Capítulo 2
A noite caiu rapidamente. Luana resolveu pedir comida chinesa antes de tomar um banho demorado, e jogar-se na cama acompanhada de um de seus autores prediletos, Foucault.
Entretida no trabalho, só lembrou-se do compromisso com Tina no meio da tarde, então, a contragosto, desligou o notebook e encaminhou-se para o closed a fim de descobrir o que vestir à noite.
Sem muita paciência, separou um Armani preto que, apesar de clássico, ficaria ousado, mostrando o dorso bonito na blusa, quase transparente, com aplicações de canutilhos mínimos furta cor. Escolheu uma sandália também furta cor Dolce & Gabbana, mas sabia que deveria usar o que Tina lhe desse logo mais, assim bastava escolher uma bolsa para combinar e os acessórios.
As unhas precisavam de cuidados, assim como o cabelo, mas como não estava disposta a enfrentar o trânsito, nem os olhares e a tietagem de alguns outros frequentadores da Hair Design, apanhou o telefone e pediu ao amigo di Biaggi que lhe enviasse alguém.
O resultado surpreendeu a si mesma. Depois de vestida, com as unhas feitas, o cabelo com o toque de desarrumado e saltos altos, riu sozinha imaginando a reação de Tina ao vê-la.
Dez minutos antes do horário ligou para a amiga.
– Desce, estou aqui na frente esperando.
– Como assim? Tá pensando que tá falando com uma das suas é? Não é assim, não... Ainda não tô pronta... Suba para que eu possa ver se está vestindo algo decente...
– Não, se subir, vamos demorar... e não gosto de esperar... Termine de se arrumar e desça, estarei no carro.
– Vamos levar mais tempo discutindo... vou ter que descer para buscá-la?!
– Ai, mas será que pelo menos uma vez você pode me ouvir? Reclamou, imaginando a cena que a amiga seria capaz de fazer.
– Tô abrindo a porta. Sobe logo. Desligou.
Luana ainda pensou em esperá-la no carro, mas já conhecendo a figura, bem seria capaz de descer para buscá-la, mesmo que seminua, então resolveu ir encontrá-la.
– Uau... gostei... muito... Quem é você? O que fez com a minha amiga? Brincou Tina, realmente satisfeita com a aparência da amiga.
– Ela foi abduzida, estou só usando o corpo e as roupas dela... Seguiu no mesmo tom. – E você está linda. Elogiou, sendo sincera. Tina, dois anos mais nova, tinha o corpo perfeito, e sabia como ninguém explorá-lo, de forma sexy sem ser vulgar. Loira dos olhos azuis, tinha um je ne se quoi, que deixava os homens babando.
– Não estou, querida, sou linda... Pode confessar que você também tem tesão por mim... Risos
– Já disse, não gosto de loiras...
– Só diz isso pra disfarçar, porque não consegue pensar em outra loira além de mim...
– É verdade...vou ter de confessar... Então está pronta? Vamos?
– Me cheira antes, vê se tô com perfume suficiente...
– Tina, estava dando pra sentir seu perfume lá do elevador.... vamos...
– Você não vai nem abrir o seu presente? Fez bico, estendendo a sacola com o embrulho dentro.
– Ah, é mesmo... meus tênis...
– Não, resolvi te comprar uma Havaianas, mas agora não vai combinar.
A sandália Prada era fantástica, era preciso admitir. Tina, como colecionadora voraz das griffes sabia como ninguém escolher algo que tornasse um simples calçado uma obra de arte.
– São lindas, obrigada... E combinam, tanto quanto as Havaianas...
– Bom gosto é fundamental, e isso tenho de sobra... Risos... – Menos para escolher amizades, é claro...
Luana vestiu as sandálias e observou o conjunto, frente ao imenso espelho do closed da amiga.
– Vamos, antes que eu fique com pena de usá-las fora do apartamento. Ameaçou, olhando para as sandálias que deveriam ter custado uma pequena fortuna.
– Vamos, mas só se me prometer que só vai tirá-las amanhã.
– Não vai dar, como vou dirigir com elas?... a menos que você dirija pra mim.
– Nem pensar! Tá vendo, é nisso que dá... que diabos! Agora estamos perdidas, nem as lésbicas mais querem dirigir... É o fim dos tempos....
– Vamos de uma vez, ou posso mudar de ideia com relação às loiras.
– Tá. Vou aceitar esse argumento.... Pode ser que uma de nós arranje alguém pra dirigir no final da noite. Risos.
Quarenta minutos depois, chegavam à galeria. O evento estava bem prestigiado pela mídia, que aproveitava para clicar algumas celebridades presentes.
Julia e Claire acenaram discretamente, assim que Luana e Cristina entraram, chamando-as para uma troca de impressões sobre as vestes, os frequentadores e, finalmente, sobre a exposição.
Luana, que não gostava muito da “badalação”, não se arrependeu do encontro, porque a mostra era realmente fantástica, e há tempos não privava da companhia das amigas.
A artista conseguira retratar o espírito de rebeldia por trás das chamadas burcas a que eram submetidas as mulheres paquistanesas. Os olhares, as expressões dos rostos parcialmente cobertos, fizeram com que a escritora desejasse conhecer um pouco mais sobre a cultura daquelas mulheres. Não conseguiu disfarçar a emoção ao observar um dos gigantescos pôsteres Algo da arte da fotógrafa a fazia lembrar de Sebastião Salgado, além das imagens, preferencialmente, em branco e preto.
– Então, gostou? Uma voz desconhecida chamou-lhe a atenção.
– Muito, na verdade... Desviou o olhar do pôster para a mulher que se colocara a seu lado.
– Aceita? Uma taça de champanhe lhe foi estendida.
– Obrigada. Não teve como não sentir um arrepio ao sentir o perfume da recém chegada que, de forma bastante casual, abordava-a como se a conhecesse. Muito menos ao ser pega observando-a discretamente.
Os olhos levemente esverdeados deixaram-na silente. Justamente ela, cujo vocabulário era tão vasto, estava a mercê de ser confundida com uma beócia qualquer, completamente muda.
– Achei que fosse mais eloquente, tendo em vista que escreve tão bem... Ou só disse que gostou muito para agradar? Divertiu-se com a expressão da mulher, que agora voltava os olhos novamente para a fotografia gigante, como se buscando um link sobre o assunto.
– É por isso que escrevo, sou excelente observadora, mas no ramo da oratória, não tenho a mesma desenvoltura.... Respondeu, sendo um tanto debochada, recuperando-se. – Depois, realmente gostei muito da mostra. Já conhecia o trabalho dela? Completou, olhando de canto de olho para a mulher a seu lado.
– Casualmente já... Comentou, com um sorriso divertido nascendo nos lábios.– Quer conhecer a fotógrafa?
– Claro, estou realmente impressionada com o trabalho dela... Essa temática consegue estampar uma verdade nua, muito diferente das outras fotos dela que vi na internet... Gostaria de entender um pouco mais dessa fase... dessa ruptura...Tentou concentrar-se nas imagens a sua volta, e não no corpo da mulher que a estava deixando agitada.
– ...Sim...uma ruptura... de gerações.
– Diria de culturas.
– Pode ser... Venha ver o pôster que mais gosto... Chamou para que a acompanhasse mudando de ambiente, sem se dar o trabalho para ver se era seguida.
Luana não pôde conter a vontade de observar o desenho do corpo perfeito da mulher, que vestia um belíssimo vestido, que aparentava ser um Valentino, em cores frias, e a arrastava para frente de outra fotografia ampliada, ainda mais fantástica que a anterior.
– Adoro essa... Disse, voltando o olhar encarando Luana sem pudor, fazendo-a corar.
– É realmente maravilhosa mesmo... A expressão dúbia foi logo percebida por ambas, assim sorriram, em tácito entendimento.
– Obrigada.
– Falava da fotografia. Acrescentou rindo, tentando disfarçar o impossível.
– Sei, por isso agradeci. Também seguiu rindo.
– Não há de que...
– Fico feliz por ter gostado da fotografia e da fotógrafa.
Luana resolveu enfrentar o olhar que a estava fazendo suar frio. Percebeu o sorriso encantador, o olhar penetrante, a discreta mordida no canto dos lábios, a forma de segurar a taça... Só então entendeu o que a outra acabara de insinuar.
– Como?!
– Disse que fiquei feliz por saber que gostou da fotografia e da fotógrafa.
– Perdão? Disse com a expressão de quem precisava de mais explicações.
– Com certeza as fotos que você viu das “outras fases” não eram minhas, mas da minha mãe, também fotógrafa. Eu sou Camille Steves. Completou, estendo a mão para ser cumprimentada, deixando Luana completamente sem graça.
Fim do capítulo
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