Capítulo 2 - Vida boa
Cercada de amigos e conhecidos, jantando uma boa comida e apreciando um dos melhores vinhos franceses. Mais um dia comum na minha vida.
Ao meu lado está a minha querida ex-mulher, Carolina.
Carol é uma bela eslovena e aquela roupa social a deixava bastante sexy. Seus cabelos curtos e seu jeito despojado são únicos. Foi por ela que me mudei para a Eslovênia há dois anos. Antes nós morávamos na Suíça, onde a conheci 7 anos atrás, em uma festa que estava que misturava gente muito importante com políticos. Não que eu tenha feito o sacrifício de me mudar para cá por ela. Na verdade, eu apreciava a tranquilidade do lugar e tudo correu para que eu morasse aqui.
Toda vez que me recordo das minhas origens, gosto de dizer que nasci em POA, mas muito pequena fui para o Rio de Janeiro com o meu pai. Minha mãe decidiu que ficar casada e criar uma filha não era o que ela queria e saiu pelo mundo. Os nossos contatos sempre foram por telefone, agora por e-mail e mensagens instantâneas pelo celular. Com 15 anos fui fazer o ensino médio nos Estados Unidos da América e logo depois embarquei para a França em busca do sonho de trabalhar com moda. Aproveitei todo o estudo que o meu pai me deu e hoje sou uma das estilistas mais disputadas do mundo. Modéstia parte, me considero uma das melhores mesmo. Carolina sempre me recrimina por este tipo de pensamento, sempre disse que meus saltos são tão altos para inflar mais ainda o meu ego. Agora ela não pode falar nada, não somos mais casadas, apenas grande amigas. O que é ótimo, seus conselhos são bons, mas suas exigências me matavam.
Muitos achariam estranho esse jantar amigável entre eu e minha ex. Quem inventou que ex é inimiga? Vivemos 6 anos felizes, mas chegou uma hora que não existia mais sentimentos amorosos. Estávamos mais para duas amigas do que um casal. Ambas concordamos que o um ano de namoro e cinco de casamento bastaram para que aqueles momentos de amor nos satisfizessem. Há um ano nos separamos, mas de vez em quando saímos para jantar com amigos. Esses são especiais porque são amigos brasileiros. Carol aprendeu a falar português comigo e já é fluente.
- Acho que vamos ter que adiar a baladinha - minha ex-mulher falou com o sotaque carregado.
- Ih, Carol... a namorada está de novo de implicância comigo?
- Claro que não, ela sabe que competir com você é burrice. Entre ela e sua amizade, prefiro você - Carol piscou os olhos azuis, remexeu os fios curtos e negros com uma de suas mãos para fazer charme.
- Alguém gravou isso? - Perguntei em tom brincalhão.
Todos na mesa deram risada.
- Não gente, é sério. Está aqui nesse site que vai cair uma montanha de neve, está tudo fechado - falou mostrando o celular para todos.
- Está congelando realmente, cada hora mais frio. Balada cancelada - dei o ultimato.
Terminamos o jantar com muitas piadas. Modelos e empresários que voltarão para o Brasil, por isso uma despedida para eles. A maioria estava findando as férias e iam voltar para a casa.
Caminhei para fora do restaurante e me despedi de todos. Acompanhei a Carolina até seu carro.
- Está muito frio. Na reportagem que eu li estavam pedindo ajuda para os refugiados que estão em abrigos ou até mesmo em acampamentos. Doações de cobertores, roupas, comida.
- Se a gente ajudar, eles nunca vão embora.
- Se eles querem ficar, que fiquem! Só para te lembrar, você é estrangeira aqui também.
- Você não quer me comparar a eles, não é? Não dou nenhum prejuízo para esse país. Trabalho, pago altos impostos e ainda movimento a curiosidade e o turismo por ser quase uma estrela aqui.
Carol revirou os olhos.
- Eles precisam de ajuda.
- Você e o seu coração mole.
- Você e o seu egoísmo, sua prepotência e sua mania de achar que é a dona do mundo só porque tem dinheiro.
- Não lembro de você reclamando dele nos lençóis do melhor motel de Paris, das nossas viagens para os melhores lugares do mundo e muito menos desse carro de luxo que lhe dei de presente no seu aniversário.
- Argh! Como você é irritante! Você realmente não sabe o que é generosidade. Quer saber de uma coisa? Fique com o SEU carro.
Carol jogou as chaves no meu peito e virou as costas. Agarrei o seu braço e disse:
- Ei, desculpa. Eu não quis dizer isso, juro que não. Toma, é seu, você sabe que o dei de coração.
Entreguei as chaves nas mãos dela e a puxei para um abraço.
- Carol, você sabe que às vezes eu exagero.
- O problema é que você realmente pensa assim e isso não é... como é a palavra em português? Legal. Não é legal.
- Não é legal ter opinião?
- Opinião preconceituosa, xenofóbica? Não. Não é legal. Até parece que você não é lésbica, não sabe o que é preconceito.
- Eu não sou um de seus eleitores, Carolina. O que importa a minha sexualidade? Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Não adianta vir com esse discurso barato de política, de que tem que abraçar todo mundo.
Carolina está concorrendo às eleições municipais da cidade e foi com esse objetivo que veio para a sua cidade natal. Carol trabalhava para uma política francesa e foi em uma dessas festas que nos conhecemos. Estudou Ciências Sociais em Paris e se especializou em Política Pública. Não poderia ser alguém tão diferente de mim. Eu, uma garota do mundo do dinheiro, e ela uma pessoa voltada para os mais necessitados. Ela me fez mudar muito, mas não tanto quanto gostaria e tentou.
- Você é uma pessoa maravilhosa, sei que é. Sei que no fundo você não pensa essas besteiras que costuma falar. Eu só não entendo o porquê de você ter que se mostrar arrogante. Você não é assim, não me casaria com você se tivesse certeza de que é esse poço de ignorância que usa como máscara.
- Já disse que não vamos discutir - detesto quando ela fala comigo desse jeito.
- Certo - ela fez um carinho no meu rosto e deu seu melhor sorriso - Vamos? Eu te dou uma carona.
- Não precisa, Carol, minha casa é logo ali. Aproveito para caminhar e pensar.
- Não esqueça da Annie essa semana, a menina estranha essa sua falta de contato.
Respirei fundo ao ouvir o nome da Annie. Carolina está realmente a fim de tocar o meu coração.
Me despedi dela sem falar nada e caminhei até o prédio onde morava. Ficava realmente perto do restaurante, não caminhei nem 7 minutos.
Fiz o caminho pela praça e de longe avistei uma garota sentada. Estranhei. Quem ficaria sentada até aquela hora sabendo que cairá uma tempestade de neve?
Talvez a garota estivesse passando mal.
Me aproximei cautelosa, não queria assustá-la. Resolvi falar com ela, optei pelo inglês, apesar de morar dois anos na pequena cidade de menos de 10 mil habitantes, Slovenj Gradec, ainda não dou fluente na língua local, apenas me viro muito bem.
- Hello.
A garota pareceu hesitar ao me olhar e se responderia ou não. Ela parecia... assustada. Medo de mim? Que mal eu poderia fazer a ela?
Quando finalmente me respondeu, pude então questioná-la. Fiquei curiosa. O que uma menina que devia ter no máximo 25 anos estava fazendo ali?
Ela me contou que é refugiada. Quase dei risada. Na certa ela estava fugindo dos pais ou tinha brigado com o namorado. Ela não parece ser da Eslovênia, mas também não parece ser de algum país que estivesse passando por alguma necessidade.
Resolvi que não perderia meu tempo com aquela garota mentirosa. Disse que não tem família e ainda voltou a dizer que é refugiada. Virei as costas e decidi ir para minha casa.
"- Argh! Como você é irritante! Você não sabe o que é generosidade."
As palavras da Carolina vieram em cheio na minha cabeça. Generosidade. Claro que eu sei o que é. E fiquei com vontade de praticar com aquela moça.
Dei meia volta e resolvi convidá-la para passar a noite no meu apartamento. Ela parecia que não iria aceitar.
A garota então assustou-se quando eu disse da nevasca que cairá e prontamente aceitou. Notei que ela pegou uma mochila e colocou-a nas costas. Imaginei o que ela tenha aprontado para a família ter a expulsado ou se ela está fugindo. Dane-se, resolvi que daria abrigo e vou fazer isso.
Ela se mantinha no absoluto silêncio. Notei medo naqueles olhos cor de mel.
Cheguei em casa, corri para o quarto de hóspede e peguei os cobertores que tinha. Decidi deixá-la dormir na sala, não podia correr o risco de ser furtada dentro da minha própria casa, tinha muitas coisas de valor no quarto. Na sala também, mas eu logo daria falta.
Desejei boa noite, não esperei a resposta, estava muito cansada.
Fim do capítulo
Apresentação da outra protagonista.
Por hoje é isso :).
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dannivaladares
Em: 22/01/2018
B, já estou envolvida e louca pela continuação.
Não demore! ;)
Att,
Dani
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preguicella
Em: 21/01/2018
Eitaaa que já gostei do tema, já estou adorando odiar essa protagonista preconceitusa e que vai acabar aprendendo pelo amor a ser mais humilde. Sara parece ser fofa, mas deve ser uma mulher forte ou não teria fugido em busca de uma vida melhor.
Enfim, vamos esperar as cenas dos próximos capítulos.
Bjãoooo
Resposta do autor:
Hahahahaha já está odiando de primeira?! Adoro.
Mas ambas carregam uma carga pesada dos mundos que vieram.
Pois sim, vamos aguardar.
Beijos.
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