• Home
  • Recentes
  • Finalizadas
  • Cadastro
  • Publicar história
Logo
Login
Cadastrar
  • Home
  • Histórias
    • Recentes
    • Finalizadas
    • Top Listas - Rankings
    • Desafios
    • Degustações
  • Comunidade
    • Autores
    • Membros
  • Promoções
  • Sobre o Lettera
    • Regras do site
    • Ajuda
    • Quem Somos
    • Revista Léssica
    • Wallpapers
    • Notícias
  • Como doar
  • Loja
  • Livros
  • Finalizadas
  • Contato
  • Home
  • Histórias
  • EM BUSCA DO TAO
  • KHALED - 2

Info

Membros ativos: 9525
Membros inativos: 1634
Histórias: 1969
Capítulos: 20,495
Palavras: 51,977,381
Autores: 780
Comentários: 106,291
Comentaristas: 2559
Membro recente: Azra

Saiba como ajudar o Lettera

Ajude o Lettera

Notícias

  • 10 anos de Lettera
    Em 15/09/2025
  • Livro 2121 já à venda
    Em 30/07/2025

Categorias

  • Romances (855)
  • Contos (471)
  • Poemas (236)
  • Cronicas (224)
  • Desafios (182)
  • Degustações (29)
  • Natal (7)
  • Resenhas (1)

Recentes

  • Entrelinhas da Diferença
    Entrelinhas da Diferença
    Por MalluBlues
  • A CUIDADORA
    A CUIDADORA
    Por Solitudine

Redes Sociais

  • Página do Lettera

  • Grupo do Lettera

  • Site Schwinden

Finalizadas

  • Armadas do amor
    Armadas do amor
    Por CameliaA
  • O
    O Jardim dos Anjos
    Por Vandinha

Saiba como ajudar o Lettera

Ajude o Lettera

Categorias

  • Romances (855)
  • Contos (471)
  • Poemas (236)
  • Cronicas (224)
  • Desafios (182)
  • Degustações (29)
  • Natal (7)
  • Resenhas (1)

EM BUSCA DO TAO por Solitudine

Ver comentários: 9

Ver lista de capítulos

Palavras: 16843
Acessos: 10493   |  Postado em: 17/01/2018

KHALED - 2

 

 

 CAPÍTULO 96 – Tô Passada, Amiga!

 

Clarice e Magali conversavam pela primeira vez desde que o ano letivo começou. Tomavam café no local de costume.

 

--Meu Deus, Magali, o que é que você tá me dizendo? -- estava pasma -- Além de ter dado um basta na safadeza de Cátia, você ainda ficou namorando a outra namorada dela?? -- olhava intrigada para a amiga -- Tô passada!

 

--Pois é isso mesmo! -- bebeu um gole de café -- Aquela canalha pensava que tava por cima da carne seca, mas tomou uma rasteira de respeito! -- sorriu vingativa

 

Achou graça. -- Mas me conta os detalhes, como foi isso? -- debruçou-se sobre a mesinha

 

Riu brevemente. -- Você tá curiosa igual a mim! -- piscou para a outra

 

--Quem não estaria no meu lugar? -- sorriu também

 

--Bem, -- cruzou as pernas -- eu enganei ela quanto ao dia do meu retorno lá do cruzeiro porque pretendia fazer uma surpresa. -- contava -- Então fui pro apartamento da sem vergonha sem avisar e dei de cara na porta. Liguei pro celular e nada! -- passou a mão nos cabelos -- Daí, quem me aparece na portaria também? Lúcia!

 

--Vocês se conheciam por causa daquele flagra no dia da manifestação contra o leilão do campo de Balança, né? -- lembrava

 

--Sim. -- confirmou -- Aí, quando a gente se viu, deduziu tudo: Cátia continuava levando uma vida dupla! -- ajeitou-se na cadeira -- Então saímos juntas pra beber alguma coisa e conversar, até porque eu sabia que as duas estávamos sendo enganadas e não tinha porque ficar com raiva da garota. -- fez um gesto -- Combinamos que fingiríamos que ainda não havíamos voltado de viagem e cada uma fez um teatrinho pra enganar a Dona Juana de São Sebastião.

 

--Aí vocês marcaram o jantar propositadamente na mesma noite, fizeram tudo pra deixar a outra nervosa e angustiada, e no final foram embora juntas? -- concluiu

 

--Exatamente! -- bebeu o último gole de café -- E vou te contar, que noite! -- sorriu -- Foi um tal de aperta de cá, ch*pa de lá, morde acolá, que fiquei até rendida! -- deu um tapinha no braço da morena

 

--Nossa! -- riu

 

--Aquela bombeira é o máximo, amiga! -- sorriu embevecida -- Linda, meiguinha, gostosa, fogosa... -- suspirou -- Meu Pai, que mulher!

 

--Mas como que começou esse clima entre vocês? -- continuava intrigada -- As duas eram apaixonadas por Cátia! Como que de repente esqueceram dela e caíram nesse amor todo? -- queria saber

 

--Ih, eu hein, Clarice, eu sou uma mulher objetiva! -- retrucou -- Eu tava até gostando dela, mas descobrir que continuava sendo chifrada me fez tirar o nome daquela bisca do meu coração! -- respondeu enfaticamente -- E ao longo daquela semana, eu e Lúcia conversávamos todo dia por telefone e logo percebi que doce de pessoa havia ali! -- aproximou-se para falar mais baixo -- Sem contar que qualquer uma que não seja cega pode ver o quanto ela é bonita e gostosa!

 

Achou graça. -- E em que momento você resolveu arriscar e deu uma seduzida nela? -- perguntou curiosa -- Tenho certeza que a iniciativa foi sua!

 

--Ah... -- deu de ombros -- A gente não planejava que fosse rolar... -- confessou -- Quando escrevi o bilhete praquela canalha, tava blefando quanto ao fato de passar a noite com a bombeira. -- apoiou o queixo com uma das mãos -- Mas quando saímos juntas do restaurante eu pensei: por que não arriscar? Então puxei um papinho meio mole, joguei um charme básico, caprichei nos olhares e... deu no que deu! -- riu

 

Riu também. -- Ai, ai... -- balançou a cabeça negativamente -- Só você mesmo... -- achava graça -- Espero que a história de você e Lúcia dê certo! -- desejou

 

--Na cama já deu! -- riu toda assanhada

 

--Tô percebendo! -- achou graça novamente -- Que bom!

 

--Mas olha só, você também me contou cada coisa inacreditável! -- olhava para a amiga -- A história do sobrinho de Zinara, aquelas visitas ao manicômio... Sem falar da baita festa de fim de ano que você pegou lá na roça! -- aproximou-se ainda mais -- Entre uma emoção e outra deve ter rolado muito sex*, né? -- perguntou cheia de fogo

 

--Mas você não tem jeito mesmo, né, amiga? -- ficou envergonhada

 

--Hum, pela sua cara deduzo que o couro comeu! -- riu -- Mas, diz aí, e a saúde dela? Melhorou alguma coisa? -- perguntou interessada

 

--Sinceramente? Não sei... -- respondeu pensativa -- Zinara melhora, tem umas recaídas... -- suspirou -- Não sei, não quero saber, não quero aceitar... muitas vezes me parece que ela tá indo embora, Magali... -- admitiu com tristeza -- E fica quase impossível acreditar que tudo vai dar certo... Infelizmente...

 

--Confesso que aprendi a gostar daquela mulher. -- segurou a mão da outra -- Não desiste, não! Ela é o seu grande amor e sabe lá o que a vida reservou pra vocês! -- falava ternamente -- Talvez uma bela surpresa e um recomeço! -- sorria -- Talvez o amor salve a sua caipira! Por que não?

 

Estranhou o que ouviu. -- Magali, é você mesma? -- estava pasma -- O que fizeram contigo? -- pôs uma das mãos sobre a testa da outra e fingiu que media a temperatura dela -- É clone, alienígena ou o que?

 

--Sou eu mesma, sua boba! -- deu um tapinha na mão da morena -- Acho que Lúcia tem me deixado mais light... mais romântica...

 

--Em tão pouco tempo? -- sorriu -- Gente, essa bombeira deve ser o máximo! Já virei fã! -- brincou

 

--Acho que vou procurar por Cátia pra agradecer pelo presente. -- brincou -- Afinal de contas, se não fosse por ela...

 

--Veja que nada nessa vida acontece por acaso! -- sorriu -- Quanto a Zinara e eu, tomara que você esteja certa! Tudo que eu mais quero nessa vida é não ficar sem meu sol... -- olhou para cima -- Por favor! -- pediu a Deus -- Por favor...

 

CAPÍTULO 97 – Por Amor ou Pela Dor

 

--Repitam comigo: ana ismii Khadija, -- olhou para a menina -- ana ismii Hassan. -- olhou para o garoto

 

--Ana ismii Hassan! -- repetiu empolgado

 

--Ana ismii Khadija! Tacharrafna, camma! -- a garotinha falou confiante

 

--Vixi! -- olhou para a prima e depois para a tia -- Ela disse mais o que?

 

--Meu nome é Khadija! É um prazer, tia! -- traduziu sorridente -- camma é a tia paterna. -- esclareceu

 

--Ave Maria, Khadija, você sabe muito! -- olhou admirado para a criança

 

--Eu sabo! -- concordou toda prosa

 

--Laa, habibi, (Não, querida) a gente fala eu sei e não eu sabo! -- corrigiu achando graça -- Já esqueceu, é? -- apertou a bochecha dela de leve -- Khadija aprende a língua de Cedro desde de pequenininha, awlaadii (minha criança). -- olhou para o sobrinho -- E Cidmara também tá aprendendo. -- segurou a mão dele -- Você está apenas começando, não fique agoniado. -- sorriu -- Não fique aperreado, melhor dizendo! -- brincou

 

--E meus outros primos? Eles não aprendem?

 

--Os filhos de Ahmed passaram a ter contato conosco apenas recentemente. Começo a ensinar pra eles agora e nossa camma Najla também tem dado umas aulinhas.

 

--Ah, mas eu não vejo a hora de aprender a língua de usritina! -- sorriu -- E não vejo a hora de aprender a escrever também!

 

--Usritina? (Nossa família?) -- surpreendeu-se que ele se lembrasse da palavra -- Smallah, gostei de ouvir isso! -- sorriu

 

--Hassan, corri aqui, mininu! -- Amina gritou da cozinha -- Queru ti mostrá uns trem!

 

--Eu tô indo, gidda! -- respondeu ao se levantar -- Ela quer me mostrar um trem, camma? Como pode isso? -- perguntou intrigado para Zinara

 

--É maneira de dizer, habibi. -- achou graça -- Por aqui, quando você ouvir a palavra trem, quer dizer coisa. -- esclareceu

 

--Vem ocê também, Khadija! -- Amina gritou novamente -- Simbora, criança!

 

--Não deixem a gidda esperando. -- a morena advertiu -- Vão lá! -- fez sinal para a menina se levantar -- Simbora! -- bateu uma palma

 

--Vem, Khadija. -- estendeu a mão para a prima -- Depois a gente volta, camma! -- olhou para a tia

 

--Dipois a genti vorta! -- a garotinha confirmou e seguiu correndo de mãos dadas com o menino

 

--Ai, ai... -- acompanhava as crianças com o olhar -- Qual será o trem que maama quer mostrar? -- levantou-se sorridente e respirou fundo

 

--Raed, cadê ocê, homi? -- Amina chamava em voz bem alta -- RAED!!!

 

--Ih, baba sumiu! -- achou graça -- Deixa eu sumir também antes que sobre pra mim! -- começou a andar -- E o dia tá tão lindo... -- olhou para o céu -- Vai ser bom fazer uma caminhadinha por essa roça pra matutar um pouco e conversar comigo mesma... -- pausou brevemente -- Se bem que vira e mexe eu converso comigo mesma, qual a novidade? -- achou graça e continuou caminhando -- Realmente, o dia tá lindo! -- contemplava a paisagem e viajava em seus pensamentos

 

“Gosto de ver as mudanças cíclicas que se processam nestas terras, Kitaabii. Há um momento em que a Natureza pinta nossos campos de dourado e, ao sabor do vento, o mato adquire a feição de cabelos louros escovados para lá e para cá, numa dança que parece nunca ter fim. São épocas em que se olha para o horizonte e, muito facilmente, se vê fumaça. Apesar das pessoas inconsequentes incendiarem os terrenos por pura ignorância, no coração de Terra de Santa Cruz algumas queimadas são naturais. Existem árvores de gravetos finos, como as Canelinhas de Ema, que permanecem dias e dias queimando por dentro sem que ninguém veja. Então gradativamente a paisagem vai mudando de cor, o fogo segue consumindo determinadas partes, e depois as flores nascem como se a Natureza desse um grito de liberdade. Aparecem os ipês brancos, amarelos, lilases, as caliandras vermelhinhas e o Chuveirinho, que me lembra um cérebro e suas terminações nervosas, crescendo por todos os lugares. Seguem-se as frutas gostosas e quando chega a estação das chuvas os rios ficam cheios a ponto de transbordar e alagar vastos terrenos que antes eram secos. Lembro de como ficávamos impressionados com tanta água e de como aprontávamos confusões.”

 

--AHAHAH!!!!!!! -- Zinara gritava -- MumTir!!! (Chuva!!!) -- corria para perto do barranco -- Maa’ (Água) !!! Simbora cumigu!! -- pulou no rio dando cambalhotas

 

--AHAHAHAHAHAHAH!!!!!!!!!!! -- Khaled gritava e corria -- Al-jaww maTiir!! (Está chovendo!) -- sorria -- Eu sô um pêxi! -- brincou ao se jogar no rio também

 

--Maa' (água)!! -- Youssef sorria com os braços erguidos -- Oh, Aba, abençuada seji essa terra ondi num farta maa’! -- agradecia -- Nunca farta...

 

--Pula n’água, Youssef! -- Khaled gritou -- Nóis pega ocê!

 

--Vem siguindu im frenti! -- a menina instruiu -- Quandu fô pra pulá eu falu!

 

--Eita! -- achava graça e vinha tateando o chão com um pedaço de pau que lhe servia de bengala -- Tô chegandu! -- ouvia o barulho da correnteza ficando mais forte

 

--ALAAN!! (AGORA!!) -- a morena gritou -- PULA!!!

 

--AHAHAHAH!!!! -- jogou-se na água do jeito que pôde

 

Khaled nadou até o irmão e o segurou pelo braço: -- Peguei!

 

--Vem pra cá os dois! -- Zinara alcançou os meninos -- Vem, Youssef! -- segurou-o também e guiou os garotos para junto de um tronco caído no leito do rio -- Pega aqui, ói! -- indicou um galho

 

--Peguei! -- Youssef sorria -- É bão isso di ficá na água du riu e dibaxu di chuva!

 

--Zinara, Youssef, Khaled!! -- Amina ralhava -- Sai dessi rio qui tá chuvendu e a correnteza tá forti, criança! AHHa! -- tirou o chinelo do pé -- Vô metê chinelada nu rabu docês tudu! -- ameaçava -- E vô contá pro baba docês!

 

--Maama num sabi qui nóis si sigura nus troncu das arvri qui cai n’água! -- Khaled olhava preocupado para a irmã -- Ela pensa qui as água vai levá nóis rio abaxu! -- estava agarrado em um dos galhos -- Nossu côru vai ardê!

 

--Ela tá zangada cum nóis! -- Youssef comentou com medo -- E agora, Ya aini (Meus olhos)? -- perguntou aflito

 

--Sigura im mim! -- pediu -- Vem ocê também, Khaled! -- chamou -- O qui eu sei é qui nóis vai apanhá muitu! -- movimentava-se na água para retornar à margem -- Dah JaHiim! (É um inferno!) -- resmungou

 

“Quando chega a estiagem, Kitaabii, as noites mostram seu manto de estrelas brilhantes e o braço da Via Leite cruza os céus como se nos abrisse as portas do paraíso. Fica tudo verde, tudo vivo... Sempre achei que verde era a cor de yatamanna (esperança). Yatamanna...

 

Mas e quanto a mim, Kitaabii? Será que o verde ressurgirá em minha alma? Será que as caliandras renascerão dentro de albi (meu coração)? Hoje acho que fiz tudo que deveria fazer. O que me resta? Quanto tempo tenho?

 

Queria saber, Kitaabii, w laa acrif... (e eu não sei...)”

 

Chegando à beira de um barranco pôde ver o pai sentado sozinho, mais ao longe, curtindo a sombra de uma árvore. Parecia perdido em seus próprios pensamentos.

 

--Então foi aqui que ele veio parar? Ah, se maama soubesse! -- brincou consigo mesma e decidiu ir até o homem

 

Raed não percebeu a aproximação da filha e continuou olhando sem ver a paisagem diante de si.

 

--Baba? -- chamou delicadamente e ele olhou -- Será que poderia me sentar do seu lado? -- pediu ao parar perto dele -- Se quiser ficar sozinho, eu vou embora.

 

--Senta aí, minina. -- apontou um lugar a seu lado -- Tava aqui matutandu... -- voltou a mirar o infinito

 

--Eu também tava. -- respondeu ao se sentar -- Só que fazia isso caminhando. -- olhou na mesma direção em que o homem olhava -- Haljamaal mish maa’ool... (Essa beleza é inacreditável...)

 

--Si é... -- concordou pensativo -- Hassan logu ficô doidinhu pur essa roça, num sabi? -- comentou satisfeito

 

--Falando nele, o que ya said e maama decidiram com Georgina? -- perguntou curiosa -- Ficaram conversando ontem até altas horas... -- olhou para Raed -- E eu fui me deitar cedo porque a cabeça doía tanto... -- lembrava

 

--Tá duendo mais não? -- olhou para ela preocupado

 

--Laa. (Não) -- tranquilizou-o

 

--Graças a Allah e a Virgi! -- balançou a cabeça aliviado -- Tua maama e eu rezemu foi é muitu módi essa dô pará! -- gastou mais uns segundos calado contemplando a paisagem até que resolveu continuar: -- Georgina falô qui tem pricisão di vortá pra Maurítia mais o mininu purque as aula deli vão cumeçá daqui a pôco e ela tem qui resolvê uns trem. -- olhou para a filha novamente -- Ocê podi vê as passagi delis pra dumingu?

 

--Aywah! (Sim!) -- respondeu de pronto -- Só vou ficar com saudades... -- sorriu

 

--Nóis tudu vai, mais Georgina falô qui meu netu podi vim vivê mais nóis a partí di juio. Só tem qui vê os trem do colégiu deli.

 

--Smallah! -- surpreendeu-se -- E ela, como fica? Vai morar sozinha em Maurítia? -- não entendia

 

--Ela num acha qui cunsegui vivê inté o finar du anu. -- afirmou pesaroso -- Pur issu pidiu pra nóis terminá di criá o mininu, num sabi?

 

“Pobre Georgina! Imagino como esteja se sentindo!” -- pensou condoída -- Ya wail... (Que pena...) -- suspirou -- Eu já vou começar a ver a transferência dele pro colégio daqui. -- garantiu -- E vou envolver camma Najla nisso também, até porque vai chegar um momento em que ele vai ter que ir estudar em Gyn.

 

--Humpf! -- fez um bico e olhou para o horizonte -- Najla só qué, só pensa em créuziá! -- resmungou contrariado

 

“Créuziá!” -- achou graça mas se conteve -- Hassan já sabe de tudo isso?

 

--Georgina dissi qui prosiô mais eli e o mininu pensa qui ela vem morá mais nóis também. -- arrancou um matinho do chão -- Nóis dissemu a ela qui venha, mais a muié num cridita di jeitu manêra qui vai cunsiguí vivê! -- brincava com o mato -- Muié discrenti! -- criticou -- Parici inté uma pomba sem fé!

 

“Não é falta de fé! Entendo bem o que ela deve sentir...” -- pensou pesarosa -- Sa'ban ‘alay... (É difícil para mim...) -- começou a dizer -- mas também não creio que ainda esteja aqui em julho... -- admitiu sem olhar para Raed -- Entendo bem o que ela sente... -- abaixou a cabeça

 

Pai e filha gastaram uns segundos calados, apenas ouvindo o barulho das folhas se agitando com o vento.

 

--A história de Hassan e Georgina me fizeram lembrar de um monte de coisas que tentei sepultar no passado... -- falava na língua de Cedro -- Tenho refletido muito, tenho pensado em tudo que fiz ao longo dos anos... -- seus olhos marejaram -- Dayaat alei ei moor... (Eu desperdicei minha vida toda...) Cada vez mais isso fica evidente para mim! -- lamentou -- Fui um bruto, um ignorante e a dor do remorso me consome... -- admitiu -- Minha alma é... naadim! (cheia de arrependimentos!) Meu coração é todo coberto pelo manto da vergonha...

 

Zinara ouvia calada.

 

--Eu fui culpado pelo que aconteceu a binii (meu filho)! -- socou o próprio peito -- Ya sheen theek izziwaya, Aba? (O que será de mim, Meu Pai?) -- começou a chorar contidamente -- Um homem que deixa o filho morrer enlouquecido por ser um pai ignorante! -- olhou para a morena -- Eu tive medo de deixá-lo ir pra Gyn com vocês! Não queria aceitar que Khaled precisava de ajuda! Era demais para mim! -- assumia com pesar -- Também tive medo de perdê-lo, como sabia ter perdido você!

 

--Baba... -- ficou emocionada

 

--Eu relutei até o fim, não queria aceitar que Khaled precisava de tratamento! -- pôs as duas mãos sobre o peito -- Amina me pedia para fazer alguma coisa, mas eu não aceitava... -- chorava com muita dor -- Quando decidi procurar Viegas, acreditei que era a melhor solução! Ele tinha tão boa reputação... -- balançou a cabeça agoniado -- Karaahiyya! (Que ódio!) -- gritou -- Ele me enganou, me fez gastar o que eu não tinha e ainda levou meu menino para a cova! -- levantou-se inesperadamente -- Gaatak niila, Viegas!! (Vá para o inferno, Viegas!!!) -- gritou encolerizado -- Gaatak niila!

 

“Uma parte de mim gostaria de consolá-lo, Kitaabii, mas o que fazer se eu também o condenava?”

 

--Sou um homem desgraçado e amaldiçoado! -- apoiou a mão no tronco da árvore -- Warana ay? (Que mais se pode fazer?) Devo esperar o castigo na fúria de Allah! -- continuava chorando -- Fui responsável pela miséria de dois filhos...

 

“Do que ele está falando?” -- pensou intrigada ao se levantar -- Yahda’u, baba! (Fique calmo, papai!) -- aproximou-se dele -- Não sei do que está falando, mas procure se acalmar! -- pediu com jeito

 

--Não sabe do que falo?? -- olhou agoniado para a professora -- Sou responsável pela morte de Khaled e por sua doença! -- afirmou cheio de remorso

 

--Ma hatha?! (O que é isso?!) -- surpreendeu-se -- Como pode ser responsável por minha doença? -- não entendia

 

--Tudo que fiz com você... -- sentia-se muito mal -- Você não sabe, Zinara, ah, você não sabe... Como me arrependo por ter feito você perder a inocência de criança vendo nossos mortos naquela vala... -- lembrou

 

A morena instintivamente afastou-se do homem e reviveu a cena em sua mente.

 

“--La afham... ( Não entende...) -- Zinara sentia-se perdida

 

--Não entende? -- Raed segurou-a pelo braço -- Quer entender? Vai entender agora! Yaalah!

 

Raed seguiu arrastando a filha por um braço, enquanto segurava o balde que ela trouxe com a outra mão. Chegaram a uma pequena vala recém cavada no chão e pararam sobre um monte de terra.

 

--Onzori, Zinara! (Veja, Zinara!) Se não entende, é isso aí! -- apontou para baixo -- Estão mortos! Isso é a guerra: dor, sofrimento e morte! Isso é a guerra! -- estava descontrolado -- Gaatak niila, Dar-ulharb!! (Vá para o inferno, Dar-ulharb!!) -- gritava como se estivesse possuído -- Gaatak niila!! Gaatak niila!!”

 

“As lembranças da cena mais traumática de minha vida me causaram desconforto e enjôo, Kitaabii. Caminhei alguns passos para longe de baba e abracei-me comigo mesma.”

 

Bombas explodem...

 

“Queria correr, queria deixar de ouvir o que ele dizia, mas não tive forças. Fiquei parada de costas para baba e comecei a chorar em agonia.”

 

--Eu me arrependo tanto, Zinara! -- beirava o desespero -- Sei que minhas atitudes fizeram você sofrer e esse sofrimento te adoeceu... -- caiu de joelhos no chão -- Juro que se eu pudesse daria minha vida para salvar a sua! Wallahi! (Eu juro!) -- abaixou a cabeça envergonhado -- Não queria perder awlaadii (minhas crianças)... Não queria, Aba, não queria... -- chorava copiosamente

 

“Sofrimento... por que sofremos tanto, Kitaabii? Por que?”

 

Bombas explodem...

 

--Eu não estava preparado para uma guerra tão cruel! -- ficou todo encolhidinho -- Eu não estava preparado para viver o que vivi! -- chorava -- Tudo que eu queria naqueles tempos era me proteger no colo de maama, só que ela não estava mais conosco... -- confessou

 

A astrônoma virou-se de frente para o homem e o que viu tocou fundo em seu coração. Raed sofria de um modo como lhe parecia inimaginável. Ele chorava como um bebê, mostrando a fragilidade de um espírito abalado pelos traumas de uma vida difícil marcada sob dez anos de guerra civil e as angústias de um campo de refugiados infernal.

 

“Sofremos por que buscamos por isso, Kitaabii? É um eterno ciclo de causas e consequências? Podemos pôr um fim nisso?

 

Por tantas vezes li, em livros espíritas, que aprendemos por amor ou pela dor. Até que ponto nós, em usritii (minha família), fazemos de nossas dores um aprendizado? O que amadurecemos depois de tantos traumas e lágrimas derramadas?”

 

Bombas explodem...

 

“É minha a decisão de cessar estas bombas, Kitaabii? Sou eu quem decido por qual caminho seguir entre amor e dor?”

 

Continuava inerte olhando para o pai, que se perdia em lágrimas e lamentações.

 

Bombas explodem...

 

“Chega, Kitaabii! Meu tempo se esgota, não há mais o que fazer, ninguém modifica o passado e é hora de me livrar de toda essa carga triste que me deixa tão pesada!

 

Chega de dor! Não quero que meus últimos dias sejam cinzentos!

 

Eu quero amar!”

 

--Baba! -- foi até ele e se ajoelhou a seu lado -- Eu não quero mais isso! -- falava na língua de Cedro -- Olhe para mim, min fadlak (por favor)! -- pediu delicadamente e o homem atendeu -- O passado passou, deixe-o lá atrás! -- chorava contidamente -- Nada que possa fazer muda o que já aconteceu!

 

--E é por isso que sou um homem desgraçado! -- retrucou de pronto -- Mereço apenas o castigo no fogo de Allah! -- chorava dramaticamente -- Mereço... -- soluçou -- al-wafaah... (a morte...)

 

Bombas explodem...

 

--Ya said merece o mesmo que todo ser humano, baba! -- segurou as duas mãos dele -- Merece ser feliz! Ala hasb wedad albak... (Tudo depende do seu coração...)

 

Raed emocionou-se com aquelas palavras.

 

--Durante muito tempo eu lhe culpei por várias coisas, mas sei que... -- tentava falar

 

Bombas explodem...

 

“Infijaaraat... infijaraat... (Explosões, explosões...)

 

Eu me esforçava para dizer a ele que a morte de Khaled não era culpa sua, que eu o perdoava por ter sido cruel comigo naquele dia fatídico em que tantos foram mortos, mas não conseguia, Kitaabii. Oh, Aba, como orei mentalmente naquele momento pedindo para esquecer... Como orei pedindo a Allah que silenciasse as bombas dentro de mim...”

 

--Ya said (O senhor) não é culpado por minha doença! -- chorava mais emocionada

 

Bombas explodem...

 

--E eu quero perdoá-lo pelo que me fez naquele dia, baba! -- segurou as mãos dele com mais força -- Porque se eu não fizer isso, minha alma morrerá junto com o corpo, e me render a esse tipo de morte é uma decisão minha! -- afirmou com firmeza -- Ana baddi gheish! (Eu quero viver!)

 

Bombas explodem...

 

--E quero que saiba que... -- as palavras engasgavam na garganta

 

Bombas explodem e o coração bate acelerado...

 

--Também me sinto culpada, também sofro muito por ter ficado tão distante naquela época! -- confessou -- Quando penso em akhuuya... (meu irmão...) awlaadii... (minha criança...) -- lutava para não chorar sem controle -- Também me vejo... naadim! (cheia de arrependimentos!)

 

Bombas explodem...

 

--Você era apenas uma mocinha, Zinara! -- tocou o rosto dela -- Eu sou o chefe do clã! A responsabilidade sempre foi minha!

 

--Ya said era apenas um homem marcado pela guerra... -- respondeu com voz embargada -- como todos nós fomos marcados por ela... -- gastou uns segundos calada até que finalmente falou de uma vez só: -- A morte de Khaled não foi culpa sua! -- soluçou -- Não foi...

 

--Zinara... -- tentou objetar

 

--Khaled não culpa nenhum de nós! -- não sabia porque dizia aquilo -- Ele não culpa!

 

--Bintii... (Minha filha...)

 

--Chega, baba! -- pediu -- Seus netos precisam de um avô e eles estão vivos e estão todos aqui! -- soluçou -- Sei que não poderiam ter um giddu melhor!

 

Raed não teve mais palavras e abraçou a filha com força. Choraram juntos por um tempo que não conseguiriam precisar.

 

“Sim, Kitaabii, disse tudo que ele necessitava ouvir. Sim, Kitaabii, estava de verdade disposta a esquecer e construir o futuro pensando apenas no presente. Sim, Kitaabii, rompi com o passado e dele decidi guardar apenas o que fosse bom.

 

E as bombas aos poucos deixavam de explodir...”

 

***

 

Cátia enchia o pote em um boteco de beira de rua.

 

--Garçom! -- chamava com o copo na mão -- Garçom! -- insistiu -- GARÇOM!!! -- gritou e o homem veio

 

--Diz aí, moça. -- perguntou limpando as mãos em um pano sujo -- Desce mais uma branquinha?

 

--Desce! -- estendeu o copo -- Vê mais uma aí! -- pediu em voz alta -- A mais braba que tiver! -- gesticulava -- Do tipo que faz a bichinha falar sem ter língua!

 

--Que biiiiiichinha? -- um bêbado se aproximou e sentou ao lado da loura -- Tem viado aqui? -- olhava para todos os lados -- Olha que hoooooje em dia issssso... -- aproximou-se dela -- dá cadeia!

 

--Fica quieto aí! -- a geofísica advertiu ao receber uma nova dose -- Não tô pra papo fiado! -- virou o copo -- Eita, que desceu queimando tudo!! -- arregalou os olhos -- AH! -- deu um gritinho

 

--Ô, Bigode! -- o bêbado chamou o garçom novamente -- Me vê essa meeeeesma ca... -- soluçou -- chaça que ela tá tomando! -- pediu

 

--Pronto! -- o homem pôs um novo copo sobre a mesa

 

--Garçom, -- Cátia segurou o braço do homem -- aqui, nessa mesa de bar, -- apontou para a mesa -- você já cansou de escutar, -- olhava para ele -- centenas, de casos de amor! -- falava com voz embriagada

 

--Ih... -- revirou os olhos e se desvencilhou -- Tô fora!

 

--AH!! -- o bêbado gritou ao beber de um gole só -- Essa é da boooa! -- sorriu abestalhado

 

--Garçom, no bar, todo mundo é igual! -- continuava falando -- Meu caso é meio... surreal, mas preste atenção, por favor!

 

--Conta aí, loura! -- o bêbado pediu interessado

 

A geofísica olhou para ele e continuou a falar: -- Saiba que os meu dois amor, vive de acasalar, -- gesticulou desconexamente -- deixaram uma carta, pra me avisar, quebraram em pedaços, o meu coração!

 

--Como é isssssso? -- perguntou sem entender -- Hã?

 

--E pra matar a tristeza, -- falava para todos e para ninguém -- tô pra me embriagar! -- olhava para o nada -- Não tô dando conta, quero me danar! -- passou a mão nos cabelos -- Se eu pegar no sono, me deite no chão! -- bateu com a testa na mesa

 

--Ei! -- ficou pensando -- Isssssso não é letra de múúúsica? -- o bêbado coçou a cabeça

 

--Garçom! -- a professora levantou a cabeça e chamou de novo -- Mais uma! -- pediu abestalhada -- Só que eu quero pra matar de vez! -- falou enfaticamente

 

--Põe chumbiiinho, Bigode! -- o bêbado sugeriu -- Seca o raaato e seeeca a mulher! -- apontou para a outra

 

--Só dá maluco! -- o garçom achava graça -- Prontinho. -- serviu mais uma dose

 

--Tá com chumbinho? -- perguntou curiosa olhando para a bebida

 

--Bebe aí, loura, pra desssscobrir! -- sugeriu

 

--Lá vai! -- a geofísica bebeu e gritou mais alto: -- AH!!!! -- fechou os olhos -- "Tá rodando tudo...” -- balançava a cabeça aparvalhada

 

Uma mulher entra no bar e leva um susto com o que vê. -- Cátia?! -- não acreditava

 

--Mané Cátia... Aqui não tem Cátia nenhuma! -- respondeu sem abrir os olhos -- Agora só tem a bebum! -- anunciou

 

--Um briiinde aos bebum! -- o homem levantou o copo -- Ô, Bigode! -- chamou contrariado -- Meu coooopo tá va... vaaazio! -- reclamou

 

Abriu os olhos e analisou: -- E o meu idem! -- a geofísica ergueu o copo -- Enche!

 

--Chega de bebedeira por hoje! -- decidiu -- Garçom! -- foi até ele -- Eu pago a conta dela. -- afirmou resoluta -- Quanto deu?

 

Após rabiscar alguns números em um papel amassado, mostrou o resultado a mulher. -- Aqui! -- estendeu para ela ver

 

--Gente! -- arregalou os olhos -- Tudo isso?!

 

--Olha quanta garrafa tem na mesa dela. -- argumentou -- Sua amiga bebeu de tudo um pouco e mais umas boas doses de branquinha! -- apontou para a mesa da geofísica -- O outro maluco lá sentou junto com ela não tem nem dez minutos!

 

--Fazer o que, né? -- abriu a carteira e retirou o dinheiro

 

***

 

--Cara, que dor de cabeça infernal! -- Cátia reclamava ao abrir os olhos -- Onde que eu tô, hein? -- olhou desconfiadamente ao redor de si -- Meu Deus! -- alarmou-se -- Boa noite Cinderela de novo não! -- tentou se sentar rapidamente mas não conseguiu -- Ai, minha cabeça! -- resmungou

 

--Você tá na minha casa. -- a morena vinha com uma caneca de chá morno nas mãos -- Bebe isso. -- estendeu para ela -- Vai te fazer bem!

 

--Clarice?! -- ficou sem graça -- Nossa, mas eu tô fazendo aqui o que? -- estava confusa

 

--Beba! -- insistiu

 

--Calma. -- aceitou a caneca -- Que é isso, que horas são, que dia é hoje? -- perguntou de uma vez só -- De onde eu vim? -- pensou por uns instantes -- E a tua mãe?

 

Achou graça. -- Só faltou perguntar: “pra onde eu vou?” -- riu brevemente -- Isso é chá amargo. -- sentou-se aos pés da cama -- São quase duas da tarde de sábado. -- cruzou as pernas -- E eu tava entrando no boteco da esquina pra comprar um chá gelado quando dei de cara com você bebendo. -- esclareceu -- Foi de lá que viemos. -- passou a mão nos cabelos -- E que sorte a sua que mamãe milagrosamente dormiu na casa de Cecília, coisa que nunca acontece. -- sorriu -- Mas à noite as duas chegam aí. -- informou

 

“Que vergonha, Cátia!” -- recriminou-se em pensamento -- Tá, eu tô lembrando... -- assumiu constrangida -- Também lembro de ter vomitado bastante... -- abaixou a cabeça -- Mas não tinha me tocado que você era você...

 

--Sim, você vomitou bastante. -- confirmou -- Mas foi tudo na rua, graças a Deus. -- olhou rapidamente para cima

 

--Vergonha... -- resmungou antes de beber um gole do chá -- Puta merd*! -- exclamou contrariada -- Que coisa horrível! -- fez careta

 

--Chá amargo. -- respondeu simplesmente -- Bebe tudo e vem comer alguma coisa. -- convidou -- Tem uma saladinha gostosa te esperando.

 

--Não precisa disso, querida. -- olhou encabulada para a ex -- Só queria mesmo que você me deixasse tomar um banho e daí eu vou embora. -- passou a mão nos cabelos -- Meu carro tá estacionado perto daquele boteco. -- suspirou -- Aliás, vim rodando pela cidade a ermo e nem sei porque parei ali. -- ajeitou-se na cama e bebeu mais um gole -- Mas é ruim, vou te contar! -- fez careta novamente

 

--Volte de táxi que é mais seguro. -- propôs -- Você não tá em condições de dirigir.

 

--E se roubarem meu carro? -- retrucou e bebeu mais um gole -- Minha nossa! -- e tome de fazer careta

 

--Sua segurança é mais importante que um carro. -- respondeu de pronto -- Mas já percebi que você tem uma certa dificuldade em estabelecer prioridades na vida, né, meu bem?

 

A loura ficou sem graça e não respondeu.

 

Clarice gastou uns segundos examinando a outra até que decidiu perguntar: -- Até que ponto seu sofrimento é algo mais que orgulho ferido? -- cruzou os braços

 

--Ah, não, pára com isso! -- reclamou de cara feia -- Se me trouxe pra sua casa pra me dar lição...

 

--Eu te trouxe porque fiquei com medo! -- interrompeu a outra -- Alguém podia te assaltar ou fazer coisa pior. -- explicou-se -- Só que eu sei o que aconteceu! Sou amiga de Magali e posso apostar que essa bebedeira tem tudo a ver com ela! -- pausou brevemente -- E com Lúcia, é claro. -- complementou

 

A geofísica abaixou a cabeça envergonhada. -- Eu não esperava levar aquela calça arriada... -- falou como criança -- Elas tão juntas pra valer e Magali parece que faz questão de esfregar a felicidade delas na minha cara... -- olhou para a ex -- Ontem, eu fui tomar um cafezinho no trailer antes de ir embora e vi as duas passando por mim com um baita sorriso no rosto. -- lamentava-se -- Acredita que nem olharam pra minha cara? -- bebeu o último gole -- AH! Graças a Deus essa merd* acabou! -- olhou desgostosa para a caneca vazia

 

--Pois é, minha querida. -- recolheu a caneca das mãos da outra -- Você vive de dar calça arriada nos outros, mas quando acontece contigo reage muito mal. -- pausou brevemente -- Não acha que mereceu passar pelo que passou? -- provocou -- Por quanto tempo iludiu duas maravilhosas mulheres com suas mentiras? -- olhava para a colega -- Eu mesma tenho histórias ruins a contar sobre você!

 

--Eu sei... -- confessou encabulada

 

--É hora de crescer, Cátia! De criar vínculos reais com alguém e de parar de usar seu sofrimento no passado como desculpa pra manter um comportamento totalmente reprovável! -- falava com seriedade -- A gente colhe o que semeia e você não tem semeado boa coisa por aí!

 

Não argumentou.

 

--Se sabe que o sex* é sua fraqueza, não busque situações que te deixem tentada a fazer bobagem. -- aconselhou -- Tente namorar alguém que te diga algo ao coração, alguém com quem você se identifique, com quem goste de conversar! E permita-se amar essa pessoa, sem truques e sem mentiras. -- levantou-se -- Busque gastar seu tempo com outras coisas úteis além de trabalhar. Às vezes, quando a gente olha pro lado, acaba descobrindo as tantas pessoas que desejam apenas quem lhes dê um minuto de atenção, e nessa hora fica meio claro que nossos problemas, muitas vezes, nem são tão grandes. Sem contar aqueles que a gente mesma cria. Pense também em procurar ajuda profissional, uma terapia, análise ou sei lá o que, porque isso não é vergonha! -- respirou fundo -- Eu já deixei toalha, sabonete e uma muda de roupa pra você no banheiro. Deixei pasta de dente também e uma escova nova. -- informou -- Cuide-se e venha comer alguma coisa. -- caminhou até a porta do quarto -- E reflita sobre sua vida, porque já é hora de deixar de ser uma garotona e se transformar numa mulher de verdade! -- saiu

 

--Ultimamente eu só passo vergonha, vou te contar... -- pôs a mão na cabeça -- E que dor infernal! -- reclamou

 

--E não enrola muito, não! -- advertiu da cozinha -- Porque se mamãe chegar e der de cara contigo aqui, haverá choro e ranger de dentes nessa casa! -- riu brevemente

 

--Que dureza! -- levantou-se da cama como pôde -- Apanhar de dona Leda mais uma vez, tô fora! -- lembrava-se das ursadas que um dia levou

 

CAPÍTULO 98 – Ajustando as Contas

 

Jamila e Aisha conversavam no pátio de alimentação do aeroporto de Gyn.

 

--Então, quer dizer que você achou que o bicho ficou balançado? -- perguntou empolgada

 

--Só o fato dele ter ido na reunião já nos diz muita coisa! -- a advogada bebeu um gole de chá gelado -- Pensei que a conversa ficaria só entre os advogados dele e eu. -- sorriu -- E qual não foi minha surpresa ao vê-lo chegando ao vivo e à cores! -- comentou satisfeita

 

--E ele disse quando responde? -- debruçou-se sobre a mesa -- Você fez a proposta, eles ouviram, mas e aí?

 

--E aí que essas coisas não são tão rápidas. -- cruzou as pernas -- Afinal de contas é um patrimônio considerável, há toda uma documentação pra correr, imposto de transmissão e por aí vai. -- olhava para Aisha -- Eu te diria que lá pra maio poderemos ter uma resposta. -- pausou brevemente -- E duvido que seja algo diferente de ‘sim’. -- afirmou otimista -- Foi uma venda suja, ele acumula prejuízos com a fazenda e ainda anda numa fase não muito boa; seja financeira, seja... -- pensou em como dizer -- política.

 

Bateu palminhas. -- Ai, mais que coisa têúdêô: TU-DÔ! -- comemorava -- A fazenda é nossa, ahá, uhu! -- cantava

 

Achou graça. -- Calma, Aisha, uma coisa de cada vez. -- advertiu -- O que virá depois é uma discussão muito complexa. Acredito que ele vai abrir mão do patrimônio, mas imporá condições. -- explicava -- Apesar de ter me sentido confortável pra fazer uma proposta bastante ousada, não posso te garantir que ele vá concordar com todos os termos. -- estava sendo sincera

 

--É... -- concordou desanimada -- E nessa história toda, ele vai tomar um baita prejuízo, então não posso contar com muito ovo no fiofó da galinha, né...? -- afirmou pensativa -- Afinal de contas ele transformou nossa casa num hotel fazenda! Aí tem funcionário, uma infra construída, licenças, uma papelada ferrada... -- suspirou -- Ô merd*...

 

--Também argumentei que ele deveria saldar todas as dívidas antes de entregar o patrimônio porque senão a correção do erro seria uma verdadeira punição. -- continuava explicando -- Você e sua mãe perderam tudo, passaram até fome e não seria justo que herdassem uma dívida pesada. Dona Najla nem renda possui, você vive com dificuldade e a família não teria condição de absorver esses custos. -- pausou brevemente -- Já bastam os gastos que virão em passar a fazenda pro seu nome, o que envolve, inclusive, uma burocracia considerável. -- lembrou

 

--Tem razão... -- respondeu balançando a cabeça -- Mesmo que ele entregasse a fazenda zeradinha, ainda haveria uma fase de muita peleja pra resolver os trâmites burocráticos.

 

--Eu não acredito que ele entregue a fazenda com tudo resolvido. -- passou a mão nos cabelos -- Sendo bem sincera com você. -- olhava para a cliente -- Mas me esforço muito pra que isso aconteça!

 

--Ah, mas ele vai aceitar tudo que você propôs! -- respondeu sonhadora -- Eu vou pedir a Deus, a Nossa Senhora e a todos os falecidos de usritii (minha família) poderosa pra que interfiram nisso aí. -- mirava um ponto no infinito -- Ele vai aceitar! -- afirmou confiante -- Aí, eu dou meu jeito pra arrumar o dinheiro pra correr com a burocracia! -- prometeu

 

Ficou observando o rosto da outra. -- Confesso que essa fé que você tem, a fé que Zinara tem.... -- não sabia como dizer -- Eu fico boba com isso! Como podem acreditar tanto?

 

--Pois eu tenho muita fé! -- afirmou convicta -- E pode crer que vou te pagar também! -- olhava para a advogada -- É só ter paciência! -- pediu -- Pago com gosto um a um de cada centavo que você merece!

 

--Não peguei esse caso pelo dinheiro, habibi. -- garantiu com sinceridade -- É uma questão de honra! -- passou a mão nos cabelos -- É algo que eu preciso fazer!

 

Aisha se surpreendeu com o que ouviu. -- Olha, Jamila, eu imagino porque você diz isso... -- pensava na prima -- Só que... trabalho é trabalho, né?

 

--Não queira entender meus motivos. -- ouviu seu voo ser anunciado e se levantou -- Tenho que ir agora. -- sorriu -- Concentre-se na sua... corrente de orações e vamos ver o que vai acontecer. -- pegou a bolsa

 

--Ah, mas eu vou botar pressão no povo lá de cima e, se Deus quiser, a cobra vai fumar! -- levantou-se também -- Repetindo uma expressão que aprendi nesse réveillon, Mike Ametista vai torcer a orelha sem botar sangue!

 

--Vixi! -- achou graça

 

--E quanto à você, não sabe o tanto que te agradeço por tudo que vem fazendo por nós! -- sorria -- Pode ter certeza que as bênçãos do povo de Cedro estão sobre você e mesmo depois de mais essa bomba que você jogou sobre os ‘senhores’ -- fez aspas com os dedos -- de Terra de Santa Cruz e Godwetrust, nada de mal há te acontecer! -- falava com fé -- O povo lá da terrinha é têúdêô e não vai ter safado pra te pegar! -- gesticulou

 

--Chukran, ya habibi! (Obrigada, querida!) -- deu beijos de comadre em Aisha -- Cuide-se!

 

--Bismillah, al muhuaami (Boa viagem, advogada!) -- deu um aceno -- Tá vendo, já sei falar uns trem com base na língua de Cedro! -- riu brevemente -- Demorou mas foi!

 

--Macasalaama! (Até logo!) -- piscou e partiu -- "Engraçado como as pessoas podem ter fé nesse Deus que considero tão inerte!” -- pensava enquanto seguia para o portão de embarque -- "Mas, eu entendo... deve ser bom acreditar em alguma coisa... Dá esperança...”

 

***

 

Najla e Marco batiam papo no LivrodasFuça.

 

Marc: Sinto tantas saudades... Parece que faz um ano que a gente não se vê!

Qamar: Ai, nem me fale! Também sinto muito a sua falta...

Marc: Por que não volta no carnaval? Fica comigo aqui em casa!

 

--Ai, que proposta tentadora... -- a ex fazendeira suspirou extasiada

 

Qamar: Perdoe, habibi, mas não posso te dizer sim...

Qamar: Zinara tá aqui com a gente e algo me diz que não será por muito tempo. Queria ficar um pouquinho mais junto dela.

Qamar: Não sei se me entende...

Marc: Entendo. Claro que entendo.

Marc: Pense com calma e me responda quando tiver condições.

 

--Queria tanto que ela viesse... -- suspirou -- Não me aguento mais de saudades dessa mulher!

 

Marc: Gostou da poesia que lhe mandei ontem?

Marc: Foi escrita com todo carinho!

Marc: E com todo meu amor e respeito!

Qamar: Oh, perdoe, nem falei, né? É que fiquei tão embevecida!

Qamar: Amei a poesia, achei linda!

Marc: Eu pesquisei seu nome, sabe?

Marc: Descobri que na língua de Cedro, Najla quer dizer:

Marc: Aquela que tem grandes olhos

Marc: Olhos vivos, marcantes

Marc: Olhos que me enfeitiçaram...

 

--Ai, que homem é esse? -- sorria abobalhada -- Até meu nome o danado pesquisa!

 

--Mais issu é um infernu di minha vida, aHHa! -- Raed reclamava sozinho -- É Amina di um ladu nu lepitópio cum ya Leda, -- fazia cara feia -- e Najla di ôtru cum o homi créu!

 

Siriema: Meu netu foi simbora num tem muitu tempu

Siriema: E eu já tô cheia di sardadi, num sabi?

DonaBord: Sei como é! Morro de saudade do meu!

DonaBord: Mas veja pelo lado bom: logo ele volta!

DonaBord: E, graças a Deus, o menino não é filho de ogro!

 

--Mais eu num intendu essi trem di ogro! -- Amina resmungava sozinha

 

Siriema: Nóis levemu Hassan no clubi módi apresentá e foi uma aligria só! Dipois ya Rafi aprontô uma festa qui foi boa pur dimais da conta!

DonaBord: O perna fraca sabe fazer festa, isso tenho que admitir!

Siriema: kkkkk  Eli perguntô pela sinhora...

DonaBord: Pula essa parte e continuemos falando do menino! Ele gostou da festa?

Siriema: kkkkk

Siriema: Ave Maria, si gostô! Eli e Georgina ficaru qui nem pintu nus lixu!

Siriema: E eli brincô mais us mininu, nadô nu riu, subiu nas arvri, istudô a língua di Cedro, ajudô nas lide da roça, cuidô di Ahmed Mateus...

Siriema: E gostô mesmu di Khadija. Tinha qui vê!

DonaBord: Fico feliz! Muito feliz mesmo!

 

--Eu quiria sabê purquê as muié da famia tem tantu chamegu com leptópio! -- Raed reclamava de cara feia -- Vô mandá Nagibe proibi Khadija di butá a mão nessi trem! -- decidiu -- E falá cum Cid pra ficá di oio im Cidmara!

 

Siriema: Ói, deixa eu ti contá: vi tua minina falandu nas televisão!

Siriema: Zinara ficou numa aligria tão grandi qui quasi si danô di tanto amô!

DonaBord: rsrsrsrs

DonaBord: Ela foi explicar o clima e desmentir essas mentiras que o povo conta de aquecimento global!

DonaBord: Clarice pode ser bobinha em termos de vida

DonaBord: mas de oceano e de clima ela sabe é tudo!

Siriema: kkkkk

Siriema: Nossas minina são muié intiligenti!

DonaBord: Ah, elas são! E muito!

DonaBord: Mas agora tão tudo na lambição!

Siriema: kkkkkk

Siriema: Aqui nessa roça tá uma lambição só!

Siriema: É Najla cum o homi dela di um ladu

Siriema: Zinara cum tua minina di ôtro

Siriema: E só Raed resmungandu pelus cantu!

DonaBord: kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

DonaBord: Imagino!

DonaBord: Tô vendo Clarice aqui num fogo que nem te conto!

DonaBord: Tá lá na sala deitada em cima do urso.

DonaBord: Bicho de pelúcia sofre!

Siriema: kkkkkkkkkkkkkkkkk

 

--Sahar, que orgulho de você, ya habibi! -- a astrônoma se derretia no telefone -- Toda linda, inteligente, charmosa, elegante, erudita e culta dando explicação na TV! -- sorria -- E falou tão bem, deixou tudo tão acessível, que o público certamente entendeu cada palavra! -- brincava com as pontas do próprio cabelo -- Mata a caipira de orgulho, ya helu (minha linda)!

 

--Ai, Zinara, não exagera... -- respondeu dengosa -- Foi uma entrevista tão rápida... Nem dez minutos completos levou... -- sorria

 

--Os dez minutos mais bem aproveitados da TV deste país! -- respondeu romantizando -- Só sei que meu coração se encheu de orgulho e alegria, ya bajat al-rouh (prazer da minha alma)...

 

--Boba... -- rolou na poltrona abraçada com o urso -- Você nem vê TV, como pôde ver a entrevista completa?

 

--Pois bastou citarem seu nome que maama me chamou grintando: “Zinara, corri qui Clarice tá aqui nas TV!” -- imitou a mãe -- E eu fui correndo! -- narrava o episódio -- Só você, minha Sahar, ya habibi, pra me fazer assistir alguma coisa na TV Mundo!

 

Achou graça. -- E você gostou mesmo? -- perguntou melosa -- Quando assisti me achei tão estúpida...

 

--Behiima?! (Estúpida?!) -- espantou-se -- Laa, ya habibi! (Não, querida!) -- protestou gentilmente -- Você estava linda, soberba, maravilhosa, inteligente e perfeita como sempre! -- afirmou com sinceridade

 

--Ai, amor, você fala de um jeito... -- fez um dengo e agarrou o urso

 

DonaBord: E já tá Clarice aqui de agarramento com o pobre urso! Ô lambição danada!

 

--O bicho já tá prostituído! -- Leda falou sozinha e riu

 

Siriema: kkkkkkkk

Siriema: Zinara tá qui nem múmia inrolada na redi, num sabi?

Siriema: E roda qui nem pião!

DonaBord: kkkkkkkk

Siriema: Inquantu issu Najla tá quasi montada nu lepitópio!

Siriema: Num tem urso pra si isfregá, né?

DonaBord: kkkkkk

 

Qamar: Ai, Marco, você me diz umas coisas que chega me sobe um fogo!

Marc: Se soubesse como esse fogo sobe com tudo aqui...

Qamar: kkkkk

Qamar: Safadinho!

Marc: Só com você! Só pra você, minha Dona!

Qamar: Meu negão de tirar o chapéu!

 

--Ai, que calor! -- a ex fazendeira removeu o lenço da cabeça -- Ui! -- abanou-se

 

--Ô, indecença! -- Raed resmungava reparando na irmã

 

Siriema: E tomi du homi aqui resmungá, num sabi?

DonaBord: kkkkk

DonaBord: Vocês todos me divertem!

 

--E a saúde amor, como tem ido? -- perguntou preocupada -- Se eu não perguntar você nem fala, né?

 

--Baseeta, Sahar! (Sem problemas, Amanhecer!) -- tranquilizou-a -- Tenho me sentido bem e sem recaídas! -- pausou brevemente -- Tá tudo bem!

 

--Verdade, Zinara? -- ficou desconfiada

 

Pensou antes de responder e fechou os olhos. -- Verdade. -- mentiu -- "Perdoe, Sahar, mas não quero te preocupar...” -- abriu os olhos

 

“Será que ela tá mentindo pra mim?” -- pensou -- "Não, ela não faria isso.” -- considerou -- Então quer dizer que você vai pra Cidade Restinga depois do carnaval? -- mudou de assunto

 

--Vou. -- confirmou -- Tenho que acertar umas coisas lá no departamento e dar um beijinho nas minhas velhinhas. -- passou a mão nos cabelos -- Também vou passar na Cláudia.

 

--Pra se despedir? -- arriscou receosa

 

--Não pensei nisso... -- mentiu novamente

 

--E quando eu te vejo de novo, amor? -- perguntou esperançosa

 

--Quando voltar de Cidade Restinga ainda tenho umas coisas pra acertar aqui e daí vou pra São Sebastião. -- informava seus planos -- Em abril a gente se vê. -- prometeu -- Inshallah (Se Deus quiser), porque não vejo a hora!

 

--Nem eu! -- concordou e pausou brevemente -- Você bem que podia vir antes... -- pediu como criança

 

--Realmente não posso, Sahar. Além do mais já estamos em março e eu conto que o tempo voe.

 

Deu um suspiro profundo. -- Tudo bem, amor... se você diz que não pode vir antes, eu acredito. -- respondeu compreensiva -- Sei que você não mente pra mim.

 

“Perdoe, Sahar!” -- pensou com o coração dolorido -- "Mas quando minto é só pra te proteger...” -- levantou-se da rede -- Sabia que antes de Hassan ir embora, nós levamos ele e a mãe no centro de mãe Agda? -- mudou de assunto mais uma vez

 

--E como foi lá? -- perguntou interessada

 

--O menino ficou assustado no início, mas depois pareceu se sentir bem. Georgina recebeu passes e o pai velho receitou uma garrafada pra ela viver com mais conforto por um tempo.

 

--Ai, que bom! -- sorriu -- E pra você, ele receitou alguma coisa?

 

--Ele disse que o remédio que preciso não havia como me dar. -- repetiu o que ouviu -- "Os espíritos sabem que meu tempo está no fim.” -- pensou com tristeza

 

--Acho que ele quis dizer que você não precisa desse tipo de medicamento. -- fez outra interpretação

 

--Deve ser. -- pausou brevemente -- Olha, tem outra coisa... -- andava pelo quintal -- Eu andei pensando, orando muito e... depois dessa última ida ao centro decidi que... -- olhou para o céu -- estou disposta a tentar perdoar Viegas e me livrar da última corrente que ainda me prende...

 

--Ai, amor, que coisa linda! -- sentou-se no sofá -- Depois do que me contou sobre você e seu pai, não poderia ter decidido melhor! -- emocionou-se -- Isso, querida, faz assim mesmo! É hora de jogar todo lixo pra longe!

 

--Eu vou telefonar e se me deixarem falar com Viegas... conto que encontrei Hassan. -- decidiu -- Não tenho mais condição de ir em Coriteba e acho que nem me deixariam entrar naquele manicômio novamente.

 

--Provavelmente. -- concordou -- Mas eles hão de deixar vocês conversarem por telefone. Se Deus quiser! -- sorriu -- Não tem ideia de como fiquei feliz em ouvir isso de você!

 

DonaBord: Ih, acabou-se a lambição! Agora Clarice tá toda emocionada!

Siriema: Zinara também!

Siriema: E Najla saiu do lepitópio pra ficá dançando pela sala!

Siriema: kkkkkkkkk

DonaBord: kkkkkk

 

--É, você é um negão de tirar o chapéu, não posso dar mole senão você, créu... -- a ex fazendeira cantarolava

 

--Humpf! -- Raed fez um bico -- Najla pensa qui é a nuviça reberdi! -- resmungava -- Ô, bestagi!

 

DonaBord: Ai, ai, mas eu fico feliz! Essa lambição toda faz bem pra elas!

DonaBord: Dá até mais saúde!

Siriema: Só nóis qui num si lambi cum ninguém, num sabi?

DonaBord: E nem quero!!

DonaBord: Curnicha aposentada!

Siriema: kkkkkkkkk

 

--Não importa o que aconteça, Sahar! Batwannes beek! (Você está sempre comigo!)

 

--Ai, Zinara, pára de falar com essa voz sedutora... -- voltou a se deitar toda dengosa

 

--Espere por mim, ya habibi! Juro que vou pra você! -- prometeu

 

--Ana f’inta zarak, ya habibi. (Eu espero você, minha querida.) -- Clarice respondeu melosa -- Ana laka... (Eu estou aqui para você...)

 

--Eita, que essa menina já fica de lambição até falando a língua dos outros! -- Leda comentou divertida

 

A paleoceanógrafa rolava pela poltrona com o bicho de pelúcia entre as pernas.

 

--E tome de tarar o pobre urso... -- a idosa riu -- Zinara só tomando chifre de pelúcia... -- caçoava

 

***

 

--Senhora Cátia Magalhães? -- a secretária chamou e a geofísica olhou para ela -- Pode entrar. -- sorriu

 

--Obrigada. -- levantou-se e caminhou até a porta da sala da especialista -- Com licença? -- pediu

 

--Por favor! -- a mulher convidou solícita -- Pode se sentar e ficar à vontade. -- sorria

 

--Obrigada. -- sentou-se meio constrangida e abaixou a cabeça

 

--Vamos ver o que temos aqui. -- pegou a ficha da loura e começou a ler -- Cátia Magalhães, 41 anos, solteira, sem filhos, geofísica, professora doutora e pesquisadora da Federal de São Sebastião, mora sozinha, gosta de viajar, de estudar e trabalhar mas não tem hobbies. -- continuava lendo -- Bebe socialmente, não consome drogas, não fuma, busca se alimentar saudavelmente mas tem andado sedentária. -- olhou para ela -- O que a trouxe aqui, minha querida?

 

--Preciso de ajuda, doutora Vera. -- afirmou sem rodeios -- Ouvi falar muito bem da senhora, de seu trabalho como psicóloga e terapeuta, e preciso de ajuda! -- falava com certa aflição -- Tenho um vício, sofro muito e preciso me livrar disso! -- confessou

 

--E qual o seu tipo de vício, meu bem? -- perguntou com jeito

 

--Sexo. -- respondeu envergonhada -- Sou escrava de sex*. -- abaixou a cabeça -- Tenho medo de amar, de me entregar... -- os olhos marejaram -- Preciso ajustar contas com meu passado de perdas... -- derramou uma lágrima -- Sou uma pessoa sozinha e essa solidão é tanta que... um dia pode me matar.

 

--Admiro sua coragem em ter se exposto logo de início e com tamanha clareza. -- falava com brandura -- O primeiro passo em qualquer tratamento é reconhecer que se precisa de ajuda e desejar verdadeiramente mudar aquilo que incomoda.

 

--Eu desejo! -- olhou para a psicóloga -- Tem minha palavra! -- garantiu -- Já não aguento mais viver fugindo!

 

--Nós vamos resolver essas questões, minha cara. -- afirmou convicta -- Sem remédios ou quaisquer drogas! -- sorriu -- Vamos buscar tudo que precisa dentro de você mesma! Basta que se mantenha firme no seu propósito de transformar o vício em comportamento saudável.

 

--Não voltarei atrás! -- respondeu de pronto -- Só preciso que acredite em mim! -- pediu como criança

 

--Eu acredito, mas não sou eu a principal personagem dessa história. -- cruzou as pernas -- Se você acreditar, tudo vai acontecer como deseja!

 

Cátia se emocionou ao ouvir aquelas palavras. Lembrou-se da mãe.

 

“--Eu quero ser uma cientista famosa quando crescer, mamãe! -- a menina falava animada -- E quero que todo cientista me conheça, quero viajar pelo mundo e fazer as compras do mês com o carrinho cheio de biscoito!

 

Achou graça. -- Você vai, meu bem. -- beijou a cabeça da filha -- Se você acreditar, tudo vai acontecer como deseja! -- sorria

 

--Você acredita em mim, mãe? -- perguntou pulando ao redor da mulher

 

--Sempre, meu amor! -- olhava ternamente para a menina -- Sempre vou acreditar em você! -- prometeu

 

--Você tem orgulho de mim, mamãe? -- segurou a mão dela -- Tem?

 

--Oh, minha filha. -- acariciou o rosto da criança -- Você é o grande orgulho da mamãe e da vovó!"

 

--Eu acredito, doutora! -- derramou uma lágrima saudosa -- Eu acredito... -- pensava na família -- "Continue acreditando em mim, mamãe!” -- pediu mentalmente -- "Prometo que voltarei a ser seu motivo de orgulho!”

 

***

 

--Ai, amor, você é uma loucura! -- Lúcia sorria com os olhos fechados -- Que mulher é essa que me leva ao céu a cada vez que faz amor comigo? -- sentia os lábios da amante beijando e mordendo-lhe os seios sensualmente

 

--Como se você não me deixasse nas nuvens com seu toque... -- mordiscou um mamilo de leve -- suas carícias... -- deslizava uma das mãos pela coxa da bombeira -- e esse seu jeito meiguinho... -- mordeu-lhe o queixo -- e doce... -- beijou-a

 

--Você é tudo que eu queria... -- envolveu o pescoço da professora com os braços -- Acho que em pouco tempo me apaixonei como nunca aconteceu na minha vida... -- confessou

 

--Eu também... -- posicionou-se completamente deitada em cima da outra -- Acho que nunca estive tão disposta a tentar de verdade com ninguém... -- assumiu

 

--E o que a gente faz daqui pra frente? -- perguntou insegura -- Hein? -- beijou-a

 

--Hum... -- fingiu que pensava -- Acho que nada nos resta além de ficar juntas... -- beijou-a -- até que a morte nos separe... -- sorriu

 

--Jura? -- perguntou empolgada

 

--Acho que já acertamos as contas com o que deveríamos e jogamos as decepções do passado pra trás. -- pensava em Cátia -- Daqui pra frente, seremos só nós duas e nossa inacreditável história de amor! -- sorriu

 

--Ai, você me deixa tão... -- puxou-a para um beijo apaixonado

 

“Essa bombeira é puro fogo, gente!” -- pensava extasiada -- "Obrigada, Cátia!” -- agradeceu mentalmente

 

“Cátia, eu te amo! Que presentão você me deu!!” -- Lúcia pensava enquanto se perdia nos braços da namorada

 

***

 

--Viegas! -- uma enfermeira chamou -- Telefone pra você. -- olhava para o homem

 

--Pra mim?! -- ficou pasmo e tirou os óculos -- Quem seria?

 

--Uma parenta sua. -- respondeu sem muita paciência -- Vai atender ou não? -- cruzou os braços de cara feia -- Sabe que não é comum aqui ter paciente batendo papo no telefone, então aproveita que eu tô de bom humor!

 

--Claro! -- levantou-se de um salto -- Vamos ver quem é! -- estava empolgado

 

Seguindo a enfermeira pelo corredor mal iluminado, o médico entrou na sala e pegou o telefone fora do gancho.

 

--Não demora, viu? -- a mulher advertiu antes de ir embora

 

--Alô? -- respondeu receoso

 

-- Alô, Viegas. -- a morena lutava para controlar o súbito mal estar que aquela voz lhe causava -- Sou eu, Zinara.

 

--Zinara!! -- sorriu extasiado -- Meu Deus, parece que você adivinhou! Acabo de sair de uma crise!

 

“Deus ouviu minhas orações.” -- constatou -- Confesso que orei nos últimos dias pra você ficar bem e conseguir conversar comigo.

 

--Obrigada! -- ficou feliz -- Sua estratégia de ligar à noite também foi acertada e essa enfermeira do plantão de hoje... -- olhou para a porta verificando se alguém ouvia a conversa -- é antipática mas, sem dúvida, a melhor de todas!

 

--Que bom. -- respondeu sem animação -- Deixa eu te falar. -- queria ir direto ao assunto -- Liguei pra dizer que consegui encontrar Hassan e Georgina graças à ajuda de algumas pessoas.

 

Fechou os olhos emocionado e agradeceu imediatamente: -- Graças a Deus, graças a Deus!!!

 

Percebeu a emoção dele e se surpreendeu. -- Aquela carta que você me deu foi providencial.

 

--Não tem ideia do quanto eu orei, do quanto desejei... -- não conseguiu falar -- Como ele é? -- derramou uma lágrima

 

--A cara do baba dele... -- pensou no sobrinho e sorriu -- E uma criança ótima.

 

--Que felicidade! -- colocou uma das mãos sobre o peito -- Ele já conheceu a família?

 

--Aywah. (Sim.) -- passou a mão nos cabelos -- Georgina e ele estiveram aqui e foi uma festa! -- começava a se sentir mais à vontade -- Maama, baba e todo mundo adorou.

 

--Que maravilha saber disso! -- continuava emocionado

 

--Ele virá morar aqui no meio do ano. -- comentou -- E daí vamos providenciar pra registrá-lo no nome de Khaled. Afinal de contas ele faz parte de usritina (nossa família)!

 

--Tenho certeza que de onde estiver, seu irmão deve estar numa felicidade incrível! -- respondeu com muito sentimento -- Devem estar fazendo uma festa nos Céus! -- derramou mais uma lágrima -- E ele deve estar cantando alguma daquelas modas de viola que tanto gostava.

 

Surpreendeu-se novamente. -- Pois é... queria que você soubesse que tudo terminou bem.

 

--E será que... -- pensou antes de falar -- você me daria a honra de ter uma morte digna?

 

--Choo? (O que?) -- não entendeu -- O que quer dizer?

 

--Será que seria capaz de... -- fechou os olhos -- me perdoar?

 

“Eu queria perdoá-lo, Kitaabii, precisava muito me livrar daquelas mágoas, mas como seria possível? Imediatamente as lembranças surgiam nítidas diante de mim.”

 

“--Que tipo de remédios são esses que ya said (o senhor) tem dado a ele? -- a jovem Zinara perguntava com ódio -- Eu pesquisei cada um nessa receita -- agitava o papel furiosamente -- e descobri que causam dependência além de terríveis efeitos colaterais! -- deu um soco na mesa do médico

 

--Pensei que cursasse astronomia e não farmácia. -- respondeu debochadamente

 

--Tiizak Hamra , ibn il-Homaar!! (Seu rabo é vermelho, seu filho de um camelo!!) -- xingou o homem -- É por isso que Khaled não cura nunca!! -- falava aos berros

 

--Acho que você também faz jus a uma internação no manicômio! -- respondeu cruzando os braços”

 

Bombas explodem...

 

--Eu nunca intencionei matar seu irmão! Nunca! -- estava sendo sincero -- Eu aprendi a gostar de Khaled! Dei a ele o tratamento que me habituei a aplicar em todas as situações! -- chorava

 

“--Assassino!!! -- Zinara invadia a sala do médico gritando com ódio -- Yixrib beitak wa-beit illi xallafuuk!! (Meu Deus destruirá sua casa e a casa daqueles que lhe deixaram nascer!!!) -- derrubou no chão as coisas que estavam sobre a mesa -- AHAHAHAH!!!! -- avançou contra o homem e o agrediu com socos e pontapés

 

--Tirem essa louca daqui!! -- Viegas gritou desesperado ao cair no chão -- Socorro!!! Polícia!!!

 

--Minha fia! -- Amina veio correndo e olhou desesperada para o marido

 

--Carma, Zinara! -- segurou-a pela cintura e a afastou do homem -- Carma, minina! -- pedia apavorado -- Num faiz issu!

 

--Allaah yinghal abuuk!! (Meu Deus amaldiçoa seu pai!!) -- ela gritava com os olhos marejados -- Ana bakrahk, doktuur Viegas!!! (Eu te odeio, doutor Viegas!!!) -- gritava como louca -- Ana bakrahk!!! AHAHAH!!!!!!!”

 

Bombas explodem...

 

--Eu sei que não é fácil, Zinara, eu sei! -- admitia com tristeza-- Mas não há o que eu possa fazer! Não há... -- soluçou -- Juro que se pudesse, eu faria! -- falava com muito sentimento -- Mas é tarde demais... -- pausou brevemente -- Khaled está com Deus, está na Luz... já eu... sei que meu destino é a escuridão que mereço habitar!

 

A astrônoma fechou os olhos e pediu ajuda a Deus em seus pensamentos.

 

“--Eu sei que Viegas disse coisas que mexeram muito com você, mas não há razão pra se deprimir assim! -- segurou-a delicadamente pelos braços -- E se pensar de outro modo, verá que recebemos uma notícia ótima: Khaled tem um filho! -- sorriu -- Ele deixou um pedacinho de si pra vocês! -- tentava reanimá-la -- Apesar da revolta que se sente em saber das coisas que Viegas fez, pelo menos podemos dizer que graças a ele Khaled pôde realizar um sonho: ter um filho com a mulher que amava!”

 

A lembrança das palavras de Clarice trouxeram-lhe um pouco de tranqüilidade.

 

Bombas explodem mais ao longe...

 

“Chega de dor!” -- dizia para si mesma -- "Chega de dor!” -- respirou fundo e abriu os olhos -- Eu não vou dizer que gosto você porque não gosto! -- afirmou de uma vez só -- Não vou dizer que sou sua amiga porque não sou! -- controlava as emoções -- Mas, bem ou mal, graças a você akhuuya (meu irmão) pôde realizar o sonho de ter um filho com a mulher que amava! -- derramou uma lágrima sofrida -- Mesmo que não tenha sequer visto o rostinho de Hassan...

 

Viegas nada respondeu, mas a morena ouvia seu choro.

 

--E foi muito bom que usritiii (minha família) pudesse receber um novo membro logo agora... -- passou a mão sobre os olhos -- que sei que me preparo pra partir...

 

--Não diga isso! -- pediu emocionado

 

--Eu quero deixar essa terra sem nódoas no meu coração. Você tá certo: warana ay? (que mais se pode fazer?) A vida segue... -- respirou fundo -- Quero te perdoar e sinceramente imploro a Allah que me ajude a apagar da mente todas as lembranças ruins que sua imagem me traz!

 

Bombas deixavam de explodir.

 

--Não quero seu mal, Viegas. -- falava a verdade -- Não quero mais lhe odiar. -- balançou a cabeça negativamente -- Não quero!

 

--Zinara... -- ajoelhou-se agradecido -- Obrigada! Obrigada! -- sentia o coração batendo acelerado -- Não posso pedir o perdão de seus pais, mas saber que você está disposta...

 

--Maama já te perdoou. -- interrompeu-o -- Ela é muito melhor do que eu. -- derramou outra lágrima -- Mas baba... talvez um dia.

 

--Obrigada por me deixar saber! -- não conseguiu mais dizer coisa alguma -- "Obrigado, meu Deus! Obrigado!” -- agradecia mentalmente

 

--Que negócio é esse aí? -- a enfermeira entrou na sala desconfiada -- Já tá passando mal? -- tomou o telefone das mãos dele -- O que você disse pra ele, hein, moça? -- perguntou revoltada -- Se ele tiver uma crise aqui a culpa vai cair em mim, daí!

 

--Ele tá feliz, dona. -- afirmou mansamente -- Pode acreditar.

 

--Humpf! -- desligou o telefone na cara da outra -- Volta pro quarto, anda! -- segurou-o pelo braço para que se levantasse

 

--Choro por felicidade! -- Viegas disse à mulher -- E por remorso!

 

--Eu hein! -- seguiu conduzindo o homem de volta ao quarto -- Chega de frescura e vamos embora!

 

O psiquiatra caminhava como se estivesse abobalhado. Continuava chorando e pedia o perdão de Khaled e de toda família dele em seus pensamentos. Sabia que estava ali por sua própria culpa e reconhecia-se um devedor diante da Justiça Divina.

 

Apesar de tudo, sentia-se mais leve com o que ouviu da astrônoma. Muitos outros ‘Khaleds’ passaram por sua vida ao longo dos anos de clínica, mas acreditava que pelo menos para um deles, havia feito a diferença. Uma pequena diferença para melhor.

 

“Eu não sei se um dia conseguirei pensar em Viegas de uma forma diferente do que sinto hoje, Kitaabii, mas estou disposta a tentar. Confio em Deus e peço a Ele que me ajude a esquecer...

 

Quero deixar o passado para trás, quero parar de reviver as mesmas dores mais de uma vez. Que fique apenas o belo, o bonito e aquilo que me faça sorrir. O que ganhei em todos esses anos relembrando coisas tristes? Nada além de um câncer que me consome...

 

Vou permanecer firme até o fim, Kitaabii, e posso até perder meu corpo para esta doença, mas minha alma ficará intacta, viva, lúcida e talvez, (por que não?) feliz!

 

Rompi a última corrente! Estou leve, ou pelo menos caminhando para ficar assim. Não me sinto mais em dívida com quem quer que seja. Tenho apenas que resolver alguns assuntos mundanos e logo estarei preparada para ir ou para ficar e recomeçar.

 

Entrego meu destino, mais que nunca, nas mãos de Allah!”

 

CAPÍTULO 99 – Por Que Não?

 

--Até eu tenho que ir, Amina? -- Najla perguntou desconfiada -- Sei que é um ambiente de muita luz, mas ainda não me sinto muito à vontade em centro de umbanda.

 

--Mãe Agda falô qui nóis tudu tem qui í nu centru amanhã di tardi! -- repetiu o recado -- Ocê trati di num ficá pensandu im bestagi purquê si ela mandô, é pra obedecê! -- aconselhou

 

--É... -- suspirou -- se tem que ir... -- balançou a cabeça concordando -- Estaremos lá com um sorriso no rosto e zero de bestagi no pensamento. -- brincou

 

--Sem brincadêra qui o trem é sériu! -- ralhou -- Eu andu muitu preocupada cum minha minina... -- confessou -- Zinara tá só isperandu a morti chegá e nessi meiu tempu ela tá resulvendu os trem tudu modi dexá ingatilhadu. -- olhava para a cunhada -- Ela num acridita qui vai si curá! -- falou com tristeza -- Eu notu!

 

--Você acredita? -- perguntou com jeito -- "Porque eu não...” -- pensou com tristeza

 

--Criditu! -- respondeu convicta -- Eu peçu todu santu dia pur ela! -- emocionou-se -- Criditu, sim!

 

--E você acha que ir no centro faz bem a ela, né? -- concluiu -- Todos nós juntos é mais pensamento positivo pra Zinara...

 

--Ocê num podi dexá di crê, muié! -- havia notado a falta de esperança da outra -- Ninhum di nóis pódi!

 

Envergonhou-se. -- Também oro por ela todos os dias, Amina. -- falava a verdade -- Também oro...

 

--Tanta coisa boa tem acunticidu na vida da genti! -- gesticulou -- Ocê vortô pru nossu meiu, achô tua fia, Raed vem mudandu di jeitu e feiz as pazi cum Zinara, nossus fio tão tomandu tenência, Ahmed casô e trôxi os fio deli pra juntu da famia, incontremo Hassan...

 

--É verdade... -- concordou pensativa -- É verdade...

 

--E Aisha inda podi panhá a fazenda docês di vorta! -- continuava falando -- Ocê cunhiceu teu homi, Zinara cunhiceu Clarice, ganhei a amizadi di ya Leda... ói quanta coisa boa im pôco tempu!

 

--Depois de tantos anos de sofrimento... -- reconheceu -- É mesmo, parece que a vida tá sorrindo pra usritina (nossa família)!

 

--Intonci pur que Zinara num podi curá? -- questionou -- Num tem limiti pru bem acunticê! O limiti é só a fé da genti, num sabi?

 

--Você vive me surpreendendo, Amina. -- sorriu para ela -- Nunca imaginei que fosse tão sábia. -- balançou a cabeça -- Você tem razão. Por que Zinara não pode curar? -- concordava -- Eu acredito! -- sentiu a chama da fé reacendendo em seu coração

 

--Laa astati' an afqid al'amal, hatta law mittu... (Eu não poderia perder a esperança, mesmo se eu morresse...) -- olhou humildemente para o céu

 

CAPÍTULO 100 – Aprendendo a Viver

 

Najla, Amina, Raed e os filhos do casal estavam presentes no centro de mãe Agda. Zinara concentrava-se sentada de olhos fechados no centro de um pentagrama, em cujas pontas haviam médiuns igualmente concentrados. A música invadia o terreiro e jovens dançavam pelo salão.

 

Mãe Agda circulava por entre os presentes, baforando fumaça de charuto de quando em vez. Muitas pessoas entoavam o ponto que estava sendo tocado, mas a família da astrônoma permanecia calada. Amina, Raed e Najla oravam fervorosamente por Zinara, enquanto que seus irmãos apenas mostravam respeito ao ambiente; inclusive o inquieto Ahmed.

 

Um pai velho manifestado em um homem idoso aproximou-se do pentagrama. Fez um sinal e as jovens pararam de dançar, posicionando-se de joelhos ao redor do grupo de médiuns que se concentrava no centro do salão. Mãe Agda caminhou até o idoso e ordenou que a música parasse.

 

--Elis já tão tudu aí! -- anunciou -- Pai José chegô cum o povu di Aruanda!

 

--Aruanda! -- as jovens repetiram em voz alta e o idoso bateu com o cajado no chão

 

--AH! -- Zinara gritou e repentinamente perdeu os sentidos

 

Uma conhecida canção ecoou suavemente em seus ouvidos.

 

“Nahna wil kamar jeeran…

(Nós e a lua somos vizinhos...)”

 

A astrônoma abriu os olhos e sorriu. -- Essa música... -- levantou-se e olhou ao redor -- Smallah! -- percebeu-se no meio de um belo parque ladeado por cedros

 

“Bay-toe khalf tlaalna,

(A casa dela é atrás de nossas montanhas)

B-yitlaa’ min kbaalna B-yismaa’i El-alhaan…

(Ela nasce em frente a nós ouvindo as músicas...)”

 

--Nahna wil kamar jeeran (Nós e a lua somos vizinhos)... -- a morena cantarolou um pouco enquanto caminhava -- A’aref b-mwaa a’eida... (Ela sabe sobre nossos namoros...)

 

--W-taarek b-karmeadna ajmal El-alwaan... (E deixa cores lindas no topo de nossas telhas – tijolos no topo das casas...) -- um homem cantou junto -- Eu também gostava dessa música. -- sorriu para a morena -- As-Salamu Alaikum, Zinara! (Que a paz esteja convosco, Zinara!) -- saudou respeitoso

 

--Alaikum as-Salaam! (E a paz também convosco!) -- saudou da mesma forma -- "Ele parece com baba!” -- pensou -- Qual o seu nome, ya said (senhor)? -- perguntou de cabeça baixa

 

--Chede Raja; cammik (seu tio). -- curvou-se gentilmente -- Desencarnei quando você era uma criancinha.

 

“Oh, Aba, camm Chede!” -- surpreendeu-se -- É uma honra conhecê-lo! -- beijou a mão dele -- A bênção! -- pediu

 

--Rahimaka Allah, habibi. (Deus te abençoe, querida.) -- pôs uma das mãos sobre a cabeça da sobrinha e aplicou-lhe um passe

 

Zinara sentiu uma agradável sensação de bem estar. -- Chukran, camm Chede! -- agradeceu

 

--Depois do que fez pelos nossos amados, eu é que lhe devo agradecer. -- sorriu -- Você finalmente conseguiu unir os meus filhos do coração! -- olhava para a professora -- Nada me daria mais felicidade!

 

--Do que ya said fala? -- não entendia

 

--Leila, Hassan e Jamal. -- esclareceu -- Meus filhos num passado distante... minha nora e netos na última encarnação.

 

Zinara se surpreendeu. “Ya Leila era casada com o filho mais velho de camm Chede...” -- lembrava

 

--Estou muito feliz que os três puderam se reencontrar! -- continuava falando -- Dessa vez eles poderão viver próximos um do outro por muitos anos depois de um longo período de separação...

 

--Smallah... -- estava pasma -- Agora tudo faz sentido... -- seus pensamentos viajaram no tempo

 

“--Zinara! -- olhou rapidamente para trás e acenou para a filha -- Dá Khadija pru Papa!! -- ordenou -- Ele vai benzê ela!

 

--Oh, meu Pai, dai-me forças! -- tentava chegar mais perto -- AHHa, que esse carrinho não pára de andar! -- reclamou

 

--Corri, minina! Sebu nas canela, uai! -- acenava nervosamente

 

--Corri, camma! -- continuava se divertindo

 

--Oxi! -- reclamou -- Ya said (senhor) Papa! -- gritou -- Benze a menina, min fadlak (por favor)! -- os seguranças impediam que ela se aproximasse -- "E pára esse carro em nome do Pai!” -- já não agüentava mais correr

 

--Me dá ela que eu apresento pra você! -- um dos seguranças do Papa propôs estendendo os braços

 

--Dá ela, Zinara! -- Raed gritava

 

--Vai com o moço, Khadija! -- entregou-a nas mãos do segurança e a menina se desesperou

 

--Não!!!!!!! Não!!!!!!! -- Khadija começou a chorar esticando os braços para segurar a tia -- Não!!!! camma!!! camma!!!! -- gritava

 

A morena sentiu um impacto ao vê-la daquele jeito. Corria mais devagar, pois estava sem forças, e em seu coração uma agonia a perturbava. -- Calma, habibi! -- falava sofregamente -- Você volta pra mim!!

 

--AHAHAHAHAHAH!!!!!!! -- Khadija se contorcia desesperada”

 

--Ya Leila... -- a astrônoma concluiu -- Aquele trauma da separação forçada em Al-Maghrib ficou marcado nela...

 

“--Canta pra eli, camma? -- Khadija sorriu -- Eli vai gostá!

 

A astrônoma achou o pedido bonitinho e pensou no que poderia cantar. Entoou então a primeira música que instintivamente lhe veio à cabeça:

 

-- Salamit-ha oum Mateus, meil ein weil meil hassad (Deus a abençoe mãe de Mateus, do olho do mal e da inveja), -- cantava com carinho -- wei salamtak ya Mateus, meil reim sheilee hassad (e Deus abençoe você Mateus, do chicote que te invejou) -- emocionou-se -- Salamit-ha, salamit-ha (Deus abençoe, Deus abençoe), -- notou que Khadija também se emocionava -- Salamit-ha, salamit-ha oum Mateus (Deus a abençoe, Deus a abençoe mãe de Mateus), -- sorriu para o bebê -- salamit-ha, ya... (Deus a abençoe, senhora...) -- silenciou de repente e lembrou-se de quando cantou essa música pela primeira vez

 

--Tudu vai sê mió agora! -- Khadija afirmou convicta olhando para o bebê -- Né, camma?

 

--É, ya habibi... -- respondeu intrigada”

 

--Jamal... -- a professora continuava pasma

 

“--Dexi eli sigurá, muié! -- Ahmed pediu -- O mininu gostô du primu novu!

 

--Toma aqui! -- Catiúcia se ajoelhou e entregou o bebê nos braços de Hassan -- Sigura assim, ói! -- ensinou

 

--Ahmed Mateus... -- repetiu o nome do primo e o abraçou com muito carinho -- Dá uma emoção... -- sentiu que as lágrimas escapavam de seus olhos sem que pudesse controlar -- Emoção...

 

--Hassan... -- Khadija se aproximou dos dois. Não havia parado de chorar desde que viu o garoto pela primeira vez

 

Olhou para ela e chorou com mais intensidade. -- Venha, menina! -- chamou carinhosamente -- Abraça eu também! -- pediu

 

A garotinha foi até o primo e o abraçou como se o estivesse procurando por toda vida. O menino, com todo jeito, buscou envolvê-la com um dos braços, sem deixar de segurar o bebê, e num instante eram os três ali: juntos em um só sentimento de felicidade cúmplice.”

 

--Meu Deus... -- emocionou-se -- Khaled se sentia tão culpado e... -- seus olhos marejaram -- Ele é pai de Hassan, outrora filho de ya Leila! -- sorriu -- E Georgina ainda escolheu o mesmo nome pro filho dos dois...

 

--E você que sempre se sentiu tão culpada por não ter feito nada por Leila, Hassan e Jamal, simplesmente foi e é muito importante na vida de cada um deles. -- Chede complementou -- Aliás, já daquela época você fez tudo que podia, habibi. -- segurou uma das mãos dela -- E é por isso que eu vim agradecê-la, por todo bem que nos dispensou! -- emocionou-se -- Meus filhos e eu destruímos muitas famílias no passado e por isso precisávamos passar pelo que passamos para dar o devido valor que a família tem. -- explicava -- Desde que desencarnei vivo aflito por causa de meus três amados. -- olhava para a sobrinha -- Não os encontrei deste lado da vida quando cada um desencarnou porque meu coração era todo coberto por ódio e revolta. Eu me sentia injustiçado por ter morrido violentamente numa guerra que nunca desejei! -- balançou a cabeça com tristeza -- Eu me revoltava em ver o que acontecia com awlaadii (minhas crianças) em Cedro e Al-Maghrib! -- derramou uma lágrima -- Mas depois de muito sofrimento, pedi ajuda a Allah, curvei meu espírito diante dEle e pude sair da perturbação que me consumiu por anos a fio.

 

--Sinto muito, camm Chede... -- não sabia o que dizer

 

--Já passou. -- respondeu com brandura -- E agora que todos estão bem, me sinto em paz! Finalmente em paz!

 

Zinara não sabia o que dizer. Apenas derramou uma lágrima de emoção.

 

--Mas você não vai se lembrar de nada disso. -- tocou a testa dela de leve -- Certas lembranças, habibi, devem ficar adormecidas.

 

E tudo gradualmente ficava escuro.

 

--Khaled ainda não pode falar com você, Zinara. -- ouvia a voz de Chede dentro da mente -- Mas no momento certo, ele virá, não demora muito... -- explicava -- O importante é que com você ele aprendeu a perdoar...

 

--Luz que refletiu na terra, luz que refletiu no mar, luz que veio de Aruanda, para tudo iluminar... -- a música recomeçou no centro de mãe Agda

 

--Eu num tô intendendu essi trem! -- Ahmed cochichou com o pai -- Zinara tá caída lá no meio e o povu só nas canturia!

 

--Cala a boca e reza! -- deu-lhe um tapa na perna

 

--Ai, baba... -- esfregou a pele dolorida

 

A morena abriu os olhos e lentamente se sentou. Mãe Agda veio para perto e parou diante dela.

 

--Quandu elis qué e podi falá cocê, elis vêm! -- sorria -- E quandu elis podi lhi fazê o bem, -- tragou o charuto e cuspiu fumaça sobre a outra -- elis faz!

 

“Dessa vez foi tudo muito estranho, Kitaabii. Não lembro de coisa alguma, não sei o que aconteceu. No entanto, ficou uma sensação de bem estar e me senti revigorada como há muito não sentia.

 

Eu não sei, talvez estivesse enganada, mas algo me dizia que as bombas, todas as bombas, deixaram de explodir para sempre...”

 

***

 

Clarice e Leda estavam no centro espírita que frequentavam em São Sebastião.

 

--Fica tranquila, fica calma! -- a idosa aconselhou -- Eu sei que esse negócio de palestrar em centro não é mole, mas fica na tua! -- arrumava a gola da blusa da filha -- Finge que tá dando aula e manda ver!

 

Achou graça. -- Obrigada, mamãe! -- sorriu -- É minha primeira palestra no centro e tô meio nervosa! -- olhava para Leda -- Domingo de manhã sempre é casa cheia!

 

--Fica não! -- tentava tranquiliza-la -- E se alguém ficar de fofoca enquanto você fala ou fizer bagunça, eu vou lá e dou uma bolsada! -- gesticulou

 

--Mamãe! -- riu -- Bater nos outros no centro? Não pode!

 

--Mexe com minha menina, pra ver no que dá! -- pôs as mãos na cintura -- Tô velha, mas dou soco certeiro que só vendo! E já aprendi cada golpe sinistro vendo a pancadaria do BFP!

 

Riu de novo. -- Ai, ai... -- balançou a cabeça achando graça

 

Cátia dirigia seu carro em direção a um endereço conhecido. Muitas lembranças passavam por sua cabeça.

 

“--Isso é verdade? -- Lilian perguntava cheia de esperança -- Você me ama? -- sorria

 

--Se a resposta fosse não, eu seria louca! -- olhava nos olhos -- Nunca houve e nem haverá alguém como você! -- mentia

 

--Ai, vem! -- puxou-a para um beijo apaixonado”

 

Sentiu vergonha de si mesma. “E por tantas vezes traí aquela mulher...” -- lembrava arrependida -- "Por quantas vezes menti... pra ela e pra outras mais...” -- parou no sinal -- Quando foi que me transformei nessa pessoa horrível? -- perguntou em voz alta para si mesma -- Tenho tudo que queria, menos amor... -- seus olhos marejaram

 

--“A falta de amor é a maior de todas as pobrezas!” -- Clarice iniciava sua palestra -- Desde pequenos somos criados com aquela cultura de que devemos nos capacitar intelectualmente para ocupar as melhores posições profissionais na vida adulta. -- olhava para as pessoas -- Reconheço que nesse país isso nem é tão forte, porque a educação não recebe o devido valor, mas é fato que a capacitação intelectual é apontada como a chave do sucesso honesto. -- pausou brevemente -- Mas quantos estão empenhados em capacitar seus filhos moralmente para que eles ocupem as posições mais cristãs no seio das sociedades? -- provocou -- E depois que crescemos, quantos de nós estamos interessados em nos preparar como seres humanos, em ‘estudar’ -- fez aspas como os dedos -- os Evangelhos da mesma forma que se estuda pra passar num concurso público? -- questionava -- Desenvolvemos bem mais o cérebro que o coração. E esse desequilíbrio não podia mesmo dar certo...

 

--Você por aqui?! -- Lilian abriu a porta de casa desconfiada -- Que foi dessa vez?

 

--Eu não vim pra tentar te seduzir e nem pra discutir com tua namorada desagradável. -- olhava nos olhos -- Vim pra te pedir perdão por tudo que fiz com você! -- estava sendo sincera -- Fui uma idiota e muito me arrependo!

 

--Nossa, Cátia... -- ficou desconcertada -- Eu... eu tô sozinha. -- deu passagem -- Entra?

 

--Obrigada. -- entrou e parou no meio da sala

 

--O que deu em você? -- fechou a porta e olhou para a loura -- Aconteceu alguma coisa, tá doente, vai sair da cidade, o que é que houve? -- queria entender -- Nunca te vi assim tão...

 

--Verdadeira? -- arriscou

 

--E humilde. -- aproximou-se da outra e cruzou os braços -- Tá passando por algum problema sério?

 

--Não. -- respondeu um tanto envergonhada -- Por toda vida eu só me preocupei em ser a melhor profissional e não a melhor pessoa que pudesse ser. -- admitiu -- Tô tentando aprender a viver de verdade!

 

--O que é viver, meus amigos? -- Clarice perguntava aos que lhe ouviam -- É simplesmente estar sobrevivendo em um corpo de carne que se mantém neste planeta? -- olhava para as pessoas -- É se entregar à emoções desenfreadas que estimulam os sentidos e nos dão prazer momentâneos? O que é viver?

 

--Engraçado que se há uns meses atrás alguém me dissesse que um dia eu acharia o máximo passear com minha namorada e a vó dela no shopping, -- olhou para Lúcia -- eu riria da cara dessa pessoa. -- empurrava a cadeira de rodas da idosa

 

--E o que te fez mudar de opinião? -- perguntou melosa

 

--Você. -- respondeu sorrindo -- Mal me reconheço...

 

A bombeira sorriu toda prosa.

 

--Estou aprendendo a viver contigo, Lúcia. -- admitiu apaixonada

 

--Ai... -- suspirou

 

--Depois do almoço eu quero ver o desenho do Olafo! -- a idosa pediu -- Gosto daquele bichinho!

 

--A gente vai, vovó. -- Magali respondeu achando graça -- Vamos comprar os ingressos antes mesmo de entrar no restaurante! -- garantiu -- Também tô louca pra ver esse desenho!

 

“E ainda gosta de desenho animado...” -- pensava embevecida -- "Ai, que mulher...”

 

--O que é sucesso pra vocês? -- Clarice continuava palestrando -- É ter uma conta bancária generosa, um bom emprego, um bom casamento... o que é sucesso pra cada um de vocês? -- passou a mão nos cabelos -- É saber ser feliz com o que se tem, sem sofrer pelo que se quer? -- perguntava -- É ter a consciência tranquila, é superar desafios, vencer os medos? -- queria fazê-los pensar -- O mundo materialista vai dizer que ter sucesso é ter dinheiro, status, poder e, eventualmente, uma família boa. Só que não, essa é uma ideia limitada! “Na vida, não vale tanto o que temos, nem tanto importa o que somos. Vale o que realizamos com aquilo que possuímos e, acima de tudo, importa o que fazemos de nós!”

 

--Tem certeza, Jamila? -- o instrutor perguntou -- Ainda tá em tempo desistir!

 

--Ah, mas eu não desisto, não! Se vim aqui, é pra ir até o final! -- respondeu convicta

 

--Então quando eu contar o três, corre comigo e pensa em nada! -- orientou -- Um, dois...

 

--Três!! -- Jamila e o homem gritaram juntos e saíram correndo pelo pequeno cume de um morrinho -- AHAHAHAHAHAH!!!!!! -- gritou ao se perceber no ar -- Ave Maria, que a gente tá voando!!! Que massa!!

 

--Você vai ficar viciada em paradigling! -- o homem afirmou animado -- Esse esporte é demais! -- começou a tirar fotos dos dois

 

--Uma pessoa muito importante na minha vida praticava essa esporte, mas eu sempre morri de medo de tentar. -- comentou enquanto apreciava a paisagem -- Era louca pra me arriscar a fazer um salto com ela, mas o medo de altura não deixava.

 

--E o que te fez mudar de ideia? -- continuava tirando fotos -- Olha lá, sorri pra câmera! -- pediu animado

 

Achou graça e fez uma pose rápida. -- Eu não quero deixar de fazer nada de bom por medo! -- afirmou resoluta -- Nunca mais! -- fechou os olhos para sentir o vento -- Ao ponto que tenho muita coragem pra encarar certas coisas, alguns medos tolos me fizeram perder demais. Agora chega! -- abriu os olhos novamente e se surpreendeu com o visual -- AHAHAHAHAH!!!! Isso é muuuuito massaaaaa!!! -- gritou entusiasmada

 

--É isso aí, gata! -- deu força -- Curte o momento!

 

“Eu não quero mais ser apenas a advogada de sucesso que pega toda mulher que quer.” -- pensava -- “Quero viver e nunca mais ter medo de amar!”

 

--A vida não é como uma defesa de tese, que a gente ensaia em casa, treina com os amigos e depois vai apresentar pra valer! Não, meus queridos, não é. -- Clarice falava -- Tem que fazer o melhor que puder logo de primeira, porque o tempo não volta atrás! Nenhum segundo é igual ao outro! Cada momento é único! “A questão mais aflitiva para o espírito no Além é a consciência do tempo perdido.”

 

--Amina! -- Raed chegou com um pequeno buquê de flores -- Quiria ti presentiá. -- parou diante da mulher -- Ói! -- ofereceu encabulado

 

--Tá mi dandu flô pur que? -- ficou desconfiada -- Que qui hôvi? É pra levá o buquê pru enterru di quem?

 

--É atrasadu pelu dia das muié, num sabi? -- respondeu timidamente -- Tem nada dissu di interru, não...

 

--Hum... -- olhou intrigada para as flores -- Mais ocê nunca qui foi dessas coisa!

 

--Tô tentandu fazê diferenti, uai... -- olhava para ela -- Pirdi tempu dimais...

 

Ficou emocionada e recebeu o presente. -- Brigada, homi. -- agradeceu gentilmente

 

--Di nada. -- sorriu

 

--Agora vá si lavá purque eu tô cum fomi e queru armuçá, num sabi? -- afastou-se para pegar um jarro -- Butá essas flô na água!

 

--AHHa! -- resmungou -- Ô, muié sem romantismu!

 

--Não vale a pena guardar mágoas, rancores e tristezas no coração! -- a paleoceanógrafa continuava falando -- Isso é lixo moral! Causa dor, envelhece, causa doença! -- advertia -- Perdoar é um exercício que requer esforço. Muito esforço! -- olhava para as pessoas -- Mas é a chave para a porta que abre o caminho da liberdade. Da verdadeira liberdade! – sorriu -- “Ninguém é bom por acaso; a virtude deve ser bem aprendida.”

 

Zinara caminhava solitária pela roça admirando a paisagem que lhe trazia tão boas recordações.

 

--Zinara? -- ouviu uma voz conhecida chamar

 

--Oh, Aba! -- parou de andar -- Awlaadii (Minha criança)?? -- não conseguia vê-lo embora olhasse para todas as direções -- Cadê você, Khaled? -- perguntou ansiosa

 

--Estou aqui... -- surgiu lentamente diante da irmã -- Aqui... -- dois enfermeiros o ajudavam

 

--Oh, ya habibi! -- cobriu os lábios com as duas mãos

 

--Tamally waheshny... (Sinto muitas saudades...) -- falou como um menino

 

Não conteve a emoção e chorou. -- Wahashtiny, awlaadii... (Sinto sua falta, minha criança...)

 

Os enfermeiros abençoaram os irmãos e se afastaram.

 

--Oh, ya helu! (Oh, meu lindo!) -- olhava para ele com muita ternura -- Não sabe o quanto esperei por te reencontrar! -- conversavam na língua de Cedro

 

--Antes eu não poderia vir... Ainda estou me tratando, habibi. -- explicou -- Somente agora consigo ficar calmo. -- sorriu

 

--Graças a Deus! -- sorriu também -- E calmo você vai continuar, inshallah (se Deus quiser)! -- desejou

 

--Graças a Allah e a você! -- respondeu de pronto -- Você me ensinou a perdoar.

 

--Eu? -- ficou surpresa -- Ezzai? (Como pode?)

 

--Por muitos anos estive perto de você e te perturbei... -- tentou tocar o rosto dela mas não conseguiu -- E persegui Viegas até bem pouco tempo, torturando sua alma junto com outros infelizes magoados como eu... -- confessou -- Procurei por binii (meu filho), tentei localizar Georgina, mas não pude, não consegui... -- contava sua história -- Eu vivia em crise, não superei minha loucura e sofri como nem sei dizer...

 

--Oh, awlaadii... -- sentiu muita pena

 

--Viegas e eu nos conhecemos de outras vidas, habibi. Hoje eu sei...  Já fui como ele. -- confessou -- Eu o ensinei a ser como é.

 

--Choo? (O que?) -- chocou-se

 

--Você, Youssef e eu temos uma história nada bonita, mas isso tem que passar. -- olhava nos olhos -- Estou buscando aprender a perdoar Viegas e sei que vou conseguir. -- falava mansamente -- Como você bem disse, graças a ele pude ter binii (meu filho) com a mulher que amo. -- sorriu

 

“Ele me ouviu dizer isso a Viegas...” -- ficou surpresa

 

--E eu nunca condenei ou culpei você e nem baba! -- emocionou-se -- Wallahi! (Eu juro!)

 

A astrônoma não conseguiu falar.

 

--Você não me abandonou... Nunca senti assim... -- afirmou com sinceridade -- Ma zane albi tensani, habibi! (Nunca passou pelo meu coração que você me esqueceria, querida!)

 

--Nem por um minuto... -- tentava conter o choro -- Baba também não o desprezou! Ele só não queria aceitar...

 

--Ana a’arfa... (Eu sei...) Ele sofria muito... -- concordou -- Também quero perdoar ya said Gerard apesar de tudo... -- derramou uma lágrima -- E pedi perdão a ele pelo que eu fiz... -- falava com tristeza -- Não quero mais me sentir um assassino...  Não quero mais ser obsidiado por ele!

 

--Não diga isso de assassino! -- ralhou -- Você era apenas um menino desesperado e indefeso!

 

--Eu não tinha o direito... -- derramou mais duas lágrimas -- Ainda tenho que consertar esse grande erro...

 

--E você vai! -- desejava secar as lágrimas dele -- Você vai...

 

--Tudo vai dar certo, ukhtii (minha irmã). -- afastou-se dela -- Ana mabsoutah (Estou feliz), pode acreditar. -- sua imagem desvanecia devagar -- As bombas... -- os enfermeiros voltaram a se aproximar -- não explodiram mais em mim...

 

Sorriu emocionada. -- Nem em mim...

 

--Nada se leva de uma existência, meus amigos, além do que está nas lembranças, além do que se guarda no coração. -- Clarice continuava falando -- O resto não é nosso, tudo neste mundo nos é emprestado. -- sorria -- Ilusão desejar a permanência das coisas que passam! -- olhava para as pessoas -- Ilusão imaginar que temos controle sobre nossas vidas. -- pausou brevemente -- Talvez já tenhamos perdido tempo demais com coisas pequenas ou cultivando sofridamente dores e rancores que só nos deixam mais pesados e infelizes. Basta com isso! -- aconselhou -- O momento de recomeçar é esse! A melhor hora para ser feliz é agora! Às vezes é preciso que a vida nos aplique um duro golpe para que possamos reconsiderar posturas e convicções. -- pausou brevemente -- Viver de verdade, plenamente, é uma verdadeira arte. É algo que se aprende, que se amadurece, que se consolida. E nunca é tarde pra tentar, meus amigos, nunca é! -- pensava em Zinara -- O importante é continuar seguindo em frente, sem perder a fé, a confiança e o sorriso no rosto! Como bem disse o amado Chico Xavier: “Deus nos concede, a cada dia, uma página de vida nova no livro do tempo. Aquilo que colocarmos nela, corre por nossa conta.”

 

--Essa é minha filha! Minha menina! -- Leda exclamou orgulhosa -- E você aí! -- cutucou o ombro de um jovem -- Deixa de futicar esse celular e presta atenção! -- ralhou -- Diacho de gente que não desgruda de internet, eu hein! -- reclamou contrariada

 

“Eu caminhava por entre os campos me sentindo leve a ponto de levitar do chão, Kitaabii. Que experiência foi aquela que experimentei? Intensa, maravilhosa, emocionante e fugaz...  Aliás, nos últimos tempos tenho vivido o que não vivi em anos. É como se a vida, agora em seu final, fosse uma flor a desabrochar em esplendorosa beleza.

 

Mas, quem disse que é o final? Eu vivo divagando em círculos em torno dessa pergunta.

 

“Tudo tem seu apogeu e seu declínio... É natural que seja assim, todavia, quando tudo parece convergir para o que supomos o nada, eis que a vida ressurge, triunfante e bela!”

 

Contemplo a paisagem e logo penso na sucessão natural de folhas, flores e frutos a colorir com vários matizes a aquarela do cerrado. Sim, Kitaabii, a natureza ensina: “Novas folhas, novas flores, na infinita benção do recomeço!”

 

Eu posso recomeçar... Já quebrei as correntes...

 

Estou livre, Kitaabii!! Livre!”

 

(Nota da autora: as frases entre aspas são uma ‘dobradinha’ entre Madre Tereza de Calcutá e Chico Xavier)

 

CAPÍTULO 101 – O Pistoleiro

 

--Adamastor do céu, prepara, que agora é hora! -- Ritinha falava empolgada -- Acabei de falar com Zinara e ela vem aí! -- sorriu

 

--Prepara pra fazer o que, tia? Esqueceu do ‘ritual de passagem’ da família dela? -- perguntou de cara feia -- Eu hein, tô fora!

 

--Ô, bicho frouxo! -- reclamou -- Eu acho que Amina exagerou nisso aí! -- gesticulou -- Já estive naquela roça, conheci aquele povo de Cedro e não vi esse carrancismo todo! -- tranquilizava-o -- Fiz amizade com todo mundo e acho que eles fariam muito gosto que você casasse com Zinara!

 

--Mas ela não tá com o pé na cova? -- cruzou os braços

 

--Você não se atreva a dizer isso! -- deu vários tapas na cabeça dele

 

--Ai, ai, tia, pára! -- tentava se esquivar

 

Parou de bater. -- Ela vai melhorar! -- ajeitou-se -- Zezé, eu e mais um monte de gente reza e muito por isso! Não se atreva a duvidar da força de minhas reza! -- ameaçou de cara feia

 

--Ave Maria, Deus me livre! -- benzeu-se -- Duvido não!

 

--Então trate de se cuidar pra dar uma seduzida em Zinara quando ela vier! -- aconselhou -- Eu ainda faço muito gosto nesse amor! -- foi andando até a cozinha -- Acho que o feijão tá fervendo!

 

--Hum... -- coçou o queixo pensativamente -- "Mesmo que Zinara bata as botas eu não ficaria nada mal nessa história... Ela é solteira, não tem filhos e portanto...” -- sorriu -- "não tem herdeiros...” -- balançou a cabeça positivamente -- "Herdar aquele apartamento dela seria legal...” -- conjecturava -- "E deve também ter um bom dinheiro no banco... Professora universitária ganha bem pra caramba...” -- decidiu investir -- Pode deixar, tia! É só me dizer quando ela chega que vou até receber no aeroporto!

 

 

 

Fim do capítulo

Notas finais:

Músicas do Capítulo:

 

Cátia Canta no Bar:

Adaptação de Garçom. Intérprete e Compositor: Reginaldo Rossi. In: Reginaldo Rossi Ao Vivo. Intérprete: Reginaldo Rossi. EMI, 1998. 1 CD, faixa 13 (3min23)

Zinara e Chede Cantam:

Nahna Wil Kamar Jeeran. Intérprete: Fairuz. Compositores: Mansour Rahbani / Assi Rahbani. In: Fairuz: At the Royal Festival Hall London. Intérprete: Fairuz. A. Chahine & Sons (VDL), relançamento de 2017. 1 CD, faixa 9 (3min02). Ano original de lançamento da canção em 1960.

Zinara Lembra:

Sallamit-Ha oum Hassan. Intérprete: Farouk Salamah. Composição: sem informações

Najla Suspira com:

Meu Ébano. Intérprete: Alcione. Compositores: Nenéo / Paulinho Rezende

 


Comentar este capítulo:
[Faça o login para poder comentar]
  • Capítulo anterior
  • Próximo capítulo

Comentários para 25 - KHALED - 2:
PaudaFome
PaudaFome

Em: 04/06/2024

Você não tem ideia de como ter lido sobre a história de Khaled me fez bem. Amei!!!!


Solitudine

Solitudine Em: 14/06/2024 Autora da história
Fico muito feliz!!!!
Beijos,
Sol


Responder

[Faça o login para poder comentar]

Samirao
Samirao

Em: 09/10/2023

Vc tem o dom! Queria que o mundo inteiro soubesse


Solitudine

Solitudine Em: 11/11/2023 Autora da história
Fico lisonjeada em como você se importa. Nunca esquecerei disso!
Muita gratidão!
Beijos,
Sol


Responder

[Faça o login para poder comentar]

Samirao
Samirao

Em: 09/10/2023

Li esse CAPS a o que? Dez anos atrás? E chorei... reli e?? Chorei! Huahuahua 


Solitudine

Solitudine Em: 11/11/2023 Autora da história
Acho que eu também choraria (e quantas vezes reli?)


Responder

[Faça o login para poder comentar]

Alexape
Alexape

Em: 01/01/2023

Que capítulo emocionante!!! E Cátia hein? Eu me acabo com ela! Concordo com Seyed, eu ia pra roça fácil! Me leva? Essa história é o must!!! Catei umas músicas de Cedro pra ouvir. Catei músicas dos outros contos também pro meu Spotify 


Resposta do autor:

Outro repetido. rs

Beijos,

Sol

Responder

[Faça o login para poder comentar]

Alexape
Alexape

Em: 01/01/2023

Que capítulo emocionante!!! E Cátia hein? Eu me acabo com ela! Concordo com Seyed, eu ia pra roça fácil! Me leva? Essa história é o must!!! Catei umas músicas de Cedro pra ouvir. Catei músicas dos outros contos também pro meu Spotify 


Resposta do autor:

kkkkk

Que bom que o capítulo te emocionou.

Cátia é uma figurinha! rs

Nem eu tenho ido para roça, quisera... rs

Ah, está ouvindo as músicas? Que massa!

Obrigada!

Beijos,

Sol

Responder

[Faça o login para poder comentar]

Seyyed
Seyyed

Em: 20/09/2022

Eu não deixou de ficar de cara contigo porque uma hora me faz chorar com aquela conversa foda entre Zi e Raed. Depois vem Cátia pagar de bebum e fazer merda hehe E tem Amina e Leda zoando todo mundo, Najla xonadinha Raed só resmungando hehehe Adoro a roça e o povo de lá eu moraria tranquilo naquele lugar

Tô devorandoooo


Resposta do autor:

kkkkkkkk O objetivo é criar essa montanha russa de emoções para não maltratar muito e também trazer leveza. 

Eu também moraria tranquilamente na roça. Mas a gente trabalha, não dá.

Continue devorando! Sem moderação! rs

Beijos,

Sol

Responder

[Faça o login para poder comentar]

Samirao
Samirao

Em: 19/09/2022

Não sei porque não pensei nisso nos meus tempos de Jamilinha? Huahuahua 


Resposta do autor:

Nisso, o que, mulher?

Responder

[Faça o login para poder comentar]

Samirao
Samirao

Em: 19/09/2022

Mais um que vai pros trinques


Resposta do autor:

Que bom! Seja lá o que isso signifique!

Beijos,

Sol

Responder

[Faça o login para poder comentar]

Jamilinha
Jamilinha

Em: 21/05/2021

Aqui faltava os dois e não faltamais. Nem me agradeça tá? 


Resposta do autor:

Você é terrível!!! kkk

Beijos,

Sol

Responder

[Faça o login para poder comentar]

Informar violação das regras

Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:

Logo

Lettera é um projeto de Cristiane Schwinden

E-mail: contato@projetolettera.com.br

Todas as histórias deste site e os comentários dos leitores sao de inteira responsabilidade de seus autores.

Sua conta

  • Login
  • Esqueci a senha
  • Cadastre-se
  • Logout

Navegue

  • Home
  • Recentes
  • Finalizadas
  • Ranking
  • Autores
  • Membros
  • Promoções
  • Regras
  • Ajuda
  • Quem Somos
  • Como doar
  • Loja / Livros
  • Notícias
  • Fale Conosco
© Desenvolvido por Cristiane Schwinden - Porttal Web