CONTAGEM REGRESSIVA
CAPÍTULO 102 – Mãe É Sempre Mãe
--Mãínha, não vejo a hora da gente ir morar na roça! -- Hassan comentava animado -- Adorei usritii (minha família) e adorei aquele lugar! -- sorria -- Não é massa?
--É, quiridu. -- respondeu disfarçando a tristeza -- Também num vejo a hora... -- mentiu
--Eu vou estudar no colégio dos meus primos! -- continuava sorrindo
--É bão... -- balançou a cabeça satisfeita
--E camma Zinara disse que depois vou estudar em Gyn! E posso fazer faculdade lá, ou em São Sebastião ou em Cidade Restinga! -- pulava -- Mãínha, quero ser psicólogo quando eu crescer!
--E vai sê. -- achava graça da empolgação dele
--A senhora vai me dar o diploma na minha formatura! -- fazia planos -- E camma Zinara vai ser minha madrinha!
“Pobri du meu mininu...” -- pensava -- "Nem eu nem Zinara vamu vê nada dissu...” -- lamentava em seus pensamentos -- Si Deus quisé, meu fio...
--E o giddu e a gidda vão tá lá pra bater palma pra mim! E Khadija e Ahmed Mateus e meus primo tudo!
--Eita, qui vai tê é genti nessa formatura... -- brincou
--Ya Rafi vai fazer minha festa!
--Ah, vai... -- confirmou -- "Criança é tão inucenti. Inté lá, seu Rafi já bateu as bota!” -- achou graça de novo
--Mãínha, quando a gente for morar na roça, bora procurar por sua família? Também quero conhecer! -- pediu -- A senhora não quis saber de procurar quando a gente teve lá...
Ficou envergonhada. -- Meus parenti já morreru tudu, mininu... Só tem uns primu...
--Então... Quero conhecer meus primos! -- sentou-se diante da mãe
“Mais cedu ô mais tardi, eli há di sabê da verdadi...” -- pensou -- "É mio sabê pur mim qui pelus ôtro!” -- decidiu -- Hassan, mi iscuta... -- olhava para o filho -- Tem umas coisa qui eu pricisu ti contá, purque ocê vai acabá sabendu di um jeitu ô di ôtro...
--O que? -- não sabia o que esperar -- É segredo?
--Mais ô menu... -- suspirou -- Tarveiz ocê vá ficá cum ódiu, vergonha ô revorta di sê meu fio...
--Oxi! -- estranhou o que ouviu
--Quandu eu era moça e vivia lá na roça, eu... -- abaixou a cabeça -- Namorava muitu... -- admitiu envergonhada -- Eu gostava muitu di namorá...
--E o que é que tem? Namorar deve ser bom! -- respondeu tranquilamente
--Mais eu gostava um pouco do dimais da conta, num sabi? -- olhou receosa para o garoto -- Num tinha boa fama, não... -- esfregava as mãos uma na outra -- Iguar as minina du Tulico du bar. -- referia-se a um vizinho
--As pessoas só falam mal das mulhé que namora. -- observou -- Eu acho uma bobeira! -- argumentou -- Não namora um sem dois querer!
Surpreendeu-se com o que ouviu. -- Arguém lá na roça, arguém daquelis tempu qui eu vivia lá, podi dizê umas coisa feia sobri mim procê...
--E vai levá um passa fora meu, só isso! -- fez cara feia -- Eu hein! -- cruzou os braços contrariado -- Não pedi opinião!
Achou engraçadinha a reação dele. -- E aqui im Maurítia, eu... -- pensava em como dizer -- Eu... eu num tinha dinhêru modi lhi criá, num tinha quem mi ajudá...
--Meu baba abandonou a senhora, mãínha? -- perguntou decepcionado
--Não! -- negou de pronto -- Khaled tava duenti, internadu, eli num sabia di nada! -- seus olhos marejaram -- Eli mi amava e ia amá ocê também si ti cunhecessi! -- contava a verdade -- E a famia deli num sabia docê, comu tua tia ti contô! -- pausou brevemente -- Eu saí da roça purque cum minha má fama, si inda paricessi grávida, ia sê ixpursa di casa. E teu pai num ia pudê mi ajudá!
--Por que não procurou a gidda? Ou camma Zinara? -- queria entender
--Purque eu tive vergonha... -- confessou -- E aqui im Maurítia eu tinha uns parenti, qui já si mudaru, e elis... num deu certo eu mais elis, num sabi?
--E por isso a senhora não tinha dinheiro pra me criar. -- deduziu
--E tivi di virá muié dama! Quenga! -- falou de uma vez só -- E assim foi pur muitu tempu inté eu... -- derramou uma lágrima -- Mudá di vida. -- não teve coragem de falar da doença
--E a senhora achou que eu ia ficar com raiva de saber disso? -- ajoelhou-se diante dela -- Não me importa o que tenha acontecido no passado! Nem me interessa! -- emocionou-se também -- A senhora é minha mãe, me criou com amor e fez tudo que podia! -- segurou as mãos dela -- Mãe é mãe, o resto não importa! Tenho orgulho da senhora e ai de quem vier falar mal! -- afirmou com decisão
--Meu fio... -- soluçou emocionada
--Eu te amo, mãínha! -- declarou com verdade -- E quem lhe chamar de qualquer coisa ruim vai conhecer minha mão pesada! Dou uma tapa no pé na orelha que vai ver só!
--Mininu! -- puxou-o para um abraço apertado -- Meu mininu...
Hassan fechou os olhos. -- Não se preocupa, mãínha! -- sentia-se acolhido nos braços dela -- Bora pra roça e vamos ser muito felizes lá! -- falou cheio de esperança -- Vem comigo e fica com medo, não! Eu protejo a senhora! -- prometeu -- Deus me livre de ficar sem mãe!
Georgina sentiu muita pena do filho e pediu a Deus só um pouco mais de tempo.
CAPÍTULO 103 – Premonições
Clarice dormia agitada por um sonho perturbador.
“--Mas você tem certeza, Zinara? -- perguntava intrigada -- Existe um astro que se aproxima e que vai interferir na estabilidade do nosso planeta?
--Não é de hoje que sentimos seus efeitos do ponto de vista magnético, Sahar! -- respondeu convicta -- Já te apresentei os resultados que Karim e o grupo de estudos que ela coordena obtiveram nos últimos anos!
Lembrou-se da ex da astrônoma e se chateou um pouco. -- É, eu li os relatórios... -- não deixou transparecer o incômodo -- São constatações realmente intrigantes... -- passou as mãos nos cabelos -- De nossa parte, na paleoceanografia, também constatamos mudanças cuja explicação nos desafia o entendimento!
--A verticalização do eixo do planeta acontece lentamente, mas alguns cataclismos aceleraram um pouco desse processo, como foi o caso dos tsunamis de 2004 e 2010. -- mostrava algumas imagens no computador -- Eu calculo que um astro de longuíssimo período orbital e forte campo geomagnético se aproxima de nós, porém nossos instrumentos ainda não tiveram condições de detectá-lo. -- explicava -- No entanto ele existe! -- olhava para a amada -- Tenho certeza, Sahar! Ana a’arfa! (Eu sei!)
--E quando esse astro vai se tornar visível? Quando ele virá? -- queria saber
--Muitas coisas vão acontecer, mas eu não tenho tempo, Sahar... -- respondeu pesarosa -- Não há mais tempo... -- lentamente desaparecia do campo de visão da amante
--Zinara! -- chamava em desespero -- ZINARAAAAA!!!! -- gritou
As imagens tornavam-se confusas e Clarice sentia-se caindo em um abismo sem fim.
“A eclosão desses acontecimentos dar-se-á pela presença de um planeta que se move em direção ao nosso e cuja aproximação já foi prevista remotamente pelos Engenheiros Siderais.” -- uma voz ecoava dentro da mente da paleoceanógrafa -- "A sua órbita é oblíqua sobre o eixo imaginário do vosso orbe e o seu conteúdo magnético, poderosíssimo, atuará tão fortemente que obrigará, progressivamente, a elevação do eixo planetário...”
--AHAHAHAHAH!!!!! -- Clarice gritava em sua sensação de queda livre
“A influência magnética deste astro far-se-á sentir até que se complete a verticalização da posição do planeta. Quando o eixo estiver totalmente verticalizado, o planeta intruso já se terá distanciado do vosso orbe.” -- a voz continuava a profetizar
(Nota da autora: Trechos do livro Mensagens do Astral, obra do espírito Ramatís. Os grifos em itálico são modificações minhas)
--AH! -- sentiu-se novamente em terra firme -- Meu Deus, o que foi isso? -- olhou para todos os lados ao se sentar -- Onde estou? -- percebeu-se no topo de uma montanha
--Em minha casa, habibi. -- uma mulher respondeu calmamente -- Ghafwan! (Seja bem vinda!)
Clarice levantou-se e olhou na direção da voz. Encantou-se com a beleza serena e radiante de uma jovem ruiva que lhe sorria. “Será ela?!” -- surpreendeu-se -- "Não pode ser...”
--Sim, sou eu. -- ouviu os pensamentos da outra -- Zahirah. -- curvou-se suavemente -- As-Salamu Alaikum! (Que a paz esteja convosco!) É um prazer, Clarice!
--Minha nossa! -- arregalou os olhos -- Alaikum as-Salaam! (E a paz também convosco!) -- respondeu meio sem jeito -- Eu... nem sei o que dizer... -- olhava encantada para a ruiva
--Na verdade, preciso que você ouça muito mais do que fale. -- apontou um ponto no horizonte -- Muito trabalho a espera, habibi.
Clarice olhou na direção que Zahirah apontava e se surpreendeu com imagens incríveis do planeta Água e seu futuro.
--“Estamos no limiar da grande transição, em que o nosso planeta passará da condição de mundo de provas e expiações para mundo de regeneração.” -- a ruiva explicava -- "Isso já constava no planejamento celestial há muito tempo e não se dará, obviamente, num passe de mágica, pois se trata de um processo de transformação lento e gradual, porém, impostergável.”
Sentiu um frio na barriga. -- Dá um medo...
--“As tragédias naturais, como o tsunami de 2004 – objeto de nossas considerações – fazem parte desse processo, pois elas têm o objetivo de fazer a Humanidade progredir mais depressa, através do expurgo daqueles espíritos calcetas, refratários à ordem e à evolução moral e espiritual, que já não podem mais ser retardadas.” -- continuava explicando -- "Eles passarão algum tempo em outras esferas, aprendendo as leis do Amor e do Bem, até que tenham condições de retornar ao nosso planeta, para dar sua contribuição em benefício do progresso da Humanidade.”
--Mas precisa ser assim? -- perguntou preocupada -- Tenho medo das cenas que vejo agora. -- virou-se de costas -- Não, eu não quero ver.
(Nota da autora: Trechos do livro Transição Planetária do espírito Manoel Philomeno de Miranda, psicografado por Divaldo Franco. Os grifos em itálico novamente são modificações minhas)
--Não tema, habibi. Crê somente! -- respondeu com brandura -- As imagens que você vê não são fatalistas e imutáveis. -- tocou o rosto da outra, fazendo-a olhar para si -- O processo de mudança do planeta Água vai acontecer, isso é fato, mas como se dará... -- sorriu -- depende apenas do que a Humanidade construirá.
--Mas a Humanidade só faz besteira! -- protestou -- Nós só erramos e erramos e erramos! -- demonstrava a preocupação evidente em seu rosto -- E a reforma íntima e individual é postergada dia após dia! -- lamentou
--Que cada um cuide em mudar o que lhe compete. -- aconselhou -- Faça a sua parte, dê o testemunho de seu exemplo, como faz há tantos anos, e use sua ciência para alertar os poderosos do mundo e toda gente que puder. -- segurou uma das mãos dela -- É hora de mudar! Aos poucos o tempo se esgota. Os sinais são inegáveis!
--Quando virá o tal astro que Zinara falou? -- queria saber -- Esse momento será o verdadeiro divisor de águas!
--Em menos de cinqüenta anos. -- soltou a mão de Clarice -- Pouco tempo... -- afastou-se um pouco
--Mas e Zinara? -- aproximou-se -- Ela também não teria uma missão a cumprir? -- queria ouvir um sim -- O que será dela?
--Ela cumprirá sua missão de um jeito ou de outro. -- desaparecia devagar
--Não... -- começou a chorar -- Preciso dela... Tenho medo...
--Não se preocupe, habibi, os planos de Allah são sempre perfeitos... Tudo dará certo, tudo terminará bem... -- desapareceu
“Então vi um novo céu e uma nova terra, pois já o primeiro céu e a primeira terra passaram e o mar já não existe.” (Apocalipse, 21:1) -- uma voz ecoou nos espaços
Ao ouvir estas palavras, Clarice acompanhou grandes mudanças na paisagem que vislumbrava e se encantou com as belezas que se descortinavam diante de si.
--Lembre-se dos Salmos, Clarice: “o choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã...” -- Zahirah acalmava seus pensamentos”
--Ah! -- acordou nervosa -- Gente, que sonho foi esse? -- olhava para todos os lados -- Tô no meu quarto, graças a Deus... -- suspirou aliviada -- Nossa... -- pôs a mão no peito e ficou pensando no que viu e ouviu
CAPÍTULO 104 – Pendências
--Mas e então, Zinara? -- Adamastor perguntava enquanto dirigia o carro -- Como se sente de volta ao lar? -- fazia vozes de sedutor -- Hein? -- olhou rapidamente para ela
--Traída! -- respondeu resmungando
--O que? -- não entendeu
--E como vai ya Ritinha? -- perguntou olhando para a rua
--Muito feliz em saber que te veria de novo! -- sorriu -- A primeira coisa que ela fez depois que falou contigo foi me avisar do seu retorno! -- contava
"Nunca imaginei que justo no fim da vida, uma de minhas velhinhas fosse me dar uma punhalada dessa pelas costas!” -- pensava contrariada
--Ela queria porque queria que eu viesse te receber! -- olhou novamente para a professora -- E eu vim! -- piscou e voltou a olhar para frente
"Depois de tanto tempo longe daqui, chegar no aeroporto e dar de cara com Adamastor foi pior que ser recebida pelo Bicho Ruim!” -- balançou a cabeça negativamente -- Dah JaHiim! (É um inferno!)
--Dá o que?! -- não entendeu
--Câimbra na gengiva. -- respondeu pensativamente -- Isso é o que dá...
--Hum... -- não sabia o que ela queria dizer -- Bem... -- avistou o prédio da astrônoma -- Chegamos! -- manobrou para estacionar o carro -- Pronto! -- parou
--Chukran. (Obrigado.) -- olhou para o homem e pegou a mochila no banco de trás -- Até a próxima. -- abriu a porta e desceu
--É... -- desceu do carro também -- Deixa eu te ajudar com a bolsa? -- pediu
--Pode deixar, tá leve. -- recusou educadamente -- Agora eu vou subir, dar uma geral na casa e tomar um banho. -- caminhou até a entrada do prédio -- Macasalaama! (Até logo!) -- abriu o portão
--Vai ficar com fome. -- aproximou-se da outra -- Que tal se eu for até a Beira Mar e comprar uma coisinha gostosa pra gente jantar, hein? -- ofereceu cheio de charme -- Corro em casa, trago um vinhosinho... -- caprichou nos olhares -- Nesse meio tempo você passa uma vassourinha na casa, toma um banho e fica tudo certo!
“Sim, Kitaabii, é melhor ouvir isso do que ser surda!”
--Agradeço, mas é melhor não. -- tentou entrar, mas foi impedida por ele
--Por que sempre foge, Zi? -- perguntou com voz rouca -- Por que esse medo de amar?
“Só me faltava essa!” -- pensou revirando os olhos
--Me deixa entrar na sua casa, na vida e na sua... -- semicerrou os olhinhos -- alma!
“Humpf!” -- pensou contrariada -- Pensando bem... -- virou-se de frente para ele -- acho que vou aceitar sua proposta mesmo, porque vou precisar de ajuda depois que comer.
--Como assim? -- não entendeu
--É que... -- aproximou-se dele e falou mais baixo -- Depois que eu como, por causa da doença, me dá um piriri daqueles!
--Hã?? -- arregalou os olhos -- Piriri?
--Eu me cago da cabeça aos pés! -- mentia -- Lá na roça tem maama e baba pra me ajudar, aí eles me limpam. -- contava -- A pena é que também ficam tudo cagado, sabe? -- balançou a cabeça fingindo tristeza -- Coitados...
--Meu Pai! -- fez cara de nojo
--Dia desses aí, me caguei tanto que foi parar caquinha até nos cabelos de maama. -- continuava mentindo -- Nem imagino como foi isso! -- olhou para as unhas -- Às vezes fico com as unhas pretinhas... -- fingiu que se examinava -- Ih, essa aqui ainda tá suja! -- esfregou na roupa
--Pensando bem é melhor deixar você descansar da viagem. -- mudou de idéia e se afastou rapidamente -- Fica pra próxima! -- agia como se estivesse com medo da outra
--Oh, ya wail... (Oh, que pena...) -- lamentou falsamente
--Tchau! -- correu de volta para o carro
--Vai simbora, bicho besta! -- entrou no prédio e fechou o portão -- Eu hein? -- seguia para o elevador -- Nem que eu gostasse de homem não queria esse interesseiro do Cão! -- resmungava sozinha
A porta do elevador se abriu e a professora deu de cara com a síndica. -- Zinara?! -- surpreendeu-se -- Você por aqui? Aleluia, glória Deus! -- abriu os braços -- Que surpresa! -- foi até a professora e a agarrou -- Tanto tempo! -- olhou para ela -- Tá tão mais magra, quê que foi? -- estranhou -- E parece que ficou mais preta!
--Pois é, né? Meu novo visual. -- desvencilhou-se da mulher -- A senhora tá descendo e eu tô subindo. -- entrou no elevador -- Com licença. -- apertou o botão
--Eu tava descendo, agora não tô mais! -- entrou no elevador também -- Temos que conversar! -- olhava para a astrônoma -- Tô pensando em fazer um jardinzinho na frente do prédio que vai ficar uma coisa linda! -- gesticulava -- Preparativo pra Copa, sabe?
--A Copa vai ser em junho! -- argumentou -- Abril ainda nem chegou. -- o elevador parou e ela desceu -- Com licença.
--Mas tem que ser prevenida! -- desceu atrás -- E temos mais um monte de pendências pra resolver! -- afirmou resoluta
--Como o que? -- abria a porta de casa
--Tô querendo fazer umas pintura pelo prédio, uma obra na garagem...
--Humpf! -- fez um bico -- Se depender da senhora é pintura e obra todo ano! -- resmungou
--E temos que colocar um busto na portaria! -- informou -- É a nossa prioridade no momento!
--Busto?! -- não entendeu -- Busto de quem?
--O do homem santo Caio Cesar Otaviano! -- respondeu gesticulando -- E o meu também, oras! -- bateu no peito -- Afinal de contas sou uma obreira das mais ativas no rebanho de meu Pai, além de síndica exemplar! -- explicou -- Isso tem que ser reconhecido!
--Ah! -- ficou pasma com o que ouviu
--O mundo tá muito perdido, já tem gay morando nesse prédio e a gente tem que restabelecer a moral e os bons costumes do bairro!
“Jayed jedan... (Muito bom...)” -- deu um suspiro profundo -- "Oh, Aba, aturar Adamastor e dona Julieta no mesmo dia é pra matar a caipira...” -- pensou contrariada
***
Magali e Lúcia compravam artigos de cama em uma loja da cidade.
--Olha, amor, que legal esse edredon! -- a bombeira mostrava sorridente -- Cheio de pandinha!
--Que coisa fofa! -- achou graça -- É bem a sua cara mesmo! -- riu brevemente -- E o preço até que tá bom! -- comentou
--Vamos levar? -- empolgou-se
--Vamos. -- concordou -- Deixa eu ver o que já temos aqui: -- olhou para dentro do carrinho de compras -- dois jogos de colcha, dois travesseiros e... -- pegou um bicho de pelúcia -- Um cachorro?
--É que eu gostei tanto desse cachorrinho lindo... -- respondeu como criança -- Mas se você não quiser...
--Own, minha linda, claro que eu quero! -- soprou um beijinho para a namorada e colocou o bicho de volta no carrinho -- Foi que achei engraçado!
Circularam mais um pouco pela loja até que foram para a fila do caixa.
--Amor, você tem certeza? -- Lúcia perguntou receosa
--Tenho, os preços estão ótimos! -- respondeu naturalmente -- E pagando no dinheiro ainda tem dez por cento de desconto! -- comentou
--Não... -- riu brevemente -- Eu quero dizer... nós estamos juntas há pouco tempo e eu não tava pensando em casar... -- tentava falar com cuidado -- E de repente me vejo tão envolvida, tão apaixonada por você... -- olhava para a outra
“Ih!” -- uma mulher que também aguardava na fila ouviu a conversa -- "Sapatão!” -- pensou desconfiada ao olhar para o casal
--Eu adoraria casar com você, mas não quero ser aquela que força a barra pra isso acontecer... -- gesticulava -- A idéia de ir morar na sua casa, de tentar um relacionamento sério... -- passou a mão nos cabelos -- Só de pensar meu coração se enche de felicidade mas eu... tô morrendo de medo! -- confessou
--Ah, querida, eu também! -- admitiu -- Nunca me passou pela cabeça que um dia eu arriscaria tanto em tão pouco tempo, mas... -- olhava nos olhos -- Eu quero! O amor apareceu pra mim, assim, despretensioso e eu... -- segurou uma das mãos dela -- Não vou deixar ele escapar! -- sorriu -- Quer dizer, não vou deixar você escapar! Eu te amo, Lúcia!
“Gente!” -- a mulher da fila arregalou os olhos -- "Que declaração de amor é essa, no meio da fila?”
--Ai, amor... -- derreteu-se toda -- Se pudesse te beijava agora! -- sorria embevecida -- Também te amo! -- deslizou o dedo suavemente pelo rosto da professora -- Nem parece que tudo começou há menos de três meses... É como se te conhecesse há anos!
“Menos de três meses?!” -- ficou pasma -- "Só de noivado eu já tenho dez anos e nada de casar!”
--E quero festa, quero tudo que a gente tem direito! -- afirmou enfática -- Depois que a gente resolver todas as pendências e ajeitar nossa vida, o negócio é chamar os amigos e fazer uma festinha pra comemorar a decisão mais importante dos últimos tempos!
--Você tem coragem? -- perguntou surpreendida e emocionada -- Teria mesmo coragem de dar uma festa pra comemorar você e eu?
--TODA coragem! -- respondeu de pronto
“E enquanto isso meu noivo se amarra até pra dar um churrasco na varanda!” -- a mulher pensou revoltada
--Amor, -- o namorado da mulher da fila se aproximou -- eu tava dando uma olhada e tá tudo muito caro. -- reclamou -- Deixa esses treco praí e vamos procurar em outro lugar. -- sugeriu -- Além do mais a gente não vai casar amanhã mesmo... -- sorriu sem graça -- Tem tempo!
--Vou te contar, viu? -- respondeu contrariada -- É por isso que tem tanta mulher casando com outra! -- reclamou -- Tá fazendo mais negócio virar sapatão! -- saiu da fila revoltada
--Calma, querida! -- foi atrás dela -- Quê que te deu?
Magali e Lúcia prestaram atenção no lance e acabaram rindo.
--Acho que nosso amor já tá trazendo distúrbio pra sociedade! -- a professora comentou divertida -- É a sapatanice causando fuzuê! -- brincou
--Fala isso baixo, porque essa loja aqui é de gente de religião! -- deu um tapinha no braço da outra
--Fala isso baixo? -- achou graça -- Meu amor, se a mulherada dessa loja ainda não manjou qual é a nossa... -- riu brevemente -- é porque são tudo lesada!
--A caixa tá só olhando pra gente. -- comentou desconfiada -- Será que não vai querer nos atender?
--Ah! -- achou graça novamente -- Lúcia, esse povo fanático de religião morre de preconceito, quer bater, quer matar, mas se é pra ganhar dinheiro são capazes de chamar urubu de meu louro!
--Boa tarde, senhoras! -- a caixa cumprimentou sorridente -- Por favor! -- fez sinal para que se aproximassem
--Boa tarde. -- as duas responderam enquanto colocavam os artigos sobre o balcão
--É pra presente? -- começou a registrar
--É pra gente mesmo. -- Magali respondeu naturalmente -- Mas capricha no embrulho aí porque o motivo da compra é bem especial!
--Ah, tá... -- respondeu tentando disfarçar o constrangimento -- Segue o papel de presente pras senhoras. -- colocou várias folhas de papel sobre o balcão -- A loja não embrulha, só dá o papel. -- esclareceu
--Obrigada! -- a professora agradeceu
--Gente, e o papel é de arco íris! -- Lúcia cochichou surpreendida
--Eu não digo que na hora de ganhar dinheiro, urubu vira meu louro? -- piscou para a bombeira
--Ai, ai... -- balançou a cabeça achando graça
***
Cátia estava trabalhando no laboratório quando uma aluna bate à porta.
--Com licença? -- pediu -- Será que eu poderia entrar?
Interrompeu o que fazia para olhar para a jovem. -- Pode. -- ficou desconfiada -- Algum problema? São quase oito e os alunos não ficam aqui até essa hora.
Entrou e fechou a porta. -- Você costuma ficar? -- aproximou-se lentamente -- Parece que sim, né? -- passou a mão nos cabelos
“Ela tá me dando mole?” -- pensou intrigada -- Depende... -- olhou-a de cima a baixo -- Hoje tava precisando fechar umas pendências aqui... -- pausou brevemente e insistiu com a pergunta: -- Algum problema?
--Precisava conversar contigo... -- parou diante da loura -- É que eu tô fazendo um estágio, sabe? Faço parte de um grupo que trabalha com perfilagem de poços e... -- falava toda melosa -- Queria tirar umas dúvidas com você, porque tem umas coisas que tão me deixando embananada... -- sorria sensualmente
“E precisa jogar esse charme todo só pra tirar dúvida?” -- pensou intrigada -- O que seriam essas coisas?
--Eu tenho dúvida em interpretar os dados que vêm dos perfis de resistividade... Eles não me dizem nada! -- aproximou-se mais -- Tampouco os dados dos perfis sônicos ou dos gama... -- deslizou um dedo pelo rosto da loura -- Você sabe tudo sobre sísmica, análise de dados, prospecção, perfuração, perfilagem de poços... -- caprichava no tom de voz -- Já me disseram que sabe coisas que até Deus duvida... -- afirmou com duplo sentido
Sentiu um arrepio de desejo lhe acender. -- Você não deve ter estudado muito sobre perfilometria quando cursou essa disciplina. -- comentou ao se afastar -- Aí agora fica aí embananada! -- ajeitou o jaleco -- "Não futica a pantera, menina... Eu tô aqui toda mansa, não vem dar de comer pra quem tem fome!” -- pensou
--Será que a gente não podia... -- aproximou-se novamente -- conversar sobre isso em outro lugar mais... interessante? -- sorria
“Oh, meu Pai, eu me afasto e ela vem pra cima!” -- pensou agoniada -- "Olha a bichinha já piscando o olhinho...” -- passou rapidamente a mão sobre a virilha -- Eu... Não tô entendendo essa sua conversa! -- afastou-se mais uma vez -- Entendo de perfilagem mas não sou a especialista no assunto nesse departamento! -- buscava falar com seriedade
--Eu sei. -- debruçou-se sobre a mesa -- Mas os dados que tenho são confidenciais. Não posso sair mostrando assim! -- argumentou
--Então nem deveria estar aqui! -- respondeu de pronto -- Você precisa ter mais ética com questões de trabalho! -- protestou
--Mas eu tenho! -- ajeitou o decote da blusa para que ficasse mais saliente -- Não saio mostrando as coisas... -- caprichava nos olhares -- pra qualquer um!
“Eita ferro!” -- arregalou os olhos ao observar o avantajado decote da outra -- "Pois agora tá mostrando é tudo!” -- pensou engolindo em seco
--E quanto aos dados do poço, tô querendo abrir pra você. -- afirmou maliciosa
--Tá querendo abrir? -- perguntou abobalhada -- "Ai, meu Pai, que a bicha tá quase mastigando as calça!”-- contorcia-se discretamente
--Você não quer ver meu poço, Cátia? -- perguntou cheia de maldade -- Abro ele todinho pra você ver a perfilagem... -- sorria
“Eita, que um pocinho estreito e raso era tudo que eu queria agora...” -- pensou nervosamente -- Olha, menina, eu não entendendo porque você veio pra cá com essa conversa! -- quase correu até a porta -- Mas eu não quero problema contigo, com tua empresa e nem com ninguém! -- tentava disfarçar o desejo que a consumia -- É melhor você ir! -- abriu a porta
Estranhou a atitude a outra. -- Engraçado... -- ergueu-se da mesa e se ajeitou -- Pensei que você fosse do tipo que... -- caminhou até a porta -- não perdesse a oportunidade de examinar um bom poço com detalhes... -- comentou maliciosamente
--Já me dei muito mal por causa de tanto poço na minha vida! -- respondeu de pronto -- Agora a conversa comigo é outra! -- tentava manter-se firme
--Que pena... -- reparou na loura de cima a baixo -- Que pena... -- sorriu e foi embora
--Puta que pariu! -- fechou a porta rapidamente e se encostou nela -- Essa foi por pouco, porque eu não tava mais me agüentando! -- respirou fundo -- Espero que esse negócio de ser uma boa garota valha a pena! -- abaixou a cabeça -- E você aí! -- deu um tapa no próprio sex* -- Pára de ficar se danando aí embaixo pra não me danar aqui em cima! -- reclamou -- Acho que hoje vai ser um daqueles dias pra fazer justiça com as próprias mãos... -- balançou a cabeça pensativa
(Nota da autora: Copiei a menção dessa “justiça” da autora Raydon Donovan)
***
Zinara e Jamila conversavam no escritório da advogada.
--Então vai ficar assim, Jamila. Minha decisão é essa. -- informou -- Sei que Ahmed, Nagibe e Cid não vão entender, mas deixo meu apartamento pra Hassan. -- cruzou as pernas -- E enquanto ele for menor de idade, fica sob a custódia de maama.
--Perfeito. -- anotava algumas observações no laptop
--Eu não tenho nem mais um tostão no banco e meu único patrimônio é aquele apartamento e o que tem dentro dele. -- passou a mão nos cabelos -- Hassan é o único de usritii (minha família) que não tem coisa alguma, ao contrário dos outros primos, que bem ou mal, têm o pedacinho de terra onde vivem lá na roça.
--Tá certo, habibi. -- concordou -- E pelo que você me contou, até bem pouco tempo nem cela (família) o menino tinha! Eram só ele e a maama dele. -- continuava digitando
--Aywah... (Sim...) -- balançou a cabeça -- Nada mais justo que seja meu herdeiro.
Jamila terminou de escrever o que deveria e olhou para a ex. -- E foi por isso que você voltou? -- cruzou os braços -- Pra resolver suas últimas pendências? -- teve medo da resposta que ouviria
--Sabe que sim. -- respondeu serenamente -- Já passei nas minhas velhinhas, visitei o asilo onde eu ia, estive com Grazi, amanhã vou pro departamento e por fim vou procurar por Claudia.
--E veio aqui pra acertar os últimos detalhes do seu testamento... -- complementou
--E pra te ver! -- olhava nos olhos -- E me despedir. -- falou com certa tristeza
A advogada levantou-se rapidamente e foi até a janela. -- Eu me recuso a isso! -- protestou
Achou graça. -- Não estamos num tribunal, habibi. -- levantou-se também -- Seus protestos não adiantam. -- caminhou até ela -- Warana ay? (Que mais se pode fazer?)
--E toda aquela sua fé, pra onde foi? -- perguntou revoltada ao se virar de frente para a outra -- Você parece até um boi se encaminhando pro abate!
Riu. -- Mais justo seria se me chamasse de vaca ao invés de boi!
--AHHa, eu não tô brincando, Zinara! -- reclamou de cara feia -- Por muitas vezes me perguntei: “Ma tirjaa’ kifaya, hayati? (Por que você não volta, minha vida?)”, mas não queria que fosse pra isso! -- pausou brevemente para se conter -- Pra revisar testamento e se despedir! -- estava revoltada
--Eu tô vivendo um dia de cada vez. -- olhava nos olhos -- Mas sinto que meu tempo já tá mesmo no final... -- segurou uma das mãos dela -- Behebbik ya, habibi! (Eu te amo, querida!) -- declarou com muito sentimento -- De um jeito puro, com amizade, sem malícia... Desejo pra você o que de melhor poderia desejar pra uma filha de Allah (Deus). -- entrelaçaram os dedos
--Não faz assim... -- pediu como criança
--Sei que você lançou mais um documento bombástico aí na praça... -- continuou a falar -- Leio sobre o desenrolar dos fatos e até me divirto com a Direita de Terra de Santa Cruz fazendo de tudo pra abafar o escândalo com medo de se afundar de novo em mais um ano eleitoral... -- sorriram -- Sei que nada de mal vai te acontecer por conta disso! -- afirmou convicta -- Tenho fé na proteção divina sobre você!
--Zinara...
--Sei que vai recuperar a fazenda pra Aisha, sei que vai fazer um trabalho fantástico em Godwetrust, lutando contra a invasão de Suriyyah, e mais que isso... -- acariciou o rosto da advogada -- sei que será muito feliz! Em todos os aspectos da sua vida! -- falava com brandura -- A'Aleem Ilaah! (Deus sabe!) Eu tenho fé!
--Own, não fala assim que você me mata... -- seus olhos marejaram
--E você vai encontrar um grande amor! -- desejou -- Alguém que te fale ao coração, que te toque na alma com tal força e suavidade que te será impossível dizer não! -- emocionou-se -- Wein ghanee ganawee geideeda, malyana hakawee saeeda... (E vocês cantarão novas canções, cheias de histórias de felicidade...)
--Ai, Zinara! -- puxou-a para um abraço apertado -- Pessoas como você não podiam morrer nunca! -- fechou os olhos -- ABADAN! (NUNCA!)
--Ninguém morre, Jamila! -- garantiu -- Só a matéria que passa! -- derramou uma lágrima
“Oh, Meretíssima, eu já apelei pra Vossa Excelência uma vez...” -- pensava na Divina Mãe -- "Eu, Jamila Queiroz Haddad, advogada, solteira, OATS número 142675, juro que se minha cliente não morrer por causa dessa maldita doença, começarei a advogar à serviço do Supremo Tribunal Celestial!” -- orava do seu jeito -- "Por favor, Meretíssima!” -- abraçou a morena com mais força -- "Que ela sobreviva e volte pros braços da mulher que seu coração escolheu!”
***
--Eu nem acredito que mais uma vez tenho você a meu lado, minha Dona... -- Marco olhava embevecido para Najla -- Já não agüentava de saudades! -- beijou-a
--Também não agüentava mais, meu lindo! -- beijou-o também -- Não sabe como tô feliz! -- aconchegou-se no peito dele
--E por quanto tempo ficará aqui em casa? -- perguntou esperançoso -- Um mês, dois, cinco, dez...?
Achou graça. -- Laa, habibi. (Não, querido.) -- respondeu sorrindo -- Volto quando Zinara voltar. Quero me despedir dela antes que parta pra São Sebastião.
Decepcionou-se mas não deixou transparecer. -- Que pena... mas eu entendo.
--Não fique chateado, ya helu (meu lindo). -- pediu ao olhar para ele -- Uma parte de mim acredita que tudo vai dar certo, mas outra parte...
--Não acredita que ela sobreviva, não é? -- concluiu falando com jeito -- É batalha árdua que ela luta dia a dia...
--Pois é... -- concordou com tristeza
--Mas não vamos pensar em coisas tristes! -- pediu -- Tudo há de dar certo e a fé não pode esmorecer! -- beijou-a com carinho -- Que tal... fazermos um lanchinho por agora? -- ofereceu -- Comprei tahine, pão de Suriyyah e outras delícias do Oriente pra satisfazer minha dona absoluta!
“Gente, que homem atencioso esse meu negão! Por essas e outras que ele é de tirar o chapéu!” -- pensou maravilhosa -- Sim, vamos lanchar! Afinal de contas estamos nessa cama há horas! -- corou
--Pensei que estivesse gostando disso... -- mordeu a orelha dela
--Safadinho... -- arranhou o ombro dele de leve e o beijou
--Não faz assim que eu fico doido! -- sussurrou cheio de desejo
--E se eu fizer assim? -- acariciou a pele dele com a ponta dos dedos -- Hal a’jabaki? (Gosta disso?) -- cravou as unhas nos braços do amado e o beijou sensualmente
“Essa mulher me mata!” -- pensou extasiado
--Muié, ondi será qui Najla devi di tá pur agora? -- Raed perguntou intrigado -- E fazendu o que cum aqueli créu safadu?
--Humpf! -- fez um bico -- E ocê inda pergunta? -- acabou achando graça -- "Daqui da roça podi si ôvi us piadu da curnicha di Najla!” -- pensou divertida
“Desdi qui si deu essis trem di internet, homi créu e lepitópio, a vida di Najla virô di uma indecença das mais bão bisurda!” -- pensou -- “Vô pegá meu facão, procurá o créu e fazê eli casá modi cabá cum essa pôca vergonha, num sabi?” -- decidiu -- “Tá pensandu o que?” -- fazia cara feia -- "Vô defendê a honra di minha irmã nem qui tenha di cortá os trem di homi du créu im mir pedaçu!” -- deu um soco na mão
***
--Minha Nossa Senhora, quem é que tá socando meu portão? -- Leda correu para ver pela janela -- Se for moleque atrás de bola vai levar muita sapatada! Tem nem que ver! Se quiserem que me prendam! -- olhou pela janela -- Raquel?! -- surpreendeu-se -- Mas o que será que houve? -- ficou intrigada e foi abrir a porta -- Péra, menina! -- gritou ao pegar a chave -- Calma, que eu já tô indo! -- saiu para o quintal e caminhou até o portão da casa -- Que desespero é esse, criatura? -- queria entender
--Ai, mamãe, me deixa entrar! -- pediu nervosamente -- Preciso de carinho, amparo e proteção! -- quase chorava -- Preciso de colo de mãe!
--Mas o que te aconteceu, menina? -- abriu o portão -- Ué? Que tanta mala é essa? -- olhou espantada para as bagagens da outra
--Acabou mamãe! -- anunciou dramaticamente -- Getúlio e eu! Acabou! Fim! -- gesticulava
--Meu Deus! -- pôs a mão no coração -- Não me dá uma notícia dessa assim que eu já tô velha e posso morrer de felicidade! -- sorriu -- Jura que o ogro não te pertence mais? -- perguntou esperançosa
--Oh, mamãe, eu aqui com a alma devassada e a senhora fazendo brincadeira! -- pegou as malas e entrou desajeitada
--Fazendo brincadeira?! -- fechou o portão -- Eu tô é feliz como nem sei! -- gesticulou
--E eu arrasada! -- entrou em casa
--Ah, mas depois passa! -- correu atrás da filha e entrou em casa também -- Ei, e meu neto, cadê? -- alarmou-se -- Não me diga que você deixou o menino com o ogro?! -- escandalizou-se
--Claro que não, mamãe! -- colocou as malas no chão -- O Di tá no colégio, depois eu vou buscar. -- jogou-se no sofá
--Mas, me conta, pelo amor do Pai! -- sentou-se do lado da filha -- Que aconteceu pra você se livrar do feitiço daquele ogro? -- queria saber -- Conheceu um homem de verdade, bateu com a cabeça e despertou do transe ou simplesmente deixou de ser besta?
--Mamãe!! -- ralhou de cara feia -- Não foi nada disso! -- passou a mão nos cabelos -- O que aconteceu foi que recebemos uma ordem de despejo e só aí pra Getúlio me dizer que não tava pagando o aluguel!
--Como é?? -- arregalou os olhos
--Isso mesmo que a senhora ouviu! -- ajeitou-se no sofá -- Ontem nós tivemos uma briga feia! Nem consegui dormir... -- contava -- Ele prometeu que ia arrumar o dinheiro com o chefe e saiu de casa antes das cinco da manhã. -- mirava um ponto no infinito -- Daí me deu um desgosto tão grande que nem fui trabalhar... fiquei pensando em todos esses anos e nas inúmeras promessas que ele me fez...
--Humpf! -- fez um bico -- Desde que aquela bomba pisou na minha casa pra me conhecer eu sabia que não prestava! -- gesticulou -- Quem pode confiar num homem que vai se apresentar pra família da namorada usando a blusa pelo avesso, o fundo das calça quase no joelho e a regada da bunda toda de fora? -- fez cara de desgosto -- Uma peste de um ogro que vai pro próprio casamento com as calça pescando siri e o paletó de manga curta porque simplesmente tava usando a mesma roupa que o avô vestiu pra casar! -- balançou a cabeça contrariada -- Lembro do fedor de naftalina que invadiu a igreja quando ele chegou! Se tinha barata ali, só o cheiro dele foi o suficiente pra botar pra correr! -- gesticulou
--Ah, mamãe, não fala assim! -- pediu fazendo beicinho -- Eu era uma mulher apaixonada!
--Apaixonada e burra! -- retrucou de imediato -- Quantos empregos que esse ogro já teve ao longo dos anos? Hein? Me diz? -- provocou -- O bicho tem mais horas de malandragem que urubu de vôo!
--Ele tem dificuldade de se adaptar nos empregos... -- justificou
--E também tem uma dificuldadezinha básica com uma coisa que se chama trabalho! -- argumentou -- Agora me diz uma coisa: -- cruzou os braços -- ele sabe que você saiu de casa?
--Não... -- levantou-se -- Vai descobrir quando chegar e ler o bilhete que deixei na mesinha de cabeceira. -- caminhava pela sala
Olhou novamente para as malas da filha. -- Você trouxe umas coisinhas suas, outras do menino, mas e o resto? -- perguntou intrigada -- E seus móveis, suas louças, os brinquedos do Di, como é que ficam?
--Ah, mamãe, eu não sei! -- respondeu agoniada -- O que eu queria mesmo a senhora não me deu até agora! -- derramou uma lágrima -- Só sabe ficar aí soltando foguete porque larguei Getúlio pra lá!
--Ah, minha menina... -- ficou com pena -- Vem cá! -- abriu os braços -- Deita aqui no colo da sua mãe! -- pediu
--Tô tão triste, mãe... -- foi até a idosa e deitou-se no colo dela -- Tão triste... -- começou a chorar
--Oh, meu amor... -- beijou a cabeça da filha -- Chore não! -- acariciava os cabelos dela -- Getúlio não merece isso! -- ninava a outra mulher -- Aquele troço não merece suas lágrimas! -- estava condoída -- Se é pra derramar água por ele, que seja uma boa mijada pra deixar de ser besta!
Acabou rindo. -- Ai, mamãe, a senhora fala cada coisa... -- sorriu
“Como vai ser daqui pra frente eu não sei...” -- a idosa pensava -- "mas se Deus quiser, ogro nunca mais!” -- desejou confiante
***
Zinara aguardava a entrada dos colegas e dos alunos de graduação no auditório do departamento. Havia passado os últimos quatro dias trabalhando até tarde na universidade e desejava agora, no final da sexta-feira, falar a todos de uma vez só. Havia solicitado também a presença os alunos da pós.
--Bem, acho que já estão todos aqui. Pelo menos a maioria. -- falou para Werneck -- Não vou tomar muito do tempo de vocês, mas tenho que dizer algumas coisas. -- olhava para ele -- Pode fazer as honras, se quiser.
--Você vai voltar? -- perguntou esperançoso -- Quando?
Achou graça. -- Laa, sadikii! (Não, meu amigo!) -- respondeu com um sorriso -- É exatamente o contrário.
--Como assim? -- Bernadete ouviu e perguntou desconfiada
--Vamos começar, min fadlak (por favor). -- pediu para o colega -- Vocês entenderão.
Werneck tomou o microfone e justificou o convite para a reunião, esclarecendo que era um pedido de Zinara. Pronunciou algumas palavras de ordem e passou a fala a sua colega, sentando-se logo em seguida na primeira fileira. Manteve-se atento para entender o que a morena pretendia, da mesma forma como todos os outros professores, que estavam igualmente curiosos.
Após alguns cumprimentos iniciais e uma piada rápida para descontrair, a astrônoma tocou no assunto que motivou aquela convocação.
--Eu... -- pensou em como diria -- gostaria de lhes dizer um carinhoso até mais, até logo ou macasalaama. -- olhava para todos -- Após uma semana intensa de trabalho esse foi meu último dia no departamento. -- anunciou -- Chamei vocês aqui pra... me despedir.
--O que?? -- Paulo se surpreendeu -- Ah, mas eu vou querer a sala dela! -- sorriu satisfeito
--Por que??? -- Francisco ficou alarmado -- Pra onde vai, professora?
--Tô muito doente... -- assumiu -- Tenho câncer! -- todos chocaram -- Daqui a três dias vou embora de Cidade Restinga e talvez... -- suspirou -- não veja mais este lugar...
--Mas não pode ser! -- Ribeiro reclamou -- Câncer tem cura! Você não pode se entregar assim!
--O meu não tem mais. -- olhou para o colega -- Eu não me entreguei, tô sendo realista, só isso!
Werneck tinha os olhos marejados. -- Eu não me canso de dizer que quando você chegou nesse departamento a gente não era nada! -- levantou-se emocionado -- Se temos um conceituado curso de astronomia e astrofísica, devemos a você! -- olhava para a ela
--É verdade! -- vários professores e alunos concordaram
--Puxação de saco... -- Raul cochichou com outro colega
--Se hoje somos líderes pioneiros no projeto dos Observatórios Virtuais é por você! -- Werneck olhou para os demais -- E não adianta dar muxoxo e fazer cara feia, não, porque é verdade! -- gesticulou
--É mesmo! -- Virgínia e Marcel concordaram
--Que me perdoem os demais! -- Francisco falou em voz alta -- Pra mim a professora Zinara é a melhor do departamento!
--É sim! -- outros concordaram
--Humpf! -- Emerson fez um bico -- Até parece que Zinara era essa coisa toda... -- resmungou
A morena ficou emocionada. -- Foi um trabalho de equipe... -- sorriu -- Um dos grandes orgulhos que levarei comigo! -- pôs a mão sobre o peito
--Fica, professora!! -- uma jovem gritou
--Fica, fica!! -- outros pediram
--Não desiste, Zinara! -- Werneck pediu, sendo apoiado por outros professores -- Fica!
A morena sentiu a pele arrepiar com aquela reação. -- É preciso saber que tudo tem seu tempo determinado... -- respirou fundo -- Desde que Werneck me passou o microfone e eu fiquei pensando em como dizer esse até logo, espontaneamente fui capaz de visualizar na mente vários flashes de grandes momentos passados aqui na universidade. -- mirou um ponto no infinito -- A batalha pra construir um verdadeiro curso de astronomia e astrofísica no nordeste de Terra de Santa Cruz. Todos os preconceitos da gente do sul e do próprio povo da região. A falta de experiência do corpo docente, as inseguranças, dúvidas e intrigas...
--É verdade... -- Werneck lembrava emocionado
--Lembrei das visitas dos grandes pesquisadores nacionais e estrangeiros, da presença do ex Presidente Luis Horácio na inauguração do primeiro Observatório do nordeste... -- continuava falando -- Lembro orgulhosa da forma como conseguimos integrar essa universidade com os grandes projetos estruturantes do país e como firmamos nossa participação nos fóruns mais conceituados no exterior.
--É um grande orgulho mesmo! -- Gonçalves concordou -- E você é parte dessa história, Zinara!
--Todos nós somos! -- respondeu emocionada -- Recebo esse carinho sincero de vocês com muita emoção e da mesma forma deixo aqui meu carinho pra vocês! -- falava com sinceridade e sentimento -- Os primeiros projetos de pesquisa, o trabalho exaustivo pra obter verba, o pioneirismo dos observatórios virtuais. -- gesticulava -- E cada aluno que passou pela minha orientação ou docência, cada profissional que ajudei a formar, cada mestre e cada doutor. -- seus olhos marejaram -- Tudo isso me faz sentir que valeu a pena cada gota de suor que brotou em meu rosto, cada vez que me emocionei, aborreci ou comemorei. Foi um longo caminho, um árduo processo de semear e no decorrer dessa semeadura, muitos flores brotaram, muitos frutos amadureceram. -- olhava para os alunos -- Nunca recebi o salário que julgo ser digno de um professor, mas reconheço que nosso trabalho é como o de um jardineiro! -- tentava não chorar -- Não tem preço construir um sonho, não tem preço receber um jovem muitas vezes imaturo e ajudar a fazer dele um adulto livre e útil! Não tem preço ver as pessoas evoluírem, não tem preço ver o seu país progredir!
--Não tem! -- Bernadete concordava
--Estou feliz, sim, de verdade, ana mabsoutah! Apesar da despedida forçada, me sinto feliz por ter a consciência tranqüila de que fiz o que podia ter feito pela minha amada Terra de Santa Cruz. Minha amada terra, que me recebeu de braços abertos... -- olhou para a bandeira -- Um novo idioma, uma nova cultura, outros rostos, outras percepções de vida... -- sorriu -- Sim... -- voltou a olhar para os demais -- tudo valeu a pena...
--Eu vou ficar com a sala dela! -- Raul decidiu -- A cadeira e a mesa já tinha até pego!
--Ah, não! -- Paulo discordou -- A sala dela vai ficar é comigo! -- fazia cara feia -- E quero cadeira e mesa originais!
--Se vocês continuarem com essa conversa aqui e agora, -- Marcel reclinou-se para perto dos dois apertando seus ombros com força -- juro que vão precisar de um bom dentista depois! -- rosnou ameaçador
--Acha que a gente vai ter medo de você só porque puxa uns ferro na academia? -- Paulo respondeu desaforado ao olhar para trás -- Põe um dedo em mim e te processo! -- deu um tapa na mão do outro -- Eu hein? Senta atrás da gente pra ficar fazendo fuxico!
--Advogado não conserta dente! -- ameaçou mais uma vez ao mostrar os músculos -- Pense!
--Pensando bem, -- olhou para Raul -- a gente conversa lá fora. -- propôs -- Mais tarde!
--Tudo bem. -- concordou desconfiado -- Mas da mesa e da cadeira eu não abro mão! -- sentiu um aperto no pescoço e olhou para Marcel -- Ave Maria! -- fez cara de dor
--Deixa eu lhe dar um abraço, professora? -- Marilene pediu -- Por que se eu já morria de saudades, agora então... -- controlava-se para não chorar
--Aywah, habibi... (Sim, querida...) -- abriu os braços -- Já falei o suficiente. Tacaalii? (Vem?) -- chamou e a aluna veio
--Ai, eu também vou! -- Francisco pulou no palco e se uniu ao abraço delas -- Pôxa, professora... -- lamentou
Uma salva de palmas ecoou pelo auditório e vários alunos e professores foram cumprimentar a astrônoma, que os recebia emocionada.
--Que cara de enterro é essa, Werneck? -- tentava fazê-lo sorrir -- Vai chorar, é? -- lutava para permanecer firme
--Não consigo, Zinara... -- cobriu os lábios com uma das mãos e soluçou -- Desculpa... -- chorava
--Oh, sadikii (meu amigo)... -- abraçaram-se -- Chora não... -- derramou uma lágrima
--Eu não queria que você... -- não conseguiu mais falar e permaneceu abraçado com a amiga
“Sim, Kitaabii, todo meu esforço, toda minha dedicação... É sempre por ela... Terra de Santa Cruz, meu país, minha pátria!
Terra de Santa Cruz e sua gente... Para sempre em mim! Dayman, dayman... (Sempre, sempre...)”
***
Clarice ajudava o sobrinho com o jantar. -- Isso, quero ver comendo tudo! -- serviu uma colherada -- Bonito!
BUFF, BUFF, BUFF!!
--Nossa, quem é que tá fazendo esse escândalo lá fora? -- Raquel perguntou espantada -- Tão a ponto de derrubar o portão!
--É o ogro verde! -- Deodoro respondeu brincando
--Tá parecendo até você quando chegou aqui! -- Leda falou para a filha
--RAQUEL!!!! -- o homem gritou -- EU SEI QUE TU VEIO PRA CÁ, MULÉ!!! ABRE A PORTAAAA!!!!!!!!!!!
--Getúlio?! -- a mulher levantou-se de um salto
--Humpf! -- Leda fez um bico -- Bem que o menino falou que era o ogro verde... -- resmungou
--É o papai, mãe! -- o menino afirmou surpreso
--RAQUEL!!!!!!!!!!!!!! -- continuava berrando -- RAQUEL!!!!
--Ai, meu Pai!! -- a esposa correu até a janela -- Gente, ele tá horrível! -- comentou
--Tirando hoje, todo dia! -- Leda resmungou contrariada
--RAQUEL!!!!!!!!!!!!!! -- berrava como louco -- RAQUEL!!!!
--Papai tá com dor, tia? -- Deodoro perguntou sem entender
--Não, meu bem. Ele tá brincando com a sua mãe! -- tentava engabelar o menino -- Ninguém vai fazer nada, não? -- Clarice perguntou agoniada -- Essa criatura vai ficar se esgoelando aí no portão? -- olhava para as outras
--ABRE A PORTA!!!!!!!!!!!!!!!!!!
--Deixa comigo! -- Leda se levantou -- Vou pegar um balde e encher com água da privada! -- foi até o banheiro
--Que é isso mamãe?! -- Raquel arregalou os olhos -- Eu vou lá falar com ele! -- abriu a porta -- Vou dar uma dura nele! -- foi para o quintal
“Humpf! Só acredito vendo!” -- Clarice pensou descrente
--Que brincadeira é essa que meu pai tá fazendo, tia? -- continuava sem entender -- Ele só veio pra cá hoje por que?
--Não tente entender, meu amor. -- deu outra colherada para ele -- Coisa de gente grande!
--Chega de escândalo na casa de mamãe! -- ordenou -- Já são quase sete da noite, Getúlio! -- parou diante do portão com os braços cruzados -- Ficou maluco ou o que?
--Princesa, a gente precisa trocá umas idéia! -- fez cara de vítima -- Papo reto pra esclarecer as parada que tão pegando!
--Balde cheio! -- Leda se encaminhava para a porta
--Que é isso, mamãe? -- Clarice deu a última colherada para o garoto e correu até a idosa -- A senhora não pode fazer isso na frente do menino! -- ralhou em voz baixa
--Manda ele fechar o olho e tá tudo certo! -- continuava andando
--Esclarecer as parada? -- retrucou -- Getúlio, seu filho e eu saímos de casa na segunda e só na sexta é que você percebe??
--Pra tu sacá como eu ando bolado com essas parada toda! -- justificou-se -- Fiquei tão bolado procurando safá nossos pobrema que só hoje me dei conta que tava sozinho em casa, tá ligado? -- gesticulava
--Sei... -- fez um bico
--Mamãe, me dá isso aqui! -- pegou o balde das mãos da idosa -- Que idéia, eu hein! Não pode fazer essas coisas! Ainda mais diante do menino! -- voltou para o banheiro
--Eu ia resolver o problema dando uma descarga no ogro, ué! -- respondeu com as mãos na cintura
--Sureki tá aí, vó? -- perguntou empolgado
--Ele não, mas um primo fuleiro que ele tem! -- referia-se ao genro
--E, pelo amor de Deus, não vá lá fora se met*r! -- Clarice advertiu do banheiro
--Na boa, gata! -- postou as mãos como se orasse -- Volta pro nosso cafofo!
--Que nosso cafofo, Getúlio? E por acaso a gente tem casa? -- protestou -- Recebemos uma ordem de despejo, lembra? -- pôs as mãos na cintura -- Você por acaso arrumou o dinheiro que a gente precisa?
--Ah... tá fácil, não, benzinho! A chapa tá esquentando pra geral! -- fazia cara de cão pidão -- E o chefe me deu um pé, sabe qual é?
--E mais essa! -- revirou os olhos
--Di, vamos lavar a louça e escovar os dentinhos! -- Clarice anunciou ao voltar para a sala -- Ei, o que os dois fazem pendurados na janela?
--Eu quero saber como vai terminar a brincadeira do papai com a mamãe! -- olhou para a tia
--E eu! -- Leda prestava atenção
--Já disse pra não se met*r nessas coisas de adulto, querido. -- pegou o menino pela mão -- Vamos cuidar da nossa vida! -- foram andando para a cozinha
--Depois me conta, vó! -- pediu
--Quê que eu posso jogar nele pra fazer dispersar? -- Leda resmungava sozinha -- Cadê a polícia e o spray de urtiga quando se precisa dela?
--Gata, o país tá em crise! -- argumentava -- É kaô na política, Copa do Mundo, nêgo querendo aumentar as passage do busão...
--O que é que tem a ver, Getúlio? -- retrucou de cara feia -- Eu quero casa pra morar! -- gesticulou -- Se você não pode me dar isso, eu venho com nosso filho pra viver com mamãe!
--Mas e eu? -- abriu os braços -- Não sente falta do teu homi, gatinha?
--Eu não! -- fez um charminho
--Pô, gata, aí, tô cum mó falta de tu, do muleque... -- ajoelhou-se diante do portão -- Princesa, por favor volte pra mim, eu te amo, eu! Princesa, por favor volte pra mim... -- recitou
“Quando ele quer, fala uns versos tão bonitos...” -- Raquel pensou amolecida
--Ih, ajoelhou... -- Leda fez um bico -- E Raquel já tá com aquela cara de quem cheirou uns miúdo... -- resmungava
--Como que eu posso voltar pra você? -- retrucou -- Voltar pra onde? Pra casa que daqui a pouco a gente vai ter de entregar?
--Isso é... -- ficou pensando -- Então... -- levantou-se -- Formô: nós mora tudo aqui! Eu cuntigo e o muleque! -- decidiu sorrindo
--Ah! -- arregalou os olhos -- E mamãe por acaso vai deixar?
--Por vocês dois eu encaro as parada mais sinistra do mundo, sabe qual é? -- afirmou com decisão
--Ai, meu amor!! -- abriu o portão e se agarrou com ele
--OH, NÃO!! -- Leda exclamou agoniada -- Não, não, não, não! -- protestava -- Eles voltaram! -- saiu da janela -- E eu que cheguei a acreditar que Raquel tinha deixado de ser besta... -- suspirou decepcionada -- Onde foi que eu errei com essas meninas, meu Pai? -- balançou a cabeça pensativa
***
--Eu tô muitu aguniadu! -- Ahmed desabafava com os pais -- O medu di chuva di Ahmed João tá virandu um trem isquisitu pur dimais da conta! -- olhava para os dois -- A mãe deli tá querendu butá eli pra vivê mais Catiúcia e eu, mas a muié num qué sabê di ficá cum fio qui eu tivi cum ôtra!
--AHHa! Mais Catiúcia sabia qui ocê tinha fio cum otras muié! -- Raed protestou
--Sabia sim e aceita elis tudu, mais num qué ninhum vivendu na nossa casa! -- explicou -- Morandu mais nóis ela só qué Ahmed Mateus, qui é nossu!
--É purquê ela sabi qui si quarqué dus ôtro mininu teu fô vivê mais ocês dois, o maió trabaio vai sê dela, né? -- Amina entendia o raciocínio da nora -- Ocês homi faiz issu meis! Num podi negá! -- gesticulou
--Tudu bem, maama, mais eu num sei o qui fazê! -- olhou para ela -- Num possu vê meu mininu ficandu lôcu e fingi qui num tá acunticendu nada!
Raed sentiu uma dor no peito ao ouvir aquilo. -- Num podi não... -- lembrou-se de si mesmo -- Sinão vai si arrependê pru restu da vida, num sabi?
--Eu sei qui tô sendu castigadu! -- levantou-se e começou a circular pela cozinha -- Caçuei tantu di Khaled, buli tantu cum eli qui hoji veju um fio passandu pela mesma coisa qui meu irmão passava! -- balançou a cabeça contrariado -- Eu mi arrependu tantu quandu alembru... -- seus olhos marejaram -- Mi ajuda, pur caridadi! -- olhou novamente para os pais -- Num sei o qui fazê! -- confessou com tristeza
Raed e Amina entreolharam-se condoídos e pareceram conversar sem palavras.
--Traga eli pra vivê mais nóis! -- Amina falou e olhou para o filho -- Podi falá cum a mãe deli.
--E nóis vai arrumá um jeitu di tratá o garotu! -- Raed complementou -- A história di Khaled num há di si ripití! -- emocionou-se -- Juru pur Allah e sob o nomi di nossus ancestrar.
Ahmed sorriu agradecido. -- Eu vô falá mais a mãe deli! -- ajoelhou-se diante dos pais -- Ela vai dexá qui eu sei!
--Quandu Zinara vortá nóis proseia mais ela. Tua irmã há di sabê o qui fazê! -- Amina falou
--Ah, mais ela sabi! -- Raed concordou
--Eu cunfiu qui nóis num vai dexá meu fio ficá malucu! -- respondeu confiante -- Hoji mesmu falu com a mãe deli! -- sorria
--Si Deus quisé e a Virgi abençuá, nossu netu há ficá bão! -- Amina afirmou com muita fé -- Eli vai curá e Zinara também!
--Vão sim! -- Raed concordou -- Vão sim! -- balançava a cabeça -- "Pur favô, Aba (meu Pai), num mi dexi faiá di novu comu faiei cum meu fio...” -- pediu em pensamento
***
--Você não tá tão mal quanto pensei que estaria por agora, Zinara. -- Cláudia falava -- Mas isso não quer dizer que esteja bem. -- olhava para a amiga -- Continua em situação muito delicada.
--Gosto dessa sua sinceridade ácida, doktuur. -- achou graça -- Mas já tô feliz que meu braço melhorou bastante, -- mostrou -- saindo daquele quimba no qual se encontrava.
--Quimba... -- achou graça também -- Você e essas palavras estranhas... -- sorriu
--A poética língua dessa terra é cheia de possibilidades. -- respondeu bem humorada -- A’jabani haqqan! (Eu gosto muito!)
Ficou olhando para a morena. -- Ah, minha amiga maluquinha... -- debruçou-se sobre a mesa -- eu sei que você veio aqui pra se despedir de mim... -- reconheceu com tristeza -- E tô aqui com o coração na mão...
--Como diz aquela canção: adeus também foi feito pra se dizer, habibi... -- esfregou as mãos nas pernas -- Mas eu prefiro ficar no macasalaama (até logo). -- sorriu com certa tristeza
--O que pretende fazer daqui por diante? -- perguntou curiosa
--Resolver minhas últimas pendências, me despedir de todos e fazer uma viagem.
--Pra São Sebastião? Pra ver Clarice?
--Sim e não. -- respondeu simplesmente
Cláudia se levantou da mesa e caminhou até a janela. Gastou uns segundos calada mirando a paisagem até que rompeu o silêncio pensando em voz alta: -- De repente me veio à memória o dia em que te conheci... -- continuava olhando para fora -- Te achei uma criatura tão simples, tão ingênua... -- pausou brevemente -- Será que você se lembra daquele dia?
--Como não? -- sorriu -- Aquele foi um dia memorável... -- viajou no tempo
“E lá estava eu em São Sebastião, Kitaabii. Desci do ônibus na rodoviária e me senti completamente perdida. Se já achava que Gyn era grande por demais da conta, o que dizer daquela cidade? Tudo me parecia superlativo, confuso e cheio de gente.
Peguei minhas bolsas e segui meu caminho sem saber exatamente para onde ir. Pessoas iam e vinham caminhando com pressa. Homens gritavam e acenavam oferecendo táxi. Ônibus e kombis disputavam espaço em ruas relativamente estreitas, enquanto ambulantes vendiam churrasquinho nas calçadas.
Tudo que eu queria era descobrir um jeito de chegar na universidade, mas faltava-me coragem para abordar alguém. Cidade grande sempre assustava as caipiras...
Respirei fundo e arrisquei perguntar para algumas pessoas, até que uma senhora me ensinou. O povo de São Sebastião me pareceu bastante prestativo, mas a cidade parecia funcionar de um jeito muito rápido e aquilo me deixava tonta. E os ônibus, Kitaabii? Como corriam! Em alguns momentos, pensei que seria cuspida do assento.”
“--Smallah, a faculdade é um mundo! -- olhava para todos os lados enquanto caminhava -- Só o alojamento é maior que a Escola Técnica de Gyn! -- falava consigo mesma -- Ave Maria! -- admirava-se
Um táxi parou na porta do prédio e uma jovem desceu carregada de malas.
--Ma hatha? (O que é isso?) -- surpreendeu-se -- Quem será aquela? -- perguntou para si mesma -- Enquanto eu tenho três bolsas a garota tem mais de dez! -- achou graça
--Ai, e agora? Como é que eu levo tudo isso aqui? -- resmungava -- Que merd*! Fuleiragem da porr*! -- reclamava sem saber o que fazer
--Masaa Il-kheer! (Boa tarde!) -- cumprimentou respeitosa -- Precisando de ajuda, moça? -- ofereceu -- Tem bolsa por demais da conta pra você carregar sozinha, não sabe?
Olhou desconfiada para a outra. -- Oi... -- respondeu reticente -- Preciso de ajuda, sim, mas... -- cruzou os braços -- Você quem é?
--Meu nome é Zinara. -- colocou uma bolsa no chão e estendeu a mão -- Tacharrafna! -- sorriu -- Muito prazer! -- traduziu
--Prazer, Cláudia. -- estendeu a mão também e cumprimentou -- Você é estrangeira? -- continuava desconfiada
--Naturalizada! -- respondeu orgulhosa -- Eu vim de Guaiás! -- afirmou toda prosa -- Fiz curso técnico em Gyn! -- sorria
--E eu vim de Cidade Restinga. -- soltaram as mãos -- Nunca te vi por aqui. -- reparava na morena -- Desde quando é estudante? Da medicina sei que não é. Desde quando mora no alojamento?
--Eu ainda não sou estudante oficialmente falando. -- esclareceu -- Passei no vestibular pra astronomia, mas a matrícula é daqui a uma semana.
--E o que faz aqui agora, então? -- não entendia
--Uai! E não é o alojamento? -- respondeu como quem diz o óbvio -- Não tenho casa, não tenho nada e tem que dormir em algum lugar!
Surpreendeu-se com a inocência da outra. -- Garota, escuta só: o número de vagas no alojamento é muito inferior ao número de alunos que querem ficar aqui. -- explicava -- Você tem que solicitar uma vaga, preencher um formulário chato e eles então selecionam as pessoas depois de muita análise. Pesquisam as condições sócioeconômicas dos candidatos e a distância da cidade deles pra cá. -- gesticulava -- Com certeza você deve satisfazer às condições exigidas, mas primeiro tem que se matricular e solicitar o benefício, visse?
--Oxi! -- ficou preocupada -- E enquanto isso eu faço o que? -- ficou pensando -- “Lá vou eu ter que viver nos banheiros de novo...” -- concluiu
Ficou pensando em como ajudar a colega. -- Vamos fazer assim: por essa época a maioria dos estudantes tão tudo lá pras suas cidades, então você pode ficar por aqui sem chamar muita atenção e aí divide o quarto comigo. -- propôs -- Depois que se matricular, faz a solicitação de vaga no alojamento. Pode deixar que te ajudo.
--Mumtaz! (Excelente!) -- empolgou-se -- Chukran! (Obrigada!) -- sorriu e foi pegando as malas da outra -- Me diz pra onde tem que levar esses trem tudo que eu levo! -- pediu
--Gente, como é que você vai agüentar levar isso tudo, mulher? -- arregalou os olhos -- Ave Maria, criatura, vai ficar rendida!
--Nunca subestime uma caipira! -- brincou e foi caminhando -- Onde é mesmo, hein?
--Calma! -- pegou as bolsas que faltavam e foi atrás da outra -- É por ali! -- indicou com o queixo”
--Eu te achei uma gracinha. -- brincava com a cortina -- Tão pura, tão bobinha... -- sorriu
--Você me ajudou muito no começo, Cláudia. -- reconheceu agradecida -- Você e a finada Valentina.
--Mais ela do que eu... -- retrucou -- Só fiz quebrar teu galho no alojamento quando você chegou em São Sebastião... -- respondeu pensativa -- Ai, Zinara... -- suspirou -- Tenho a consciência tão pesada em relação a você... -- confessou -- Eu nunca te disse isso, mas... só Deus sabe...
--Ezzai?! (Como pode?!) Por que? -- não entendeu -- Você não me fez nada!
--Quando nos conhecemos eu ia começar o terceiro período... -- lembrava -- Conforme o tempo foi passando fui ficando metida por estudar medicina... eu fui me sentindo uma espécie de semi deusa... -- abaixou a cabeça -- Desprezei você por ser uma estudante de astronomia. Julguei sua escolha profissional uma opção inútil. -- admitiu envergonhada -- Por isso me afastei de você, não foi porque as rotinas fossem diferentes...
Ficou surpresa ao ouvir aquilo e não disse coisa alguma.
--Quando você me encontrou naquela dia, deprimida e arrasada porque meu namoro terminou e meu pai morreu... -- emocionou-se -- Você ficou comigo, cuidou de mim e não me deixou fazer uma grande bobagem...
--O mundo ficaria pior sem você nele, habibi. -- respondeu com carinho
--Muito pior ficará sem VOCÊ nele! -- virou-se de frente para a amiga -- E eu, a semi deusa, não consegui fazer nada pra te salvar! -- derramou uma lágrima -- E você vem aqui pra me dizer adeus e meu coração fica pequeninho... -- olhava para ela -- Que merd*, Zinara, por que tinha que ser assim?
--Porque a vida vai muito além das nossas vontades... -- levantou-se -- Eu não queria passar por isso, habibi, mas fez bem pra mim; tenho que reconhecer. -- aproximou-se da médica -- Hoje eu me sinto livre, não carrego mais peso algum. -- tocou o rosto dela -- Não guardo mágoa de você, nem mesmo ao saber que desprezou uma caipira que olhava pro céu. -- brincou e sorriram -- Não havia o que você pudesse fazer... Não se condene -- pediu
--Eu te amo! -- afirmou de supetão -- Você é a melhor amiga que eu já tive! E eu faria tudo que pudesse pra você curar! -- falava com muito sentimento -- Tudo!
--Ana a’arfa! (Eu sei!) -- beijou a testa da amiga -- Behebbik ya, doktuur, sadikii! (Eu te amo, doutora, minha amiga!) -- abraçaram-se
--Nunca mais ninguém vai falar comigo nessa língua... -- lamentou
--Abadan wdayman (Nunca e sempre) são tempo demais... -- fechou os olhos -- Um dia, no futuro, beeem no futuro, te vejo do outro lado... Aí quem vai te ajudar no alojamento novo serei eu. -- brincou
Cláudia não respondeu e chorou de saudade em antecipação.
***
Zinara e Regina conversavam no talk do Email.
Regi: Ai, amiga, ela é tão maravilhosa!
Regi: Linda, inteligente, viva, simpática...
Regi: A risada dela é uma delícia...
Zina: kkkkkk
Zina: Eita, que é muito amor!
Regi: Ah, se é!
Regi: E que mulher incrível! Me deixa acesa!!
Zina: Eita, que é um queimor!
Zina: kkkkkk
Regi: Ô!
Regi: E eu te devo muito!
Zina: Uai? Por que?
Regi: Porque foi graças a você que a conheci!
Regi: Você é nossa amiga em comum no grupo de bate papo, esqueceu, distraída? kkkk Pow, se liga! kkkk
Zina: É como sempre digo:
Zina: óvi, óvi, óvi, caipiras of love!
Regi: kkkkkk
Regi: Of love mesmo! Ando numa felicidade só!
Zina: Fico feliz! Que o namoro de vocês dê muito certo, se Deus quiser!
Regi: Já deu!
Regi: Estamos bem, amiga! É você com sua Clarice
Regi: e eu com minha Sarita!
Regi: Mas agora me diga
Regi: o que você queria me contar?
A astrônoma ficou pensando e decidiu não dizer. Não queria estragar o clima de felicidade da amiga com uma despedida inesperada para ela.
Zina: Nada de mais. Era só pra te dizer que farei uma viagem pra São Sebastião
Zina: e depois mais uma outra bem longa...
Zina: Você ficará muito tempo sem notícias minhas, mas não se preocupe
Zina: Estarei bem.
Regi: Se Deus quiser vai sim!
Regi: Se cuida, querida!
Regi: E curta bastante com sua Clarice!
Zina: E você com sua Sarita!
Zina: Tudo de bom, habibi! Beijos!!!!
--Adeus, Regina. -- falou para si mesma -- Seja feliz! -- desejou
Regi: Beijos!!!
Regi: Agora eu vou namorar! Chau!
Regi está off line.
A morena deu um suspiro profundo e apagou seu perfil no Êmail.
***
“E lá estava eu dentro de um táxi, Kitaabii, em direção ao aeroporto de Cidade Restinga. Será que de fato meu olhar se despedia da paisagem que se mostrava pela janela do carro? Será que não mais veria aquele mar de águas verdes e mornas? E quanto ao mar de coqueiros que se erguiam sobre as areias brancas, será que o balançar de suas folhas era um adeus? E quanto às lagoas, às rendeiras, ao artesanato colorido que tanto me encantava? Como ficariam meus olhos sem aquela profusão de cores? E quanto àquele sotaque melodioso do povo e acordes da música regional tão cheia de personalidade, como ficariam meus ouvidos sem poder perceber suas notas? E os cheiros e sabores, Kitaabii? Que dizer das tapiocas, dos peixes, das frutas e dos doces? Não me deliciarei mais com as sensações que tais iguarias me proporcionavam? Laa acrif... (Eu não sei...) Laa acrif...
Fico pensando em tudo que tem acontecido em minha vida e me deparo com uma realidade inegável: quantas pessoas têm a chance de fazer o que estou fazendo? Quantas têm a chance de consertar seus erros, aparar arestas, amarrar pontas soltas e limpar o coração antes de cruzar o grande portal da morte? Acho que muito poucas. Por que recebi essa graça, Kitaabii? Laa acrif... (Eu não sei...) Realmente, o que sei é quase nada.
Penso agora no que disse Da Vinci no crepúsculo de sua vida: “Quando io crederò imparare a vivere, e io impararò a morire.” (Quando pensava estar aprendendo a viver, estava aprendendo a morrer.)
Vida e morte, início e fim... Estou no fim ou no começo, Kitaabii? Devo sorrir ou chorar? Devo sentir saudade por antecipação ou deixar que vida flua segundo o fluxo do Tao? Laa acrif... assumo uma vez mais minha eterna ignorância diante dos desejos de Allah. Não há necessidade em entender tudo, não é mais o momento de racionalizar. Agora é somente o tempo de entender com o coração...”
***
--Clarice, dá licença? -- Cátia pediu humildemente -- Será que me daria alguns minutinhos? -- estava parada na porta da sala da outra
--Claro, entra! -- convidou -- Senta, por favor. -- interrompeu o que fazia e olhou para a colega
“Ela sempre deixa a gente à vontade...” -- pensou ao entrar na sala da ex -- Obrigada, meu bem. -- sentou-se e sorriu timidamente -- Não vou tomar muito do seu tempo, apenas vim fazer algo que já deveria ter feito há séculos.
--O que é? -- estava curiosa
Respirou fundo e criou coragem para falar: -- Eu tô num processo de me reeducar... faz parte de um tratamento que comecei há pouco...
--Ótimo ouvir isso! -- sorriu
--Eu... -- pausou brevemente -- Vim te pedir perdão por tudo que fiz. -- abaixou a cabeça -- Por minhas mentiras, por minha canalhice, meu egoísmo... por ter ofendido... aquela sua... -- esfregou as mãos nas pernas -- namorada...
--Imagino o quanto isso seja difícil pra você. -- respondeu compreensiva -- Não há porque pedir perdão. Já passou há muito tempo!
“Essa é a minha Clarice...” -- pensou embevecida -- Mas eu preciso, querida! -- olhou para ela -- Não vou negar que morro de inveja de Zinara... não nego que gostaria de estar no lugar dela... -- abaixou a cabeça novamente -- Mas reconheço que é a pessoa que merece estar com você... -- admitiu -- não eu...
--Oh, minha querida. -- debruçou-se sobre a mesa -- Você também merece amar e ser amada. -- sorria ternamente -- Continue se reeducando e vai viver isso com alguém muito especial.
--Tomara. -- levantou-se rapidamente -- Era isso que eu tinha a dizer. -- não sabia o que fazer -- Agora vou embora!
--Espera um pouquinho! -- levantou-se também e foi até a outra -- Deixa eu te dar um abraço? -- pediu
--Own, Clarice! -- abraçou-a com carinho e fechou os olhos -- Meu amor... -- sussurrou espontaneamente
--Dê tempo ao tempo, querida. -- olhou para ela -- Seja paciente e confie que você colherá bons frutos se fizer o que é certo.
--Pois é... -- não sabia o que dizer -- Obrigada, meu anjo. -- desvencilhou-se da ex -- Tenho que ir. -- caminhou até a porta --Tchau! -- acenou e foi embora
--Tchau, querida... -- voltou a se sentar
--Clarice nunca será minha! -- Cátia dizia para si mesma enquanto caminhava -- Aceita a realidade e toca a vida pra frente, mulher! -- aconselhava-se -- É o que a doutora Vera falou: por amor não se luta como numa guerra! -- sentia-se triste -- E mesmo se fosse guerra, essa você perdeu... desde o começo...
***
--Magali, dá licença? -- Cátia apareceu desconfiada na porta da colega
--Você por aqui? -- estranhou e fez um bico -- Quê que foi, hein? -- perguntou franzindo o cenho
“Ô, que diferença de Magali pra Clarice...” -- pensou -- Precisava falar com você rapidamente. Será que poderia? -- estava desconcertada
--Entra. -- permitiu -- Pode sentar. -- apontou a cadeira
--Obrigada. -- não sabia onde colocar as mãos -- "Magali me olha como se eu fosse roubar alguma coisa! Não dá pra ficar à vontade assim...” -- pensou contrariada
--E então? -- queria saber o motivo da visita
--Você vai achar esquisito isso, mas... -- tentava ir direto ao ponto -- Comecei um tratamento pra me reeducar...
--Reeducar? -- interrompeu a outra -- Isso quer dizer deixar de ser sem vergonha, ordinária, mentirosa e cafajeste? -- perguntou sem rodeios
Respirou fundo antes de responder. -- É! -- olhava para a ex -- "Se controla, Cátia, se controla!” -- pensava -- "Afinal de contas ela tem motivo pra te dizer desaforo!” -- tentava manter-se educada -- E eu tô mudando, pelo menos tenho tentado...
--Humpf! -- fez um bico
--Vim aqui pra te pedir perdão. -- abaixou a cabeça -- Sei que te magoei, que errei muito, mas não queria que a gente ficasse inimiga uma da outra. Não queria que ficasse um clima pesado entre nós... -- pausou brevemente -- Eu não vim te pedir pra voltar, respeito o que há entre você e Lúcia. -- esclareceu -- Só queria que me perdoasse e não guardasse rancor.
--Difícil, né, Cátia? -- cruzou os braços -- Você não pode entrar aqui com essa cara de quem viu a santinha e querer que eu simplesmente passe uma borracha em tudo que houve! -- falava seriamente -- Não é assim que a banda toca comigo!
--Imaginei que não seria fácil... – levantou-se -- mas eu precisava tentar. -- olhou para a outra -- Talvez um dia a gente consiga ser amigas.
--Talvez... -- passou a mão nos cabelos
--Era isso. -- caminhou até a porta -- Vou indo! -- preparou-se para partir
--Cátia! -- chamou
--O que? – deteve-se na porta
--Não se atreva a ir atrás de Lúcia com essa conversinha de mulher arrependida. -- olhava nos olhos -- Agora ela é minha namorada e eu cuido do que é meu!
Não se conteve e respondeu irônica: -- Por que? Não se garante?
--Eu sim. -- cruzou as pernas -- Mas não gosto de ninguém ciscando em terreiro que é meu. -- sorriu sarcástica -- Vá atrás da minha mulher e prepare-se pra levar uma surra daquelas! -- advertiu -- Sei rodar uma baiana de respeito quando quero! -- ameaçou
--Humpf! -- fez um bico -- Me poupe, tá? -- foi embora
--Mexe com quem tá quieta... -- resmungou sozinha -- Vai atrás de Lúcia pra tu ver? -- voltou a trabalhar
--A gente quer ser toda certinha no padrão e olha no que dá? -- a geofísica reclamava consigo mesma -- Agora veja essa, Magali me ameaçando com surra! -- caminhava apressadamente -- Mas se bem que... ando numa maré de azar tão grande que tá arriscado a levar uma surra das duas! -- considerava -- Melhor deixar Lúcia pra lá e seguir meu rumo longe delas. Qualquer coisa, acendo uma vela pro anjo de guarda das duas e tá tudo certo... -- decidiu
***
--Presta bastante atenção, ya habibi, -- olhava para a criança -- esse Yoom Kitaab e esse baralho serão seus. -- Zinara mostrava os dois para Khadija -- Só que como você é awlaad (criança), eles vão ficar com nossa camma Najla até você crescer mais.
--Aywah! (Sim!) -- respondeu balançando a cabeça
--Esse Kitaab conta muito de nossa história, habibi. -- abriu o diário e passou algumas páginas para ela ver -- Quando você souber ler tudo na língua de Cedro, vai aprender muito lendo aqui.
--Eu vô! -- prestava atenção
Fechou o livro. -- E com esse baralho, talvez um dia, não sei... -- conjecturava -- você possa ver o futuro. Ver as coisas que ainda vão acontecer.
--Oba! – empolgou-se
Achou graça. -- E tenha sempre muito carinho com essas duas coisas, porque foram de uma pessoa muito especial. -- continuava explicando -- Nossa bint ‘aamm (prima) Zahirah! Zahirah bint (filha de) Ibrahim, Zahirah bint Sanya.
--Ibrahim bin (filho de) Raja! -- a menina falou -- Giddu Raja! -- sorriu -- Ana a’arfa! (Eu sei!)
--Isso mesmo! -- sorriu e beijou a testa da garota -- Ya helu! (Sua linda!) -- acariciava a cabeça dela -- Você é muito inteligente! -- elogiou
A criança se jogou nos braços da morena. -- Eu amo camma Zina!
--Eu também, habibi! -- abraçou-a com força -- Eu também te amo!
--Khadija! -- Amina chamou -- Hora di si deitá, minina!
--Ih, vamos lá que a gidda te chama. -- deu um beijo na testa da sobrinha -- Pega o Yoom Kitaab e o baralho e vem comigo. – levantou-se -- Tacaalii? (Vem?) -- estendeu a mão
Khadija obedeceu e entrou em casa de mãos dadas com a tia.
--Uai, o que ocê tá fazendu cum issu, muiézinha? -- Amina estranhou o diário e o baralho nas mãos da neta
--Serão dela, maama. -- esclareceu -- Mas por enquanto ficarão com camma Najla.
--Toma, camma. -- a criança entregou as coisas de volta para a tia -- Vô dumí!
--Vai lá, meu amorzinho! -- beijou mais uma vez a cabeça dela -- Boa noite!
--Basnoiti! -- deu tchauzinho -- Vamu gidda! -- olhou para a avó
--Vem, minina! -- segurou a mão da neta e foi para o quarto
Zinara guardou os objetos de Zahirah e passou nos quartos para ver Najla e Raed, que já dormiam. Deu um beijinho na cabeça de cada um e voltou para a cozinha.
--Num vai durmí, minina? -- Amina perguntou ao cruzar a porta
--Ainda não, maama. -- deu um beijo na testa dela -- Vou olhar o céu, porque o céu daqui é sem dúvida o mais lindo de todos... -- sorriu
--Eu vô mais ocê. -- decidiu -- Nóis tem o qui prosiá! -- saiu de casa
--Walaw. (O prazer é meu.) -- saiu atrás da mãe
--Tá bunitu pur dimais da conta, sô! -- Amina se surpreendeu ao olhar para cima -- É tanta istrela qui inté pareci qui nóis podi pegá argumas, ói! -- apontou
--É lindo mesmo! -- concordou -- Tá vendo ali? -- mostrou -- O planeta Ares no meio da constelação de Virgo. E ali temos o planeta Zeus na constelação de Gemini.
--Lindu!
--O cinturão de Orionis também tá lindo por demais! -- mostrou -- Olha ali a alfa Canis Majoris. Dentre as estrelas, ela é a mais brilhante no céu. -- ensinava
--É meis! -- concordou -- É meis... -- pausou brevemente -- Mais agora eu queru sabê é da verdadi, minha fia. -- olhou para ela -- Ocê tá pretendendu o que?
--Como assim, maama? -- não entendeu
--Ocê foi pra Cidade Restinga fazê sei lá o que, vortô pra cá, passô um dia todu nu terrêru di mãe Agda, foi visitá o clubi Cedro-Suriyyah, tratô cum Aisha di recebê Ahmed João in Gyn e dipois inventô di pidí armoçu modi reuní a famia toda. -- cruzou os braços -- Deu o Yoom Kitaab e o baraio de Zahirah pra Khadija... -- examinava o rosto da filha -- Num nasci onti, não, Zinara!
--Eu vou pra São Sebastião, maama... -- respondeu desconcertada -- Ya sayyida (a senhora) sabe disso, porque pedi dinheiro pra baba pra poder viajar.
--E num vorta mais aqui, num é? -- perguntou à queima roupa -- Ocê usô essis dia tudu modi aresulvê us trem tudu e si dispidí di nóis! -- afirmou -- Modi si dispidí da roça...
A astrônoma respirou fundo e admitiu. -- É verdade, maama... -- respondeu com tristeza
Amina ficou triste em confirmar suas suspeitas e gastou uns segundos calada antes de perguntar: -- Mais ocê num tá indu pra terminá teus dia em São Sebastião du ladu di Clarice qui eu sei.
--Eu não tenho mais planos pro futuro. Tô vivendo um dia de cada vez.
--Ocê tá morrendu um dia di cada veiz, issu sim! -- rebateu
--Maama... -- não sabia o que dizer
--Seji lá o que ocê vai fazê, pensa direitinhu, minha fia! -- pediu agoniada -- Purque si tua fé acabô-si, a minha cuntinua firmi e forti!
--Não acabou, maama... -- tocou o rosto dela -- Eu não desisti de lutar, apenas... -- não conseguiu completar a frase
Amina emocionou-se. -- Eu nunca qui pensei qui um dia... -- derramou uma lágrima -- Num queru ti dizê adeus, minha fia...
--Nem eu, maama... -- derramou uma lágrima também
--Teu coração já dissi, minina! -- retrucou -- Mais o meu não!
--Me abraça, maama! -- pediu como criança
--Minha minina... – aconchegou-a nos braços com carinho -- Num dêxa nóis, Zinara... num dêxa... -- pediu sofridamente
“O que dizer, Kitaabii? O que dizer? Eu não queria ir... Mas soavam as doze badaladas no meu relógio da vida.”
--Yalla tnam, Zinara, yalla yijeeha elnoum, (Oh, Senhor, ajude Zinara a dormir, que ela possa adormecer) -- começou a cantar para a filha -- yalla tHib elSala, yalla tHib elSoum, (ela pode crescer amando orar e jejuar) -- continuavam abraçadas -- Yalla tjiha elghawafi kul youm byoum... (Oh, Senhor, faça-a saudável a cada dia...) -- desejava poder curá-la -- Yalla tjiha elghawafi kul youm byoum... (Oh, Senhor, faça-a saudável a cada dia...)
“Eu me lembrava da última vez em que maama cantou para mim daquele jeito, Kitaabii. Foi em minha casa, uma vez em que acordei de madrugada passando muito mal. Ela me acolheu em seus braços e cantou com carinho, amor e fé, da mesma maneira como fazia naquele momento. E novamente, eu me sentia criança...
Despedidas são tão tristes... Eu não agüentaria dizer adeus a um por um. Mal conseguia me conter naquele abraço doloroso. Sei que se maama pudesse, congelaria o tempo e teríamos ficado ali para sempre...
Espero que ela um dia me perdoe, mas logo nas primeiras horas da manhã acordei e parti em silêncio. Espero que um dia ela aceite que meu último olhar sobre seu rosto foi enquanto ainda dormia. Deixei uma carta sobre a mesa da cozinha e minhas letras tentaram traduzir o que não consegui verbalizar.
Chegar e partir... “são só dois lados da mesma viagem”, já dizia a canção, mas tudo muda de acordo com a posição em que você se encontre. Queria chorar, queria gritar, queria um monte de coisas que não poderia ter...
O carro de boi seguia tranquilamente por aquele caminho que eu conhecia de cor, mas tudo me parecia diferente. Havia algo a mais no ar ou era eu que projetava no exterior o que doía em meu coração.
Mil coisas rondavam meus pensamentos até que deixei de pensar. Que Allah fizesse de mim o que bem entendesse.”
https://www.youtube.com/watch?v=LtOzPP0VaVw
“Sonda-me, Senhor,
E me conhece,
Quebranta o meu coração,
Transforma-me conforme a Tua palavra,
E enche-me até que em mim,
Se ache só a Ti, então...”
“A natureza do coração de Terra de Santa Cruz se despedia de mim, Kitaabii. E parecia, ao mesmo tempo me dizer que a esperança não pode morrer...”
“Usa-me, Senhor
Usa-me, Senhor...”
“As folhas caíam devagar, árvores me acenavam sob o açoite do vento e o sol se levantava preguiçoso, a dourar as poucas nuvens que ousavam riscar o céu de branco.”
“Como um farol que brilha à noite,
Como ponte sobre as águas,
Como abrigo no deserto,
Como flecha que acerta o alvo,
Eu quero ser usada da maneira que Te agrade,
Em qualquer hora e em qualquer lugar
Eis aqui a minha vida,
Usa-me, Senhor...”
“Um idoso e sua netinha seguiam de mãos dadas pelo caminho, Kitaabii. Ela ia para escola toda animada e por uns instantes me fez lembrar de mim e giddu Raja...”
“Usa-me,
Sonda-me, Senhor,
E me conhece,
Quebranta o meu coração,
Transforma-me conforme a Tua palavra,
E enche-me até que em mim,
Se ache só a Ti, então
Usa-me, Senhor,
Us-ame...”
“Lembrei de usritii (minha família), das brincadeiras na roça, dos almoços, das festas, das árvores, do rio e de todas as vezes que o sol me encantou ao chegar e partir.
Partir, como faço agora...
Mas o sol volta, todos os dias ele vem. E eu Kitaabii? Eu voltarei?”
“Como um farol que brilha à noite,
Como ponte sobre as águas,
Como abrigo no deserto,
Como flecha que acerta o alvo,
Eu quero ser usada da maneira que te agrade,
Qualquer hora e em qualquer lugar,
Eis aqui a minha vida,
Usa-me, Senhor...”
“Eu estou aqui, Aba. E para onde vou, é somente de Teu conhecimento.” -- orava mentalmente -- "Encha-me de vida, Allah, eu imploro. Transforma o meu destino...”
“Usa-me,
Sonda-me,
Quebranta-me,
Transforma-me,
Enche-me,
E usa-me...”
“Estou limpa e me sinto leve.” -- continuava orando -- "Apesar da dor que sinto agora, depois de todos estes anos posso dizer...” -- derramou uma lágrima -- "Hoje sei o que é estar em paz...”
“Sonda-me,
Quebranta-me,
Transforma-me,
Enche-me,
E usa-me, Senhor,
Sonda-me,
Quebranta-me,
Transforma-me,
Enche-me,
E usa-me, Senhor...”
Sonda-me, Usa-me Aline Barros [a]
CAPÍTULO 105 – Sustos
--AHAHAHAHAHAHAHAH, olha Jamila na televisão!!! -- Leonor gritava empolgada -- Vem ver, vem ver!! -- chamava pelos pais
--Cadê, cadê?--os dois correram para sala
--Vou aumentar o volume! -- Leonor pegou o controle remoto
--A advogada Jamila Queiroz Haddad foi agraciada hoje, na Saxônia, com um Free Speech Award em virtude do dossiê denúncia recentemente elaborado por ela e levado a conhecimento do Ministério Público.Também conhecido como The Hurricane Report, o documento gerou grande repercussão dentro e fora do país. -- o repórter anunciava ao passo que imagens da premiação eram exibidas em flashes
--AHAHAHAH, gente, olha!!! -- Leonor gritou novamente -- Arrebenta, minha irmã!! -- falava para a TV
--A advogada Jamila Haddad tornou-se internacionalmente conhecida após as denúncias do ciberagente Scowben, em julho do ano passado, sendo considerada na atualidade como uma das mulheres mais influentes de Terra de Santa Cruz. -- outro repórter complementou
--Não sabia que essa mulher estava tão em evidência assim... -- Mike Ametista comentou pensativo -- Isso não é nada bom...
--Eu te disse que o problema tinha dimensões bem maiores do que pensamos no início... -- o assistente do empresário advertiu -- Por isso fiz questão de que assistisse à reportagem quando ouvi a chamada. Levei até um susto!
Os dois homens viajavam no carro do empresário.
--Nunca imaginei que a compra de uma fazenda iria me trazer tanta dor de cabeça! – reclamou -- Aquele maldito fazendeiro me colocou numa situação péssima, sem contar que aquelas terras sempre me deram prejuízo! -- desligou a TV do carro
--O que pretende fazer? -- perguntou curioso -- Vai aceitar todos os termos que ela propõe? -- desaprovava essa possibilidade -- Jamila jogou muito pesado com a gente!
--Às vezes é preciso que se perca algumas batalhas pra que não se perca a guerra, meu caro. -- respondeu balançando a cabeça -- Essa fazenda nunca foi minha prioridade...
--E o prejuízo adicional que vai vir dessa história toda? – questionou -- Não acredito que vai absorver isso! Ainda mais numa época em que os negócios não vão tão bem!
--Minha reputação não tem preço! -- respondeu de cara feia -- Não quero sair de canalha nessa história por causa de um fazendeiro salafrário que lesou a família e se ferrou no final. -- pegou o celular -- Pior que esse prejuízo seria dar margem pros meus adversários tripudiarem em cima da minha imagem. -- localizou um número e esperou ser atendido -- Fui tão enganado quanto a viúva e a filha daquele homem. Nunca imaginei que ele armava. Já é hora da dar um basta nessa história! -- ouviu uma pessoa atender de outro lado -- Alô! Por favor, precisamos conversar...
***
--O que foi Aisha? -- Janaína perguntou preocupada -- Que carinha é essa?
--Tô aqui pensando, amor... -- olhou para a esposa -- A angústia que Zinara ficou porque a gente não pôde ir no almoço na casa de tia Amina, essa visita dela pra gente... levei até um susto quando ela apareceu aí no portão!
--Estranho, né? -- sentou-se do lado dela -- Também achei.
--Ela vai pra casa de Clarice, mas não sei, não... -- balançou a cabeça negativamente -- Age como se tivesse indo pra outro planeta e nunca mais fosse voltar.
--Eu não queria dizer, mas... -- falava com jeito -- é porque ela sabe, ela sente que...
--Vai morrer? -- completou o raciocínio
--É...
Aisha se levantou e andou um pouco pela sala. -- Essa história parece uma novela, viu, fi? -- passou a mão nos cabelos -- Esse morre não morre, essa agonia toda me dá nos nervos! -- olhava para a outra -- Zinara tem vivido com uma intensidade que chega a ser dramática! -- circulou mais um pouco pela sala -- Sei que todo mundo morre, mas não queria que ela morresse! -- cruzou os braços -- Não queria... não agora...
--Calma...-- levantou-se e abraçou-a pela cintura -- Sem sofrimento antes da hora, baby. -- beijou a cabeça dela -- Acho que o grande problema é que, como dizia minha finada vó, tá todo mundo enterrando o caixão antes do defunto deitar. -- olhava para a esposa --Até o último minuto o trem pode mudar de direção.
--Hum... -- pensava no que ouvia
--Tem que ter fé! A gente vai continuar orando por ela e Deus não pode ser indiferente ao que tá acontecendo!
--Eu sei, amor, mas eventualmente todo mundo morre, né? -- retrucou manhosa -- Morte não é punição pra falta de fé. Eu é que não queria ver aquela caipira safada morrendo por agora...
--Te repito: calma! -- insistiu -- E aquela coisa, sabe? Pensa sempre no que vou te dizer agora: -- aconselhou -- muito peido é sinal de pouca bosta e muita bosta é sinal de pouco peido! -- falava com propriedade -- Essa é a sabedoria da vida!
--Ai, é por isso que eu te amo, viu? -- abraçou-a pelo pescoço -- Além de ser romântica, firme e boa de cama ainda filosofa no meu ouvidinho! -- sorriu -- Fiquei até arrepiada...
--Ficou, é? -- puxou-a para junto de si -- Vamo ver se fica arrepiada agora! -- beijou-a com paixão
“Ui!” -- Aisha pensou excitada
***
--Oh, Sahar, que saudade... -- abraçou a namorada com força -- Ya noori, ya habibi... (Minha luz, minha querida...)
--Ai, amor! -- segurou o rosto da astrônoma com as duas mãos -- Que bom, que felicidade te ver! – sorria -- Já não me aguentava mais!
--Fiquei tão feliz que você veio me receber no aeroporto! -- beijou a testa dela --Vamos embora que eu tô doida pra... -- aproximou os lábios do ouvido da outra -- bousa ala shafayef (beijo nos lábios)...
“Ô, meu Pai, essa mulher só vive atrás da minha bousa!” -- pensou excitada -- Agora! -- respondeu de pronto -- "Minha bousa também tá doida te querendo!” -- não teve coragem de verbalizar seus pensamentos em público
--Então, simbora! – brincou --Yaalah! (Vamos!) -- beijou o rosto de Clarice e voltou a empurrar o carrinho de bagagem -- Pra que lado? -- perguntou sorridente
--O taxista nos espera no posto. -- seguia de braços dados com a morena -- Vou ligar pra ele e dizer que você chegou. -- pegou o celular e chamou -- Alô, seu Hélio. -- falava com o homem -- Pode vir que a gente tá indo lá pro embarque. -- pausou brevemente -- É, pode chegar. Até logo. -- desligou -- Pronto! -- beijou o rosto da amada
Zinara e Clarice ficaram do lado de fora esperando o motorista.
--Por que você não trouxe mala, só esse mochilão enorme? -- perguntou espantada -- Tá pesado, não? Você pode ficar carregando uma coisa dessa nas costas? -- tentou levantar a mochila -- Cruzes! Pra onde vai com isso?
Achou graça. -- A caipira tá derrengada mas ainda aguenta fazer certos esforços, Sahar. -- brincou -- Macleech! (Não se preocupe!)
--Eu sei bem quais são os esforços que essa caipira aguenta fazer... -- respondeu provocando -- Mas não te quero carregando peso à toa! -- fez um carinho no braço dela
--Tá tudo bem... tá tudo bem... -- sorriu -- E pra onde vamos agora? -- queria mudar de assunto -- Seu amigo taxista vai nos levar pra algum canto bom? -- brincou -- Ya Leda sabe disso? -- segurou uma das mãos da paleoceanógrafa -- Olha lá, hein? Não quero levar ursadas de uma certa velhinha! -- riu brevemente
“Ela tá muito bem humorada, mas por que me parece que tem alguma coisa errada aqui?” -- Clarice pensava enquanto examinava o rosto da astrônoma -- Na verdade minha casa anda uma loucura e a gente não vai pra lá agora. -- entrelaçaram os dedos -- Magali viajou com Lúcia ontem à noite e vão passar esse final de semana fora...
--E...? -- imaginava a resposta
--Deixou a chave da casa dela comigo... -- sorriu dengosa
--Uai?! -- surpreendeu-se -- Então quer dizer que hoje em dia ela torce por nós de verdade? -- beijou a mão da mulher
--Mais do que possa imaginar! -- respondeu confiante
--Smallah! -- ficou pasma -- Quando você me disse isso da primeira vez pensei que era pra não me magoar. -- comentou -- Bem que eu sempre achei que Magali era uma pessoa maravilhosa que só precisava de um pouco mais de tempo pra aprender a gostar de mim! -- brincou mais uma vez
--Boba... -- deu um tapinha no ombro da caipira -- Agora me conta o que você tá me escondendo! -- pediu
Ficou sem graça. -- Não tô escondendo. -- respondeu sem muita firmeza -- Mas me diz uma coisa, por que sua casa anda uma loucura? -- novamente quis mudar de assunto -- O que anda acontecendo por lá?
“Ela não vai me dizer...” -- concluiu -- "Mas deixe estar que no momento certo eu insisto de novo.” -- decidiu -- Vou te contar, calma. -- fez sinal para o táxi que se aproximava -- Seu Hélio chegou.
***
Clarice e Zinara estavam na cama deitadas nos braços uma da outra. A paleoceanógrafa recebia um carinho bem vindo, aconchegada no colo da morena.
--Aí quando cheguei em casa e vi o que se passava levei o maior susto! -- contava -- Mamãe tava a ponto de matar um! -- acabou achando graça -- Acho que se não fosse pelo Di ia ter dado um fuzuê como nem sei!
--Ave Maria, que situação! -- exclamou -- E o safado ainda passou a mão na minha barraca?
--Pois é! -- acariciava o braço da namorada -- Mamãe disse que dentro de casa ele não dormia, aí sobrou a barraca.
--E como que ele soube que ela tava lá? -- não entendia
--Ah, meu amor, coisa de Raquel, né? -- respondeu fazendo um bico -- Ela simplesmente foi mexendo em tudo meu até que achou sua barraca e se apropriou dela. Quer dizer, deu pro marido se apropriar!
Zinara acabou rindo. -- Ai, Sahar, me desculpe, mas eu tenho que rir. -- beijou a cabeça da outra -- Tua irmã vive uma crise conjugal por causa das malandragens do marido e vai com o filho se refugiar na tua casa, até que teu cunhado vai pra lá atrás dela e, na falta do que oferecer, decide que também vai morar com vocês!
--E mamãe, inconformada com isso, disse do que do quintal ele não passava.
--E nessa, minha barraca dançou! -- riu de novo -- Eu não sou de falar essas coisas, mas como diria minha camma Najla: “axra min kida mafiiš!! (não há merd* pior do que essa!!) -- imitou a tia
Clarice entendeu nada.
--Mas e quando ele quer tomar banho, ir no banheiro, faz como? -- perguntou curiosa
--Banho ele toma quando mamãe sai de casa e ir no banheiro eu nem sei. -- pensou nisso -- Também não quero saber! -- acabou rindo
--E Raquel leva a comida pra ele no quintal? -- continuava curiosa
--É. -- deram-se as mãos e entrelaçaram os dedos -- Agora veja que situação esdrúxula!
--Ai, ai...
--Mas não é só isso! -- continuava contando a história -- Raquel come tudo que tem na geladeira, parece até uma draga! -- reclamou -- Tenho medo que nem minhas frutas de plástico escapem daquela sanha assassina!
Zinara riu.
--Agora ela deu pra se met*r na decoração da casa. Acredita que quer mudar a posição dos enfeites na estante? -- fez cara feia -- Por fim me arrumou um retrato de um cigano com os peito cabeludo e pendurou na parede!
A astrônoma riu com gosto. -- Ai, num dou conta... -- continuava achando graça -- E eles vão embora quando?
--Sabe Deus! -- suspirou -- Eu não me incomodaria se eles não fossem tão sem noção e espaçosos, sabe? A única coisa boa disso tudo é que o Di fica bem perto de nós e antigamente a gente via o menino muito pouco.
--E Cecília, diz o que disso tudo? -- lembrou-se da outra irmã da namorada
--Tá querendo ir pra lá também porque fica com ciúme e terminou o namoro com um louco que ela arrumou de pouco tempo aí.
Riu mais uma vez. -- Pobre Sahar e ya Leda... -- beijou várias vezes a cabeça da amante -- Por que vocês não fogem lá pra roça, hein? -- brincou
--Se não fosse por meu trabalho... -- olhou para a astrônoma -- Bem que eu ia. -- sorriu --Mamãe ia gostar bem!
--Acho que todo mundo ia... menos tuas irmãs e o cunhado ogro. -- sorriu também -- Era capaz do Di querer ir junto!
--Ah, ele queria. Além mais que se apaixonou por Khadija. -- beijou-a
--Ah, que lindo! -- achou bonitinho -- Khadija também se apaixonou por ele. Até me perguntou qual a idade pra casar. -- comentou
--São essas caipiras que enlouquecem a minha família. -- beijou-a mais uma vez -- Enlouquecem usritii (minha família)... -- brincou
--Eita, que quando você fala a língua de Cedro me deixa toda arrepiada, espia! -- inverteu as posições e beijou-a com paixão -- Maravilhosa... -- sussurrou no ouvido -- Hal a’jabaki? (Gosta disso?) -- deslizou uma das mãos pelo corpo da amante e apertou-lhe uma das coxas com força -- Hã? -- esfregava-se lentamente contra o corpo dela
“Ai, meu Pai, tem vezes que eu não entendo nada mas a bousa fica doida...” -- pensou cheia de desejo -- Amor... tem um monte de... coisa... que a gente precisa conversar... ainda... -- falou entre beijos
--Depois, Sahar... -- sussurrou -- Depois... -- beijou-a com desejo
--Ah... -- soltou um gemid* abafado pelo beijo
Fim do capítulo
Músicas do Capítulo:
Amina Canta:
Yalla Tnam. Intérprete: Fairuz. Composição: tradicional canção de nina libanesa. Sem informações sobre os compositores. In: Bent El Hares. Intérprete: Fairuz. Randa Phone-Modissa, 1967. 1 disco vinil, faixa 3 (2min24)
Getúlio recita:
Princesa. Intérprete e compositor: MC Marcinho
[a] Sonda-me, Usa-me. Intérprete: Aline Barros. Composição: Aline Barros / Edson Feitosa / Ana Feitosa. In: Som de Adoradores. Intérprete: Aline Barros. MK Music, 2004. 1 CD, faixa 2 (6min23)
Comentar este capítulo:
Samirao
Em: 09/10/2023
Tô relendo e ajustando! Huahuahua
Solitudine
Em: 11/11/2023
Autora da história
Estou sabendo, agradecendo e confiando!
[Faça o login para poder comentar]
Alexape
Em: 01/01/2023
Clarice guenta coração miga! Coitada da Leda pq a casa dela virou hospício!!! Zinara o que é que você vais fazer??????
Resposta do autor:
kkkkkkkkkkkkkkk Ya Leda ficou doida com o povo e as desavenças na casa dela!
Zinara... bem, você verá.
Clarice sofre mas ela é forte!
Beijos,
Sol
[Faça o login para poder comentar]
Seyyed
Em: 20/09/2022
Só mais uma coisa antes de sair pra trampar Zi fica só alardeando que tá pra espichar as canelinhas mas não deixa de pegar a Clarice. A busa piraaaa hehe
Resposta do autor:
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Como eu disse, ela está aproveitando cada segundo! E isso inclui tudo, até a "bousa", rs
Beijos,
Sol
[Faça o login para poder comentar]
Seyyed
Em: 20/09/2022
No começo fiquei até com medo daquele sonho profético. Depois vem uns lances e me divirto. Porra a casa da Leda virou uma zona, sacanagem hehe Esse clima de contagem regressiva da Zi dá nos netvos!! Bom é viajar nas retrospectivas dela mas pprra autora coitada da Clarice...
Resposta do autor:
Olá amiguinha!
Quando a gente pensa no Apocalipse, transformação da Terra e tudo relacionado a isso de fato dá medo. Há muitas narrativas duras ou distorcidas e a insegurança assusta. Eu abordei esse assunto no Tao para deixar claro que nos aguardam momentos de tribulação coletiva muito difíceis, por causa de nossos séculos de destempero e violência. Não por punição por consequência de nossos maus atos se repetindo ao longo dos milênios. Porém, haverá também todo o processo de aprendizado e conquista da paz que virão na esteira de tudo isso. Reformada, regenerada, a Terra não será mais palco de todas as dores e desgraceiras que vemos no dia a dia e há tanto tempo!
Zinara vivia uma grande contradição. Ao mesmo tempo em que parecia ir conquistando tudo que sonhou sentia como se seus dias no planeta Água estivessem contados. E ela vivia plenamente cada segundo a que tinha direito. Ou seja, ela fez o que deveríamos fazer a despeito de qualquer coisa.
Clarice está envolvida nesse processo de corpo e alma. Ela se entrega muito. E sim, vai sofrer, mas nada é para sempre.
Beijos,
Sol
Resposta do autor:
Olá amiguinha!
Quando a gente pensa no Apocalipse, transformação da Terra e tudo relacionado a isso de fato dá medo. Há muitas narrativas duras ou distorcidas e a insegurança assusta. Eu abordei esse assunto no Tao para deixar claro que nos aguardam momentos de tribulação coletiva muito difíceis, por causa de nossos séculos de destempero e violência. Não por punição por consequência de nossos maus atos se repetindo ao longo dos milênios. Porém, haverá também todo o processo de aprendizado e conquista da paz que virão na esteira de tudo isso. Reformada, regenerada, a Terra não será mais palco de todas as dores e desgraceiras que vemos no dia a dia e há tanto tempo!
Zinara vivia uma grande contradição. Ao mesmo tempo em que parecia ir conquistando tudo que sonhou sentia como se seus dias no planeta Água estivessem contados. E ela vivia plenamente cada segundo a que tinha direito. Ou seja, ela fez o que deveríamos fazer a despeito de qualquer coisa.
Clarice está envolvida nesse processo de corpo e alma. Ela se entrega muito. E sim, vai sofrer, mas nada é para sempre.
Beijos,
Sol
[Faça o login para poder comentar]
Gabi2020
Em: 19/05/2020
Olá Sol tudo bem? Tá se comportando aí? As-Salamu Alaikum!
Hassan é um bom garoto , tem tudo pra ser um grande homem. Georgina me surpreendeu, tinha tudo pra ser amarga , mas é uma boa mãe, carinhosa, incentiva o filho.
Que sonho da Clarice!!!
"Depois de tanto tempo longe daqui, chegar no aeroporto e dar de cara com Adamastor foi pior que ser recebida pelo Bicho Ruim!” -- balançou a cabeça negativamente -- Dah JaHiim! (É um inferno!)” .... Kkkkkkkkkkk.... Essas velhinhas são danadinha.
Que nojoooooooo Zinara, que nojooooooooooooo....
Essas síndicas! Dona Soraya, agora dona Julieta... Uma mais doida que a outra.
Agora sim levo fé no romance de Magali e Lúcia, tem uma leveza e são fofas juntas.
Por que Zinara é tão fofa? Que despedida linda de Jamila.
Essas filhas de dona Leda... Raquel se livrou do ogro (até a página dois) e foi motivo de muita comemoração... Kkkkkk... Daqui a pouco chega Cecília... Kkkkkkk...
Essas despedidas de Zinara são tão intensas.
“A morena deu um suspiro profundo e apagou seu perfil no Êmail.” Sem comentários tá?
Cátia começou a trilhar seu longo caminho para se recuperar de seu vício, mas cá entre nós, se ela for pedir perdão pra todo mundo que magoou... Vixe...
Zinara continua com suas despedidas... É de cortar o coração!
Beijos
Resposta do autor:
Gabinha!! Alaikum as-Salaam!
Hassan e Georgina são muito amiguinhos. E a maternidade fez muito bem a ela.
Zinara tem umas expiações no caminho como Adamastor, a síndica... Fazer o que? kkk
Caipiras são fofas! rs
Cátia vai demorar um pouquinho mas ela se encontra.
"Zinara continua com suas despedidas... É de cortar o coração!" Às vezes a pessoa sabe que está se despedindo. Zinara sentia e dava total vazão aos sentimentos. Mas sorte a dela, porque a maioria de nós não sente e um belo dia...
Beijos,
Sol
[Faça o login para poder comentar]
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
Solitudine Em: 11/11/2023 Autora da história
kkkkkkkkkkkkkkk E esse cigano teve razão de ser!