O GRANDE GOLPE
CAPÍTULO 168 – Em Casa e Na Rua
Zinara passava roupa em casa quando ouviu leves batidas na porta. -- Já vou! -- respondeu ao se encaminhar para atender -- Tô chegando! -- abriu a porta -- Sahar! -- sorriu empolgada -- Ghafwan! (Seja bem vinda!) -- beijou-a e deu passagem -- Entre, por favor! -- convidou gentilmente
Clarice entrou e caminhou até o meio da sala. -- Você me recebe de um jeito, -- deixou a bolsa em cima do sofá -- que até parece que eu nunca venho aqui... -- respondeu dengosa
Fechou a porta e se aproximou da outra. -- Recebo como se deve receber Al Sitol Nisaa! (A Rainha das Mulheres!) -- abraçou-a pela cintura e a beijou com carinho -- Minha Sahar... -- beijou-a demoradamente
--Ai... -- suspirou -- Tô adorando essa vida de rainha, sabia? -- afirmou melosa
--Walaw (O prazer é meu)! -- beijou-a mais uma vez e se afastou -- Só te peço um pouquinho de paciência porque tenho que acabar com essa labuta aqui. -- voltou para perto da tábua de passar -- Tem roupa amarrotada que chega dói!
Clarice achou graça. -- Quer ajuda, amor? -- ofereceu com sinceridade
--Laa, chukran (Não, obrigada). -- agradeceu -- Fique à vontade aí, que daqui a pouco eu termino. -- sorriu para ela -- Você tá com fome, quer lanchar? Comprei um monte de caqui na feira. Aproveita! -- ofereceu empolgada
--Você adora caqui, né? -- riu brevemente -- Mas, obrigada, querida, eu tô bem. -- sentou-se -- Depois a gente lancha juntas.
--É a fruta que eu mais gosto aqui em São Sebastião. -- passava uma blusa -- Em Cidade Restinga fico doida com as seriguelas e em Guaiás um pequi cozido mexe comigo. -- comentava -- Ave Maria!
--Eu sei que você é uma comilona, doutora Zinara Raed. Em todos os sentidos... -- brincou -- Hum! -- lembrou-se -- Mamãe pediu pra te lembrar que tá de pé o cinema no sábado. Ela também quer ver aquele filme que você falou!
--Jayed jedan! (Muito bom!) -- balançou a cabeça -- Todo mundo em al siniima (o cinema) no sábado! -- passava um vestido
--Você passa roupa tão bem! -- prestava atenção -- Sabia que é o serviço doméstico que eu mais detesto fazer?
--Já eu detesto tirar pó de móvel! Ralã! -- fez uma cara feia
--A gente tem que discutir essas coisas, amor. -- olhava para Zinara -- Porque temos que saber como vamos dividir as tarefas domésticas quando a gente casar! -- observou
--Tá certa, baseeta (sem problemas). -- concordou -- Que tal assim: eu cuido da limpeza pesada e passo a roupa, enquanto você faz comida e lava a roupa? -- propôs
--Concordo. -- balançou a cabeça positivamente -- E pode deixar que a parte de tirar o pó fica comigo. -- debruçou-se sobre o sofá
--Smallah, tamintanii! (Que alívio)! -- adorou o que ouviu -- Verdade, Sahar? Não mata a caipira de felicidade com mentirinha! -- brincou
--É sério, minha querida. -- achou graça -- Você vai me poupar de passar roupa e fazer limpeza, então, nada mais justo. Eu gosto de cozinhar mesmo...
--Depois dessa, a caipira passa roupa até com mais gosto! -- passava uma calça
Achou graça. -- Você parece criança, Zinara. -- comentou bem humorada -- Fica feliz com qualquer coisa... -- sorria -- Mas depois que a gente casar vou ter que pagar uma diarista pra mamãe. -- ponderava -- Ela tá muito idosa pra fazer todos os serviços domésticos sozinha.
--Aywah! (Sim!) -- concordou de pronto -- A gente paga! -- balançava a cabeça
Ficou feliz ao ouvir aquele “a gente”. -- Ei, amor, eu achei lindo ouvir isso mas mamãe é minha responsabilidade. -- considerou gentilmente -- Cabe a mim arcar com todos os gastos em relação a ela.
--A partir do momento que eu vou tirar a menina dela de casa, -- terminava de passar a última peça -- a responsabilidade passa a ser minha também! -- considerou -- Se vai ser minha mulher sob todos os aspectos de uma vida -- desligou o ferro -- eu assumo tudo o que diz respeito à nós duas. -- olhava para a amada -- E isso inclui a sua maama!
--Ai... -- ficou toda prosa -- adoro quando você fala assim... -- sorria de orelha a orelha
--Comigo não tem nada pela metade, não, Sahar! -- recolheu a tábua e o ferro -- A caipira vai na raça! -- aproximava-se da outra -- Enti naseeb ilgalbi, ya habibi! (Você é o destino do meu coração, minha querida!) -- afirmou convicta
--Eu sei que com você tudo é na raça! -- levantou-se de pronto -- Comigo também! -- sorria maliciosamente
--Encontrei a mulher certa! -- puxou-a pela cintura e a beijou com desejo
--Ai... amor... -- gemia entre beijos -- Me leva... pra... cama! -- pediu sofregamente
--Alaan! (Agora!) -- levantou-a no colo -- Alaan... -- seguiu para o quarto
***
Dora fazia comida enquanto era atentamente observada por Khadija, que havia acabado de guardar as cartas do baralho de Zahirah. Ao reparar na filha, a mulher falou sorridente: -- Ocê remexeu nessas carta, misturô di lá, misturô di cá e agora fica aí só oiandu. -- achava engraçadinho -- Sentada nu chão mi ispiandu? -- estava curiosa -- Quê qui ôvi, muiézinha?
--Muita coisa, maama! É tanto trem qui eu vi, qui fiquei inté besta, num sabi? -- falava com ar de seriedade infantil
Achou graça de novo. -- E o qui seria essi tantu di trem qui ocê tá sabendu? -- mexia a comida na panela
--A boa anja vai nascê di novu! Pur issu qui nunca mais tinha vistu ela. -- falava sobre a bisavó Selima -- Foi o moçu qui mi contô!
--Qui boa anja? -- não entendeu -- Qui moçu? -- jogou um pouco de água na panela
--A moça boazinha qui prosiava mais eu, num si lembra? -- olhava para a mãe -- Aquela dus cabelu vermeiu feitu as flô da árvori Primavera! -- descrevia -- E o moçu é dus amigu dela. Cunheçu não. -- esclareceu
Dora se lembrava de ter ouvido a filha falar na tal anja, mas se assustou um pouco. -- Ah... -- não sabia o que dizer -- Alembru sim... -- olhou rapidamente para ela -- "Eu ficu cismada quandu essa minina cumeça a falá dessis trem!” -- pensou
--E vem aí um monti di genti da famia nossa! -- informou empolgada -- Vindu di todu cantu! -- pensava nos parentes prestes a reencarnar
A mulher imaginou que a garota se referia aos refugiados. -- Tua tia Najla tá querundu trazê elis meis. E ela qué tantu, né? Teus avó também qué... Vamu vê si dá certu essi povu aqui.
--E maama vai tê mininu! -- anunciou satisfeita -- Eu vô ganhá irmão!
--Eu?? -- acabou rindo -- Qui ôtro fio, minina, dondi tirô issu? -- abaixou o fogo da panela e olhou para a pequena
--Eu vi nas carta! -- mostrou o baralho -- Cidmara também vai ganhá!
--O que?! -- riu de novo -- Qui nada, minina! -- achava graça -- Penha num tem mais idadi pra tê fio, não, uai! -- cruzou os braços bem humorada -- E ocê é muitu criança modi intendê dessis trem!
--Maama, vai acunticê é coisa! -- levantou-se -- Essa roça vai mudá pur dimais da conta e o nossu istadu di Guaiás tem uma missão a sê cumprida nessi país! Tem que tá preparada! -- profetizou -- Agora qui camm Ahmed cumeçô, daqui pra frenti vai mudá tudu!
--Oxi! -- ficou intrigada -- "Essa minina fala uns trem qui mi dá inté medu!” -- pensava desconfiada -- Di fatu, quem qui pudia imaginá qui justu Ahmed ia trabaiá nu centru mais mãe Agda? -- resmungou consigo mesma
--Num sô tão criança mais não, maama! Já fiz sete anu e na minha cabeça passa é pensamentu! -- afirmou orgulhosa como se a mãe não soubesse -- Agora vô brincá! -- deu tchauzinho e foi para o quarto
--Vai brincá... -- concordou balançando a cabeça -- Oxi... Será qui eu tô prenha e num sei?! -- olhou para o próprio ventre -- E Cidmara cum irmão... -- pensava alto -- Será qui a tal muié cum quem Cid si deitô ficô prenha?? -- arregalou os olhos -- Eita, qui si fô issu vai sê uma consumição só, num sabi? -- preocupou-se
***
--É verdadi qui anu qui vem ocê vai istudá nu Gyn? -- Ahmed João conversava com Hassan enquanto capinavam -- Oví tua maama dizê issu pra gidda um dia dessi.
--Se tudo der certo... E se Deus quiser vai dar, não sabe? -- respondeu empolgado -- camma Zinara me deu um monte de livro pra eu estudar pra prova do colégio técnico e bolou um plano de estudo pra mim. -- contava -- Ela também falou que pode tirar qualquer dúvida que eu tenha. -- sorriu -- Vou fazer prova pra técnico em controle ambiental!
--E ocê vai morá mais Aisha e Janaína? -- estava curioso
--Vou. -- confirmou sorrindo -- camma Zinara vai ajudar a me manter por lá. -- continuavam capinando
Após alguns segundos calado, Ahmed João perguntou curioso: -- Comu qui é issu di técnicu di controli ambientar? -- queria entender -- Faiz o que, esse técnicu?
--Você estuda pra saber medir o quanto que a natureza tá sendo mal tratada, visse? Isso quer dizer que aprende sobre coleta e tratamento de esgoto, estuda sobre descarte e reciclagem de lixo sólido, estuda os micróbios na água... -- explicava -- O cabra também aprende a avaliar e evitar a poluição do ar, do solo ou da água, causada pelas indústrias, pelas construções, pelo agronegócio... -- olhou para o primo -- Eu quero ser psicólogo, mas como camma Zinara disse que é bom fazer um curso técnico, escolhi esse aí por morar na roça. -- justificou a escolha -- É importante cuidar da natureza! -- pausou brevemente -- Aliás, -- parou de capinar -- ela também falou pra você estudar pra prova do curso técnico. -- olhava para o outro -- Simbora, seu cabra! -- estimulou -- Aí vai nós dois morar em Gyn! -- sorriu -- Vai ser muito massa!
João parou de capinar também. -- Baba mi dissi pra eu istudá modi fazê essa prova, num sabi? -- comentou -- Eli falô qui mi paga um cursu módi mi dá basi... -- coçou a cabeça -- Mais num sei...
--Não sabe por que?! -- não entendia -- Qual o problema?
--Uai... -- ficou sem graça -- Ocê já tá nu úrtimu anu e o meu úrtimo é só nu anu qui vem...
--E daí? -- cruzou os braços -- Eu vou pra Gyn primeiro e você vai depois! É só um ano de diferença! -- continuava sem entender a hesitação do primo
--Mais ocê tem mais intiligença du qui eu... -- reconheceu envergonhado -- Tem mais basi, sempri foi mais dus istudu... O cursu qui baba fala é lá no centrinho, coisa dum homi qui era du clubi Cedro-Suriyyah, num devi di sê bão a pontu di mi fazê passá numa prova dessa, uai! -- respirou fundo -- Eu queru sê fazendêru e pra issu num tem pricisão di cursu. -- voltou a capinar
--Pára com isso, João! -- voltou a capinar também -- Um fazendeiro que entende do que tá fazendo tem chance de ser melhor do que um cabra que não tem muito estudo. -- considerou -- Além do mais, o saber não toma lugar. Você não perde nada se fizer um curso técnico e até uma faculdade de agronomia. Por que não tentar?
Riu brevemente. -- Facurdadi, eu? -- achou absurdo -- Issu num é pra todu mundu, não, viu, fi?
--Ei! -- parou a capina de novo e se aproximou do outro, que também parou -- Pára de falar essas bestagem! -- olhava nos olhos -- Você não tem nada de errado! Se tiver dificuldade em entender a matéria eu te ajudo! -- segurou nos ombros dele -- Teu baba não disse que te paga o tal curso? Aceita, met* a cara e estuda que você passa na prova! -- sentia a insegurança do primo -- Deixe de ter medo, homem! -- sorriu -- Vai ser muito massa nós dois em Gyn! -- imaginava -- A gente vai ganhar profissão e arrumar namorada lá!
--Oxi! -- achou graça -- As moça nu Gyn num vão dá trela prum caipira frangoti qui nem eu! -- sorriu encabulado -- E num tenhu a buniteza di baba...
--Nada a ver! -- voltou à labuta -- Nós dois é boa gente e cabra macho; as moça vão gostar! -- falava confiante -- E a gente vai arrumar namorada, sim. -- sorria -- Aí quando acabar o curso, a gente vai fazer faculdade e depois casa com elas. -- pensava no futuro -- Eu vou ser padrinho dos teus meninos e você e Khadija vão batizar os meus!
“Ele fala cum uma certeza...” -- pensava impressionado -- Eu vô vê o qui vô fazê... -- respondeu pensativo
--Pensa muito não! -- advertiu -- Age!
Depois de mais um tempo calado, João perguntou curioso: -- Ocê já namorô? Já bejô na boca? -- pausou brevemente -- Eu nunca.
--Não... -- respondeu com sinceridade -- Pra dizer a verdade até bem pouco tempo não pensava nem nisso. -- pausou brevemente -- Agora que tô pensando...
--Ahmed Marcos nunca tevi namorada mas já bejô na boca. -- contava -- Foi cum a fia di ya Zayda, num sabi? Mais num sei im qui ocasião, purque eli num falô.
--Oxe?! -- olhou surpreendido para o outro -- Mas eles só têm dez anos!
--E num é? -- achou graça -- Nóis cum catorzi é qui num fizemu nada! -- riu brevemente -- Dois trôxa! -- brincou
--Ave Maria! -- estava pasmo -- Com dez anos essas coisa nem me passava pela cabeça. -- considerou -- Tenho tido essas vontade só agora...
--Eu também nunca qui tinha pensadu... -- admitiu -- Mais vai vê qui Ahmed Marcos vai sê qui nem baba atrás di muié... -- riu brevemente -- Qui nem baba era, mió dizendo. Eli tá tão mudadu qui num pareci nem eli!
--Mudado pra melhor ou pior? -- perguntou curioso
--Muito mió! -- respondeu de pronto -- Cridita qui eli agora inté pédi pra vê meus cadernu tudu? E vê us cadernu dus ôtru também. -- referia-se aos irmãos -- E eli levô Ahmed Marcos pra passá um dia na oficina du Bento! Agora tá dicididu qui nas féria di mei di anu, Marcos vai pudê ficá lá modi aprendê us trem di cunsertu di carru, num sabi? -- contava -- E baba também tem levadu nóis tudu pru centru di mãe Agda.
--Mas qual a surpresa nisso? -- não entendia -- Desde que conheço camm Ahmed sempre achei que ele se importava muito com todos vocês. -- pausou brevemente -- A diferença é que antes ele não trabalhava no centro.
--Mais eli ficô diferenti, sim, é mais carinhosu, dá mais atenção... Eu num sei ixplicá. -- argumentava -- E ficô diferenti inté cum a muié, num sabi? É di si notá... -- capinava -- Mudô muitu im pôcu tempu.
--Que bom, né? -- separou um montinho de terra com a enxada -- Agora só falta você ficar diferente também, deixar de ser frouxo e se animar de estudar comigo em Gyn. Pode fazer até o mesmo curso que eu. -- jogou a terra nos pés do primo
--Já dissi qui vô pensá! -- espanou a terra -- Oxi! -- jogou terra no outro também -- AHHa! -- ralhou bem humorado
--Vai dar tudo certo, você vai ver! -- afirmou otimista -- Já começou a hora da gente construir nossa própria história, João! Estamos crescendo e deixando de ser meninos pra virar homens.
O rapaz capinava pensativo, desejoso por se deixar contaminar pela confiança do filho de Khaled.
***
--Ai, eu nem acredito que no período que vem me formooooo! -- Aisha exclamou em voz alta -- Estudei que nem uma égua maninha pra recuperar o tempo perdido e agora finalmente!! -- postou as mãos para cima -- A monografia tá quase prontaaaa!! -- comemorou -- AHAHAHAH! -- deu um grito histérico
--Eita! -- Janaína se aproximou sorridente -- Quase me engasguei com esse teu grito de felicidade! -- achava graça -- Tava bebendo água e foi um susto!
--Isso é felicidade total, amor! -- levantou-se de um pulo -- Quando eu soltar a minha voz, por favor, entenda, -- falava gesticulando -- é apenas o meu jeito de dizer, que vou formaaar!!! -- cantarolou -- AHAHAHAHAHAH!!!! -- gritou mais alto ainda
--Nossa! -- riu brevemente -- Quando esse período acabar, o que é que vai faltar pra você fazer pro período que vem?
--Uma única matéria! -- fez o número um com o dedo indicador -- Uma única materiazinha! -- afirmou convicta -- E aí serei uma administradora com têúdêô: TU-DÔ! -- pulava pela sala
--É... -- balançou a cabeça pensativa -- tenho que reconhecer: você caiu dentro mesmo!
--Amor, cair dentro é pouco! -- rodopiava -- Eu meti os peitos com fé! -- apertou os próprios seios
--E que peitos... -- suspirou saudosa -- Pena que eu quase não me lembre deles...
--Uai? -- achou graça e parou diante da outra -- Por que isso, hein, mulher? -- cruzou os braços bem humorada
--Ah, meu bem, eu não falo nada porque sei da importância desses trem de faculdade, mas... -- afastou-se e caminhou até a janela -- Desde que você começou a escrever essa tal de monografia, perdi a mulher... -- olhava para fora
--Own... -- fez beicinho
--Aí juntou com a luta pra recuperar a fazenda e eu simplesmente... -- respirou fundo -- fiquei largada...
--Ficou largada, é, amor? -- aproximou-se lentamente
--Você e minha sogra só pensam em fazenda, em abrigar refugiado... -- abaixou a cabeça -- Eu sei que isso é importante, mas... dá saudade, né?
--Hum, minha linda... -- abraçou-a pela cintura com força -- Tá carente, é? -- sussurrou no ouvido
--Eu tô... -- fez um charminho
--Tá se sentindo sem abrigo, é? -- virou-a de frente para si
--E não é? -- respondeu com beicinho
--Ai, minha refugiada preferida... -- beijou-a provocante -- Você quer que eu te abrigue? -- mordeu-lhe os lábios
--Eu quero! -- abraçou-a com força e beijou-a com paixão
--Ei, calma! -- desvencilhou-se dela e se afastou um pouco -- Se o problema é esse, -- começou a se despir -- vem se refugiar em mim? -- pediu sensualmente
--Agora!! -- avançou para cima da outra e jogou-a sobre a mesa da sala -- Agora! -- despia a esposa com pressa, mordendo e beijando cada pedaço de pele nua que podia expor
--Ai, habibi!! -- abriu bem as pernas e fechou os olhos -- Vem!
--Vou! -- mergulhou no sex* da amante
--AHAHAH!!! -- gritou novamente -- Ai... huuum!!
--Nunca vi uma pessoa se formar com tanto gosto que nem essa aí. -- um vizinho de Aisha e Janaína comentou com a esposa -- Tanto grito, tanta coisa só porque vai receber um canudo! -- achava bobagem
--Pelo menos ela tem um canudo pra receber... -- resmungou consigo mesma -- Eu nem sei mais o que é isso... -- pensava na pasmaceira do marido
***
Najla lia notícias na internet.
“Diante da maior crise enfrentada pela esquerda do país, o governo Vilma Youssef, aparentemente com o objetivo de melhorar seu status diante da comunidade internacional, se ofereceu para receber refugiados recusados pela Germânia. Uma fonte que não quis ser identificada afirma que até uma antiga propriedade do empresário Mike Ametista está sendo preparada para receber este contingente.”
--Uai, mas até minha fazenda já entrou nessa fofocada política?! -- resmungou de cara feia e continuou a leitura
“Terra de Santa Cruz tem experimentado uma crise e conta com mais de 8% da população economicamente ativa fora do mercado de trabalho. Por esses e outros motivos, muitos questionam se o país realmente tem condições de receber mais gente e se é justo para com a própria população, que vive uma situação caótica, pagar a conta dessa decisão. A discussão séria e racional sobre questões desse tipo é bastante evitada por meios de comunicação de massa, pois o medo é ir contra o politicamente correto e se tornar alvo da crítica nacional e internacional.”
--Eu sabia que eles iam met*r política no meio! -- discutia com o jornal
“Já foram concedidos pelo governo Vilma cerca de 9 mil vistos a refugiados de Suriyyah. Sabe-se que 2,5 mil deles já se instalaram no país. Temos estrutura para isso?
Temos condições de acomodá-los dignamente ou jogaremos os imigrantes em favelas ou em quartos de aluguel, onde se instala duas ou três famílias em um cômodo com banheiro?”
--Mas é lógico que receber gente pra ficar assim é inaceitável! Não é essa a minha ideia! -- continuava discutindo com a reportagem
“Alguns sites essa semana teceram críticas veladas ao programa do governo, chamando-o de projeto “OVO do COBROLHO”, relacionando os imigrantes à “importação” de terroristas para o país. Segundo um deputado de ultra super mega extrema direita, “a escória do mundo está chegando ao país como se nós não tivéssemos problema demais para resolver””.
(Nota autora: adaptado de http://www.sociedademilitar.com.br/wp/2016/04/9-mil-refugiados-arabes-foram-aceitos-voce-sabia-disso-e-terror-no-brasil-governo-dilma-negocia-receber-mais-refugiados-arabes.html)
--CHOO?? (O QUE??) -- Najla se levantou revoltada e gritando -- Escória do mundo?? Escória do mundo?? -- gesticulava com ódio e indignação -- Inta ghaawiz iD-Darb bi-sittiin gazma, ya ibn il-Homaar!! (Você merece ser chutado por 60 sapatos, seu filho de um burro!!) -- imaginava qual deputado havia dito aquilo -- Ovo do Cobrolho... -- repetiu com desdém -- Yixrib beitak wa-beit illi xallafuuk!! (Meu Deus vai destruir sua casa e a casa daqueles que deixaram você nascer!) -- amaldiçoava -- Axra min kida mafiiš!! (Não há merd* pior do que essa!!)
--Avi Maria, muié, qui foi? -- Amina chegava espantada -- Qui tantu qui ocê xinga e amardiçoa pur aí? -- não entendia
Respirou fundo antes de responder e balançou a cabeça como se quisesse espanar as ideias. -- É melhor você não saber, Amina... -- olhou para a cunhada -- Já basta que eu fique revoltada com certas coisas... -- revirou os olhos
Continuou sem entender. -- Intão tá intão. -- respondeu desconfiada -- Mais eu quiria ti pidí um favô e agora num sei si devu. -- ficou sem graça -- Ocê aí nessa consumição...
--Anêim, deixa isso pra lá, eu não vou ficar me aborrecendo por causa de certas... pessoas. -- respirou fundo novamente -- Mas me diga, o que você quer? -- perguntou curiosa
--Uai. -- olhou para um lado e outro e segurou no braço de Najla -- É qui eu quiria tua opinião módi vê us trem di minha viaji di lua di mer cum Raed, num sabi? -- falava baixo
--Hum, finalmente, depois de tantos anos o fogo da paixão tá mais aceso do que nunca! -- comentou empolgada e em voz mais baixa -- Então quer dizer que vocês vão viajar mesmo? -- sorriu assanhada
“Falô im lambição, Najla num instanti fica di cara boa!” -- pensou bem humorada --Nóis qué, num sabi? -- sorriu também -- Raed prosiô cum Zinara e ela dissi qui trata di tudu, mais perguntô prondi nóis vai.
--E pra onde vão? -- queria saber
--Intão... -- coçou a cabeça -- Raed falô qui vai dexá módi eu dicidi...
--E pra onde você quer ir? -- insistia curiosa
--E eu sei? -- respondeu como quem diz o óbvio -- Era issu qui eu vinha indagá. -- novamente olhou para um lado e outro do quarto -- Ocê qui é mais intendida im lambição du qui eu, acha qui nóis devi di í pra qui cantu? -- aguardava a resposta
A ex fazendeira soltou uma gostosa gargalhada e se desvencilhou de Amina. -- Ai, mas essa foi boa... -- balançava a cabeça divertida
--Num vi a graça! -- cruzou os braços de cara feia
--E desde quando eu sou entendida de lambição? -- riu brevemente mais uma vez -- Passei anos sem um companheiro até que Marco apareceu. E nós dois, no máximo, circulamos pelas cidades nos arredores de Gyn. -- continuava achando graça da fala da outra -- Um dia, quem sabe, a gente vai pra mais longe? -- suspirou
--Mais ocê num tem ideia di uns cantu românticu módi mi dizê, não, muié? -- insistia -- Ocê já foi rica, viajô um tantu pur essi mundu sem portêra, num é possívi qui num tenha lembrança di nada! -- considerou -- Num pódi mi dá uma ideia? -- reclamou
--Ah, Cesário gostava muito de viajar por outros países... -- rememorava -- Passear pela Gália, Saxônia, Germânia...
--Anêim, nóis mar sabi falá as língua daqui, faz ideia as imbolera qui essi povu aí fala. -- desconsiderou -- E pelas banda di Cedro num podi í pur causu das guerra! -- fez um gesto -- Nóis qué um cantu aqui im Terra de Santa Cruz.
--Mas vocês preferem praia, montanha, cidade pequena, cidade grande...? -- aproximou-se da mulher novamente -- Vem cá, senta aqui, vamos pensando juntas! -- sentaram-se na cama -- O que tá passando na sua cabeça? -- perguntou cheia de fogo
“Eita, qui eu vô pras lua di mer e é Najla qui fica di curnicha im brasa!” -- pensou com vontade de rir -- Tá passandu nada. O qui eu queru é um cantu módi í, passiá di dia e... -- olhou novamente para todos os lados -- dá uns tiru na curnicha di noiti! -- as duas riram
--Ai, ai... -- ajeitou-se -- Vamos pensar num lugar onde vocês tenham romantismo e se sintam à vontade... -- gastou uns segundos calada -- Aliás, por quantos dias pretendem ficar fora? -- perguntou curiosa
--Novi dia! -- respondeu convicta -- E inquantu nóis tá longi é ocê e Georgina qui vão cuidá dus trem tudu nessa roça! -- determinou -- Si prepara qui lá pra junhu nóis vai!
Achou graça. -- Tá bom, mas vamos discutir um pouco mais pra gente achar um lugar. -- olhou para o laptop -- Vamos procurar na internet? -- pegou o notebook e colocou sobre as pernas
--Simbora vê! -- concordou com a ideia -- Iscrevi o que? Cantu românticu pra lua di mer?
Riu de novo. -- Com certeza não é isso! -- respondeu bem humorada -- Deixa comigo que procurar eu sei! -- afirmou sorridente
--É bão... -- prestava atenção no que a outra digitava -- É bão... -- balançava a cabeça observando
Enquanto isso, Raed conversava no telefone aos cochichos.
--Você fez muito bem em ter deixado sua esposa decidir. -- Marco dizia -- Aí não tem como dar rata de escolher um lugar que ela não vá gostar de ir.
--E num é? -- respondeu satisfeito consigo mesmo -- Amina tá mais Najla vendu us trem no leptópio. Achu qui é pur causu dissu! -- reparava para ver se alguém se aproximava
--Agora vá se preparando pra quando chegar lá investir pesado no romantismo e fazer Amina ficar doidinha de tanto prazer! -- aconselhou animadinho
--Oxi, Créu, óia essas indencença!! -- ralhou contrariado -- Ocê num tá falandu di muié dama, não, num sabi? -- gesticulou revoltado -- Amina é muié reta! Minha isposa!
--Calma, homem, não falei nada de mais! -- retrucou -- Você por acaso não quer que ela goste de...?
--Vá calandu a boca aí, seu Créu, qui num queru sabê di abusu cum minha muié! -- interrompeu a fala do outro -- E dexi di bestagi qui sinão cortu teus trem di homi fora! -- ameaçou enfurecido -- Cortu fora! -- desligou o telefone na cara do outro -- Num sei comu qui minha irmã foi si pegá cum bichu tão indecenti quantu essi Créu, aHHa! -- reclamava consigo mesmo
Marco desligou o telefone e acabou rindo. -- Ô, criatura difícil... -- achava graça -- O tempo passa e ele não perde a obsessão de cortar minhas coisas fora... -- balançou a cabeça divertidamente
***
--E aí eu conduzi a reunião afirmando que o propósito do meu pós doc seria estudar o Planeta Nove e os possíveis efeitos de sua aproximação sobre a inclinação do eixo do nosso planeta e, consequentemente, do clima! -- Zinara explicava sorrindo -- Falei também que terei apoio dos colegas do Observatório de Villeparisis e do Instituto Ganarājyan de Astrofísica. -- contava -- No final das contas, eles se empolgaram e deu certo! Todo mundo aprovou! -- olhava para Clarice -- Ana mabsoutah (Estou feliz)!
--Hum, também fico muito feliz por você, meu bem! -- ergueu a taça de vinho -- Um brinde! -- propôs -- Ao nosso amor e ao sucesso dessa pesquisa! -- sorria
Ergueu o copo de suco. -- Ao nosso amor e ao sucesso das nossas pesquisas! -- encostaram os copos -- Fe sahetek! (como no português, algo do tipo “saúde”, mas, literalmente, “boa sorte”) -- beberam um gole
--Agora você pode aproveitar o ensejo e emplacar suas considerações metafísicas sobre esse processo. -- a paleoceanógrafa sugeriu -- E com isso vai ter muito trabalho pra te prender aqui em São Sebastião. -- piscou para a outra
--Não é bem o trabalho que me prende em São Sebastião, Sahar! -- respondeu um voz mais baixa -- Habbet jamil we ya retni dello... (Eu me apaixonei por uma linda e desejei ser sua sombra...) -- soprou um beijinho
--Sossega, viu, sua caipirinha safada! -- respondeu dengosa
Clarice e Zinara curtiam um jantar romântico em um restaurante da cidade.
--Sahar, por que você não se une ao grupo e faz um pós doc também? -- propôs -- Você podia estudar alguma coisa relativa à resposta dos oceanos a esse processo de verticalização do eixo, o que com certeza não começou ontem.
--Sabe que eu já vinha pensando nisso? -- olhava para a amada -- Pensei de começar a correr atrás pra ver se inicio esse pós doc no terceiro período...
--Aywah! (Sim!) -- concordou de pronto -- Aí a gente vai ficar unida no amor e na labuta! -- afirmou empolgada
--Sabia que até agora eu nem acredito que você tá aqui comigo? -- debruçou-se sobre a mesa -- Tô amando ter minha caipirinha tão pertinho... -- sorria
--Eu também me sinto num sonho... -- olhava embevecida para a amada -- E hoje à noite você e eu vamos sonhar acordadas, porque ninguém vai dormir. -- prometeu maliciosamente -- Alla kida ahsbahat weam seit... (Estou no humor de manhã e à noite...) -- mirava nos olhos
(Nota da autora: Esse “humor” tem uma conotação de “estar com desejo”)
“Eu não faço ideia do que ela tá dizendo, mas a bousa entende que é uma beleza!” -- pensou excitada -- Você tá ficando uma caipira muito da safadinha, dona Zinara Raed! -- respondeu dengosa
--Espere pra me dizer isso mais tarde. -- bebeu um gole de suco sem tirar os olhos da amada
“Ai, gente... é hoje!” -- sentiu o coração acelerar -- "A bousa fica doida...”
***
--Com o passar do tempo você foi destruindo completamente a imagem da Zinara tímida que eu tinha na minha cabeça... -- beijou-a -- Caipira sem vergonha... -- beijou-a novamente
--Mas eu sou tímida, uai. -- beijou-a também -- Só que quando a gente faz amizade, né...? -- brincou antes de beijá-la mais uma vez
Estavam nuas na cama, com Zinara deitada por cima da mulher. Apoiava boa parte de seu peso com o antebraço e acariciava o corpo da amada com a outra mão.
--Então é assim, quando você pega amizade fica safada? -- mordeu-lhe o lábio inferior -- Pode me contando sobre as amigas que você tem... -- brincou
--Tem a Clarice... a paleoceanógrafa... a Sahar... a filha de ya Leda... -- falava entre beijos -- Essas moças aí... -- mordiscou os lábios da amada
--É muita mulher... -- arranhou as costas da caipira -- pro meu gosto... -- sorriu insinuante
--É muito mulher no meu gosto! -- beijou-a com mais intensidade
--Ai! -- gem*u quando a falta de ar interrompeu o beijo -- Você me leva ao céu, meu amor... -- fez um carinho no rosto da astrônoma e gastou uns instantes calada -- Não sabe o quanto o fato de você ter vindo morar na cidade me deixou feliz... -- olhava para ela com carinho
--E em breve estaremos morando juntas... -- beijou-a -- E seremos duas em uma só carne... -- olhava nos olhos -- Hob qalbi min gideed... (E o amor renovado em meu coração...) -- sussurrou
--Eu fico louca quando você fala assim! -- puxou-a para um beijo apaixonado
E as horas seguiram entre beijos quentes e muitas carícias.
***
Zinara dormia tranquilamente nos braços de seu amor quando ouviu uma voz conhecida lhe chamar com doçura.
“Será ela? Shamash?” -- pensou com os olhos ainda fechados
“Sim, querida, sou eu.” -- falava-lhe dentro da mente -- “Desculpe ter que afastá-la de seu amor por uns instantes, mas precisamos conversar um pouco, guriazinha...”
A morena abriu os olhos, desvencilhou-se lentamente de Clarice e seguiu andando pelo corredor. “Shamash?” -- chamava mentalmente -- "Onde você está?” -- não conseguia vê-la
De repente o ambiente em torno mudou e a astrônoma viu-se cercada pelas flores de um dos canteiros que enfeitaram o passado de Gyn. Sorriu. -- Também tenho essa imagem muito viva em meu coração... -- afirmou emocionada
--Foi um dos meus momentos mais lindos com toda certeza... -- Olívia gradualmente tornava-se visível -- Amei aquele dia em que me deixaste correr por entre as flores através de tuas pernas e mais uma vez me fizeste sonhar os teus sonhos românticos... -- vestia trajes de cor amarela brilhante -- Minha despedida deste planeta foi muito bela graças a ti. -- sorriu carinhosamente
--Era o mínimo que eu poderia fazer... -- derramou uma lágrima emocionada -- Fico muito feliz em vê-la cada vez mais fulgurante! Exatamente como o sol... Shamash... -- sentia-se honrada em revê-la
Aproximou-se da outra. -- Eu adoraria conversar demoradamente contigo, querida minha, mas infelizmente não posso ficar por muito tempo e tenho que ir direto ao assunto. -- falava com delicada seriedade -- Assim como outros irmãos e irmãs, faço parte de um grupo que trabalha pelo bem de Terra de Santa Cruz e de seu povo, especialmente nestes duros momentos de provação.
--Nada que me surpreenda, Shamash. -- sorria orgulhosa
--Muito deve ser feito, meu bem... Por nós aqui, na espiritualidade, e por vocês, encarnados. -- fez um gesto que conduziu a morena a um leve torpor -- Preciso orientá-la quanto ao que te cabe descobrir e executar.
Zinara sentiu-se arrebatada e lhe pareceu que seu corpo fora transportado para fora do planeta Água.
“Sabes que um planeta ainda não claramente identificado pela Ciência moderna se aproxima, acarretando consequências dramáticas para toda a Humanidade.” -- Shamash lhe falava dentro da mente -- "Sabes que as profecias dão conta deste planeta desde os tempos em que Rabi andava entre nós.”
A morena pôde então visualizar o astro com os olhos do espírito e ficou surpreendida com o incrível magnetismo daquele orbe. -- Oh, Aba! -- exclamou impressionada -- Como pode um planeta deste porte, dez vezes maior que o nosso, ainda não ter sido detectado claramente por nós? -- estava pasma -- Eu sei que sentimos a vibração dele desde a década de 50, então por que ainda não conseguimos vê-lo?? -- não se conformava
--Porque em todos os tempos, à despeito das deficiências específicas de cada época, a Ciência enxerga apenas aquilo que deseja ver. Ela não busca de fato explicar os fenômenos da vida como são, mas como a mentalidade dominante gostaria que fosse. Exatamente por isso, esta mesma Ciência ainda duvida do Espírito e da vida após a morte. -- esclareceu -- O Planeta Nove, como tem sido chamado, já tangenciou o planeta Água em outros tempos, em eras muito remotas no alvorecer da História, e trouxe grandes mudanças. -- continuava explicando -- Porém, em sua nova aproximação, as mudanças que virão serão ainda mais drásticas. -- anunciou -- A Humanidade precisa se preparar moralmente para todas as dores e cataclismos que hão de acontecer. -- advertiu -- Faz parte da tua missão, guria, trabalhar para que os olhos de ver comecem a superar a cegueira do materialismo. Já foste advertida quanto a este teu papel.
Zinara acompanhava apreensiva as cenas de um futuro que se descortinava diante de si. Observava os efeitos das vibrações mentais negativas a se propagarem por toda sociedade, além de vários fenômenos naturais irrompendo violentamente em todas as partes de nosso mundo. -- E quando esse planeta se aproximará a ponto de todas as estas coisas que vejo agora começarem a acontecer com tamanha intensidade? -- perguntou agoniada -- Diga-me, min fadlik, heek la a’ref (por favor, porque eu não sei)!
--Alguns dizem que será ainda neste século, outros dizem que no começo do próximo... -- respondeu enigmática -- A verdade é, Zinara, que somente Ieshua (Deus) sabe o dia e a hora em que a grande tribulação se iniciará. -- gesticulou novamente trazendo a morena de volta para seu ambiente -- Não se preocupe em saber quando ele virá, detenha-se em trabalhar para que o maior número de pessoas esteja preparado para o que vai acontecer. -- aconselhava -- Hoje, a Ciência faz o papel das grandes Religiões do passado em dizer o que as pessoas estão dispostas a considerar. Use a verdadeira Ciência a seu favor. -- sua voz tornava-se mais distante -- Continue combatendo a mentira, estudando com afinco e a Espiritualidade orientará quanto ao que fazer. Você encontrará o que procura e as portas se abrirão de formas que te deixarão surpresa.
(Nota da autora: baseado em http://www.usetupa.com.br/Livros/L-O_Astro_Intruso.pdf e http://www.linea.gov.br/2016/03/existe-um-nono-planeta-no-sistema-solar/)
A astrônoma sentiu-se confusa e tonta, sendo invadida por uma desconfortável sensação de queda livre.
--E lembre-se, querida, tudo dependerá das escolhas coletivas. Até o último minuto, algo ainda pode mudar... -- a voz de Olívia ecoava cada vez mais longe
--AH! -- acordou bruscamente -- Shamash?! -- olhava para todos os lados
--O que foi, amor? -- Clarice despertou sonolenta e assustada -- Aconteceu alguma coisa, teve um pesadelo? -- não a ouviu chamar por Olívia
Zinara se surpreendeu ao ver-se na cama com sua amada. -- Não, eu... -- não sabia explicar o que aconteceu -- La mo'axza, ya habibi. (Desculpe, minha querida.) -- beijou-lhe a testa -- Eu tive um sonho com Shamash e ela veio me falar do Planeta Nove mas eu... -- tentava se lembrar -- Fiquei um pouco confusa...
--Eu sei como esses sonhos são perturbadores. -- lembrava-se da experiência que teve no passado -- Volte a dormir, minha querida. -- pediu com carinho -- Depois você vai se lembrar do que deve ser lembrado. -- beijou-a -- Vem aqui, minha caipirinha, deita no meu colo. -- ofereceu com um sorriso
A morena obedeceu e se deitou no colo aconchegante de sua amada. “Tantas coisas vão acontecer, Aba, imploro para estar preparada ao que me cumpre fazer.” -- pediu mentalmente
--Você estará, minha guria. -- Olívia derramava bênçãos de luz sobre Zinara e Clarice -- As duas estarão, pois cumpre a ambas alertar pela razão o que os corações já podem sentir, mas fingem não perceber.
***
Jamila conversava com o repórter Dimitrius, correspondente internacional da BNN, em um barzinho na orla de Princesinha do Mar. Haviam acabado de se acomodar e ordenar seus pedidos.
--Gostei de saber que agora você mora em São Sebastião. -- comentou -- Fica mais fácil de te encontrar teti-a-teti. -- sorriu
--Pois é. -- cruzou as pernas -- Não via você desde a época em que me procurou pra falar das denúncias de Edgar Scowben. -- lembrava -- Se me procura agora, certamente deve ter alguma notícia bombástica pra revelar. -- estava curiosa
--Sim, tenho, mas dessa vez acho que você não vai se surpreender em nada. -- debruçou-se sobre a mesa -- Só vai ter mais certeza do que já deve saber.
O garçom chegou com as bebidas e se afastou após servi-las.
--Prossiga. -- pegou o copo e bebeu um gole
--Terra de Santa Cruz está no centro de um grande golpe. -- anunciou sem delongas -- Esse impeachment que ora se articula nada tem a ver com uma “luta contra a corrupção”. -- fez aspas com os dedos -- Tudo isso que tá acontecendo tem como causa uma coisa só!
--Petróleo! -- a advogada concluiu de imediato
--Exatamente! -- bebeu um gole também -- E os desdobramentos são muitos...
--Conte-me o que sabe. -- debruçou-se sobre a mesa também -- Eu ando muito preocupada com o rumo que as coisas estão tomando nesse país.
--E não é pra menos! -- concordou -- Você lembra quando Scowben denunciou que seu país e suas estatais estavam sendo espionadas? -- a mulher balançou a cabeça positivamente -- O que a Inteligência de Godwetrust procurava, dentre outras coisas, era algum indício de corrupção. Eles sabem que o Capitalismo por si é quase sempre baseado em escusas relações de poder. Fazem isso na rua e dentro de casa o tempo todo.
--E aí eles acharam um núcleo poderoso de corrupção na empresa nacional de petróleo e começaram com a Operação Caça Rato. -- deduziu
--Isso! -- bebeu mais um gole -- O homem à frente dela foi treinado em Godwetrust, by the way. -- piscou para ela
--Ana a’arfa... (Eu sei...) -- bebeu outro gole -- Li a respeito...
--Eu não quero dizer que sou a favor de corrupção, mas o fato é que essa porr* toda não é bem pra acabar com ela. Os interesses são praticamente três: controlar o petróleo do Prima di Sale, enfraquecendo o poder e as competências da empresa nacional, abrir as portas do país pras empreiteiras estrangeiras e, a cereja do bolo é...
--Tomar o poder! -- completou a fala do outro
Sorriu. -- Foi o que Scowben afirmou categoricamente! -- pausou brevemente -- Olha, Jamila, esse governo tem gente corrupta, esse partido igualmente, mas ele vai cair muito mais por seus acertos que por seus erros! -- explicava -- Godwetrust tá investindo pesado pra acabar com todos os governos de esquerda nesse continente! -- sorriu -- Faz parte do jogo criar um cenário de crise pra tornar a adesão das pessoas mais imediata. -- fez uma cara feia -- E aí o desfecho já é conhecido: os países desse continente têm vivido numa situação em que os golpes militares foram substituídos por deposições através da Justiça!
--E quem especificamente tá patrocinando esse golpe aqui no país? -- Jamila perguntou interessada -- Que tem dinheiro vindo de Godwetrust eu não tenho dúvida, mas quem exatamente tá envolvido nessa podridão?
--É um balaio de gatos, minha amiga! -- fez uma careta desgostoso -- ONGs de Godwetrust, ligadas a grandes multinacionais, patrocinam ONGs daqui, as quais também se ligam a poderosos empresários de Terra de Santa Cruz. -- tirou um envelope de dentro da mochila -- Confederações de indústrias, gente do agronegócio, determinados homens de religião, a grande imprensa... Você quer nomes? -- entregou-lhe o envelope -- Aí estão. Mas não abra aqui e nem agora. -- pediu -- Veja em casa e com muita atenção.
--Pode deixar. -- guardou o envelope rapidamente em sua bolsa
--Muito dinheiro tá rolando nessa história e a conta dessa merd* toda quem vai pagar é o povo! -- olhava nos olhos da mulher -- Vilma vai cair e o futuro governo interino de Marcel Brener vai entregar o Prima di Sale pras grandes petrolíferas do mundo, além de desregulamentar as relações trabalhistas, aprovar projetos que interessam às bancadas do agronegócio e facilitar muito o acúmulo de riqueza por parte de poucos. -- informava -- Isso inclui aqueles tais “homens de religião”. -- afirmou sarcástico
--Axra min kida mafiiš!! (Não há merd* pior do que essa!!) -- xingou de cara feia
--Mas não acaba aí! -- advertiu -- Brener pensa que vai ficar, mas ele não vai. -- continuava denunciando -- O golpe que se prepara é muito maior! A queda de Vilma é só o começo.
--E qual seria o fim? -- perguntou preocupada
--Por enquanto não posso lhe dizer. -- respondeu misterioso -- Mas você já tem material pra fazer um estrago. -- olhava para ela -- Os documentos impressos e digitais que acabo de te entregar têm que ser distribuídos, divulgados pela internet, porque a grande imprensa vai se calar sobre o assunto. O que vão dizer é que o impeachment se justifica por causa das galopadas fiscais, mesmo que todos os governos anteriores também tenham dado suas galopadas.
--E por que você tá passando as evidências pra mim e não divulga por si mesmo? -- não entendia -- Você é um correspondente internacional, seu alcance de divulgação é muito maior que o meu!
--Porque se eu divulgar, vou comprometer meu informante. Ficaria muito óbvio que tudo partiu dele. -- esclareceu -- Não foi Scowben quem me deu essas evidências. Ele apenas confirmou a veracidade delas.
--Tudo bem. -- balançou a cabeça positivamente -- Confie em mim, Dimitrius, será divulgado! -- garantiu -- Eu e minha esposa não deixaremos essa denúncia ficar escondida, mesmo que isso não impeça a queda da Presidenta. -- bebeu mais um gole
--Esposa?! -- surpreendeu-se -- "E eu que não sabia dessa!” -- pensou -- Bem que notei esse anelão no teu dedo. -- apontou discretamente -- Quem conseguiu a proeza de conquistar o coração da doutora Jamila Haddad?
--Uma mulher maravilhosa que vai virar a Federal de São Sebastião de cabeça pra baixo com esses documentos que você acabou de me entregar. -- sorriu -- Não vai saber que tudo isso não passa de um grande golpe quem não quiser...
(Nota da autora: baseado inclusive em http://www.ocafezinho.com/2016/04/13/eua-tem-interesse-no-golpe-contra-dilma-assim-como-tiveram-em-1964/ e http://www.esquerdadiario.com.br/Wikileaks-EUA-criou-curso-para-treinar-Moro-e-juristas)
***
--Cátia, mas isso que você nos apresenta é muito grave! -- Magali exclamou admirada -- Eu sabia que tinha caroço nesse angu, mas não imaginava que fosse uma coisa tão nojenta! -- examinava as evidências entregues por Dimitrius
--Zinara e eu conversávamos sobre isso ontem... -- Clarice comentou em voz baixa para Magali -- Ela me disse que na Capital as coisas tão pegando fogo... -- olhou para a amiga -- Até na reunião no centro os espíritos pediram orações pelo país porque a situação não tá fácil!
--Cruzes! -- Magali se benzeu
--Cátia, eu tô abismado! -- Amadeu comentou -- Sei lá, é surreal... Tô me sentindo de volta aos idos de 64... -- lembrava-se do golpe militar
--Eu não convocaria todos vocês pra essa reunião se a coisa não fosse séria! -- a loura afirmou categórica para os colegas -- Já divulguei esse material pros meus alunos, postei no meu LivrodasFuça mas a gente tem que se mobilizar, ir pra rua, fazer barulho! -- gesticulava
--Faça-me o favor, Cátia! -- Carla retrucou de cara feia -- Querer defender essa Presidenta e seu partidinho de ladrões de quinta nessa altura do campeonato? -- cruzou os braços -- Eu quero é mais é que essa mulher saia!
--Quer mais que ela saia por causa de que, professora? -- Leandro perguntou debochado -- Com certeza o país vai melhorar pra caramba depois desse impeachment! -- ironizava
--Se Osvaldina tivesse ganho as eleições nada disso estaria acontecendo! -- Célia retrucou
--Eu tô fora de sair pra rua fazendo protesto e levando porr*da da polícia! -- João se posicionou -- Ainda mais agora que a imprensa conseguiu convencer a população que todo movimento de rua é pró Vilma!
--Gente, pelo amor de Deus! Vocês são professores universitários, formadores de opinião! -- Cátia não acreditava no que ouvia -- Não se trata de defender Vilma ou o partido A ou B! -- olhava para todos -- Isso que tá acontecendo é um golpe na democracia e a conta dessa merd* é a gente que vai pagar! -- gesticulava -- Vocês tão vendo aqui, nessa denúncia que eu tô divulgando, que são os interesses de uma elite podre que estão bancando essa farsa toda! -- tentava convencê-los a fazer alguma coisa -- A gente vai assistir a tudo de braços cruzados? -- provocou -- Vocês acham o que? Que não vai ser o povo a pagar a conta desse golpe? -- riu brevemente -- E digo mais: nós, professores, com certeza seremos dos mais lesados nessa brincadeira sem graça!
--Se a gente se levantar, os alunos vêm junto! -- Clarice afirmou olhando para os demais -- Só aqui temos três departamentos reunidos! Cada um de nós consegue mobilizar, no mínimo, umas vinte, trinta pessoas!
--Eu tô nessa! -- Magali concordou -- E sei que consigo mobilizar muita gente! -- pensava em Lúcia e alguns de seus colegas
--Eu também! Contem comigo! -- outros professores aderiam
--Isso é loucura... -- Reginaldo achava tudo um absurdo
--Professores! -- uma voz se fez ouvir no meio dos docentes -- Desculpem a invasão, mas contem comigo pra botar um fogo nos alunos da pós!
Todos olharam para trás e deram de cara com uma jovem coberta por um traje negro, deixando-lhe somente os olhos à mostra.
--Que é isso, gente? -- Carla perguntou com vontade de rir -- Agora tem até mulher bomba? -- cochichou com um colega
--Obrigada, Vanessa! -- Cátia reconheceu a jovem -- Toda ajuda é importante!
--Não sabia que Cátia tinha até aluna muçulmana! -- Magali cochichou com Clarice -- Sorte a dela que se protege da tara daquela uma! -- riu baixinho
--Mas você não tem jeito, hein? -- a paleoceanógrafa achou graça também
--Tá muito bonito esse engajamento todo, mas estamos no meio de uma reunião docente, mocinha! -- Célia repreendeu a jovem -- Você não deveria estar aqui!
--Eu sei, professora, perdoe. -- reconheceu humildemente -- Só vim aqui transmitir o meu apoio e mostrar o tamanho da minha fé em Allah! -- removeu seus trajes em um movimento brusco -- Quando se sente que é o momento da jihad, uma fiel tem que tá preparada! -- por baixo dos panos, Vanessa vestia uma saia curtíssima e um top que deixava pouco a se imaginar sobre seus seios -- Tô pronta pra luta, visse? -- deu as costas e se retirou
Cátia abestalhou ao constatar o tamanho daquela fé. “Ô, fé que abunda, meu Pai...” -- pensou em estado de choque -- Smalla'Alik... (Deus proteja você...) -- balbuciou espontaneamente
--Nossa! -- Clarice achou graça -- Cátia ficou tão pasma com o tamanho da fé da outra que já tá até falando a língua de Cedro... -- olhou sorridente para Magali -- Viu isso?
--Se vi... -- Magali também estava abobalhada -- Feliz de quem tem uma fé dessa monta, né, amiga...? -- não sabia nem o que dizia
“Se Lúcia e Jamila estivessem aqui pra ver isso...” -- Clarice pensou bem humorada -- "Cátia e Magali não podem ver mulher, Nossa Senhora...” -- achava graça
***
--Muito obrigado por tudo, Aba (Meu Pai), agradeço por mais um dia de vida. -- Zinara encerrava suas orações noturnas -- Imploro por todos os nossos desencarnados, sejam os amados que partiram em Cedro, em Al-Maghrib ou em Terra de Santa Cruz. -- mentalizou as pessoas queridas -- Em especial, peço toda Luz e acolhimento de Teu Amor Divino para Khaled, camm Amin, Hassan e Valentina, os quais desencarnaram em estado de agonia. -- visualizava os rostos em sua mente -- Amém! -- ajeitou-se na cama e se preparou para dormir
--Zinara ora por mim desde que desencarnei... -- Valentina afirmou emocionada -- Ela nunca me esqueceu... -- sorriu -- Nem um dia sequer...
--Ela ama você! -- o instrutor espiritual da jovem esclareceu -- E se sente culpada por acreditar não ter feito nada para ajudá-la. -- olhava para a astrônoma -- Apesar de ter superado muito dessa culpa, ela ainda carrega um fardo.
--Oxe, mulher, você nunca teve culpa... -- desejava que a amiga ouvisse -- Nunca teve... -- queria tocar-lhe os cabelos mas não podia
--Ela vai aprender isso, querida. -- o instrutor afirmou convicto -- Vai superar como superou tantas outras dificuldades. -- pausou brevemente -- Vai superar da mesma forma que você tem superado todas as dores. -- falava com ternura
--Sofri longos anos por meu desejo de vingança... -- lamentou -- Os fluídos que sempre recebi das orações dela e de mãínha eram os únicos momentos de alguma paz que eu conseguia experimentar. -- deu um suspiro profundo -- Chega de perder tempo, né? -- olhou para o homem
--Isso ficou no passado! -- tocou no ombro dela -- Agora é hora de seguir em frente e continuar com o trabalho que vem fazendo. -- estimulava -- No que tem ido muito bem!
--Eu disse que ia ajudar Zinara em sua missão. -- olhou para a morena mais uma vez -- Prometo que vai dar certo! -- afirmou convicta -- Hora de voltar à carga, visse? -- brincou timidamente -- Vamos? -- fechou os olhos e respirou fundo
--Hora de voltar à carga! -- concentrou-se e orientou a jovem para que ambos se transportassem para onde deveriam ir
CAPÍTULO 169 – A Votação
--Ai, mamãe, eu tô tão nervosa! -- Clarice estava agoniada -- Essa maldita votação e justo hoje Zinara tá na Capital! -- olhava para a idosa -- Tô tão preocupada... -- andava de um lado a outro -- Ainda não entendi porque chamaram ela pra lá... -- passou a mão nos cabelos -- O que será que vai acontecer, hein?
--Deixe de tanta preocupação que não vai acontecer nada de ruim com Zinara. -- afirmou convicta -- E essa votação de hoje não tem surpresa, né, menina? -- olhava para a filha -- Eles vão decidir pelo impeachment de Vilma, falar um monte de titica e fim. -- deduziu o óbvio -- Alguma dúvida que vai acontecer desse jeito?
--E isso por si só já é péssimo! -- continuava tensa -- E por que será que o Núcleo Federal de Pesquisas convocou Zinara pra uma reunião justamente hoje? E num horário nada normal pra uma reunião? -- pensava no contexto -- Logo num dos piores dias que o governo vai viver! -- não entendia -- Quem vai ter cabeça pra reunião com uma bomba dessas prestes a explodir? -- circulava pela sala -- É capaz de Zinara ficar esperando à toa e ninguém comparecer...
--E se for assim, ela não é burra, vai se levantar, juntar os trapinho e vir embora! -- respondeu de pronto -- Eu hein, menina, só vive com medo? -- foi andando para a cozinha -- Parece nem que é minha filha! -- gesticulou -- Nada me dá medo! -- afirmou decidida -- Tô muito velha pra ficar tremendo as pernas por qualquer coisa! -- pausou brevemente -- Se não for barata voadora, pode vir pra cima de mim que nem me abalo!
Achou graça. -- Tem vezes que a senhora não me entende, mamãe... -- balançou a cabeça negativamente -- Fala como se tudo fosse tão simples...
--E não quero saber de você vendo essa peste de votação pela TV! -- advertiu -- Depois vai ficar se danando madrugada afora, sem dormir e sem me deixar dormir! -- gesticulou mais uma vez -- E não ouse me desobedecer! -- entrou na cozinha -- Do contrário é chinelada no rab*! -- ameaçou
--Ai, ai... -- riu brevemente -- Eu que não quero assistir isso! -- concordou com a mãe e pegou o celular -- Vou mandar uma mensagem pra Zinara pelo QQOV?. -- começou a digitar
--Eita! -- Georgina se surpreendeu ao ver os cunhados e suas esposas na casa dos sogros àquela hora -- Acunticeu arguma coisa, minha genti? -- queria saber
--É a votação dus pitchu. -- Nagibe explicou -- Nóis veiu vê aqui.
--E dessa veiz eu trôxi TV, num sabi? -- Cid falou -- Módi num ficá na dependença daqueli rádiu ruim di baba.
--Tumara qui essis pesti num tiri a prisidenta! -- Dora desejou
--Tumara! -- Penha concordava
--Pois tumara qui tiri! -- Catiúcia afirmou de pronto -- Tô lôca pra dizê assim, ói: simbora, quirida! -- deu tchauzinho pra ninguém
--Sempri ocê... -- Penha condenou espremendo os olhinhos
--Só farta Ahmed aparicê aqui cum essa prosa também! -- Nagibe protestou
--E eli vem! -- Catiúcia garantiu -- E vai torcê pra essa muié saí!
--Falandu im muié saí, é mió eu sumí! -- Georgina decidiu antes de fugir da sala -- Queru nem sabê dessas picuínha! -- falava consigo mesma
--As criança durmiru e inté Hassan já tá roncandu. -- Amina chegava na cozinha -- Ói, dêxi perguntá: -- olhou para o marido e a cunhada -- será qui vão tirá a prisidenta? -- estavam na cozinha -- É hoji qui vão votá!
--Sei não... -- respondeu desconfiado -- Mais o Créu mi falô qui dispois dus votu di hoji tem mais uns ôtru, num sabi? -- bebeu um gole de café
--Depois da Câmara vem o Senado... -- Najla esclareceu preocupada -- Ai, gente, e com isso tudo, dentre outras desgraças, é capaz de embarreirarem a vinda dos refugiados pra fazenda... -- olhava para os outros dois
--Dêxi di pensá nu qui num presta, muié! -- Amina respondeu de pronto -- Primêru tem qui resorvê as pendença da fazenda e dipois qui vem o restu. -- sentou-se -- Si Deus quisé qui nossu povu venha pra cá, num vai sê um punhadu di pulíticu sem vergonha qui há di impidí!
--Anêim! -- Raed concordou com a esposa -- Num há di impidí! -- repetiu enfático -- Comu num há pulíticu qui vá butá areia na minha lua di mer mais Amina! -- sorriu para a esposa
--Anêim! -- sorriu também
Najla acabou achando graça.
--Essa votação eu quero assistir de camarote! -- Julieta chegava na sala, onde três amigas a aguardavam -- Fiz até uma pipoca ungida pra gente comer! -- colocou uma vasilha imensa sobre a mesinha -- Sirvam-se, irmãs! -- sorria -- É hoje que Cidade Restinga e todo esse país vão ver o partido do Bicho Ruim levar uma cipoada de fogo do Povo Santo!
--Queima! -- uma delas encheu a mão de pipoca
--Repreende! -- outra fez o mesmo
--Aleluia! -- a terceira celebrou com a boca cheia -- Glória!
Enquanto isso, na Capital Zinara aguardava pelo início de uma reunião que deveria ter começado há uma hora atrás. “Quê que eu tô fazendo aqui...?” -- pensava desconfiada -- "É o couro comendo lá fora, votação de impeachment rolando e eu aqui esperando por nem sei quem...” -- não entendia -- Dah JaHiim! (É um inferno!) -- resmungava sozinha -- AHHa!
--Pelo passado colonial, pelas Capitanias Hereditárias, pelo ciclo do café, do algodão, do ouro, da borracha, -- um político discursava -- pela lei do sexagenário, do ventre livre, pela abolição da escravatura, pelo Império que se acabou com a República, pela espada do Marechal Teodoro, pela Constituição, pelo voto direto, pela democracia, -- gesticulava -- o meu voto é SIM!
--Eu acho que ele pensa que tá dando aula de história! -- Lúcia protestava diante da televisão -- Quê que tem a ver? Até capitania hereditária essa besta ressuscitou! -- gesticulava -- Lei do ventre livre, gente? Me poupe!
--Não vê isso, não, amor. -- Magali recomendou ao se deitar de lado -- Tenha certeza que vai ser daí pra pior!
--Pela família tradicional de Terra de Santa Cruz, pelo Pai, pelo Filho, pelo Espírito Santo e pelo Amém! -- outro discursava -- Pela moral e pelos bons costumes, pelas meninas moça, pelos cabras macho, pela honestidade e honra do meu polvo, o meu voto é SIM!! -- deu um soco no púlpito
--Só se for pelo polvo mesmo, porque se for pelo povo... -- Cátia reclamava -- É muita escrotice, né? -- olhava para Jamila -- Nada a ver isso de menina moça e cabra macho! -- não aguentava o que ouvia
--Eu que não perco meu tempo vendo isso, habibi. -- a advogada respondeu de pronto -- Nunca gostei de circo, nem quando era criança!
--Ai, mamãe, Zinara me respondeu dizendo que até agora a tal da reunião não começou! -- lia a mensagem no QQOV? -- No lugar onde tá esperando só tem uma secretária e mais ninguém. -- continuava lendo -- Eu vou mandar ela ir embora pro hotel e amanhã pegar o primeiro voo pra São Sebastião! -- digitava
--Fica mansa, menina... -- respondeu enquanto bordava -- Não convidaram aquela caipira pra uma reunião na Capital, pagando hotel e passagem de avião a troco de nada. -- prestava atenção no que fazia -- Alguma coisa ainda vai acontecer... Só não entendi o que.
--Pelo povo de cá e de lá, pelo povo daqui e de acolá, por leste a oeste, por norte a sul! -- uma deputada gesticulava com fé -- Por tudo debaixo do Céu, por tudo acima da terra, pelo meu pai, pela minha mãe e pra você, povo de Terra de Santa Cruz, o meu voto é SIM!
--Aí, princesa, tudo que tá por debaixo do Céu e por cima da terra não é a merma coisa? -- Getúlio perguntava curioso -- Parada estranha, aí... -- não entendia
--Mãe, isso é coisa séria ou brincadeira? -- Deodoro perguntou sem entender
--Ultimamente nada mais é sério, filho. -- Raquel pegou o controle remoto e desligou a TV -- Que tal a gente brincar de Banco Fiduciário, que é mais interessante?
Uma estranha movimentação se fez ouvir e Zinara percebeu que pessoas se aproximavam. De repente a porta se abriu e uma mulher entrou acompanhada por quatro homens.
--Ah... -- a morena se levantou surpreendida com quem acabava de chegar -- "Ana sakraneh (Estou bêbada), não é possível...” -- pensou incrédula
A secretária se levantou de um pulo e ficou aguardando as ordens.
--Sei que demorei a chegar, mas eu não desonro compromisso. -- a mulher foi logo dizendo -- Creio que a senhora saiba que o dia de hoje não está sendo nada fácil pra mim.
“Eu não acreditava no que meus olhos viam, Kitaabii. Ezzai (Como pode)? Se eu contasse a qualquer um, certamente me chamariam de mentirosa ou majnum (louca).”
Não sabia o que dizer. -- Eu... eu não imaginava que...
--Vamos nos reunir na sala ao lado. -- a mulher a interrompeu -- O tempo urge e precisamos conversar. -- olhou para os outros homens -- Façam o que viemos conversando pelo caminho. -- ordenou -- E você vem conosco. -- olhava para um deles em particular -- Fernanda, prepare a sala! -- dirigiu-se à secretária
--Sim, senhora! -- todos responderam ao mesmo tempo. Três homens se retiraram
--Por favor. -- a secretária abriu a porta da sala -- Eu já havia deixado tudo pronto! -- esclareceu orgulhosa de si mesma
--Ótimo! -- a mulher exclamou -- Vamos, que o tempo voa! -- olhou para Zinara e seguiu à frente
--Por gentileza. -- o homem fez um gesto indicando que a astrônoma deveria seguir antes dele
--Aywah, chukran! (Sim, obrigado!) -- fez um movimento com a cabeça e dirigiu-se à sala -- "Eu não acredito que vou pra uma reunião com a Presidenta e o Ministro de Pesquisa e Tecnologia...” -- pensava em estado de choque -- Ave Maria! -- resmungava consigo mesma
--Por Deus, pela família, pela pátria, pelo meu marido, que é um político honesto e não rouba nada, nem um alfinete! -- uma deputada discursava enrolada na bandeira -- Que a fúria divina se estabeleça nesse país e varra toda corrupção que assola esse povo sofrido de Terra de Santa Cruz! -- gesticulava -- O meu voto é SIM, e muito SIM! -- falava com afetação -- AHAHAHAH!!!! -- deu um berro medonho
Cecília riu. -- Eu hein! É cada coisa... -- olhou para Adamastor -- Alfinete, com certeza o tal marido dela não rouba... -- comentou divertida -- mas outras coisas, ninguém garante, né? -- achava graça
--Isso tudo é uma fuleiragem da porr*! -- Adamastor exclamou desgostoso
--Então quer dizer que a senhora vai me designar pra representar o país perante as Nações Amigas? -- Zinara não acreditava -- Desculpe, com todo respeito, mas eu não estou entendendo isso. -- olhava para as duas pessoas a sua frente -- O que se espera de mim nessa posição? E por que eu?
--Na minha última visita à Cina, o primeiro ministro me disse que entendia que a história de um aquecimento global causado pelo ser humano era uma farsa pra deter o desenvolvimento dos países emergentes. -- a Presidenta respondeu de pronto -- Ele me comentou que uma pesquisadora de meu país havia se destacado em Ganarājya como uma das grandes opositoras dessa tal farsa. -- olhava para a morena -- O presidente da Rossiya também pensa da mesma forma, devo dizer. -- pausou brevemente -- Mandei que me localizassem a tal pesquisadora e cheguei à senhora, doutora Zinara Raed.
A astrônoma ouvia atentamente.
--E então aconteceu que eu estava na Saxônia quando me veio a notícia de um novo planeta no nosso sistema solar. -- continuava -- Eu não entendo da sua ciência, não tenho condições de ficar me aprofundando em tudo que me interessa, mas resolvi pesquisar um pouco a respeito e novamente me veio seu nome. -- contava -- Li que a senhora afirma que esse tal planeta se aproxima e trará muitas consequências para todos nós.
--Exatamente, Presidenta. -- balançou a cabeça positivamente
--Cheguei a sonhar com isso. -- confessou -- Ou foi um pesadelo, não sei. -- cruzou as pernas -- Mas acabei me decidindo que seria interessante dar voz a alguém como a senhora. Mais voz do que naturalmente já tem. -- olhava firmemente para a outra -- Vanzera me disse que não temos cientistas nos representando nas Nações Amigas. -- referia-se ao ministro, que estava presente
--Certamente, uma grande falha de nosso país. -- o homem confirmou
--E daí eu quero que a senhora faça parte da comissão que nos representa nas reuniões com as Nações Amigas e leve esses assuntos importantes para a pauta da organização. -- esclareceu resumidamente -- Claro que de modo coerente e oportuno! -- advertiu
“Sim, Kitaabii, eu realmente deveria estar bêbada!”
--Pela dança de Oxossi, pelo machado de Xangô, pela saia rodada da Pomba Gira, por tudo que a pemba risca no chão e pela gargalhada de Exu, meu voto é NÃOOOO!!!!! -- um deputado debochava da situação -- HAHAHAHAHAHA!!! -- gargalhou com vontade
--Queima, meu Pai! -- Julieta gritava em casa -- Repreende, língua de fogo do varão Santo!
--Queima! -- as amigas gritavam juntas
--Eu... eu fico muito honrada! -- Zinara sentia-se perdida -- Só que, perdoe-me, Presidenta, mas... sem querer ser inconveniente, se o impeachment for realmente aprovado creio que vão me demover dessa representação! -- considerava
--Não! -- fez um gesto despreocupado -- Ninguém vai dar atenção a isso. -- estava certa -- Eles não perdem tempo pensando em ciência e nem vão reparar que a senhora existe. -- afirmou com ácida franqueza
--O governo que se prepara pra ser interino quer fundir a minha pasta com a de telecomunicações, pra senhora sentir o nível do conhecimento deles sobre ciência. -- o ministro explicou
--Smallah! -- Zinara se estarreceu
--Avi Maria, qui pareci qui só vem diachu pra votá nu sim! -- Penha reclamava
--E elis fala tantu trem né? -- Cid criticou -- Si é di só falá sim ou não e cabô-si, fica nessi prosiadu doidu!
--Bem fazem Amina e Georgina que não tão assistindo essa coisa ridícula! Chega! -- Najla anunciou -- "Vou entrar na internet e conversar com meu negão de tirar o chapéu! Tô perdendo tempo aqui...” -- decidiu ao se levantar -- Boa noite!
--Basnoiti! -- todos responderam -- Tô quasi disistindu também... -- Raed comentou para si mesmo
Ahmed apareceu na sala nesse momento. -- Basnoiti! -- cumprimentou a todos -- Discurpa a hora, mais a labuta di hoji tava qui tava! -- foi pedir a bênção ao pai
--Amô! -- Catiúcia foi logo atrás dele -- Os pitchu di Vilma vai passá! -- comemorava -- Só dá votu pelu sim!
--Issu num é coisa qui si comemori, não, muié! -- respondeu de imediato
Todos ficaram sem entender.
--Mudô di ladu, fio? -- Raed perguntou desconfiado
--Num gostu di Vilma, baba, mais hoji tô vendu qui remédiu erradu num cura duença. -- olhava para o pai -- Remédiu erradu vira venenu!
--Oxi?! -- Catiúcia tinha pontos de interrogação na cabeça
--Estamos combinadas, doutora Zinara. -- a presidenta e o ministro se levantaram, seguidos pela morena -- Faça como lhe falei e mesmo que eu caia, a senhora continua onde vou lhe colocar agora.
--Muito obrigada por essa honra, Presidenta! -- agradeceu com sinceridade -- "Mal posso acreditar nisso!” -- pensava em êxtase
--Já tratamos o que deveríamos conversar. -- respondeu secamente --Foi um prazer. -- afastou-se rapidamente, não dando tempo à caipira de falar qualquer coisa
--Senhora. -- o ministro fez um gesto de cabeça e partiu na mesma velocidade
--Walaw... (O prazer é meu...) -- respondeu mecanicamente -- "Será que isso é um sonho ou o que?” -- ainda não acreditava naquela situação -- Allahu akbar! Akbar, akbar... (Deus é grande! Grande, grande...) -- falava consigo mesma
--Parabéns, Valentina! -- o instrutor cumprimentava -- Foi muito inteligente o modo como inspirou e orientou a Presidenta a colocar Zinara nessa posição.
--Ela foi da luta, eu também... -- a moça afirmou timidamente -- Foi fácil de conseguir “contato”. -- fez aspas com os dedos
Tomada por grande felicidade, Zinara sequer desconfiava que sua amiga Valentina a ajudava mais uma vez; no entanto, irradiava sua gratidão a Deus e aos Emissários de Sua Luz.
--Pela verdade, pela família, pela religião, pelos heterossexuais, -- um deputado gritava histérico -- em nome de todos aqueles que met*ram porr*da nos baderneiros de 64, pelo caldeirão de fogo, por Bel e por Zebu, meu voto é SIM!!!
--Avi Maria! -- o povo da roça exclamou todo de uma vez
--AHHa, agora chega! -- Raed decidiu furioso -- Disliga essa pesti e cabô-si negócio de pitchu! -- desligou a TV -- Já num bastassi tudu issu, inda vem o fio du Cão falandu trem disgracentu? -- fez uma careta desgostosa -- Ralã!
--Mamãe, mamãe! -- Clarice entrou no quarto de Leda correndo -- A senhora não vai adivinhar! Não vai acreditar! -- estava eufórica -- Zinara se reuniu com sabe quem? -- fazia um suspense -- Com a Presidenta Vilma!! -- sentou na beirada da cama da idosa -- E com o Ministro da Ciência!
--Hum... -- resmungou sonolenta -- Que horas são? -- perguntou com os olhos semi abertos
--Quase meia noite, por que? -- não entendia -- A senhora não ouviu o que eu disse? -- continuava animada -- Zinara se reuniu com a Presidenta! Com a Presidenta em pessoa! -- bateu palminhas -- Mal posso esperar pra ouvir tintim por tintim sobre o que conversaram!
--Menina, depois que eu me deito pra dormir, Zinara pode se reunir até com a Virgem Maria, que eu não quero saber de nada! -- respondeu de cara feia -- Sou velha, tenho que dormir! -- reclamou -- Vai deitar e cala boca! -- deu-lhe um tapão na coxa
--Ai, mamãe! -- esfregou a perna dolorida -- Eu aqui toda animada falando que Zinara se reuniu com a Presidenta e a senhora... -- reclamava
--A Presidenta que se dane! -- fechou os olhos -- Eu hein, tava num sono tão bom... -- ajeitou-se na cama
--Pôxa... -- levantou-se e saiu do quarto da idosa -- Mamãe tem a mão pesada... -- resmungava
Nos grandes centros urbanos do país, fogos de artifício e gritos de felicidade histérica marcavam as comemorações de um povo que celebrava algo que deveria lamentar...
“Parte de mim estava profundamente desgostosa, Kitaabii, mas preferi me deixar saborear a honra de saber que na próxima reunião das Nações Amigas eu estaria lá, representando esse país de contrastes e equívocos tão grandes...
Que Allah me faça digna da posição que a mim foi confiada!”
CAPÍTULO 170 – Fios Invisíveis
Úrsula admirava a fazenda pelo lado de fora da porteira principal. Debruçada sobre o guidão da bicicleta suspirava de saudades da época em que trabalhava ali.
--Puta que pariu como eu tenho saudade dessa merd*... -- resmungava consigo mesma -- Será que é verdade que vão receber refugiado aqui? Se fosse era do caralh*! -- lembrava-se de uma notícia que leu na internet -- Essa porr* de vida de caixa de mercadinho cu não combina comigo! -- balançou a cabeça contrariada -- Deixa eu cuidar da porr* da vida que o dia tá foda! -- ajeitou-se na bicicleta e começou a pedalar
Bem longe daquele rincão de Guaiás, mas ainda assim ligada por fios invisíveis àquela terra bendita, uma jovem ouvia calada o sermão do pai revoltado.
--Eu não acredito, Khalayla, não acredito! -- o homem quase gritava -- Uma jovem que teve de mim tudo de bom que uma filha de Allah poderia ter! -- gesticulava -- Mesmo nesses tempos de guerra nada te faltou, eu me sacrifiquei para poupá-la, e o que você me faz? -- olhava para ela -- O que me faz? -- deu um soco no ar -- Engravidar de um maldito soldado xiita?? -- falou a frase com nojo -- Oh, a’akli a’aar! (Oh, minha alma se envergonha!) -- batia com as duas mãos na cabeça -- Grávida de quatro meses...
A moça não dizia palavra e mantinha-se de cabeça baixa.
--Você é a vergonha da família! -- o homem acusou furioso -- Se ommik (sua mãe) estivesse aqui, se abuuya (meu pai) estivesse aqui, ambos cuspiriam sobre o chão que seus pés pisam! -- gesticulava com ódio -- Agradeço a Allah por tê-los poupado dessa vergonha!
Khalayla continuava calada.
--Por sua causa eu fiz alianças com esses malditos junuud (soldados) do Estado Radical! Por sua causa! Para te poupar da malícia e da crueldade deles! -- acusou -- E para que? -- riu nervosamente -- Para você virar mahdia (vadia) nas mãos do primeiro soldado xiita que aparece!
--Eu não sou mahdia! -- protestou com os olhos marejados -- Abdullah e eu nos amamos e vamos nos casar! -- afirmou convicta
O homem riu mais uma vez e olhou para a filha com uma expressão dura. -- Abdullah não vai se casar com você ou com quem for! -- respondeu secamente -- Ele se uniu ao “grande imã oculto” -- falava com deboche -- e voltará somente ao final dos tempos! -- fez um gesto de desprezo -- Vai esperar por ele até lá? -- provocou
(Nota da autora: na teologia xiita, o imã oculto ou a Grande Ocultação refere-se ao último representante da linhagem do profeta Maomé, segundo o entendimento da corrente xiita duodécima, desaparecido misteriosamente no ano de 874 dC)
A jovem entendeu que seu amado estava morto e começou a chorar. -- Por que, baba? Por que? -- caiu de joelhos no chão -- Por que entregou Abdullah para os malditos do Estado Radical? -- deduziu o que havia acontecido -- Por que? -- cobriu o rosto com as mãos
--Você deveria me agradecer por não entregá-la também... -- lançou-lhe um último olhar -- Quando o dia amanhecer, não quero mais vê-la aqui. -- preparou-se para sair
--Choo? (O que?) -- pôs as mãos sobre o peito -- E para onde vou? -- perguntou em desespero -- Baba, estou grávida, estamos em guerra, para onde vou? -- sentia-se miseravelmente perdida -- Ya sheen theek izziwaya? (O que será de mim?)
--Não me chame de baba (pai)! -- respondeu sem olhar para ela -- A única filha que eu tive, al bajat al-rouh (o prazer da minha alma), está morta!
--EU NÃO ESTOU MORTA! -- protestou em voz alta -- E YA SAID (O SENHOR) VAI TER UM HAFIID (NETO)!
--LAA!! (NÃO!!) -- virou-se rapidamente na direção dela -- Eu sou SUNITA, Khalayla, SUNITA! -- pausou brevemente -- Preferia morrer a ter um Hafiid (neto) com sangue xiita! -- deu as costas para ela novamente -- Não quero vê-la aqui ao amanhecer. -- saiu
Khalayla encostou a testa no chão e implorou chorando que Allah a guiasse, que protegesse a criança que carregava no ventre e que acolhesse Abdullah em seu reino de glórias eternas. Ela não sabia, mas estava sendo velada e protegida por irmãos do Alto. A futura mãe de Raja sentia tristeza, dor e muito medo, mas algo no fundo de seu coração parecia lhe dizer suavemente: Não temas, minha amada. O Divino Jardineiro cuida de ti, flor de Suriyyah.
Há poucos quilômetros dali, a sorte de outra jovem era bem diferente.
--Grávida, habibi? -- Yahia perguntava radiante -- Você está grávida? -- sorria -- Tem certeza? -- sentia o coração acelerar -- Estamos tão sem recursos na farmácia da cidade, como pode saber? -- desejava que fosse verdade
--Eu sei, zogii (meu marido), eu sinto! -- a mulher respondeu enfática -- Estive na tenda de um marabuto (vidente) ontem com ommak (sua mãe), para confirmar ou negar este sentimento que tenho, e ele confirmou! -- sorriu também -- Estou grávida! -- acreditava no fato -- Não temos recursos para um teste de gravidez mas não preciso! Estou grávida, ana a’arfa (eu sei)!
--Oh, Aba, que felicidade! -- segurou as duas mãos da esposa e beijou-as -- Vamos, ya gamil (minha linda), temos que contar esta notícia maravilhosa para todos em nosso clã! -- levantou-se de um pulo -- Depois dos ataques de ontem, a notícia de que receberemos um awlaad (filho) dará alma nova para todos!
--Eu desejo muito essa criança mas tenho medo. -- levantou-se também -- Como será criar alguém em tempos de guerra? -- olhava para o homem
--Não pense nisso, habibi! -- segurou o rosto dela com as duas mãos -- Confiemos em Allah! Ele nos dará forças e cuidará de nosso awlaad em tudo que ele precisar!
A fé inabalável do futuro pai de Selima confortou o coração opresso de sua esposa.
***
--Aí, sogrona, tive um sonho que foi responsa! -- Getúlio conversava com Leda -- Sonhei que uma galera do bem vinha me dizer que a princesa tava esperando uma princesinha, tá ligada? -- sorria -- Já pensou se fosse verdade? -- olhava para a idosa -- Manêro tê um casal de filho... -- balançava a cabeça pensativo
Leda prestava atenção ao que ouvia. -- Sabe que quando vocês chegaram aqui e eu bati os olhos em Raquel também me veio a sensação de que ela tava com um jeito diferente? -- comentou -- "Será?” -- perguntava-se
--Tá vendo, sogrona? Se até a senhora sentiu essas parada aí é porque a coisa é certa! -- deu um tapa no braço da poltrona -- Vô comprá uns teste de farmácia pra gata e dá uns toque nela pra fazer exame, sabe qual é? -- estava animado -- Se ela tivé mermo barriguda o Di vai se amarrá, aí!
Deodoro brincava com o neto da vizinha no quintal da casa de Leda.
--E emprego, hein, menino? -- cobrou logo -- Mais um filho é mais responsabilidade e eu não vou ficar aqui pra sustentar neto! -- olhava seriamente para ele -- Muito menos pra sustentar genro! -- advertiu -- Quem enche fiofó de Judas é trapo!
--As parada tão punk mas eu tô no mercado, sogrona, pode levá fé! -- garantiu -- Tô ralando numa obra aí e meu nome já tá nos esquema pra pegar outra quando essa acabar. -- falava com empolgação -- Aquele zé ruela preguiçoso e sem grana que a senhora conheceu não existe mais! Rodou!
--Acho bom! -- prestava atenção ao jeito dele -- Acho bom! -- balançava a cabeça -- "Bem que eu ia gostar mesmo de uma netinha! Essas minhas filhas vivem piando curnicha, mas fazer filho que é bom, nada!” -- pensava
--Tá vendo que maravilha, Clarice? -- Raquel falava enquanto comia um baguete inteiro recheado com queijo e presunto -- Mamãe e Gê conversando na sala como se fossem grandes amigos? -- sorriu para a irmã -- Quem diria, hein? -- deu mais uma mordida no pão
--É, eu tô vendo... -- as irmãs estavam na conversando na cozinha -- Acho que finalmente seu marido deixou de ser ogro! -- achou graça
--Ai, pára com isso. -- fez um gesto -- Ele mudou, a gente tá bem e finalmente posso dizer que tenho um marido! -- mordeu o pão mais uma vez -- Bom...
Aproximou-se da irmã e perguntou em voz mais baixa: -- Aquele cigano safado então...? -- olhava para ela -- Acabou de vez, né?
--Graças a Deus! -- benzeu-se -- Desde aquele dia em que tomou banho de água de merd* aqui no portão desapareceu da minha vida! -- as duas riram -- Agora é vida nova e não quero mais saber de Fagundes! -- comeu o último pedaço de pão -- Tô muito feliz com essa reviravolta que o Gê deu na própria vida e que assim continuemos. -- reparava na cozinha -- Clarice, vem cá, não tem um franguinho assado por aí, não? De repente me deu uma vontade de comer frango!
--Mas meu Deus, criatura, que é isso? -- arregalou os olhos -- Desde que chegou aqui você só fez comer! -- estava chocada -- Comeu bolo de cenoura, uma caixa de caqui, um abacaxi, duas caixas de biscoito recheado e mais uma baguete inteira com presunto e queijo e ainda tem fome pra atacar um frango? -- pôs as mãos na cintura -- Você é a maior esfomeada que eu conheço, mas tá um pouco demais, não acha, não?
--Ih, Clarice, pára, ow! -- fez uma careta -- Fica aí me regulando... -- passou a mão nos cabelos -- Eu não sei se é o amor renascendo na minha vida mas noto que ultimamente meu apetite aumentou um pouquinho...
--Um pouquinho? -- achou graça e cruzou os braços -- Só me lembro de te ver com essa fome de leão na época em que tava esperando o Di... -- calou-se bruscamente e ficou pensando -- Raquel, será que você...?
--Grávida? -- olhou para o próprio ventre e pôs as mãos sobre ele -- Ai, meu Deus, será? -- sorriu -- Acredita que o Gê me falou que sonhou com isso? -- riu brevemente -- Sei lá, mas eu acho que iria amar ter mais um filho! -- mordeu o lábio inferior -- E se fosse uma menina ia gostar ainda mais!
--Já pensou? -- puxou uma cadeira e sentou do lado da outra -- Por que não faz um teste de gravidez?
--Ai, eu vou fazer! -- empolgou-se com a ideia -- Mas antes... -- deu um sorriso amarelo -- Tem certeza que não tem um franguinho esperto por aí?
***
--Homi... -- Dora se aproximou do marido que envernizava uma tábua -- Khadija andô mi falandu uns trem e num sei... Dicidi fazê uns testi...
--Testi? -- olhou para ela sem entender -- Khadija falô uns trem...? -- parou de trabalhar -- Du qui ocê tá falandu?
--Tô grávida! -- respondeu sem rodeios -- Trêis meis... -- sorriu
--O que?? -- mostrou um largo sorriso -- Grávida?? -- abriu os braços -- Mais qui nutíça danada di boa pur dimais da conta, muié! -- abraçou-a com força -- Nóis vai tê mais um fio! -- fechou os olhos -- Mais um fio...
--Eu num tava isperandu pur issu, mais... -- desvencilhou-se dele e segurou o rosto do marido com as duas mãos -- im todu tempu tê um fio teu sempri mi é mutivu di filicidadi, num sabi?
Beijou-a. -- Pois eu tô filiz pur dimais! -- levantou-a no colo sem que ela esperasse -- Quandu Khadija vortá du colégiu vai ficá filiz também! -- rodava com a esposa pela casa -- Ispera só eu contá pra baba e maama! -- sorria
--Homi, mi põe nu chão! -- achava graça -- Ocê vai ficá tontu e nóis vai caí us dois, num sabi?
Achou graça também e colocou-a de pé. -- Vô ligá pra Cid e Ahmed e dizê prus dois í butá baba e maama hoji à noiti. -- planejava -- Nóis vai anunciá modi todu mundu sabê! Maama, baba, meus irmão, minhas cunhada, meus subrinhu, camma Najla e Georgina. -- estava feliz -- Ocê acha qui nóis fala pra Khadija antis ou juntu cum us ôtro da famia?
--Khadija sabia o tempu todu, homi! Foi ela quem mi dissi qui eu ia tê mininu e bem antis di eu tê feitu us testi! -- contava
--Uai?! -- ficou surpreso
--E ti digo mais: -- gesticulou -- inda dissi qui Cidmara também ia ganhá irmão!
--Oxi e cumé qui pódi issu? -- coçou a cabeça intrigado -- Penha num tem mais comu tê fio, não, sô! Cid mi contô qui ela num tem mais as regra!
--Penha não, mas e a muié cum quem tem irmão si deitô? -- pôs as mãos na cintura -- Cid num andô pulandu cerca? E si a forastêra pegô barriga?
--Avi Maria... -- exclamou em estado de choque -- Num queru nem pensá nissu!
***
--Carolina, pelo amor de Deus! Grávida? -- olhava para a amiga -- Você não podia ter escolhido um momento pior pra isso, não? -- perguntou ironicamente -- Com toda certeza a Presidenta vai cair hoje, meu bem, e com isso teus dias no cargo tão contados! Não interessa que você tenha competência de sobra, tudo em política é legenda de partido! -- gesticulava -- O governo interino não vai te manter! Alguma dúvida nisso?
--Eu sei, Marina, não precisa ficar me jogando isso na cara! -- passou a mão nos cabelos
--E agora não dá mais nem pra abortar! Tá com cinco meses! -- reprovou
--Eu pensei em abortar mas mudei de ideia. -- respirou fundo -- Fiquei com medo e ao mesmo tempo com pena da criança que não tem culpa de nada... -- parou em frente a janela e ficou olhando para fora
--E de quem é esse filho? -- perguntou curiosa -- Não me diga que é de algum desses velhotes casados do Congresso?
--Não ferra, Marina, onde você já me viu desfilando com velhote do Congresso? -- respondeu aborrecida -- Sempre respeitei o lugar de trabalho e não sou do tipo que pega velho pra ganhar dinheiro! -- pausou brevemente -- Saí com um piloto da frota algumas vezes, o cara era gostoso pra caramba e eu acabei dando bobeira na hora de me cuidar. -- contava -- Nessa confusão ele foi mandado embora e nem soube que engravidei.
--Que maravilha! -- revirou os olhos -- Grávida de um desempregado que você nem deve saber por onde anda...
--Eu não tava, como não tô, a fim de compromisso com ele! -- afirmou de pronto -- Essa gravidez não tava nos meus planos, foi uma coisa que simplesmente aconteceu! -- começou a andar de um lado a outro -- Tô até pensando em sair do país, sei lá! -- considerava -- Aproveitar que minha irmã casou com um ricaço de Godwetrust e de repente tentar a vida lá... -- pensava em possibilidades -- Aposto que em menos de um mês esse futuro governo interino vai me dispensar!
--Mas pra isso vai ter que esperar a criança nascer, né? Ou vai querer ter esse filho lá? -- tentava entender os planos da outra -- A imigração de Godwetrust não vai ver com bons olhos uma mulher bonita, jovem, desempregada, solteira e grávida querendo entrar no país! -- olhava para a outra -- Se bem que também não vão gostar muito de ver uma mulher bonita, jovem, desempregada e solteira com um filho no colo!
--Não, eu vou ter esse filho aqui, -- respondeu de pronto -- e não vou levar essa criança comigo pra Godwetrust. -- falava seus planos -- Se eu for mesmo pra lá, vou sozinha. E mesmo que não vá, não quero criar ninguém. -- parou de andar -- Nunca quis ser mãe e isso não mudou em mim.
--E vai fazer o que? -- levou um susto -- Deixar pra tua mãe criar? Duvido que ela queira! -- parou para pensar -- Ai, Carol, não me diga que você vai dar o pobrezinho pra adoção? -- ficou chocada -- Isso é sacanagem!
--Nada disso! -- desconsiderou -- Vou ter esse bebê, comprar um enxoval bem massa e deixar ele pra uma pessoa criar. -- sorriu -- Tenho certeza que a criança estará em muito boas mãos!
--Tá pensando em quem? -- não entendia -- Não me diga que é em mim? -- apavorou-se -- Olha só, amiga, pelo amor de Deus não me arruma problema que eu...
--Que você nada! -- interrompeu-a -- Tô pensando em outra pessoa que eu conheci... -- referia-se a Cid -- Ele sabe fazer conta e vai sacar que não é o pai, mas... algo me diz que ele vai aceitar o bebê quando me ver com a criança nos braços...
A futura mãe de Sanya decidia entregar a filha para a família à qual um dia pertenceu.
***
Em um bairro pobre na cidade de Arapiçava, uma jovem de 14 anos carregava uma lata d’água na cabeça. Grávida de seis meses, seguia por uma viela estreita, sujando os pés na terra suja que cobria todo o terreno. Subnutrida e ignorante, pensava no que fazer da vida uma vez que a gravidez inesperada impediu-a de continuar na prostituição que lhe trazia o sustento para si e sua família. Como tantas mulheres pobres espalhadas pelo mundo, usava seu corpo mal tratado e jovem como fonte de renda, abrindo mão de seus sonhos e desejos, uma vez que desde cedo não lhe foi permitido escolher. Não fazia exames e não se cuidava como deveria por falta de oportunidade, recursos e conhecimento. Rosa Maria sequer poderia imaginar que esperava gêmeos e que exatamente por isso, seria expulsa de casa depois que eles nascessem. Mentalmente pedia a Deus que proporcionasse a seu bebê a vida que ela não teve.
--É muito triste, akhuuya (meu irmão)... -- Khaled dizia para Youssef -- camm Ibrahim e Adel nascerão através de uma pobre moça tão sofrida... -- prestava atenção na jovem -- Eu me revolto tanto, sinto tanto ódio! -- olhou para o outro -- Que tipo de cela (família) explora uma jovem na prostituição desde os doze anos? Que tipo de baba permite isso? -- perguntava desgostoso -- Que tipo de homem paga por sex* com uma menina? -- não se conformava -- Meu nojo é tanto que minha vontade é só de acabar com essa gente miserável! -- pensava com violência -- We att sharad wayah Il afkar! (Meu cérebro é incapaz de se concentrar!) A fúria me invade por inteiro!
--Yahda’u, Khaled! (Fique calmo, Khaled!) -- Youssef aconselhou mansamente -- Seu ódio não fará qualquer bem a Rosa ou a você mesmo. -- advertiu -- A realidade dessa moça, infelizmente, é a mesma de diversas mulheres no mundo inteiro, as quais são exploradas sexu*l*mente apenas porque os homens ainda não aprenderam que devem louvar a Deus e não ao próprio p*nis. Tudo se passa muito mais por uma triste e mesquinha necessidade de se sentir no controle do que por desejo sexu*l* propriamente dito. -- explicava -- E aqueles que se sustentam mediante a exploração sexu*l* de crianças, de mulheres ou de homens, são criaturas infelizes e incapazes de ver o sangue sujando o dinheiro que obtêm de modo miserável. -- pausou brevemente -- Estão todos perdidos e equivocados. Obrigatoriamente colherão os frutos da semeadura podre que fazem. -- olhou para o irmão -- Quanto às pobres criaturas exploradas, tenha em mente que não estão abandonadas. Nenhuma está, mesmo que pareça! -- garantiu -- Foi-nos permitido estar aqui para auxiliar essa moça e nós o faremos. -- sorriu -- Ela e seus filhos que irão nascer não estarão de forma alguma desprezados pelo Amor Divino, mesmo que a sociedade lhes desclassifique por suas origens humildes.
Khaled respirou fundo, buscou limpar a mente dos sentimentos ruins e novamente prestou atenção na jovem. -- Sonho com o dia em que as promessas do Rabi sejam concretizadas e que nunca mais coisas como essa aconteçam no planeta Água! -- desejou -- Sonho com uma sociedade transformada, justa, onde homens e mulheres tenham o mesmo valor e onde ninguém seja explorado pelo motivo que for!
--E isso vai acontecer! -- afirmou convictamente -- Para isso trabalhamos, akhuuya (meu irmão): para apressar o dia em que o Mal será apenas um capítulo antigo na história desse planeta!
--Inshallah! (Se Deus quiser!) -- desejou -- Rahimaka Allah, Rosa Maria (Deus te abençoe, Rosa Maria)! -- mentalizou bênçãos para ela
--Não tema pelo futuro, ya Warda (minha Rosa)! -- aconselhava a jovem, mesmo que não o ouvisse -- Estamos todos ligados por fios invisíveis traçando uma teia infinita pelas muitas moradas na casa de Meu Pai. Ninguém fica sozinho! Abadan! (Nunca!) -- Youssef irradiou o corpo da moça com energias revigorantes -- Rahimaka Allah, Rosa Maria (Deus te abençoe, Rosa Maria)!
CAPÍTULO 171 – A Morte de Uma Jovem
--Eu não sei o que tá acontecendo com o povo desse país! Realmente eu não sei! -- Cátia andava revoltada de um lado a outro na sala -- Você divulgou exaustivamente as denúncias que Dimitrius te passou, eu divulguei tudo e mais um monte de gente por Terra de Santa Cruz afora mostrou evidências por suas próprias fontes! -- gesticulava furiosa -- Até a imprensa internacional tem sido unânime em provar que essa merd* é um golpe e ainda assim aconteceu? -- não se conformava -- Me explica isso, amor? -- olhou para Jamila
--Esse golpe é uma articulação internacional, habibi, coisa muito grande! Conta com total apoio da nossa poderosa imprensa... -- suspirou desanimada -- Aconteceria de uma forma ou de outra, embora eu não me arrependa de nada do que fiz. -- sentou-se na poltrona
--Parece que as mentes estão lavadas! -- reclamava -- Sempre que eu falava alguma coisa, aparecia alguém e me chamava de comunalha, filhote de Vilma e por aí vai! Justamente eu, que nem votei nela e era super crítica do governo que fazia!
--Meu bem, eu fui tão atacada pela internet que até parecia que a corrupta e a golpista era eu! -- passou a mão nos cabelos -- Essa merd* toda me custou até o emprego, porque a discussão que tive com meu chefe me fez pedir as contas!
--Você já tem mais que condições de montar o seu próprio escritório, Jamila, não precisa ficar trabalhando pra ninguém! -- parou diante dela -- Você tem uma reputação forte e um nome consagrado que esses idiotas que te agrediram não têm condições de manchar!
Sorriu para a loura. -- Não é de hoje que tenho pensado nisso. -- concordava com a ideia -- E agora vou começar a agir pra fazer acontecer!
--Você é do tipo que sabe fazer acontecer... -- afirmou com duplo sentido e se ajoelhou diante da esposa -- Você realmente é uma advogada que sabe fazer direito! -- continuava com suas frases dúbias
--Ah, é, habibi? -- envolveu-lhe o pescoço com os braços -- Você acha? -- beijou-a
--Tenho certeza! -- beijou-a com desejo -- Certeza... -- puxou-a para junto de si -- Gostosa, vem! -- apertava-lhe com mãos ansiosas
--Amor... espera... -- desvencilhou-se com jeito -- Espera... -- ajeitou-se no sofá -- Me perdoa, mas hoje não dá... -- olhava para a loura -- Tô muito chateada com essa fuleiragem da porr* que aconteceu! -- levantou-se -- Quando eu penso que essa merd* toda vai custar muito caro e que não serão as 20 mil famílias de rentistas que detêm a quase totalidade da dívida pública desse país que vão se ferrar. E que eles ainda lucram de forma indecorosa com os juros dessa dívida... -- passou a mão nos cabelos -- Quando eu penso que não serão aqueles que mantêm mais de 1,3 trilhão de reales ilegalmente em contas no exterior que vão se ferrar... -- achava graça pelo absurdo -- Quando eu penso que não serão os banqueiros e seus lucros absurdos e sua ganância sem freios... -- olhava para a geofísica que se sentou no chão -- Quando eu penso que não serão os beneficiários da mais perniciosa e imoral concentração de renda do planeta que vão se ferrar, muito menos a aristocracia do funcionalismo público, das carreiras privilegiadas no Judiciário, no Ministério, no Legislativo... Quando eu penso em tudo isso me dá tanta raiva, tanta revolta... -- deu um suspiro profundo -- Como ao longo da história da humanidade, sempre se exigem vítimas que se sacrifiquem, que sangrem para o bem estar dos dominantes... E essas vítimas seremos nós: o povo de Terra de Santa Cruz!
(Nota da autora: baseado em partes do discurso do senador Roberto Requião em 24/06/2016)
--Eu sei, amor... -- concordou desanimada
--La mo'axza, ya habibi (Desculpe, minha querida), mas hoje, por mais que eu te ame, meu tesão foi à zero... -- lamentava-se -- Hoje mataram uma jovem que eu gostava muito, chamada Democracia... -- balançou a cabeça contrariada -- Vou tomar um banho e dormir. Tô sem cabeça pra nada... -- soprou um beijinho e saiu da sala
--Mas é uma merd* mesmo! -- Cátia resmungava sozinha -- Eles conseguem ferrar a gente na rua e dentro de casa! -- deu um tapa na coxa -- Nem a uma sacanagem básica pra fazer esquecer das dores, uma professora tem direito... -- fez beicinho -- Tomara que pra completar não me dê câimbra na mão! -- olhou para as próprias mãos -- Olha lá, hein, gente? -- advertiu as duas -- Conto com vocês!
***
--Tô tão chateada, amor... -- Clarice lamentava no colo da amada -- O Senado aprovou o impeachment e daqui por diante tudo vai ser uma droga pro povo... -- suspirou -- O governo interino vai limitar os gastos públicos por onze anos, o que forçosamente vai levar à privatização de um monte de coisas: universidades, hospitais, empresas públicas de água e saneamento... -- sentia vontade de chorar -- Os direitos trabalhistas deixarão de ser legislados pra serem negociados e a gente vai voltar ao que era na década de 30... -- suspirou -- Ciência e tecnologia com os dias contados... a verba será ínfima!
--Também tô muito triste, Sahar. -- beijou a cabeça dela -- Hoje, nesse dia de hoje, eu não me sinto cidadã de Terra de Santa Cruz... -- desabafou -- Sou estrangeira, tô no vento... -- abraçou-a com força -- Ya wail... (Que pena...)
--Será que os golpistas vão tirar você da comissão que nos representa nas Nações Amigas? -- perguntou preocupada -- Ainda nem teve qualquer reunião, você não teve condições de fazer nada... Será que vão te tirar?
--Laa acrif... (Eu não sei...) Talvez a Presidenta tenha razão e eles nem percebam que eu existo... -- lembrava-se das palavras da mulher -- Ou então eles mudam todo grupo e eu saia sem nem mesmo ter entrado de fato... -- pausou brevemente -- Sei lá. -- ajeitou-se no sofá -- Mas, olha, não vamos nos entregar a essa tristeza porque a luta não acabou! -- olhava para a amada -- Do contrário, agora é que ela tem que se intensificar!
Desvencilhou-se da astrônoma e se sentou. -- Eu quero muito lutar mas não sei como! -- desabafou -- O que fazer? Ir pra rua, me articular pela internet, puxar mais pelos alunos? -- sentia-se perdida -- A gente se mobilizou ao máximo que podia e adiantou o que?
Ficou pensando antes de responder. -- Aamal aeh? (O que eu deveria fazer?) Também me pergunto mas não sei... -- levantou-se -- Sahar, é melhor não pensarmos nisso agora! Você ouviu o que se falou no centro: o clima tá ruim, muita gente somando nessa onda de pessimismo, ódio, intolerância, tristeza, revolta... -- olhava para ela -- Não se pode perder a esperança! -- pausou brevemente -- Vamos mudar de assunto, pensar em outras coisas e na hora de deitar a gente pede orientação a Deus. A inspiração há de aparecer aos poucos e nós vamos lutar por uma solução pro país à nossa maneira.
--Tá certo... A gente não tem mesmo o que fazer agora... -- concordou -- Tô me sentindo péssima, só que não posso ficar cultivando fossa, né?
--Também tô me sentindo péssima, mas tem que pensar positivo, Sahar! -- deu um sorriso triste -- Vem aqui, vamos dançar! -- estendeu as mãos e convidou -- Me dá a mão!
--Dançar sem música? -- achou graça e segurou as mãos dela -- O que vamos dançar, meu bem? -- levantou-se
--Que tal... -- fingiu que pensava -- festa de junho? -- sorriu com um pouco mais de alegria
--Festa de junho no mês de maio? -- achou graça de novo -- Tá bom, eu topo. Mas e a música?
--Macleech! (Não se preocupe!) -- afastou-se pulando -- Eu resolvo isso! -- foi até o rádio e mexeu na gaveta de CDs
“Zinara parece criança...” -- achava a amada engraçadinha
--Achei! -- pegou um CD específico -- Sahar, Sitol Nisaa (Rainha das Mulheres), conceda-me a honra desta dança! -- colocou o disco para tocar em uma faixa específica -- Balancê de damas! -- voltou dançando para perto da namorada
https://www.youtube.com/watch?v=fzjwNhhTSg0
“Olha pro céu, meu amor,
Vê como ele está lindo,
Olha praquele balão multicor,
Como no céu vai sumindo...”
--Você é doidinha, Zinara! -- riu e se abraçou com ela dançando
--Otrefoá, Sahar! -- brincava -- Foi numa noite igual a esta, que tu me deste o coração... -- cantava -- O céu estava assim em festa, pois era noite de São João...
--Você adora festa de junho, né? -- perguntou enquanto dançavam -- Já mudou até meu humor!
“Havia balões no ar,
Xote, baião no salão,
E no terreiro o teu olhar,
Que incendiou meu coração...”
--Conhecemos as festas de junho em Guaiás, na fazenda de camma Najla. Depois vieram as festas do clube Cedro-Suriyyah. Sabia que eu era a marcadora da quadrilha? -- contava -- Os termos são em gálio e eu era a única que sabia falar! -- riram -- Mas foi em Cidade Restinga que elas atingiram o auge na minha vida! -- conversavam enquanto dançavam -- Vocês aqui se perdem no carnaval, a gente lá é no mês de junho... -- explicava -- Olha o governo interino! -- curvou-a sobre o próprio corpo rapidamente
--É mentira! -- a paleoceanógrafa respondeu rindo
“Olha pro céu, meu amor,
Vê como ele está lindo,
Olha praquele balão multicor,
Como no céu vai sumindo...”
Olha pro céu - Luiz Gonzaga
E o telefone começou a tocar.
--Logo no melhor da festa? -- Clarice lamentou bem humorada
--Deixa eu atender, habibi. -- beijou-a nos lábios e se desvencilhou para pegar o telefone -- Alô. -- esperou resposta
--Alô. É Akemi, né? -- a fisioterapeuta respondeu -- Precisa falar com Zinara.
--Sou eu, ya Akemi. -- ficou desconfiada e olhou para a namorada -- Aconteceu alguma coisa?
Clarice foi até o rádio e interrompeu a música. “O que será? Ela nunca liga...” -- pensou desconfiada
--Dona Julieta quer aumento condomínio dez vezes causa de Presidenta que saiu. -- informou -- Dona quer reunião e fazer obra.
--Dah mumill (Isso é um saco), mas que diacho! -- reclamou -- Nem há quilômetros de distância ya Julieta deixa de me infernizar, aHHa?
--Essa senhora é mesmo doida! -- a paleoceanógrafa disse para si mesma
--Akemi não pode pagar condomínio nesse preço! Muito caro!
--E nem deve! -- gesticulou revoltada -- Ya Akemi, faça o seguinte: ofereça uma massagem pra ela em troca do dinheiro do condomínio e aperte aquela bicha com toda fé que puder! -- recomendou -- Vamos ver se depois dessa ela vai manter essas ideias! -- sorriu -- "Ya Julieta vai ficar tão abestalhada que vai esquecer até pelo que veio!” -- pensou vingativa
--Akemi gosta da ideia. Síndica anda com coluna arriada. Vai fazer! Tchau! -- desligou
--Arriada vai ficar depois de levar uns apertos em terceiro grau! -- colocou o telefone no gancho -- Sahar, já sei por onde vamos começar! -- olhava para a amada -- Vamos pra Cidade Restinga fazer o impeachment de ya Julieta sem dó nem piedade! -- gesticulava com raiva
Clarice riu. E o telefone toca novamente.
--Oh, Aba e agora? -- Zinara atendeu mais uma vez -- Alô? -- esperava pelo pior
--Minha irmã taí, por favor? -- respondeu simplesmente
Reconheceu a voz. -- Masaa il-kheer (Boa noite) pra você também, Cecília. -- olhou para a amada -- Vou passar pra ela. -- entregou-lhe o telefone -- Pra você, Sahar.
Atendeu desconfiada. -- Oi, Cecília, boa noite. Algum problema? -- aguardava resposta -- Você nunca liga...
--Que nada, menina! Você e essa Comunidade são tão desconfiadas, eu hein? -- respondeu em tom animado -- Que coisa estranha pode haver em uma irmã ligar pra outra?
A astrônoma foi para a cozinha beber água.
--Sei... -- não acreditava naquele desinteresse -- Mas comecemos com você deixando de uma vez por todas de chamar minha mulher de Comunidade! -- falou mais seriamente -- Ela tem nome e é Zinara!
“Minha mulher? Nossa, Clarice nunca se assumiu com essa raça toda...” -- pensou surpreendida -- Tá bom, não tá mais aqui quem falou. -- queria mudar de assunto -- Fiquei sabendo que Raquel tá grávida, né? E mamãe disse pra dona Ritinha que uma das tuas cunhadas tá grávida também... -- comentou -- Coisa, que todo mundo engravidou na mesma época, né, menina?
--Legal, né? Fiquei muito feliz com tudo isso! -- respondeu com sinceridade -- "Onde será que ela quer chegar?” -- continuava desconfiada
A morena voltou para a sala e ficou intrigada com a expressão enigmática no rosto da outra. “O que será que essa Cecília quer?” -- desejava saber
--Mastô e eu tamos vendo também... a gente pensa em adotar, você sabe... mas a coisa tá complicada que nem te conto! A burocracia nesse estado pra adotar uma criança é surreal! -- reclamou -- Acho que eles preferem que as pobrezinhas fiquem largadas pelas ruas ou sofrendo nos orfanatos!
--Continuem insistindo que uma hora vai dar certo! -- aconselhou -- O que não falta nesse mundo é criança precisando de um lar!
--Pois é... -- pausou brevemente -- Clarice, olha só... O apê de Mastô não dá pra fazer um quarto legal prum bebê e a gente até pensou em tentar lá na casa da Comu... da Zinara, -- consertou-se rapidamente -- mas ela alugou praquela outra lá, né? -- referia-se à Akemi -- Então assim... todo mundo sabe que a renda do pessoal assim, tipo gay, é superior, né? Daí fiquei pensando... você é uma mulher mais... como dizer? Espiritualizada... -- entrava no motivo real de sua ligação -- Será que você não emprestava um dinheiro pra gente? -- pediu sem rodeios -- Coisa assim, não muito... quatrocentos mil reales?
--O QUE?? -- arregalou os olhos
Zinara espantou-se também. “Ô, meu Pai, o que essa bicha tá dizendo?” -- queria saber
--Tem um apartamento divino na parte nobre da cidade, frente pro mar, num condomínio fantástico e esse dinheiro é só o que a gente precisa. O resto é por nossa conta! -- esclareceu -- Mastô tá querendo trocar de carro por um modelo maior e aí tem que poupar o nosso orçamento, né, senão não damos conta!
--Cecília, faça-me o favor, viu? Tá pensando que virei banco, é? -- respondeu de cara feia -- Boa sorte com o processo de adoção e me poupe! Não tô aqui pra sustentar seus luxos!
--Gente, que é isso? -- respondeu indignada -- Clarice, pelo amor de Deus, sou tua irmã!
--E você só lembra disso quanto te é conveniente! -- respondeu de pronto -- Boa noite! -- desligou o telefone na cara da outra -- Eu hein, era só o que faltava!
--O que foi? Ela queria o que? -- não se aguentava de curiosidade -- Bitichkii min eh? (Qual é o problema?)
--Simplesmente quatrocentos mil reales! -- caminhou em direção ao rádio
--Choo? (O que?) -- arregalou os olhos -- Smallah! -- estava pasma -- Pra que?
Voltou com as músicas de festa de junho. -- Pra comprar um apê de frente pro mar em condomínio de luxo, já que o seu não está disponível e Mastô quer trocar de carro! -- sumarizou -- Vamos dançar, amor! -- abriu os braços -- Não tô dando conta! -- acabou achando graça
--Simbora! -- aproximou-se dançando -- Anarriê! -- voltaram a brincar
E nisso, alguém bate na porta.
--Mas será possível...? -- a caipira foi abrir a porta contrariada
--Quem será? -- voltou a desligar o rádio
A morena abriu a porta e deu de cara com uma senhora que nunca havia visto. -- Masaa il-kheer... (Boa noite...) -- estava desconfiada -- Pois não?
--Boa noite. -- sorriu -- Não nos conhecemos mas eu sou a síndica do prédio. -- apresentou-se -- Moro no apartamento abaixo do seu e vim pedir pra que desligue mesmo o rádio porque já é tarde, quero dormir e simplesmente detesto músicas de festa de junho! -- falou tudo de uma vez -- Temos no estatuto do condomínio uma legislação muito rigorosa contra barulhos e bagunças em geral.
--Oxe! -- surpreendeu-se -- Mas não tava nem tocando alto. -- olhou para o relógio -- "Vixi, mas de fato tá tarde mesmo...” -- ficou sem graça
--Eu escuto muito bem, devo dizer. -- a mulher acrescentou -- Seu apartamento é muito barulhento mas hoje passou dos limites. -- sorriu novamente -- Boa noite. -- cumprimentou com a cabeça e se retirou
--Como assim é muito barulhento? -- perguntou-se intrigada ao fechar a porta -- Ezzai? (Como pode?)
--Ai, amor, será que ela se referia a... -- aproximou-se da outra -- Eu faço barulho, né? -- comentou sem graça
--Vixi, mas será...? -- estava pasma -- Sahar, anote aí: eu insisto que a gente tem que comprar um apartamento somente em condomínio onde a síndica seja surda! -- gesticulava
Riu. -- Vamos dormir, amor... hoje não foi o nosso dia. -- beijou-a
--Warana ay? (Que mais se pode fazer?) -- levantou-a no colo -- Vamos dormir abraçadinhas, Sahar. -- foi caminhando para o quarto -- Quero fazer minha oração com você nos meus braços.
--Já disse que tô amando ter você aqui em São Sebastião? -- envolveu o pescoço dela com os braços e beijou-lhe o rosto -- Você conseguiu transformar um dia triste numa coisa especial pra mim... mesmo que a síndica tenha escutado tudo... -- olhava apaixonada para a morena -- Behebbik ya, Zinara! (Eu te amo, Zinara!)
--Wana ahbk aydana! (Também te amo!) -- deitou-a sobre a cama e se beijaram ternamente
CAPÍTULO 172 – Nações Amigas
Werneck lia o jornal durante as primeiras horas do dia. Estava na copa aguardando o horário de início das aulas.
--Eita, olha isso aqui! -- reconheceu um rosto estampado no jornal -- Zinara! -- sorriu
Bernadete vinha chegando e o ouviu falando consigo mesmo. -- Zinara tá no jornal?! -- surpreendeu-se -- Por isso que você tá falando sozinho? -- provocou
--E num é, mulher? -- olhou rapidamente para ela -- Escuta isso: -- preparou-se para ler -- A Presidenta afastada Vilma Youssef recua de suas ameaças e não denuncia golpe em seu discurso na reunião das Nações Amigas, ocorrida ontem, em Neu Yok. -- lia a notícia
--Oxe! E ela foi? Mesmo depois do impeachment? -- não entendia
--Não tenta entender essas coisas e presta atenção na parte que Zinara entra. -- olhou novamente para a colega antes de voltar a ler -- Focada em assuntos sobre o clima, o diferencial desta reunião foi a participação de uma cientista polêmica de Terra de Santa Cruz: a doutora Zinara Raed. -- sorriu -- Formada em astronomia, astrofísica e matemática, Zinara Raed se tornou conhecida mundialmente por suas pesquisas sobre astronomia e clima, mantendo-se há anos na denúncia daquilo que chama de “farsa do aquecimento global antropomórfico”. -- continuava lendo -- Ultimamente, a cientista tem sido citada por suas antigas previsões acerca de um nono planeta no sistema solar, as quais começam a se tornar de aceitação cada vez mais global.
--Gente! -- sentou-se ao lado dele -- Eu tenho acompanhado isso aí! -- comentou empolgada -- Zinara foi a primeira cientista que ouvi falando sobre esse planeta. Antes dela, só ouvia gente de religião tocando nesse assunto.
--A cientista conclamou a todas as nações que se lançassem em um estudo mais aprofundado sobre os efeitos que a aproximação do tal planeta acarretariam para o planeta Água. -- mantinha-se atento à leitura -- Embora mantivesse o tom em termos estritamente científicos, a doutora publicou um artigo na internet (veja o endereço abaixo) onde alerta a Humanidade quanto a suas escolhas. De acordo com o referido texto, somente uma mudança nos padrões comportamentais da maioria das pessoas poderia evitar catástrofes inimagináveis devido à verticalização do eixo do planeta Água, como decorrência do magnetismo intenso do Planeta Nove. -- terminou de ler
--Eu sabia que Zinara tinha grandes planos em mente quando se mudou pra São Sebastião! -- Bernadete comentou empolgada -- Só não sabia que ela era amiga da ex Presidenta...
--Sabia que eu acabei ficando com medo dessa reportagem? -- fechou o jornal -- Na legenda eles fazem questão de dizer que Zinara foi indicada pela Presidenta e da forma como escreveram me pareceu que o desejo era de ridicularizar o que ela falou na reunião...
Fez uma cara feia. -- Pior que é, né? -- reconsiderou -- Mas vamos torcer pra que no final a repercussão seja positiva. -- desejou -- Zinara pode ser qualquer coisa, menos burra! -- olhava para o colega -- Alguma coisa boa pode vir disso daí.
Bem longe dali, o Primeiro Ministro de Suriyyah pedia licença para tratar com seu Presidente.
--Ainda não entendi porque Vossa Excelência, oh, magnânimo, se interessou tanto por obter mais informações sobre aquela cientista de Cedro, -- estava de pé diante do homem -- mas aqui está tudo que fui capaz de conseguir no prazo que Vossa Excelência me concedeu. -- apresentou um pequeno dossiê -- ItfaDDal! (Por favor!) -- esperou que o outro recebesse o material
--A'teni hatheh! (Dê-me isso!) -- começou a folhear. -- Tampouco sei explicar porque, mas de fato ela me deixou muito intrigado. -- pausou brevemente -- Hum... Vejo que essa doutora Zinara Raed tem um currículo invejável! -- admirou-se
O homem não imaginava que seu interesse fora induzido por irmãos desencarnados de Cedro e Suriyyah.
--Smallah! -- surpreendeu-se -- Ela recorre em um processo indenizatório contra nós há anos! -- admirou-se com a descoberta
--Aywah (Sim), meu Presidente! -- confirmou revoltado -- O chefe de nosso Serviço de Inteligência também descobriu que uma camma (tia paterna) desta mulher tem se articulado para levar refugiados de nosso país para se abrigar em uma fazenda situada em um local no coração de Terra de Santa Cruz. -- informou -- Acho que estas mulheres não são pessoas sérias e desejam apenas gerar algum escândalo ou coisa do gênero. -- opinou -- Tudo em busca de visibilidade internacional.
--Najla Raja... -- leu o nome da ex fazendeira -- Oh, mas não pode ser! Ela foi Miss Cedro em 68! -- sorriu -- Abuuya (Meu pai) era um admirador dessa mulher! -- ajeitou-se na cadeira
“Ele sempre se preocupa com questões superficiais...” -- pensou contrafeito -- O clã de ya sayyida (da senhora) Raed se destacou pela resistência armada no interior de Cedro. -- voltava para o assunto que julgava de interesse -- Depois migraram para o campo de refugiados de Al-Maghrib até que foram parar em Terra de Santa Cruz por interferência da Miss Cedro 68. -- pronunciou as últimas palavras com desdém
--A história dela é fantástica! -- exclamou impressionado enquanto lia o dossiê dinamicamente -- Diz aqui que a família faz uma campanha na internet para arrecadar dinheiro, pagar as dívidas da tal fazenda e daí poder receber refugiados de Suriyyah e Cedro! -- não tirava os olhos do documento
--Exatamente. -- confirmou -- "Não sei o que ele viu de admirável na história dela!” -- pensou com desdém -- "Caipira de Cedro!”
--E eu gostei do discurso dela na reunião das Nações Amigas. -- jogou o dossiê sobre a mesa -- Temos que estar preparados para o que nos possa acontecer com a aproximação do tal Planeta Nove! -- considerou
--É verdade, Excelência. -- aguardava orientações quanto ao que fazer
--Estou satisfeito com o que me trouxe, mabrook (está de parabéns)! -- agradeceu -- Agora quero que providencie a conclusão deste processo que se arrasta. -- olhava firmemente para o homem -- Vamos pagar a quantia que ela pleiteia. Nem é tanto dinheiro assim! -- fez um gesto de desprezo
--CHOO?? (O QUE??) -- arregalou os olhos -- Vossa Excelência não pode estar falando sério! -- estava chocado -- O país está em crise, somos criticados pelo mundo inteiro e vamos pagar uma indenização milionária a uma pesquisadora de Cedro, que vive em Terra de Santa Cruz, simplesmente porque ela observa planetas perdidos no espaço??
--Com o dinheiro da indenização ela certamente pagará a dívida da tal fazenda e ainda nos fará um favor recebendo um contingente de compatriotas que não têm o menor interesse ou condições de permanecer em Suriyyah. -- afirmou de pronto -- No final de tudo isso será muito bom para minha imagem! -- sorriu
--Mas Excelência, min fadlak (por favor)... -- não aceitava
--Fim de discussão! -- deu um soco na mesa e se levantou -- Acho que o ya said Ra'iis Al-Wuzaraa' (o senhor Primeiro Ministro) esqueceu quem é o seu Ra'iis (Presidente)!
--De forma alguma, Excelência. -- abaixou a cabeça envergonhado -- Faremos como deseja! -- garantiu
--E que seja rápido! -- ordenou -- Não podemos nos dar ao luxo de organizar uma cerimônia, mas gostaria que a notícia não passasse em branco perante a imprensa. -- comentou
--Como desejar. -- mantinha-se de cabeça baixa
No plano espiritual, alguns Iluminados comemoravam.
Fim do capítulo
Música do Capítulo:
Aisha Faz Paródia Com:
Sangrando. Intérprete e Compositor: Gonzaguinha.
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Seyyed
Em: 26/09/2022
Zi e Clarice no love intenso... até a próxima crise que Clarice me inventar hehe Acho muito da ora a vidência da Kadija e gosto das crianças da roça. Olha Amina se preparando pras lua de mer hehe E de vidência esse capítulo tá cheio Porra lembrei do golpe. Tua votação foi muito melhor hehe Zi cheia de moral, até o presidente de Suria conhece !hehe Jamila e Cátia bem tentaram mas o povo tava cego e hoje em dia eles todo mundo no toma totoma!
Porra tu demorou mais de três anos pra escrever de novo depois desse capítulo. Se eu lesse EBT naquele tempo tu tava morta! Hahaha
Resposta do autor:
kkk Clarice é insegura, como vivo te dizendo. E quando essa insegurança vem no coração dela... sai de baixo!
Que bom que você gosta dos meus pequenos! Obrigada!
Essa lua di mer promete! rs
E quem pode esquecer daquele golpe?
O nome da nossa cara astrônoma chegou longe! rs
O povo demora muito a ver os fatos diante de si. E infelizmente, este é o padrão.
kkkkkkkk Ainda bem que você não lia o conto naquele tempo! Sorte da caipira!
Beijos,
Sol
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Zaha
Em: 13/04/2021
Ooe, Sadiki!
Reli, eu n lembrava de muitas coisas, mas bem, reli e já tá fresco!Espero q continue aasim..
N lemvrava que khaled tinha morrido..q negação, como deixei passar isso?!! Enfim!
N vou me prolongar, pois já deixei cometários demais e esse devo ter postado tb antes.
Beijos de luz
Lailinha
Resposta do autor:
Olá Lailinha!
Para quem escreve e posta para as pessoas lerem, é ótimo que vocês comentem. Escrever sem retorno é como falar sozinha ou ligar e a outra pessoa não atender. Eu adoro comentários! Tenho saudade das interações no tempo do abcLés...
E particularmente, gosto muito dos seus. Portanto, não se desculpe.
Beijos,
Sol
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Zaha
Em: 13/04/2021
Ooe, Sadiki!
Reli, eu n lembrava de muitas coisas, mas bem, reli e já tá fresco!Espero q continue aasim..
N lemvrava que khaled tinha morrido..q negação, como deixei passar isso?!! Enfim!
N vou me prolongar, pois já deixei cometários demais e esse devo ter postado tb antes.
Beijos de luz
Lailinha
Resposta do autor:
Olá Lailinha!
Para quem escreve e posta para as pessoas lerem, é ótimo que vocês comentem. Escrever sem retorno é como falar sozinha ou ligar e a outra pessoa não atender. Eu adoro comentários! Tenho saudade das interações no tempo do abcLés...
E particularmente, gosto muito dos seus. Portanto, não se desculpe.
Beijos,
Sol
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Gabi2020
Em: 04/03/2021
Olá Solzinha tudo bem? Bem mesmo?
Ler essa história me traz um alento, por instantes fico tão absorvida na leitura que esqueço dos problemas.
Fico muito feliz em saber sobre o Tao, feliz mesmo!
Se cuida tá?
Beijos
Resposta do autor:
Confia, Gabinha!
Nóis rodopeia mais num freia!
Cuide-se aí! E sua Jujuba lá na terra dela também.
Beijos,
Sol
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Gabi2020
Em: 30/05/2020
Olá Solzinha!!!
Love, love, love... Zinara e seu par perfeito! Fofassss...
Sou fã de Khadija é uma Zinara em miniatura, eita menininha esperta! Outra fofura.
Esses meninos da roça são tão puros, não tem maldade... Hassan é uma graça, muito maduro.
Aisha e Janaína, adoro a dinâmica das duas!
“Eita, qui eu vô pras lua di mer e é Najla qui fica di curnicha im brasa!” Kkkkkkkk.... Que beleza, vão aproveitar tudo que não puderam e fazem muito bem.
“Eu não faço ideia do que ela tá dizendo, mas a bousa entende que é uma beleza!” -Kkkkkkk.... Essa bousa, Clarice piraaaaaa.... Kkkkkkkk... Mas Clarice tem razão, ô caipira tarada!
Tão real essas conversas, primeiro Jamila com Dimitri e depois Cátia, Magali, Clarice e Amadeu... De volta a 64 ... Muito atual, assustadoramente atual.
“--Não sabia que Cátia tinha até aluna muçulmana! -- Magali cochichou com Clarice -- Sorte a dela que se protege da tara daquela uma! -- riu baixinho” Kkkkkkkkk.... Ai Magalli, não aguento!
Essa votação foi uma das coisas mais patéticas que assisti, era cada discurso ridículo, senti vergonha alheia.
Zinara eu já falei e repito, a bicha é porreta!!!
E a vida se renova...
Zinara não dá sorte com as síndicas, uma pior que a outra... Kkkkkk.... Agora Clarice escandalosa, eitaaaa....
Não podia terminar de melhor forma! Explêndido!
Querida é sempre um prazer ler e reler suas obras, essa em especial foi muito marcante e essa releitura me trouxe um novo olhar e novos questionamentos. Muito obrigada por proporcionar tudo isso.
Beijos
Ps. Sei o quanto essa história exigiu de você, então não me preocupe em terminá-la tudo tem seu tempo e o tempo do Tao ainda vai chegar.
Resposta do autor:
Boa noite, Gabinha!
A história, assim como a História, foi ficando muito intrincada e era mesmo para ser assim. Agora é hora de fechar as pontas soltas e deixar um final que induza à reflexão. Este é sempre o meu objetivo, apesar da sensualidade, do besteirol e das partes mais "técnicas". Essa mistura faz parte da vida e torna a escrita (tomara que a leitura também) mais prazerosa.
Zinara não é tarada, não canso de dizer. Ela só aprecia o Amanhecer. ;)
Já li tudo, estou imersa e agora é batalhar o tempo para o mãos à obra.
Beijos,
Sol
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mtereza
Em: 26/01/2018
Estamos em um golpe dado pelo mercado que mandam em tudo no judiciário no governo de curruptos tudo seria tão bom que a ficção passasse para realidade e realmente a terra de Santa Cruz e o planeta estejam só passando por uma transformação transição para um período de paz, prosperidade e igualdades para todxs sonho bjs ansiosa pela continuação dessa saga maravilhosa de Zinara e os seus bjs
Resposta do autor:
A Terra passará por imenssas transformações, querida amiga, não duvide. Só não sei por quanto tempo, porém creio que não verei com estes olhos caipirescos a chegada do tempo em que Justiça e Paz se abraçarão. Porém, trabalhar para fazê-lo possível é o que basta.
Um dia termino este conto, pode acreditar!
Beijos!
Sol
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Cristina
Em: 24/01/2018
Boa noite Sol! Como vc esta? Espero q bem! Hoje, olhando meu caderninho de senhas, encontrei alguns rascunhos de comentários q enviei no antigo Abcles, tanto de Maya quanto do Tao. Deu saudades!! Enfim, O Grande Golpe, estamos bem no olho do furacão neste momento né?! Sofrendo como nunca suas consequências! As observações de Zinara estao mais q certas! Muito triste! Esperando ansiosa e, ao mesmo tempo, pacienciosa pelo desenrolar desta historia maravilhosa! Um grande abraço e fique com Deus!!
Resposta do autor:
Olá Cristina,
Agora já passou e é fácil dizer "eu avisei". Mas às vezes fico me lembrando quando comecei a escrever o Tao e não se falava dos imigrantes refugiados, das articulações políticas que levaram ao golpe, do estado fundamentalista "religioso" no Brasil, enfim...
Vamos ver até quantas vezes gritaremos de dor para que comecemos a nos mover e as coisas mudem!
Beijos para você e tudo de bom!
Sol
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Solitudine Em: 27/01/2024 Autora da história
Olá querida!
A única coisa que eu realmente não gosto por aqui é essa mania de apagar os comentários respondidos. Isso é bem desagradável e ainda não entendi qual o objetivo ou necessidade. Porém, nada para se aborrecer ou criar problemas. Maama sempre me ensinou que os donos da casa também são os donos das regras.
Não precisa ficar repondo. Lembre-se do nosso acordo.
Beijos,
Sol