Amélia ouviu a batida na porta e correu para abrir, pensando que poderia ser Chica aparecendo mais cedo, mas lá estava Daniel com seu sorriso doce e uma cesta na mão:

- vamos no riacho? Tens que treinar.

Amélia sorri para seu amigo e nota que ele está com a viola presa as costas, realmente fazia alguns dias que as únicas lições que ela aprendia, são as que Chica lhe ensinava quase toda a noite. Ela concorda e os dois vão em direção ao riacho, vão conversando e não notam dois olhos castanhos a seguirem de longe.

Os dois antes de começarem a aula, se jogam no riacho de roupa mesmo, tirando o suor do dia. Depois senta-se a margem, Daniel faz uma fogueira pequena e coloca agua para ferver para o chimarrão. Trazia também bolachas de leite, e os dois degustam da comida no silêncio daquele pequeno paraíso na terra.

Depois Amélia ansiosa pega a viola e começa dedilhar a primeira música completa que tinha aprendido, mas no meio da canção nota seu amigo calado demais, para de tocar e pergunta:

- está tutto bem?

Daniel a encara por um tempo , depois desvia o olhar e diz baixinho:

- sei de tu e Chica.

Amélia coloca a viola no chão e se levanta assustada, tenta desconversar:

- non sei que falas.

Daniel também se levanta e segura as mãos frias de Amélia, suave diz:

- não temas Amélia, pode confiar em mim, mais que ninguém te compreendo.

Ela tenta entender o que Daniel fala, mas sua cabeça está fervendo, com a iminência de ter sido descoberta. Não conseguiu impedir as lágrimas de caírem, Daniel imediatamente a trás para seus braços e acarinha sua cabeça e tenta acalma-la:

- Amélia fica sossegada, não vou falar nada. Mas se eu descobrir, outros podem saber, tens que tomar cuidado, meu anjo.

Amélia levanta a cabeça e encara seu amigo:

- non vai a contar a ninguém?

Daniel lhe oferta um beijo casto na testa e diz encarando nos olhos:

- não vou Amélia, já te gosto como um irmã , quando olhei pela primeira vez, reconheci algo em ti que tenho em mim.

- cosa?( o que)

- a solidão, também sou só nessa vida, e temos outra coisa em comum...

Mas Daniel para de repente, como se tivesse falado demais, então os dois voltam a sentar, e Amélia solta:

- io se que isso e errado, mas io gosto molto dela.

- não sei se é errado ou não Amélia, cabe apenas nosso Senhor julgar. Mas para a sociedade, sim é errado - ele a olha intensamente e continua- eu só me importo com seu coração Amélia. Infelizmente sei da fama de Chica, e ela não se apega a nenhuma mulher.

Amélia desvia o olhar, e teme que o que seu amigo fala seja a verdade, sabia que estava se apaixonando por Chica. Diante do silêncio de Amélia, Daniel a abraça novamente e beija seus cabelos e termina:

- tenha cuidado.

- si.

Chica saiu o mais silenciosamente possível do seu esconderijo na mata, quando vira os dois saindo da casa de Amélia a sós, ficara desconfiada. Os seguiu até o riacho, e o carinho que trocavam deu a certeza que Amélia seria mais uma que a deixaria logo. Sentiu uma pontada estranha no peito e uma lágrima desceu, mas ela a secou e mais uma vez fechou o coração, iria aproveitar muito bem o seu tempo com ela o quanto durasse.

Amélia olhou-se mais uma vez, como não tinha espelho teria que confiar na sua visão parcial que estava ao menos apresentável. Usa um dos vestidos  de Clarisse, alisa o tecido de boa qualidade e sente um cheiro de jasmim bem fraquinho saindo dele, e por um momento imagina se aquele seria o cheiro da sua antiga dona. Por mais que seu coração e principalmente seu corpo pedisse Chica, ainda sentia aquela conexão com a filha do seu patrão. Mas tirou aquilo da cabeça, como havia dito a Chica, Clarisse nem sabia da sua existência. Um toque na porta a distrai da suas reflexões, quando abre, Chica lhe sorri, haviam combinado de irem juntas a igreja. As vezes Amélia achava que podia queimar na porta por conta dos seus pecados, mas ainda não acontecera.

Elas vão caminhado mesmo, já que a igreja fica na vila que existe na região das fazendas,  Amélia queria segurar a mão de Chica, como via alguns casais fazendo, mas sabia que para elas aquilo é impossível. Nota que Chica está distraída e segura levemente pelo braço para chamar sua atenção, ela a olha e Amelia pergunta:

- esta com os pensieri distantes hoje.

- não te compreendi prenda.

Amélia olha para os lados por causa do apelido carinhoso, mas Chica a agarra pelo braço e diz baixinho:

- não te preocupes, que não tem importância duas amigas se elogiarem. Mas diga o que tu falaste antes com essa língua maravilhosa tua.

Amélia busca na memoria e fala a palavra traduzida:

- pensamento, estava longe.

- ah sim...

Amélia observa Chica morder o lábio inferior e  havia descoberto que ela fazia isso quando está considerando o que falar. As duas andam mais alguns minutos até que Chica responde:

- estava a pensar que meu povo não teve a sorte do teu Amélia.

- e como e questo?

- os meus foram arrancados da sua terra, separados da família e vendidos como se a minha gente fosse "animal". E "trabaiamos" de sol a sol, sem receber um tostão, e os senhorios castigava a minha gente de forma cruel.

Amélia segura o braço de Chica mais forte e diz:

- isso é molto injusto Chica.

- e sim, mas finalmente estamos livres, mesmo que os branco "oia" como se ainda fosse nossos donos.

Amélia não consegue imaginar tamanha crueldade e tentando entender melhor aquele assunto pergunta:

- quando estava na Itália, o signore Silva disse que finito a ...

- escravidão?

- si, mas io non compreendi bem.

- e isso que te falei, a escravidão por que nossa cor é diferente, por isso os brancos acham que valem mais, mas te falo minha prenda, me orgulho da minha cor.

Amélia para e encara Chica, diz sincera:

- tuo colore e belo, tutti voi e lindíssima Chica. ( sua cor e linda, voce toda e lindissima Chica)

Chica acreditou na italiana, quase  beijou a sua boca ali mesmo, mas estavam muito próximas da igreja e apenas lhe deu um beijo casto no rosto e falou baixinho:

- sei que tu gosta da pretinha aqui.

Amélia arregala os olhos e diz um tanto espantada:

- non parliamo disso aqui, perto da casa de Dio.

Chica deu uma gargalhada alta e a incentivou a andar, quando chegaram na porta da igreja justamente a carroça do patrão chegando. Elas param e esperam eles descerem, primeiro sai o senhor Oliveira, depois a esposa e por último Clarisse. E Amélia podia estar na casa de Deus e com sua amante do lado, mas seu coração sempre batia descompasasdo quando a via de perto. Ela estava com os cabelos soltos novamente e cobrindo o rosto. Ela sorri quando as vê e Amélia chega a sentir uma especie de fraquesa nas pernas, Clarisse se aproxima e diz feliz:

- essa sua amiga Chica?

- e sim sinhazinha, essa é a Amélia.

Amélia fica timida e não consegue encarar Clarisse nos olhos, então os abaixa e diz baixinho:

- è un piacere, signorina. ( prazer, senhorita)

- prazer é meu Amélia, meu vestido ficou melhor em tu do que em mim.

E Amélia sentiu as maças do rosto esquentarem e num rompante de coragem encara Clarisse e sua respiração para por um instante, bella como a noite estrelada foi seu pensamento. Os olhos dela sorriam tão lindamente quanto a boca.,mas antes que pudesse falar qualquer coisa, a mãe de Clarisse a chama, que se despede e entra na igreja e Amélia não pode fazer outra coisa a não ser acompanhar com o olhar. E a risada de Chica que a tira do encantamento, encara a sua amante que a mira um tanto abismada:

-Mas num to crendo, estais cativada pela sinhazinha?

-Mas obviamente que non, sono a achei simpatica, si.

E antes que Chica pudesse questionar mais, Amélia foge para igreja.

- andiamo Amélia, sono tutti li. ( vamos Amélia, todo mundo já esta lá)

Amélia sai apressada atrás de Maria , todos estavam na festa que os senhores faziam no final da colheita, reuniam todos os empregados para pisarem das uvas e serviam vinhos e comida. Quando Amélia chegou, as pessoas estavam já na cantoria , as moças dançavam e pisavam alegremente dentro das tinas cheias de cachos de uvas, a alegria é contagiante. Amélia nota seu amigo Daniel tocando com os outros e lhe sorri, observa Chica colocando a comida nas grandes mesas espalhadas pelo terreno e nota também uma moça muito próxima a ela. Sente ciúmes, mas tentando não dar importância se aproxima das tinas com as moças. Começa a bater palma no ritmo da canção e a dançar do lado de fora, estava girando e rindo alegre quando percebe uma mão em sua direção, e quando nota a quem a mão pertence , seu coração bate descompassado, pois e Clarisse que a está convidando a entrar , com um sorriso mais aberto que nunca pede meiga:

- vem aqui, precisamos de mais pés.

E a primeira vez que Amélia sente a mão quente de Clarisse na sua, seus olhos se prendem por um instante , mas logo o olhar e quebrado quando braços forte de um peão a ajuda entrar dentro da tina. Então sua outra mão e pega por outra moça, e ela começa girar e cantar com as mulheres , sentindo os cachos de uvas partindo sobre seus pés e alegria de estar viva.

Chica observava a italiana tão linda e feliz que sente aquela alegria invadir seu ser. Soube nesse momento que corria perigo de Amélia fincar raízes no seu coração, mas não podia deixar isso acontecer. O sofrimento é um velho conhecido seu, já se apaixonara antes e ela foi embora sem nem dizer adeus. Elas sempre iam embora, nenhuma a amou suficiente para ficar. E depois do que vira na igreja, sabia que se Amélia não estava encarrapichada pelo violeiro, com certeza nutria sentimentos pela sua sinhazinha. Viu Aliya se aproximando com safadeza nos olhos e um sorriso sedutor e decidiu que Amélia não poderia ser a única na sua cama.  

Foi Daniel que a ajudou a sair do tonel, depois que esmagaram tantas cachos que seus pés estavam violetas, Clarisse foi embora deixando um sorriso e saudades para ela, que aproveitou que seu amigo passava e pediu auxilio. Muitas pessoas estão altas pelo bebida e alguns homens cantavam abraçados canções irreconhecíveis. Amélia procura Chica, mas não a vê em nenhum lugar, Daniel a observa de perto e diz:

- ela foi para ala dos empregados , fica na parte de trás do casarão.

Ela sorri para o amigo , toma um gole do vinho e corre para os braços mais que ansiosa de sua Chica. 

A escuridão já cobria tudo, e Amélia teve certa dificuldade de achar a porta da entrada para os quartos,com muito custo a encontrou e entrou de mansinho, não queria despertar suspeitas se alguém lhe encontrasse ali. Andou por um pequeno corredor com muitas outras portas, e como não sabia qual é de Chica, encostava o ouvido nelas e quando não escutava nenhum barulho , as abria devagarinho. Tinha experimentado 3 portas quando ouviu o gemido. Colocou a mão na boca para não ri alto e já iria passando para a próxima , quando  nota algo inusitado pela fresta da porta.

Estacou na hora e a cena soube nunca mais sairia da sua lembrança. É a moça que vira mais cedo, completamente nua e entregue a Chica, que se esbaldava no meio das pernas dela. As lágrimas queimam os olhos quando saem e desabalada Amélia corre para fora do local, com o coração em frangalhos e a certeza que onde há prazer também haverá dor.  

Fim do capítulo