Capítulo 3
– Enchant. Excuse moi... não imaginava. Vi rapidamente na internet ontem algumas fotos, não imaginei que... Tentou justificar a gafe segurando a mão da mulher que acabara de elogiar e ofender ao mesmo tempo.
– Ne vous inquiétez pas... Respondeu, num francês igualmente perfeito. – Acontece muito... mesmo sobrenome, mesma paixão por fotografia. Sorriu abertamente, deixando Luana ainda mais constrangida não mais por ignorar quem era, mas por ter deixado transparecer a vontade de sentir aquela boca na sua.
– Então... Camille. Seu trabalho é fantástico. Emendou, tentando desviar o olhar da boca convidativa, voltando-se novamente para o painel e sorvendo o restante do champanhe da taça em um único gole.
– Percebi que tinha gostado. Por isso me aproximei sorrateiramente e resolvi provocá-la. Tentou contemporizar o embate do primeiro contato e aliviar a tensão da abordagem, e da atração mútua latente.
– Realmente peço desculpas. Estava tão absorta em conhecer mais seu trabalho que esqueci de investigar quem era a fotógrafa. Seu trabalho é realmente incrível...
– Fico feliz que tenha gostado, talvez ele seja uma das melhores partes de mim. Acrescentou modesta, verificando o efeito causado.
Luana sabia muito bem que o trabalho era digno de reconhecimento, mas a mulher com certeza devia ser muito mais que ele, mais que aquele corpo que a fazia estremecer, e mais que a presença de espírito com que a havia envolvido. Não suportava alguém apenas com beleza aparente. Mulheres vazias a irritavam.
– Também admiro seu talento. Li dois dos seus livros; “Fragmentos de um verão” e “Areias do Tempo”. A propósito, todos se referem a segmentos de tempo, como se nada pudesse ser duradouro...
– Por experiência aprendi que tudo tem começo, meio e fim. Com tempos variáveis, mas inevitavelmente sucedâneos. Relacionamentos seguem esse mesmo curso.
– O Amor, pra você, tem prazo de validade, então?
– O amor não, mas o objeto dele sim... Amor, a meu ver, é a forma como sentimos e vivemos o sentimento que compartilhamos com o outro, ou outra, que é nosso objeto de amor. Assim, os relacionamentos terminam porque deixamos de amar nosso objeto de amor, mas o sentimento de amor em si não morre, hiberna à espera de uma nova oportunidade de se mostrar e ser sentido novamente.
– Alguns chamam isso de paixão... Particularmente prefiro não rotular sentimentos, mas vivê-los. Atravessou, provocando Luana mais uma vez, e tocando-lhe a mão para apanhar a taça vazia que segurava, causando-lhe outro arrepio.
– Concordo com você, em parte... Balançou a cabeça, sem dizer a qual parte se referia, retribuindo a provocação.
– Espero que se refira a viver, embora, literalmente, à priori, viva de conceitos e ideias, diferente de mim que eternizo o silêncio. Vou buscar mais uma taça para nós, se não se importa. Virou-se sem esperar resposta e caminhou entre algumas pessoas, cumprimentando algumas.
Luana ficou a observá-la. Por onde passava provocava a mesma reação, exalando sensualidade e graça.
– Parece que você vai ser obrigada a me agradecer. Disse rindo. Tina, inesperadamente, tendo se aproximado pelas costas da amiga. – Mas disfarce, tá dando bandeira demais... Riu, gostosamente.
– Louca, quer me matar de susto... estava distraída olhando os pôsteres.
– Sei, deu pra ver que era para os painéis que você estava olhando...
– Nos atualizem da conversa. Claire chegou acompanhada de Julia, para se juntar às amigas.
– Ora, Lu já fisgou a fotógrafa que, diga-se de passagem, é muito bonita mesmo. Se eu fosse lésbica também quereria sair com ela.
– Hum... ultimamente você tem falado tanto disso, Cristina, que já estou desconfiando que está em fase de transição. Brincou Julia.
– Tô quase pensando nisso... homem está virando bicho em extinção. Os bons, educados e gostosos estão desaparecendo, os outros proliferando. Respondeu sarcasticamente, fazendo com que as amigas concordassem.
– Então, depois daqui vamos pra onde? Atalhou Claire, depois de correr os olhos pelo local sem avistar nada interessante além da própria exposição.
– Vocês não sei, eu vou pra casa.
– ...sei, para a sua ou para a da Camilla?
– Camille, é o nome dela. Vou pra minha e ela para a dela ou sei lá para onde. Estávamos apenas conversando. E, diga-se de passagem, dei um furo do tamanho do mundo. Não sabia que ela era a fotógrafa. Vocês nem pra me avisar...
– Você sumiu, quando a avistamos vocês já estavam juntas, e, aparentemente muito à vontade flertando. Riu Julia, arrancando risadas também das outras.
– Parem com isso, nada a ver.
– Tá bem, mas acho melhor desaparecermos novamente, porque lá vem ela serví-la novamente. Cuidado, ela está querendo embebedá-la, antes.... Tina adiantou-se, beijando a face de Luana e arrastando consigo as amigas, em direção contrária a que vinha Camille.
Luana foi deixada só, parada no meio da sala, completamente sem jeito. Camille caminhava com olhar fixo nos seus, mordiscando discretamente o lábio inferior, com ar de pantera, pronta para o ataque. Obrigando-a a caminhar a seu encontro para que não parecesse tão intimidada.
– Uma admiradora? Perguntou, assim que estendeu a taça abastecida de Veuve Clicquot, borbulhante.
– Amiga. Velhas amigas. Vieram fazer troça de mim por não tê-la reconhecido. Explicou, demorando a mão na de Camille ao apanhar a taça oferecida.
– Gostaria de tê-las conhecido, principalmente a loira que a beijou. Tripudiou...
Causando estranheza com a reação... Devia ser o efeito do álcool ou da atmosfera que a outra causava.
– Tina... Nos conhecemos desde a época de faculdade...
– Sem querer ser invasiva, mas já sendo, foram namoradas? Atirou diretamente, esperando a resposta sem desviar o olhar.
– Não, Cristina é hétero, mas somos bem próximas. Foi por insistência dela que vim hoje. Saio pouco quando estou no meio de um livro...
– Hum... De longe pareciam bem íntimas mesmo, principalmente porque antes de deixá-la, como para assegurar a propriedade a beijou, como demarcando território... Sorriu, divertindo-se com a situação.
– Tina é assim mesmo, teatral... Sempre preocupada comigo, com a minha vida social, com...
– Seja como for, me lembre de agradecê-la, não fosse por ela não a teria conhecido. Interrompeu, deixando claro o interesse.
– Pela mesma razão já a agradeci. Riu mais descontraída, querendo roubá-la dali para que se conhecessem melhor. Voltara a sentir o chão sob os pés e recobrara a confiança.
– Não tenho como sair daqui agora... entende? Olhou em direção ao aglomerado de pessoas que admirava seu trabalho, como se tivesse lido os pensamentos da escritora. – Mas assim que puder, você gostaria de ir para algum outro lugar, para conversarmos mais tranquilamente?
– As meninas querem esticar mais tarde... não pretendia acompanhá-las, mas podemos ir...onde quiser...
– Nós e as suas amigas ou apenas nós? Deixou claro também que o clima pedia algo mais privê.
– Apenas nós, é claro... Gostaria de conhecê-la melhor, seu trabalho...
– Combinado então. Colocou a mão no braço de Luana que segurava a taça. – Vem comigo, quero te apresentar uma pessoa que talvez reconheça. Sorriu encantadoramente. Caminharam de braços dados pela galeria.
Antes de se aproximarem do grupo que conversava animadamente em uma das salas, reconheceu a mãe de Camille dentre as pessoas. Como não se dera conta da sutil semelhança entre as mulheres? Evidentemente a exuberância da filha era de deixar sem fôlego, mas seus traços em muito lembravam a senhora de cabelos grisalhos e sorriso largo vestida elegantemente.
– Com licença. Mamãe, quero lhe apresentar uma admiradora de seu trabalho. Luana Hays, Eleonora Steves.
– É um prazer conhecê-la pessoalmente, Luana. Cumprimentou a simpática senhora.
– Da mesma forma, Eleonora. Vejo de quem Camille herdou a beleza e o talento.
–... que é isso... bondade sua. Deixe-me apresentá-la a alguns amigos. Agradeceu, apresentando a escritora ao grupo.
– Preciso dar uma circulada, mas vou deixá-la sob os cuidados da mamãe para que não desapareça. Despediu-se tempestuosamente, repetindo o gesto de Tina, beijando-a no rosto, porém de forma bem mais sedutora. Fato que não passou despercebido por Eleonora, que conhecia bem a filha, e sabia quando algo ou alguém realmente a interessava.
– Camille... Balançou a cabeça a senhora, sorrindo para a filha.
Luana permaneceu junto ao grupo, conversando sobre fotografia, literatura, política e diversos outros assuntos, bastante entrosada. Eleonora era uma mulher culta, e seu círculo de amigos partilhava dos mesmos conhecimentos. Alguns Luana já tivera a oportunidade de conversar em outras ocasiões.
Meia hora depois, as amigas de Luana juntaram-se ao grupo. Tina, de quando em vez, indicava com o olhar que Camille estava a vista, para que a amiga a olhasse.
Algumas vezes seus olhares se cruzavam, e Luana conseguia fingir que seguia prestando atenção à conversa, mesmo imaginando-se sozinha com ela, bem longe dali. Nesses momentos, a outra, que sabia o efeito que causava, mordiscava o lábio fazendo com que Luana quisesse encostá-la num dos painéis para sentir o gosto daquela boca, e a sensação tátil daquele corpo.
A hora seguinte teria sido uma tortura, não fosse o nível da troca intelectual do grupo, e o champanhe servido.
– Estamos indo... Anunciou Julia. – Imagino que não vá mesmo conosco. Dessa vez vamos perdoá-la, mas amanhã vamos querer relatório completo do restante da noite. Completou, sussurrando ao ouvido de Luana.
– Para onde vão?
– Ainda não sabemos, vamos rodar os bares para decidir aonde terminar a noite...
Despediram-se do grupo e da amiga, lançando-lhe olhares insinuantes, como de que soubessem onde ela terminaria a noite.
Fim do capítulo
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