou sem fome, mas vou tomar só um pouco de café! Lisa fique à vontade! Você está em sua casa. -- Beberiquei o café e percebi que já estava com saudade daquele gosto saboroso do café brasileiro. Lá em Paris sempre usávamos o café brasileiro, mas não bebíamos com muita frequência. Aqui, eu já estava ficando viciada.
-- Tia, eu vou subir para tomar um banho! Depois que Lisa terminar a senhora a acompanha até o quarto dela?
-- Claro meu bem! Pode ir tomar seu banho e descansar.
Antes de sair olhei para Lisa e ela parecia estar saboreando com muito prazer o cuscuz de milho com coco. Beijei minha tia novamente, acenei para Lisa e me dirigi às escadas que me levariam ao meu quarto. Meu corpo pedia cama.
Depois de um relaxante banho morno, vesti um pijama de calça, pois já estava fazendo um friozinho. Enfiei-me debaixo das cobertas e, quase instantaneamente, adormeci.
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Acordei no sábado descansada e cheia de energia. Dormi tão profundamente que a noite foi daquelas que chamamos de uma noite de um sono só. Dormi e só acordei no outro dia às dez horas.
Quando desci para o café da manhã, tia Cláudia conversava com Lisa à mesa. O sol estava radiante e Lisa, verdadeiramente encantada com o brilho do mesmo nas plantas do jardim, pois era lá que elas estavam tomando café.
-- Pelo visto dormiu profundamente, não foi, Sylvinha?
-- Dormi sim, tia! Dormi um sono maravilhoso! E você, Lisa? Está estranhando o fuso horário?
Ela, com um sorriso entusiasmado, acenou a cabeça afirmando.
-- Logo você se acostuma, filha. -- Tia Cláudia garantiu.
Servi um pouco de café com leite e cortei uma pequena fatia de pão caseiro, especialidade de tia Cláudia. Adorava aquele pão, mas brigava o tempo todo comigo mesma, não queria engordar.
-- Tia, esse pão que a senhora faz...! Vai me fazer perder todas as roupas.
Ela deu uma das suas gargalhadas.
-- Ah! Trouxe presentes, tia! Daqui a pouco vou entregar o seu, o de Margareth e o de Auguste. -- Provei um pouco do café e mastiguei um pedaço do pão. -- O que achou Lisa, dessa massa deliciosa?
-- Não tenho palavras! Aqui tudo é maravilhoso! As frutas, o café, o bolo, o pão, o cuscuz, tudo delicioso!
Eu e tia Cláudia não resistimos e achamos graça ao ouvi-la falar cuscuz. Soou algo parecido com "qiusqius". Seu português era razoável, mas o sotaque muito carregado. Ela riu também e, em seguida, mergulhou os olhos no azul do céu. Parecia fascinada!
-- É intenso o azul, não é Lisa?
Ela me olhou e constatei, que desde quando cheguei em Paris, toda vez que a olhava, a primeira coisa que via era o sorriso dela. Agora então, ele parecia maior, mais amplo, mais bonito e mais constante.
-- Nunca vi um céu tão azul! É um azul profundo, indefinível! Lindo! Lindo demais! -- Desviou os olhos para o espaço à sua volta e continuou admirando -- A claridade parece mais intensa... É diferente... Parece mais quente, morna... -- Levantou-se e se aproximou de uma planta -- As plantas parecem maiores, mais verdes!
-- Você vai se divertir muito neste meu país, Lisa! -- Tia Cláudia gargalhou. Estava se divertindo com a estupefação da minha secretária.
Eu estava pensando num jeito de pedir a tia Cláudia para ela me acompanhar até a casa do meu irmão, para entregar os presentes dele, mas confesso que estava sem coragem. Em Paris eu me lembrava de Júlia, sentia saudade, mas não sentia o frio na barriga que estava sentindo naquele momento, só pelo fato de me imaginar entrando na casa dela. Fiquei ali sentada à mesa do café com tia Cláudia e Lisa, conversando sobre trivialidades, mas quando pensava em falar sobre o assunto, minha garganta travava. Mais tarde chamei minha tia e a levei para o meu quarto para lhe entregar os presentes. Ela ficou encantada com a máquina fotográfica Nikon que lhe dei. Ela adorava fotografias, era um dos seus passatempos favoritos. Para Auguste, trouxe um blazer de couro e para Margareth alguns cortes de tecido. Para Helena e Antônio trouxe jogos de canetas. Para meu irmão, trouxe bastantes brinquedos: bonecos, aviões, lego, bolas, carrinhos, etc.
No aeroporto em Paris, encontrei um porta-canetas tendo como base o corpo de um violão. Helena havia me dito certa vez que Júlia era violonista, então, como eu não teria coragem de lhe presentear, tão logo, com o colar de brilhantes, comprei o souvenir. Se eu lhe desse o colar de brilhantes agora, estaria passando um recibo dos meus sentimentos por ela. Mas, bem no fundo do meu coração, alimentava a esperança de quem sabe um dia, poder enfeitar o seu elegante pescoço com o meu presente.
Tia Cláudia tirou uma foto minha e de Lisa, em seguida pediu à Lisa para tirar uma minha com ela. Eu ali, pousando e pousando e com o coração louco de vontade de correr à cidade para ver aqueles olhos azuis. Mas, o meu anjo da guarda, ao que parece, veio em meu socorro e soprou no ouvido de tia Cláudia:
-- Sylvia, se você não estiver muito cansada, poderíamos ir hoje à tarde entregar os presentes de Antenor, o que acha?
Ouvir aquela sugestão saindo da boca de tia Cláudia, me encheu de felicidade. Senti uma coisa gostosa por todo o corpo. Uma alegria intensa me inundou. Sorri para ela, mas me segurei para não demonstrar a felicidade que estava sentindo.
-- Já que tenho que entregar, pode ser hoje mesmo. Quando a senhora achar conveniente irmos, avise-me.
-- Depois do almoço está bom para você?
-- Está... Está sim...! -- Fiquei trêmula e uma mão invisível pareceu apertar meu estômago. Inventei uma desculpa qualquer e sai dali o mais rápido possível. Temi que percebesse o meu nervosismo.
-- Vou ligar para avisá-la da nossa ida!
Desci para o jardim e procurei me ocultar sob uma árvore distante da casa. Precisava me preparar. Estava crente que já seria capaz de controlar minhas emoções em relação a ela, mas que engano! Se fiquei naquele estado só porque iria vê-la dali a algumas horas, quando estivesse frente a frente, era provável que enfartasse. Comecei a fazer exercícios de respiração até que o coração voltou ao normal e a mão invisível afrouxou o meu estômago. Uma hora depois voltei para casa e fui para o meu quarto. Não teria condições de fazer nada, nem conversar com Lisa ou minha tia, só me restava esperar as horas passarem. Estava apavorada com aquele sentimento. Era avassalador! Nunca imaginei que existisse em tal intensidade. Quando alguns amigos me diziam que sentiam loucuras por alguém, eu achava que fosse exagero e que nem todo mundo era propenso a tais arroubos sentimentais. Mas estava eu agora sendo vítima do que tanto desdenhei! Senti um friozinho entrando pela janela e me cobri. Fechei os olhos e me pus a imaginar como se daria esse encontro. Mas, já sabia de antemão, que nada seria como estava sonhando. As coisas relacionadas a sentimentos de paixão, raramente acontecem como desejamos.
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Depois que Júlia atendeu ao telefonema de dona Cláudia, perdeu totalmente a calma. Ficou completamente incapacitada de pensar com clareza. Não conseguiu almoçar, pois nada lhe desceu garganta abaixo. Começou a suar frio e a palidez ficou mais evidente que até a babá percebeu.
-- A senhora está sentindo alguma coisa, dona Júlia?
Júlia meneou a cabeça e se aproximou da geladeira para pegar água. Seu rosto estava quente e dava a impressão de que estava pegando fogo. Olhou-se no espelho, crendo-se ruborizada, mas continuava pálida. O estômago parecia colado às costas e as ondinhas de frio iam e voltavam contraindo-o mais ainda. Sentou-se no sofá e pediu à babá que a deixasse sozinha. Queria pensar e tentar controlar suas emoções. Meu Deus, ela vem aqui! Aqui na minha casa! Não sei o que fazer! -- Pensou. Decidida levantou-se e ligou para a prima. Receber Sylvia na sua casa, sem ter alguém em quem se apoiar, ela, definitivamente, não seria capaz. Iria enfiar os pés pelas mãos e terminar por demonstrar o que estava sentindo.
Depois de falar com Helena, voltou para o sofá e se deitou. Respirou fundo e soltou o ar lentamente. Sentia uma mescla de pânico e alegria. O corpo estava trêmulo, o que lhe dava a sensação de estar com as carnes soltas. Passou as mãos no rosto e percebeu que estavam geladas. Inspirou fundo novamente e começou a orar baixinho, tentado se acalmar.
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Por volta das catorze horas deixávamos a chácara em direção à casa de Júlia no bairro Pinheiros na capital paulista. O carro deslizava suavemente pela pista. Tia Cláudia não parava a boca, contando a Lisa sobre suas aventuras na juventude, dos namorados que tivera. Lisa ouvia e prestava atenção também na paisagem que se desdobrava diante de seu olhar curioso.
Pouco menos de uma hora depois o motorista parou o carro em frente a uma casa pequena, mas graciosa. Assim que descemos a porta se abriu e nos deparamos com Helena que veio nos receber. Meu Deus, minhas pernas! Tive medo de dar o primeiro passo. Elas estavam bambas, trêmulas! Tia Cláudia abraçou Helena e foi logo perguntando:
-- E Júlia, cadê?
-- Está trocando a roupa de Antenor. Ele cismou em não deixar a babá trocar. Já está ficando manhoso.
Todos nós sorrimos, imaginando a cena.
Entramos e Helena nos guiou até a sala de visitas. Fiquei aliviada por poder sentar. Minhas pernas agradeceram quando me afundei no sofá. O motorista colocou os pacotes dos presentes sobre um balcão e se retirou. Eu cruzei as pernas e Helena elogiou o meu vestido. Ele era branco, rodado com flores estampadas num azul suave e um casaquinho azul num tom mais escuro, acima da cintura. A sandália era de salto médio e a bolsa na cor prata.
Apresentei Lisa a Helena e ambas se simpatizaram imediatamente, uma com a outra.
Alguns minutos depois, eu ouvi uma linguagem, ainda indecifrável para mim, vir da minha lateral. Estremeci e o coração disparou de um jeito que pensei que fosse ter uma parada cardíaca. Temi não conseguir me levantar. Antes de ficar em pé, pelo canto do olho, a vi entrando na sala com Antenor no colo. Devagar me levantei. Tinha que me controlar. Disfarçadamente passei a mão direita na saia do vestido. Precisava secá-la para poder cumprimentá-la. Mas vi que não estava adiantando nada. A única alternativa para que ela não percebesse o estado das minhas mãos era cumprimentá-la com os dois beijinhos de comadre. Fiquei com inveja de tia Cláudia que a puxou para um abraço.
Helena pegou Antenor para que ela pudesse nos receber melhor. Assim que me pus de pé, não desgrudei os olhos dela. Depois que tia Cláudia a soltou, ela se virou para mim. Quando senti seus olhos nos meus, um calor gostoso invadiu todo o meu corpo. E lá estava novamente aquele olhar transbordante de ternura, e a vontade de me perder nela tomou conta de mim. Mas, tinha que me segurar. Aproximei-me, sem tirar os olhos do rosto que tanto me encantava, coloquei delicadamente as mãos sobre seus ombros e beijei-lhe o rosto. Fiz mais do que o beijo de comadre. Deixei meus lábios tocarem-lhe as faces. Não ia perder essa oportunidade por nada. Quase morri quando senti aquela pele macia e quente nos meus lábios. Ela parecia estar com febre, pois seu rosto queimava. Exultei, pois a percebi trêmula ao meu toque e senti a sua respiração entrecortada. A sensação daquela pele nos meus lábios me acompanhou por muito tempo. Beijei uma face, depois a outra. O perfume dela era delicioso. Entrou por minhas narinas e invadiu meu cérebro e a vontade de afundar meu rosto naqueles cabelos negros quis me dominar, mas me contive e me afastei. Olhei-a novamente e ela estava com as faces coradas e os olhos mais brilhantes e com um azul profundamente intenso. Com muito custo consegui pronunciar um cumprimento, mas devido ao meu nervosismo a frase saiu em francês:
-- Comment allez-vous? -- De imediato percebi a minha gafe. Mas ela respondeu em português.
-- Vou bem, obrigada! E você?
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Júlia estava no quarto trocando a roupa de Antenor, pois ele havia cismado em não deixar a babá lhe vestir a camisa. Estava quase terminando quando ouviu vozes na sala e parou o que estava fazendo. Respirou fundo e continuou de abotoar a camisa dele. Logo depois se dirigiu ao banheiro e lavou o rosto que não parava de arder. Depois do telefonema de dona Cláudia a ardência tomara conta do seu corpo todo. Pegou Antenor nos braços e se dirigiu à sala. Não havia como fugir. Logo a viu. E achou-a linda, ali sentada no sofá da sua sala. Ela não soube como conseguiu entrar naquela sala. As pernas estavam tão trêmulas e moles que os joelhos, a cada passo que dava, ameaçavam derrubá-la. Fez um esforço enorme para sustentar o filho nos braços, pois estes também estavam fracos e trêmulos.
Quando Júlia olhou nos olhos de Sylvia sentiu o chão fugir-lhe por sob os pés e pensou que fosse desmaiar. Teve que fazer um esforço sobre humano para manter-se de pé e não desabar de vez ali, aos pés dela. Quando a enteada deu um passo em sua direção, ela parou de respirar. Prendeu o ar e não conseguia soltá-lo. Quando sentiu sobre os ombros o toque suave das mãos dela, e percebeu seu rosto se aproximando para o cumprimento, retesou todo o corpo. Sua face direita queimou ao sentir o toque dos lábios macios e quentes. Sua cabeça rodou e ela fechou os olhos. O corpo todo amoleceu. Não mais conseguindo prender o ar, soltou-o. E ao respirar novamente o perfume dela penetrou-lhe as narinas, deixando-a inebriada. Na outra face os lábios pareceram-lhe úmidos e mais quentes e um arrepio lhe percorreu toda a espinha.
Sylvia afastou-se e mais uma vez seus olhos se encontraram. Júlia sentiu o toque daqueles lábios em seu rosto por muito tempo.
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Enquanto minha tia, Lisa e Helena conversavam sobre diversos assuntos, eu brincava com Antenor no meu colo. Ele estava fazendo todo o esforço do mundo para arrancar o pingente da correntinha que eu trazia no pescoço. Não deu muita importância para os brinquedos que eu lhe presenteei, minha corrente pareceu-lhe mais interessante.
Júlia ainda trazia nas mãos o porta-caneta que eu lhe dei. No momento da distribuição dos presentes ela se manteve sentada observando o filho no tapete ao lado da babá que abria os pacotes. Os olhos dela brilhavam de encantamento. Eu, sentada numa poltrona em frente, mantinha meus olhos presos em seu rosto. Não me cansava de admirá-la. Possuía uma beleza tão fascinante, que toda vez que a via, sentia o impacto de como se a tivesse vendo pela primeira vez. A feminilidade era tão transbordante que parecia exalar pelos poros e penetrar-me as entranhas. Sentia-me excitada só em vê-la. A voz era suave e deliciosa. Ouvi-la era como sentir carícias nos ouvidos. Antenor, não prestava a menor atenção aos brinquedos, seus olhos estavam presos em mim, e, como ele já estava andando, levantou-se do tapete e veio em minha direção, pois ao ver a minha correntinha, soltou uma risada e correu para o meu colo. Sentei-o nas minhas pernas e suas mãozinhas, mais que de imediato, avançaram para o meu pescoço. Os olhos dela estavam parados em mim e no filho.
No momento em que lhe entreguei o presente, o seu rosto revelou uma surpresa muito grande. Com as faces coradas e os olhos um tanto arregalados ela, de fato, deixou transparecer que nunca imaginara que um dia eu pudesse ter esse gesto de carinho para com ela. Suas mãos tremeram ao abrir o pacote. Quando viu o que era, um sorriso lindo iluminou seu rosto. Olhou para mim e murmurou um agradecimento tímido e baixo. Meus olhos se prenderam no movimento de sua boca e uma vontade enorme de beijá-la tomou conta de mim. Ficamos nos olhando por alguns segundos. Eu me perdi naquele rosto e as pessoas à minha volta pareceram longe dali, bem distantes. Ela parecia igualmente hipnotizada. As vozes de minha tia, Lisa e Helena se faziam ouvir a quilômetros de distância. Estávamos a menos de um metro de distância uma da outra e, antes que eu me aproximasse mais, pois era isso que eu, em minha total insanidade ia fazer, ela respirou fundo e se afastou.
Agora ali, sentada com meu irmãozinho no colo, a única coisa que conseguia fazer era tentar impedir que ele me arrancasse a corrente e deixar meus olhos se perderem na figura dela sentada numa poltrona a minha frente. Percebi que de vez em quando, Helena olhava na direção dela. Estremeci com receio de que Helena estivesse desconfiada da tensão que nos envolvia. Diante desse temor, procurei me esforçar ao máximo para não ficar dando tanta bandeira.
Ficamos ali até o cair da tarde. Tia Cláudia fez Júlia prometer que no próximo final de semana iria para a chácara. Percebi que ela se sentiu um tanto incomodada, mas acabou concordando. Ao me despedi dela, fiz questão de novamente beijar-lhe as faces e, de novo, as mesmas sensações deliciosas percorreram o meu corpo.
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Durante a semana, me entreguei inteiramente ao trabalho, mas a ansiedade para que a sexta-feira chegasse logo, crescia cada vez mais em mim. Sabia que ela iria na sexta pela manhã e eu estava contando os dias para que a semana passasse logo. Travava uma briga ferrenha comigo mesma, uma vez que estava convencida de que era loucura alimentar aquele sentimento que, a cada dia, crescia dentro de mim. Quando me lembrava do beijo em seu rosto, sentia meu corpo queimar e ficava agoniada, subindo pelas paredes. Eu, definitivamente, estava louca por ela, completamente apaixonada. A necessidade de vê-la, de sentir o perfume dela, ouvir a voz, estava se tornando vital para mim. Eu estava me enveredando por um caminho sem volta. A insistência de tia Cláudia para tê-la lá em casa nos finais de semana era o que iria jogar por terra a minha resistência, a minha decisão de tirá-la da minha cabeça.
Depois desse, por mais e mais insistência da minha tia, Júlia continuou a passar todos os finais de semana na chácara. Tia Cláudia começou a me pedir para atender ao pedido do meu pai, ou seja, convidar minha madrasta e meu irmão para morarem de vez lá em casa, mas eu resistia. Se eu atendesse ao pedido do meu pai, se eu cedesse às insistências da minha tia, toda a minha resistência iria por água a baixo. Eu não aguentaria vê-la todos os dias sem me aproximar. Mais dia e menos dia eu acabaria cometendo uma loucura. Terminaria por agarrá-la em alguns dos intermináveis cômodos da minha casa. Seria muita tentação e eu não estava disposta a correr esse risco. A minha carne era fraca, muito fraca.
E assim, os meses foram passando. Os meus finais de semanas eram torturantes e deliciosos. Uma ansiedade inebriante me dominava durante a semana e na sexta, sábado e domingo, meu coração vivia disparado; minhas pernas fracas e trêmulas, mas a sensação de vê-la, de ouvi-la e, de vez em quando, esbarrar nela acidentalmente era maravilhosa. Aqueles finais de semana me proporcionaram momentos maravilhosos.
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Lembro-me em especial da noite do meu aniversário, no mês de outubro. A casa não estava muito cheia, pois, como eu ainda não tinha muitos amigos no Brasil, convidei alguns funcionários da empresa, alguns parentes mais próximos, ela e meu irmão.
Augusto chegara no dia anterior ao meu aniversário. Depois que retornei de Paris ele só me visitou uma vez e agora estava ao meu lado se comportando como um cavalheiro. Estava mudado. Segundo o senhor Siqueira me disse por telefone, ele estava se esforçando muito para se interessar pelo trabalho. Estava comportadíssimo. Não acreditava muito que essa mudança iria durar por muito tempo. Ele, pelo menos não estava tão aderente a mim. Trocávamos carinhos, mas ele não estava com a mesma exigência e insegurança de antes. Acredito que percebeu que estava me saturando. Mantinha-se à distância, conversando com uns e outros e não ficava pegando no meu pé. Gostei do novo Augusto, mas mesmo assim, não me abria muito para carícias mais íntimas e continuava decidida a me separar dele, tão logo fosse realizado o casamento o senhor Siqueira lhe desse a herança.
Eu estava feliz e me deixei levar pelo vinho, dancei com Antenor nos meus braços, dancei com meu noivo, com alguns primos, com Helena, com Antônio, com Lisa, minha secretária. A vontade de chamar Júlia para dançar era tanta, que comecei a dançar com várias mulheres que ali estavam. Dancei com tia Cláudia e foi nesse momento que ela, aproveitando que eu estava de fogo, me perguntou:
-- Sylvinha, acho que você está querendo dançar com Júlia! Quer que a convide para você?
Eu quase desmaiei. Parei de dançar e fiquei encarando minha tia. Ela me olhava com os olhos travessos e nos seus lábios pairava um sorriso de quem já havia percebido o que se passava no meu íntimo. Ela me abraçou e disse no meu ouvido.
-- Não se preocupe com nada, meu bem! A sua tia está aqui para lhe apoiar. Eu já percebi tudo! E tenho certeza de que ela compartilha dos seus sentimentos.
Eu deitei a cabeça no seu ombro e deixei que ela me conduzisse ao ritmo da música. Minha cabeça rodava e meu corpo tremia. Lentamente ela me conduziu para um sofá e se sentou comigo. Puxou-me para seus braços e eu me deixei ficar com a cabeça recostada novamente em seu ombro. Mantive os olhos fechados. A impressão que tinha era de que se os abrisse, todo mundo saberia o que se passava na minha cabeça. Fiquei ali por alguns minutos até que Augusto se aproximou preocupado.
-- Sylvia? Está se sentindo mal?
Abri lentamente os olhos e, de repente, o salão de festa da minha casa me pareceu maior do que era na realidade. Augusto estava enorme na minha frente. Fechei de novo os olhos, para tornar a abri-los em seguida. Meus olhos encontraram os dela que estava sentada a uma mesa com Helena, Antônio e Lisa. Sorri para ela e, decidida, ignorei a mão do meu noivo e levantei-me indo na direção dela. Na minha cabecinha totalmente ensandecida e toldada de álcool, encontrei para a mim a justificativa de que, já que havia dançado com os vários homens e mulheres ali presentes, se não dançasse com ela, as pessoas poderiam imaginar que éramos inimigas. Precisava mostrar naturalidade e amizade para com a mãe do meu irmão. Segui em frente. Meus passos estavam firmes, mas minha cabeça e meu coração estavam totalmente desgovernados.
Aproximei-me da mesa e estendi-lhe a mão.
-- Só falta dançar com você. Concede-me esta dança, minha senhora? -- Brinquei na tentativa de deixar o clima mais leve. Nem sei como minha voz saiu, pois, meu corpo tremia descontroladamente. Ela sorriu, olhou para os demais e me deu a mão. No salão outros casais dançavam. Tia Cláudia, mais que depressa, tirou Lisa para dançar, acredito que para desviar a atenção de nós, pois naquele momento o único casal de mulheres éramos nós duas.
Afastamo-nos da mesa. Pusemo-nos uma de frente para a outra. Antes de nos tocarmos, sorrimos desajeitadas. Eu tomei a iniciativa e segurei-lhe na cintura e ela pousou as mãos no meu ombro. Como éramos quase da mesma altura, nossos rostos ficaram paralelos. Eu era mais alta do que ela, coisa de dois ou três centímetros. Um curto espaço nos mantinha afastadas. Deixei meus olhos passearem em seu rosto e ela, por sua vez, mantinha seus olhos presos aos meus. Ela estava linda! Estonteantemente linda no vestido vermelho com decote em V. Quando percebi que era possível ver o início dos seios da posição em que eu estava, não mais desviei o olhar dali. Permiti a meus olhos se regalarem naquela maravilhosa visão. A banda, contratada por Antônio, tocava uma música suave. Minhas mãos em sua cintura começaram a fazer uma leve pressão trazendo-a para mais perto de mim. O calor que emanava do corpo dela, misturada ao seu perfume faziam o meu sangue ferver. Puxei-a mais um pouquinho. Ela não oferecia nenhuma resistência. Sentia-a leve e totalmente entregue nos meus braços. Eu estava trazendo-a de encontro ao meu corpo, da forma mais discreta possível, pois tinha percebido os olhos de Helena sobre nós duas. Ela não parava de nos observar. De forma sutil fui me afastando com ela para o mais distante possível dos olhos de Helena. Ela continuaria a nos ver, mas não teria condições de perceber os movimentos das minhas mãos. Estava com medo de que a música terminasse, mas, quando isso acontecesse, não a soltaria, pois já que não poderia dançar com ela a noite inteira, dançaria pelo menos mais uma vez. O tempo de mais uma música seria suficiente para trazê-la para bem perto do meu corpo, para sentir seu corpo colado ao meu. A necessidade de senti-la tocando em mim, era vital naquele momento. Eu estava me ardendo inteira de tanta excitação.
Parecendo adivinhar meus pensamentos a banda deu continuidade à música tocando um pout-pourri. Sorri para ela que também me sorriu e a trouxe mais para perto. Nossas pernas se tocaram e eu me arrepiei inteira e senti o estremecimento do seu corpo. Não mais me aguentando deixei apenas uma mão descer para um pouco abaixo da cintura de forma que quando a puxasse seu ventre colasse ao meu. Assim o fiz. Afastei-a bastante do meio das pessoas, de modo que ficamos numa parte do salão praticamente deserta. Uma ou duas pessoas estavam por ali, dançando também, mas eram casais e pude ver que não nos olhavam. Puxei-a mais. A vontade que tinha era de entrar nela. Ela me olhou assustada quando nossos ventres se tocaram. Meu corpo ardeu e uma deliciosa dor e contração preencheu minha região pélvica. Mal conseguia respirar e percebi que a respiração dela estava igualmente entrecortada. Totalmente descontrolada, aproximei meu rosto dos cabelos dela e sussurrei ao seu ouvido.
-- Estou adorando... dançar com... você! Dança... muito bem! -- Respirei um pouco forte e continuei falando -- Você é leve, se deixa... conduzir... Está... Está gostando... de dançar... comigo?
Ela foi incapaz de conter um suspiro, e eu pude sentir o calor do sopro no meu rosto quando me respondeu com a voz trêmula, falhada. Seus dentes se chocavam uns nos outros.
-- Estou...! Gostando... muito!
Sorri e agradeci pelo presente. Ela havia me dado uma caneta para desenho. Muito linda, por sinal.
-- Achei seu presente maravilhoso! Estava mesmo precisando... de uma pena nova...! Obrigada! -- Olhei-a profundamente nos olhos e sorri o mais terno dos sorrisos, depois fiz um pedido, digamos, ousado. Estava sendo atrevida, mas ia deixar tudo por conta do vinho. Aproximei novamente do seu ouvido:
-- Quero que toque... uma música para mim! Depois... que todos... forem embora!
Senti seu corpo retesar em meus braços. Aproveitei para apertá-la mais um pouco, depois a olhei de frente. Se ela soubesse ler os olhos de uma pessoa, leria nos meus, o louco desejo de possuí-la, de amá-la como ela, com certeza, nunca havia sido amada em toda a sua vida.
Depois de um longo tempo me olhando ela acenou me dizendo sim.
A música chegou ao fim. Afastamo-nos. Vi nos olhos dela, um misto de alívio e pesar. Alivio porque não estava se aguentando de excitação. Segurei-a pela mão e a levei de volta à mesa em que estava. A sensação de tê-la nos meus braços me acompanhou por um tempo interminável.
Estava amando aquela mulher. Assustei-me ao constatar esse fato.
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Quando Sylvia estendeu a mão para Júlia e a chamou para dançar, esta achou que fosse desmaiar. Olhou para os acompanhantes de mesa e eles apenas sorriram. Ela estendeu a mão e acompanhou a enteada. Suas pernas já falhavam. Sentiu-se tocada na cintura e um tremor lhe percorreu todo o corpo. Lentamente pousou as mãos sobre os ombros dela. Deixou-se levar, e quando percebeu já estava distante da mesa. A pressão leve e firme que as mãos dela faziam em sua cintura, causava-lhe uma sensação deliciosa por todo o corpo. Um calor subia-lhe pelas pernas e se alojava no rosto que parecia em brasas de tão quente. Sentia-se cada vez mais próxima daquele corpo tentador. Ela estava lindíssima no vestido preto com decote em V como o seu, e por ele podia-se entrever o início dos seios convidativos. Olhava e tirava as vistas. Tinha medo de deixar seus olhos se perderem ali. Na maioria das vezes olhava por sobre o ombro dela, e sempre divisava Helena com os olhos voltados na sua direção.
De repente sentiu nas suas, o roçar das coxas dela e um arrepio subiu-lhe pelas costas. Tremeu quando uma mão dela se deslizou para logo abaixo da sua cintura e lhe puxou para mais perto. Seus ventres se uniram e, nesse momento, sentiu seu sex* latejar e sua calcinha umedecer. O calor do rosto aumentou e suas pernas se amoleceram mais ainda. Olhou-a e viu os olhos dela brilhando. Era um brilho diferente como se quisessem lhe devorar. Os lábios estavam entreabertos e úmidos e uma vontade insana de beijá-los a fez salivar. Mais que de imediato, desviou o olhar.
Sentiu-se transportada para outro mundo quando ela aproximou os lábios do seu ouvido e falou sobre a dança, agradeceu pelo presente e lhe pediu para tocar. Ela a mantinha colada ao seu corpo e, com os lábios quase colados em sua orelha, estava a levando à loucura. Seu ventre estava pesado e enrijecido devido a uma forte contração acompanhada de excitante dor.
"Ela não sabe o que está fazendo. Está alterada pelo vinho". Pensou Júlia alarmada.
Quando a música terminou Júlia se sentiu aliviada e triste. Queria poder ficar mais tempo nos braços dela. Queria que ela a levasse para bem longe dali e a possuísse inteiramente. Mal percebeu quando atravessou o salão de volta para a mesa, com uma mão segura por ela.
"Você está amando sua enteada, Júlia! Não como filha, mas como mulher! " Foi como se ouvisse claramente uma voz lhe dizer isso, dentro da sua cabeça. Sentiu um baque no peito ao se deparar com esta realidade.
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Depois da noite do meu aniversário a tensão entre mim e Júlia cresceu ainda mais. Eu havia pedido a ela que tocasse violão para mim naquela mesma noite, mas ela não o fez. Acredito que devido ao seu nervosismo. Mas foi melhor assim, porque do jeito que eu estava encharcada de vinho, seria capaz de fazer alguma besteira, como agarrá-la, ou alguma outra coisa do gênero. Depois daquela noite ela passou a me evitar o máximo possível. Mesmo passando os finais de semana na chácara, por insistência de tia Cláudia, raramente me dirigia a palavra ou o olhar. Estava com medo de mim, era o que parecia. Essa atitude dela me deixava triste, mas, ao mesmo tempo, aliviada. Seria muito perigoso se nos aproximássemos. Eu não estaria em condições de responder pelos meus atos, uma vez que a simples presença dela me deixava completamente atordoada, fora de órbita, incapacitada de agir com a razão. Com o desenrolar das semanas, nós duas fugíamos uma da outra. Mesmo durante as refeições evitávamos nos olhar. As nossas conversas se limitavam apenas aos cumprimentos. Eu não conseguia lhe dirigir a palavra e ela a mim, muito menos. Alguma coisa travava minha garganta; na minha cabeça nenhuma palavra se fazia presente, nenhum assunto vinha à baila. Eu ficava oca, sem voz, sem ar, sem nenhuma ideia. Nem na presença de Eloise, minha professora do colégio interno, eu ficara tão sem ação, como na presença de Júlia de Almeida Pires, uma mulher com cara de anjo, corpo deslumbrante de fêmea e olhos azuis profundos, que eram um convite para quem os fitasse, se perder.
Mas, mesmo lutando para nos mantermos distanciadas uma da outra, numa casa, por maior que fosse, era impossível não nos esbarrarmos em algum corredor, na entrada ou saída de algum cômodo. E assim aconteceu, uma semana ou duas antes do natal. Era noite e eu estava deitada numa rede no alpendre nos fundos da casa. Como não conseguia dormir, resolvi tomar um pouco de vinho, olhar o céu e apreciar a lua cheia. Meus olhos fitavam a enorme esfera amarelada, mas o meu pensamento enxergava apenas um rosto com olhos azuis. O peito doía por não poder ter Júlia em meus braços e uma saudade do que não poderia ser me machucava por demais. Naquele momento eu estava desejando que ela estivesse dividindo aquela rede comigo e que nossos olhos estivessem namorando a lua. Lágrimas desciam pelo meu rosto e uma vontade enorme de sair gritando, de xingar Deus, meu pai e o mundo todo, começou a crescer dentro de mim. Enchi mais uma vez a taça de vinho e bebi de uma vez só. A única forma de aliviar o martírio que me atormentava, o único jeito de apagar o fogo que me consumia por desejá-la tão ardentemente, era me encharcar de vinho. Usava desse subterfúgio nos finais de semana. Temia por acabar me tornando uma alcoólatra. Não mais aguentando ficar ali, levantei-me e me dirigi à cozinha, pois, mesmo bebendo vinho, senti a garganta seca. As luzes da casa estavam quase todas apagadas, inclusive as da copa e as da cozinha, mas os cômodos estavam iluminados por uma fraca claridade da lua filtrada pelas vidraças das janelas. Eu estava razoavelmente embriagada, mas lúcida e fui a passos trôpegos em busca de um copo d´água. Quando entrei na cozinha, me choquei num corpo e senti dois braços me segurando, pois, a minha queda seria certa, uma vez que mal me equilibrava em pé. Quando levantei minha cabeça me deparei com aquele rosto divino a poucos centímetros do meu. Meu Deus, naquele momento eu fiquei mais tonta do que já estava e meu coração começou a socar o meu peito de forma alucinada! Os olhos dela esquadrinhavam o meu rosto por inteiro. Eu fiquei tão fora de mim que a enlacei pelo pescoço e a abracei enfiando meu rosto em seus cabelos. Com a voz toda engrolada, consegui pronunciar algumas palavras.
-- Dê-me um copo d´água e me leve para meu quarto.
Ela me colocou sentada numa cadeira e pegou água para mim. Não disse uma palavra, mas fez como eu lhe pedi. Depois que tomei a água, me ergui e a abracei novamente. Ela, com certa dificuldade, me conduziu até meus aposentos. Eu estava bêbada, mas não inconsciente, uma vez que dramatizei bastante, fingindo estar mais embriagada do que na realidade estava. Ela com uma mão na minha cintura e a outra firmando a minha mão sobre seu ombro, conseguiu me amparar, e eu estava amando senti-la tão perto de mim: sentir o seu perfume, a maciez da sua mão na minha, o calor da sua mão firmando minha cintura, enfim os nossos corpos juntinhos. Quando chegamos ao meu quarto, ela se curvou para me colocar na cama, e eu, espertamente, a puxei comigo. Ela caiu por cima de mim e eu a firmei, envolvendo-a num abraço.
-- Fique aqui comigo... -- Pedi deixando minhas mãos deslizarem por suas costas. Eu estava pegando fogo de tesão. Ela tentava, delicadamente, se desvencilhar dos meus braços, mas eu não permitia. Fitamo-nos por um tempo e eu pude ver um brilho de excitação em seus olhos. Na verdade, fiquei na dúvida se realmente o brilho que estava enxergando correspondia à realidade ou era apenas o que eu desejava. Firmei delicadamente sua nuca e tentei beijar-lhe os lábios, mas ela virou o rosto e meus lábios terminaram por alcançar apenas sua face. Ali deixei ficar minha boca, sentindo a textura macia daquela pele de pêssego. Eu sentia em meu peito o disparar do seu coração e do meu. Quando eu me descuidei e afrouxei o contato, ela conseguiu girar o corpo e ficar deitada ao meu lado e, rapidamente, tentou se levantar.
-- Não...! Não vá...! -- Eu a firmei pela cintura e, sentando-me, a abracei por trás, antes que ela se levantasse totalmente. -- Não vá! -- Pedi afundando meu rosto em sua nuca -- Fique comigo... Júlia...! Tenho medo... de ficar só! Preciso de você! -- Totalmente descontrolada, deixei meus lábios deslizarem suavemente pelo seu pescoço. Minha calcinha encharcou ainda mais, quando ouvi o suspiro e o gemido baixinho que ela deixou escapar. Ela novamente tentou se desvencilhar e, foi nesse momento, que ouvi sua voz.
-- Sylvia...! Não faça... isso! Você... está embriagada!
Ouvir sua voz me alucinou de vez e dei início a uma deliciosa massagem em sua barriga, enquanto meus lábios continuavam a explorar sua nuca e pescoço. Lentamente comecei a deslizar as mãos nos seios e no baixo ventre, sem ousar avançar mais. Como eu sabia que ela iria atribuir essa minha loucura ao excesso de vinho, não me preocupei muito, com uma possível chateação de sua parte.
Fiquei fazendo isso por alguns minutos até que a senti girar a cabeça para traz pousando-a no meu ombro. Mordisquei a lateral do seu pescoço e, quando, com uma mão toquei seu rosto para posicioná-lo de forma que eu pudesse beijar-lhe os lábios, senti as lágrimas em meus dedos. Ela pronunciou num tom baixinho e sofrido.
-- Por favor...! Não faça isso...! Nós não... podemos...! Você é irmã... do meu filho! Eu... eu não... posso!
Meu corpo todo gelou e ficou dormente. Beijei-lhe o pescoço mais uma vez e a apertei em meus braços antes de me afastar. Lentamente me desvencilhei dela e me deitei. Ela se levantou e saiu rapidamente do quarto.
Puxei a coberta sobre meu corpo e fiquei ali ouvindo apenas o ribombar desesperado do meu coração e sentindo minhas entranhas ardendo de frustração. Dos meus olhos, grossas e quentes lágrimas desceram e, dessa forma, eu vi o dia amanhecer.
Fim do capítulo
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Gaa
Em: 12/07/2018
Autora, como estou feliz por encontra-la por aqui!!!
Qndo o Abcles terminou estava lendo exatamente sua estória e fiquei grilada por não conseguir encontra-la em outro lugar...
Espero que consiga terminar essa est´roia maravilhosa!!!
Resposta do autor:
Boa tarde Gaa,
Que bom que continua gostando desse conto.
A história já está finalizada, então você saberá o final.
Bjs
Laura Veigas
Em: 10/07/2018
Boa noite, Nicole.
Primeira vez que estou lendo a história, mas, como pude perceber, ela já foi postada em outro site, mas lhe digo desde já, estou perdidamente apaixonada por sua história. É difícil encontrar algo assim mas histórias, algo mais família, mais real, dentro da realidade. As coisas vão acontecendo aos poucos, sem pressa, tudo muito natural, dentro do nosso cotidiano. Amando a Sylvia e a Júlia.
Meus parabéns, e por favor, não feixd de postar.
Abraços!
Resposta do autor:
Boa tarde Laura,
Muito obrigada por suas palavras e, fique tranquila, a história já está finalizada e farei o possível para postar dois capítulos por semana.
Um abraço.
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Aparecida3791
Em: 09/07/2018
Que situação, senhor!
Torcendo por essas duas!
Resposta do autor:
Elas duas sofrem, né?
Mas, vamos torcer para que no final valha a pena.rsrs.
Bjs
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