O mar
POV ELENA
Quanta coisa pode caber dentro de uma cabeça? A preocupação com a minha mãe estava me consumindo, fora isso teve aquele jantar que me deixou tão confusa quanto as linhas rabiscadas aqui nessa folha de caderno a minha frente. Eva deu em cima de mim de modo descarado, Killian também e David, a semelhança entre mim e ele me deixou nervosa. Eu sei que existe pelo menos uma pessoa muito parecida conosco no mundo, mas qual a chance de estar bem aqui ao lado? Fora tudo isso, Louise surtou para valer por causa de Eva, se eu a conhecesse mais, diria que aquilo foi ciúmes, mas por que raios ela teria ciúmes de mim? Essa foi a maior viagem da minha cabeça.
Contudo gostei de vê-la daquela forma, aliás, nos últimos dias vinha gostando de qualquer coisa relacionada a ela, a presença, os telefonemas, as mensagens no Skype, mesmo que a trabalho, os olhares que eu sabia que ela dava, qualquer coisa. Era como se qualquer coisa que viesse de Louise, fosse suficiente para acalmar meus ânimos.
Estar na casa dela é outra coisa que me incomoda ao mesmo tempo que me deixa bem. Tão acostumada a ficar só, é estranho ter alguém me ajudando, ter alguém se preocupando, eu sinto que estou invadindo toda a privacidade dela. As coisas são tão arrumadinhas, tenho medo de mexer em algo e quebrar.
Os dias passaram, minha mãe permaneceu no hospital e eu senti que havia algo errado, ela acordou, mas o médico sempre dizia a mesma coisa, que ela estava sob observação. Eu sentia que ele estava me escondendo algo e por Deus, eu sou a única pessoa que ele poderia contar qualquer coisa. Isso me tira o sono toda noite. E todas as noites eu ficava com Louise naquela escadinha, conversando ou mesmo em silêncio. Acostumei-me a encostar a cabeça em seu ombro, com ela eu me sentia em casa. Isso me assusta. Nunca senti nada assim.
Acordo, faço café, como e sento na areia ao lado da casa com meu celular, fones de ouvido, caderno e lápis. Só preciso escrever, mas não aparece nada de útil, termino fazendo um monte de linhas emboladas. Mais expressivo impossível. Desisto e fico observando as pessoas chegarem logo cedo na praia, cedo mesmo. Sorrindo, como alguém consegue ser feliz tão cedo e será que são felizes mesmo? Será que a vida é injusta assim com todos?
Suspiro, a vontade de chorar está aqui, chorar o que guardei por tantos anos. Mas me recuso a deixar essas lágrimas saírem como quando desabei nos braços de Louise naquele hospital. O dia passa estranho, é fim de semana, Louise sumiu o dia todo e, ao fim da tarde volto a areia, a praia.
- Você quer ficar sozinha? - Louise pergunta, sequer a vi chegar.
- Não sei.
- Sabe qual o problema de você ficar aqui? - Diz olhando na mesma direção que eu. Sei que há um problema.
- Hum..
- É que eu me acostumo com a sua presença, com seu silêncio, com as conversas e o silêncio durante a noite. E não quero que vá. - Me surpreendo tanto com suas palavras, só consigo sorrir.
- Quer andar? - Pergunto vendo o céu escurecer.
- Quero beber. - Fala e entra. Volta com uma garrafa de whisky.
Saímos, deixo meu chinelo e vou descalço, sinto a areia gelada em meus pés, não consigo deixar de observar o vento batendo contra Louise, esvoaçando seus cabelos, o olho ganhando uma cor escura.
- Teus olhos são meus livros.. - Sussurro lembrando de um poema que li em algum lugar.
- Elena.. - Louise para a minha frente me olhando. Minhas pernas tremem com a intensidade do olhar. - Não vai embora.
- Porque está falando isso agora? É sábado, e..
- Vou ficar sozinha se você for embora. - Fala respirando fundo, senta e coloca whisky em um copo que trouxe. Dispenso, só a observo beber.
- Olha o mar, o tamanho dele. Parece uma armadilha. Tão atrativo, mas, se você pular nele, ele pode te abraçar para sempre. - Digo depois de longos minutos e Louise ter ingerido muitas doses.
- Gosto disso, da imensidão a minha frente.
- Vamos. - Pego sua mão de impulso a puxando em direção ao mar.
- Elena, não! Estamos de roupa, é noite. - Louise diz me acompanhando.
- Não tem problema. Ele pode levar qualquer coisa, quem sabe não leva minhas dores, né? - Me viro para ela sentindo a água alcançar meus pés. - Vem comigo?
Seus dedos entrelaçaram nos meus e meu coração dá sinais que desconheço, mas, ando sentindo a qualquer toque dela. Ela me puxa em direção ao mar. A água alcança minha cintura e entramos mais. Nossas mãos se soltam e mergulho. Aprendi a nadar na escola, sinto a água me tomando por completo. Poderia ficar aqui e acabar com tudo. Mas, depois de poucos segundos levanto a cabeça buscando ar.
- Elena! - Ouço Louise me chamar e ela está longe. Vou até ela. - Você me assustou.
- Desculpe. - Fico sem graça. Vejo seu olhar cair sobre meu corpo, minha blusa branca ficou transparente, deixando meu sutiã visível. Seu olhar me queima, acho que de modo involuntário.
- Vamos. - Ela vira bruscamente saindo da água. Assim como a minha sua blusa está colada em seu corpo, os cabelos molhados, posso ver os pingos de água em seu corpo.
- Vamos ficar aqui um pouco. - Alcanço sua mão a fazendo parar.
- Elena , vamos para casa. - Responde sem se virar.
- Só um pouquinho. - Falo manhosa, Louise se vira e posso ver um sorriso minúsculo ali.
Sentamos na areia, fico com frio depois de um tempo, mas surto ir. Louise olha para frente o tempo todo, quero conseguir olhar também, m meus olhos me traem o tempo todo.
- Quando sua mãe melhorar, posso pedir a ela pra você ficar aqui? - Pergunta se virando para mim.
- Claro, ela vai te matar. - Brinco.
- Então vou te sequestrar. - Fala sorrindo. Em seu rosto tem uma mecha de cabelo molhada, tiro lentamente.
- Vamos?
Louise levanta segurando minha mão, vamos devagar até sua casa. Pego meu chinelo e meu caderno que havia deixado lá. Ela está estranha ainda. Entra rápido e ouço o barulho do chuveiro. Faço o mesmo, tomo um banho e sento na cama pensando no que fazer. Decido ficar perguntar a Louise porque ficou estranha.
Saio mexendo no celular e me choco em cheio com ela.
- Wow. - Sussurro segurando em sua cintura, a impedindo de cair.
- Elena... - Diz quando me olha, ficamos muito perto. Minhas mãos apertam sua blusa e só noto isso, quando vejo seu olhar cair.
- Você está bem? - Pergunto.
- Eu bebi um pouco a mais. - Balança a cabeça, segurando em meus braços.
- Um pouco? - Arqueio a sobrancelha. Ela está com short e blusa de pijamas. - Vai dormir.. - A solto fazendo menção de sair.
- Fica. - Suas mãos apertam meus braços, ela me olha e fecha os olhos com frequência.
- Você não está bem.. Vamos lá, vou com você. - Falo dando um sorriso fraco.
Caminhamos até seu quarto, fico muito sem graça de entrar aqui. Ela me puxa junto consigo, deita. Eu sento na beirada da cama.
- Porque voltou tão estressada? - Pergunto puxando a coberta sobre ela.
- Família, sempre as mesmas coisas. Eles acham que podem mandar em mim. É complicado. - Fala olhando o teto. - Normalmente faço isso, bebo, esqueço, mas nunca tem ninguém aqui, você não deveria me ver assim. O que vai pensar da sua chefe?
- Que ela é uma alcoólatra louca? - Brinco, quebrando o clima pesado. - Tudo bem, dorme..
- Fica aqui, Elena. Desde que você chegou as coisas são menos vazias. E sei que só consigo falar isso, por estar alterada, mas, é a verdade. Amanhã se você quiser ir, tudo bem. Mas agora, fica aqui. Fica comigo.
- Louise.. - Fico sem saber o que fazer. As palavras dela me deixam sem estruturas. Ela afasta a coberta me dando uma visão de seu corpo, a blusa um pouco levantada, afastou-se e bate na cama. Quero ficar. Com ela.
- Por favor. - Quem resiste?
Fecho os olhos e deito bem no cantinho.
- Boa noite, Louise. - Falo a vendo se virar para o outro lado.
Brinco com seus cabelos, me sinto desconfortável, mas logo passou. Fecho os olhos ainda com os dedos em seus cabelos. Quando sinto a cabeça dela mexendo, abro os olhos e me deparo com seu rosto a alguns centímetros do meu. Meu coração erra a batida, sua respiração bate em minha pele.
- Você não quer fazer isso.. - Sussurro sentindo suas mãos em minha cintura. Eu devo sair, correr. Devo. Mas meu corpo trava. E não quero correr. Sei o que vai fazer e cada parte de mim anseia por isso. A mão quente em minha cintura. A respiração pesada tão próxima. Os lábios entreabertos.
- Eu quero, Elena.
Um beijo. O primeiro.
Fim do capítulo
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