Capítulo 4
Por volta da meia hora, Luana percorreu com os olhos o salão sem conseguir avistar Camille. Ainda quando mapeava o lugar, a mulher abraçou-a pelas costas, de surpresa.
– Sentiu a minha falta? Sussurrou-lhe ao ouvido.
– Claro, seja bem-vinda... Disse, buscando ver a reação de Eleonora, que sorria, mais uma vez, balançando a cabeça sem reprovação.
– Me leva daqui...
– Como?! Pediu para que repetisse, sem entender.
– Vamos fugir, já fiz a social, os críticos já se foram. Quero ficar a sós com você. Me tire daqui. Vim de carro com mamãe, ela volta dirigindo. Amanhã busco o carro na casa dela. E Half está com ela. Olhou para o homem ao lado da mãe.
– Se é o quer... mas como vamos sair? Perguntou em voz praticamente inaudível.
– Mãe? Chamou a atenção de Eleonora, que se aproximou.– Vamos fugir. Leve meu carro. Amanhã ligo. Esses saltos estão me matando. Brincou indicando os saltos altíssimos.
– Vocês duas tomem cuidado. Essa cidade está pra lá de perigosa... Juízo.
– Fique tranquila, não ficaremos rodando. Piscou para a mãe, fazendo Luana ruborizar levemente.
– Foi um prazer, Luana. Faça com que Camille a leve lá em casa para conversarmos mais. Um brunch amanhã, quem sabe...
– Mamãe, iremos dormir tarde... não tenho hora para acordar amanhã... Mas ligo pra combinarmos... Interrompeu antes que Luana pudesse se despedir.
– O prazer foi todo meu, Eleonora. Com certeza não faltarão oportunidades para que nos reencontremos... Despediu-se um tanto sem jeito.
– Camille é um tsunami, Luana... mas é uma boa menina apesar disso... Brincou a jovem senhora, indicando que bem sabia as intenções da filha, e que aprovava sua companhia. – Agora saiam daqui sem muito alarde.
– Me espera lá na frente... vou logo depois. Indicou Camille à Luana depois de despedir-se da mãe.
O manobrista já retornara com o carro quando Camille apareceu à porta lateral, descalça, com as sandálias na mão. Provocando risos.
– Não tava mentindo completamente... Eles estavam me matando... – explicou já no carro.
– Então, para onde quer ir?
– Para onde quiser me levar... sou toda sua, agora.
– Quer ir a um bar? Jantar?
– Pode ser, desde que seja um lugar tranquilo onde possamos conversar mais à vontade.
– Tudo bem, vamos a um lugar não tão pacato, mas onde poderemos conversar...
Terminaram optando pelo Baretto, onde conseguiram uma mesa bem reservada.
– Imagino que você deva ter uma vida bastante estimulante, muitas viagens, pessoas... diferentes culturas.
– Não posso me queixar disso, conheço boa parte do mundo. Antes, acompanhava mamãe, depois comecei a me aventurar sozinha. Mas tudo tem seu preço, e, muitas vezes, quero estar em casa, saber onde vou acordar e dormir, e nem sempre consigo.
– Imagino... Eu ao contrário até viajo regularmente, mas passo boa parte do tempo em casa. Escrever é um ofício solitário. Raramente saio, principalmente, quando estou em meio a um livro. Hoje foi uma exceção. As meninas me cobram, e isso atrapalha qualquer relacionamento.
– Deve ser bem estranho, tanta ação e movimento nas histórias e tão pouco fora delas...
– Sim, paradoxal, assim como eu... – Risos. – É tão difícil fazer com que a linguagem combine com arranjos verbais próprios, para que imagens e sentidos tenham uma significação mais aproximada à desejada...
– De certa forma nós duas, cada uma na sua área, apenas tenta materializar todas as nuances das pessoas ou lugares... Ao menos a imagem é um modo da presença que tenta suprir o contato direto, tentando manter o objeto e seu sentido unidos.
– Sim, mas como não se consegue descrever com a profundidade e o sentido devido todas as tonalidades, sentimentos e dimensões, na maior parte das vezes nos frustramos porque por mais que tenhamos nos esforçado não alcançamos a exata definição, só captada pelos sentidos.
– Em verdade, mesmo literatura e imagem associadas não alcançam essa essência, talvez consigam até uma aproximação maior, mas nunca a verdadeira essência do sentido.
– Realmente fiquei impressionada com o que vi do seu trabalho... foi como se pudesse encontrar parte do significado das expressões daquelas mulheres. – Confessou sem medo de estar sendo pretensiosa.
– Fico satisfeita em saber, é sinal de que, de certa forma, consegui captar parte, mesmo que insignificante, de suas complexidades. Principalmente pelo comentário tendo vindo de você, posso realmente me sentir lisonjeada. – Olhou diretamente para Luana, fazendo com que perdesse o fio condutor da conversa.
– Tenho certeza de que não fui a única a ter sido arrebatada pelas suas fotografias... – ainda tentou disfarçar.
– Talvez não tenha sido apenas você, mas foi a única pessoa que demonstrou... Vê-la admirando aquele pôster me tocou profundamente, foi como se eu tivesse conseguido, literalmente, tocar você, me deu uma sensação de... de... completude. Massageou o meu ego... – Sorriu, exalando charme.
– Seu trabalho, pelo menos o que conheço dele, é extraordinário. Assim, fico satisfeita em massagear o seu ego. – Concluiu, sem fugir da aura de sedução que a fotógrafa imprimira ao ambiente.
Nas duas horas seguintes a conversa seguiu em torno de arte em geral e impressões sobre lugares visitados pelas duas. Tão entretidas estavam que não repararam que o bar esvaziava aos poucos, a ponto de, finalmente, desviarem o olhar para observar o ambiente e perceber que apenas duas outras mesas seguiam ocupadas.
– Acho que em pouco tempo vão nos expulsar... – Comentou Luana, novamente voltando a atenção à fantástica mulher à sua frente.
– Melhor pedirmos a conta antes – Concordou, entre risos.
Logo depois de Luana ter feito questão de acertar a despesa, as mulheres se levantaram em direção à saída.
– Então, levo-a para casa ou outro lugar? – Perguntou, logo percebendo que a pergunta poderia ter dupla interpretação.
– Para casa. – Respondeu a fotógrafa, rindo, também sendo dúbia.
– Muito bem. Então vamos.
Ao entrarem no carro, Luana não sabia exatamente para onde seguir, tinha vontade de convidá-la à sua casa, mas sabia que, se o fizesse, ou daria um passo precipitado ou pareceria inconsequente.
Camille, percebendo a hesitação da escritora, informou o endereço de sua residência. Se até chegarem lá Luana lhe desse alguma indicação de que queria prolongar o encontro a convidaria para mais um drinque, e o restante da noite seria definido mais tarde, não queria parecer ousada demais, nem parecer liberal ao extremo.
Parte do trajeto foi feito em silêncio, como se ambas procurassem o que conversar e não encontrassem algo que as colocasse em uma situação favorável.
Pouco antes de Luana parar frente ao endereço de Camille, finalmente arriscou-se:
– Gostaria de continuar nossa conversa, outro dia, se você também quiser. E conhecer mais seu trabalho...
– Adoraria ter a oportunidade de lhe mostrar outras fotografias e de conversar mais com você. – Respondeu satisfeita por ter sido a outra a dar o primeiro passo a um novo encontro.
– Combinamos então, ou melhor, vou aguardar a sua ligação, afinal o meu trabalho é bem flexível, assim posso encontrá-la quando melhor lhe aprouver.
– Poderíamos jantar juntas na próxima sexta-feira, se você não tiver outro compromisso.
– Não, está ótimo na sexta.
Embora quisesse retardar a despedida, poucos depois a fotografa indicou que parasse, pois estavam em frente a sua residência.
– Chegamos. Bom, então... foi uma noite maravilhosa, foi muito bom conhecê-la...
– Da mesma forma... Vou aguardar sua ligação.
– Precisamos trocar os números de telefone para que isso seja possível... – Lembrou Camille, sem saber se a convidava a entrar ou não.
– Ah, é verdade... – Luana desligou o carro e manteve a mão esquerda na direção a outra, sobre a perna direita, querendo desvencilhar-se do cinto e conhecer o gosto do beijo da morena, dos olhos mais fantásticos que já vira, que já se desvencilhara do cinto e estava sentada virada para si também exultante.
Alguns minutos se passaram, como se fossem horas, sem que fizessem um movimento sequer ou conseguissem dizer qualquer coisa.
Foi Camille a retomar o controle da situação tirando Luana de seu estado de transe.
– Então, me passe seu número...
– Ah, sim, desculpe, acho que estou ficando lenta... Há muito tempo não ficava acordada até tão tarde... – Tentou encontrar uma desculpa, sem muito êxito. Passou o número de seu celular, que recebeu uma ligação da fotógrafa para que pudesse agendar o dela.
– Boa noite, então... ou melhor, bom dia... já está amanhecendo... – Riu, percebendo que a rua já era invadida pelos primeiros lampejos do sol.
– ...Bom dia... – Sorriu sem vontade, querendo que a madrugada não acabasse mais.
Outros tantos minutos se passaram antes que Luana tivesse coragem de encarar Camille e estender a mão para colocá-la sobre a da fotógrafa, que imediatamente entrecruzou os dedos aos dela.
– Quer fazer uma coisa muito louca? – Camille perguntou à mulher, com a respiração entrecortada.
A resposta foi imediata, revelando o que ambas estavam sentindo.
– Quero. O quê? – Não recusaria qualquer convite.
– Quer ir comigo comprar os jornais de hoje e ler as críticas, enquanto tomamos café da manhã em algum lugar? – Pediu, com sorriso largo, imensamente feliz por a outra ter tão prontamente aceito aventurar-se com ela no que fosse.
Fim do capítulo
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