Há pessoas que são como o sol... Mesmo de longe, irradiam luz e calor. Shamash, bahlam beek...
SHAMASH
CAPÍTULO 42 – Experiências
Zinara acabava de chegar na casa da prima de Sandra. Estava usando roupas e sapatos da colega, tinha sido maquiada por ela e sentia-se uma verdadeira vaquinha de presépio. Foi um custo para que aceitasse usar uma saia que lhe margeava pouco acima dos joelhos.
Do lado de fora já se ouvia a dance music tocando em altíssimo volume.
“On, and on, and on, and on, and on,
Don't stop the music at all,
On, and on, and on, and on, and on,
Watch this…”
--Gente, pra que essa mulher deixa the door closed? Oh, my, what a hell, que shit! -- meteu o dedo na campanhia -- Quero só ver se nobody vai vir to open!
--Essa roupa num tá um trem muito escandaloso, não? -- perguntou em voz baixa para Fred -- E tô di boca vermelha... AHHa!
Frederico riu gostosamente. -- Relaxa, Zi! Pela primeira vez na vida você não tá com cara de caipira!
“O qui será qui ele quis dizê cum isso?” -- pensou intrigada
Um rapaz nitidamente alterado veio abrir o portão e eles entraram. A morena sentia dificuldade em andar com sapatos de salto e caminhava devagar como se tivesse medo de cair.
“One ana two ana three to the four,
Dance to the rhythm, dance on the dancefloor,
A white man in a raggamuffin style-a
Gotta going on just one more time-a…”
--Guiga!!!!!!!! -- Sandra gritou escandalosamente ao encontrar a prima -- Você tá muito cat, minha prima! Toda gorgerous nessa roupa fashion!
--Ocê também, viu, fi? Deixa eu te contar que essa família nossa é poderosa! -- riram
“A casa da tal Guiga ficava numa área nobre de Gyn. A festa estava concentrada no quintal dos fundos, onde um grande grupo de jovens dançava, bebia, fumava e se amassava. Confesso que fiquei assustada, Kitaabii. Eu me sentia uma estranha no ninho.”
“Moving like this-a, moving like that-a,
Do it right, come on, do it better,
Check out my style-a, check out my rhyme-a…”
--Bebidas!! -- Fred surgiu com três copos de plástico -- Pega aí. -- ofereceu
Sandra pegou um copo e deu o outro a Zinara, que recebeu desconfiada. Cheirou a bebida e fez uma careta.
--Que trem é esse? -- perguntou para o amigo
--Uísque! -- deu uma golada -- Aproveita que aqui tá regado! -- sorriu -- A pena é só o copo de plástico!
“Regado? Mas num si rega é as planta?” -- não entendeu -- Aasif (Sinto muito), mas isso é xamr (alcoól) e eu num bebo! -- quis devolver o copo
“I wanna dance with you on the floor all the time-a,
We can, we can, we can, we can, we can, we can, we can, we can…”
--Deixa de ser boba, Zi! É xamr? Então xameia! -- deu um tapa no braço dela -- Solta a franga que hoje é dia! UHUUU! -- gritou e se meteu no meio de um grupo de jovens que dançavam
Sandra e a prima embalaram em uma conversa com outras moças e deixaram a morena sozinha.
--Aqui, ó. -- abordou uma jovem que passava -- Procê! -- ofereceu a bebida
--Ai, brigada! -- aceitou e se afastou dançando
--Deus mi livre di bebê aquele trem! -- resmungou sozinha -- Será qui num serve água aqui, não? -- olhava para todos os lados -- Ave Maria! -- exclamou ao reparar no tamanho da saia de uma moça -- "Essas minina anda quase pelada! E eu qui achei essa roupa aqui escandalosa!”
“Come on, come on, come on the dancefloor,
You've got your body. So why don't you use it?
You'd better don't stop, don't stop the music...”
2 Raff – Don’t Stop the Music [a]
--Ei, gatinha! -- um rapaz bêbado se aproximou -- Vamo dançar...? -- agarrou-a pela cintura
--Vamos! Eu pra lá e ocê pra cá! -- afastou-se para fugir do rapaz -- AHHa! -- tropeçou -- Deixa eu tirar essa peste dos pés! -- começou a desatar as sandálias -- Aqui tem um monte di gente pirada mesmo!
--Don't stop the music, don't stop the music at all… -- um casal deitado na grama cantava sem ritmo -- Don't stop the music, don't stop the music at all… -- fumavam estranhos cigarros fedorentos
--Dança, amiga! -- Fred se aproximou -- Uai, já entregou pra Deus, é? -- estranhou ao vê-la com os sapatos na mão
--Eu ainda num fiz amizade com esses trem! -- mostrou os saltos -- Aqui, -- indicou o casal -- qui diacho qui eles tão fumando? -- perguntou intrigada -- Fumaça fidida por demais da conta, sô!
Frederico riu da inocência da outra. -- É maconha, boba! -- deu um tapa no braço dela -- Aqui tem de tudo! Maconha, coca, a porr* toda!
Zinara tinha um ponto de interrogação na cabeça.
“What is love?
Oh baby, don't hurt me,
Don't hurt me,
No more,
Baby don't hurt me,
Don't hurt me,
No more…”
--AHAHAHAH!!!!!!! Eu AMO esse negão! -- Fred gritou e a morena achou graça -- Vem, Zi! -- puxou-a pela mão -- Vamo dançar!
--Eita! -- achou graça
“Oh, I don't know,
Why you're not there,
I give you my love,
But you don't care…”
--So what is right and what is wrong, -- Fred cantava sorrindo para a amiga -- Gimme a sign… -- sentia que ela estava com vergonha -- Dança, xiita!
“What is love?
Baby, don't hurt me,
Don't hurt me,
No more…”
Haddaway – What is Love [b]
--Ai, eu quero to dance with you! -- Sandra se aproximou para acompanhar -- UHUUU!!! -- gritou
--What is love? Oh baby, don't hurt me , don't hurt me, no more!! -- Fred cantava em voz alta -- Canta, Zinaraa!!! -- requebrava-se
--Uórisló? -- cantava do jeito como ouvia -- Oh beibi, dom rartimi, dom rartimi, noumó!!
--Hahahahahaha!! -- Sandra riu -- Que kind de saxão é esse, my darling? -- zombava da outra
--Gente, cheguei!!! -- Guiga se aproximou com um cigarrinho -- Dá um tico aí, Fred! -- ofereceu a ele, que aceitou
A morena ficou desconfiada. Reconheceu pelo cheiro da fumaça que era a tal da maconha.
--Honey, deixa ela provar as well! -- Sandra tomou o cigarro das mãos de Fred -- Prova, Zi, e fica crazy! TODA CRAZY, MY FELLOW!! -- gritou e deu o cigarro na mão da colega
Sem saber o que fazer, a morena pensava se deveria ceder aos apelos dos colegas ou não. Sabia que esperavam que ela provasse aquele estranho cigarro e temia ser rejeitada por eles. Já havia dispensado a bebida, seria mais uma desfeita.
Quando estava prestes a experimentar, lembrou-se das palavras de Raja.
“--Não se entregue à bebida, ao tabaco ou à qualquer outra droga em busca de um prazer imediato que terá um preço muito alto! “O camelo riu uma vez na vida e rasgou os lábios para sempre.” -- citou um provérbio de Cedro”
--Laa!! (Não!!) Eu num quero, não, Sandra. -- devolveu o cigarro a ela -- Disculpa, mas num vai!
--Ih, mas você é careta, hein? -- Guiga reclamou de cara feia -- Deixa eu te perguntar, da onde vocês tiraram essa caipira sem graça? -- olhou para os demais -- Não bebe, não fuma... não me diga que é virgem também?
Zinara sentiu o rosto queimar de vergonha.
--Olha só, Guiga! -- Fred parou de dançar e olhou para a moça -- Essa caipira aqui, -- abraçou os ombros da amiga -- quebrou no pau os valentão do colégio, quatro duma vez só! -- mostrou o número quatro nos dedos -- Então se ela não quer provar, não convém contrariar, viu, fi?
--Of course, my horse! -- Sandra concordou -- E se ela não quer, give to me que eu quero! -- deu um trago no cigarrinho e fechou os olhos
--É melhó eu í embora desse canto aqui. -- desvencilhou-se de Fred e se afastou dos colegas -- Num combino nesse lugá. -- seguia em direção ao portão da casa
--Ei, Zi, onde que ocê pensa que vai? -- Frederico veio atrás dela e segurou-a delicadamente pelo braço -- Liga pra Guiga, não, boba! Solta franga na festa e dança! -- olhava para ela -- Se não quer ficar alucinada, não fica!
“Dreeeams to survive,
Dreeeams make a wish come true, oooh,
Keeeep your dreams alive,
Dreeeam... dream on…”
--AAAAAAAAAAI, eu AMO essa música, Zi! -- começou a pular
“Your dream will come alive,
Come on, dream on,
Come on, dream on,
Come on, dream on, boy…”
--Solta a franga, amiga!!!! -- pulava que nem pipoca -- Ouve a letra da música!!!
A morena riu e começou a pular junto com ele.
“Your dream will come alive,
Come on, dream on,
Come on, dream on,
Come on, dream on, boy…”
--Seus sonhos vão se realizar, Zi!!! -- ele gritava animado -- Eu acredito, xiitaaaaaa!!!
Zinara tentava imitar os passos dele e divertia-se com sua própria falta de jeito.
--Relaxa e curte, amiga!! Dançaaaaaa!! UHUHU!!!
“Your dream will come alive,
Come on, dream on,
Come on, dream on,
Come on, dream on, boy…”
2 Brothers on the 4th Floor – Dreams [c]
“Aquela festa foi uma loucura, Kitaabii. Descobri que existia maconha e que as pessoas ficavam meio lesadas quando fumavam aquilo. Descobri um pó branco que alguns cheiravam e ficavam elétricos e paralisados ao mesmo tempo. Vi todo tipo de bebida alcoólica e senti o odor de cigarros adocicados. Descobri que há casais que se agarram e quase fazem sex* diante de todos, ou até fazem no meio dos arbustos. Foi um mundo de descobertas, mas eu não me envolvi em nada daquilo. Não era obrigada, não precisava. Simplesmente aprendi a relaxar com Fred, não julguei, dancei, ri, me diverti e me senti aceita. Não pelos outros, mas por mim mesma.
E, no final, percebi que eu deveria urgentemente aprender a falar saxão, fosse para entender as músicas que faziam a cabeça dos jovens do meu tempo, fosse para me comunicar com Sandra.”
***
Olívia estava sozinha na escada de incêndio do último andar do bloco J. Havia acabado de orar e chorava baixinho. Zinara chegava e a surpreendeu com o rosto molhado.
--Professora! -- exclamou penalizada -- Ah, tá sofrendo... Ya wail... (Que pena...)
--Não é nada. -- secou os olhos apressadamente -- Acho que perdi a hora.-- levantou-se olhando para o relógio
--Num se anuvie, professora. -- pediu com delicadeza -- Às vezis é bão desabafá. Si quisé prosiá mais eu, tô aqui pra lhe oví e dá a mão! -- ofereceu solícita
Olívia mirou o rosto da moça e voltou a se sentar. -- Queria tanto que minha filha fosse uma guria boazinha que nem tu... -- lamentou -- Como eu queria...
Sentou-se do lado da mulher mais velha. -- Quantos anos ela tem? -- perguntou curiosa
--Vinte. -- suspirou -- Fez aniversário nesse domingo.
“A gente é praticamente da mesma idade...” -- pensou
--Ela agora se pegou com um grupinho de jovens de maus hábitos, vive dando problema, não respeita a mim ou ao pai... -- suspirou com tristeza -- Eu oro sempre, coloquei o nome dela pra irradiação no centro, tento ser amiga, tento ser presente, mas não sei... -- controlava-se para não chorar de novo -- Parece que eu sempre falho... -- derramou uma lágrima -- Acho que eu nunca faço nada certo... -- não resistiu e voltou a chorar
Espontaneamente Zinara a abraçou com ternura, e a mulher deitou a cabeça em seu peito chorando muito. Deixou-a aconchegada em seu colo e acariciava-lhe os cabelos com devoção. Queria protegê-la, queria livrá-la de todas as dores.
Após um tempo, o qual não saberia precisar quanto seria, disse delicadamente para consolá-la: -- Professora Olívia é boa criatura e com certeza é boa maama! -- continuava acariciando os cabelos da loura -- Sua filha ainda num si deu conta disso, num si deu conta da família qui tem, das oportunidades qui recebe... -- pausou brevemente -- Giddu Raja repetia um dito di Cedro qui era assim: “quem num provô o amargo num sabe apreciá o doce”. Ela num sentiu gosto amargo ainda...
--É verdade... -- concordou
--Mas com o tempo ela há de tomá tenência. -- balançava a cabeça -- A vida vai ensiná! -- afirmou com convicção -- E professora Olívia num dê muita moleza, não, porque senão ela vai ficá sempre nos maus costumes!
--Eu sei... -- respondeu pensativa -- Acho que meu marido e eu demos molezas demais pra ela.
Zinara sentiu ciúmes ao ouvi-la dizer ‘meu marido’.
--E ela também se ressente porque percebe que o pai e eu não temos vivido bem.
--Ah, não?? -- perguntou toda interessada
--Não... -- respirou fundo -- Mas isso é outra conversa. -- afastou-se delicadamente e se levantou -- Preciso ir porque já passa das seis. -- secou os olhos novamente
--Tá certo. -- levantou-se também -- Esse aqui é meu canto de pensá. -- mostrou o lugar -- Sempre qui quisé prosiá com arguém, pode ví aqui de tardinha qui vai me achá.
--Por que vai pra tua casa tão tarde? -- intrigou-se -- A que horas costuma a sair dessa Escola?
--Uai... -- não sabia o que dizer -- Depende do dia... -- corou
--Venha comigo, que te dou carona pra tua casa. -- ofereceu
--Eu num tenho a chave e ya Tereza chega tarde. -- mentiu -- Depois eu vô. -- sorriu encabulada -- Obrigada!
--Não demore muito. Pode ser perigoso. -- segurou o rosto dela e beijou-lhe a testa -- Obrigada, meu bem! Você é um amor! -- sorriu e foi embora
“Ave Maria...” -- o coração batia acelerado -- “Ela me beijô!” -- sentia-se nas nuvens -- "Ela me beijô...” -- sorria abobalhada
***
--Ai, Zi... tô tão apaixonado... -- Fred afirmou olhando para o céu
--E eu... -- suspirou pensando na professora
Os dois estavam deitados no gramado da Escola. Haviam acabado de sair da aula de educação física.
--Imagine uma criatura alta, forte, viril e dona de um bumbum arrebitado e lindo! -- sorria
--E ocê imagine ôtra criatura, só que baixinha, com corpo bão e um sorriso qui parece iluminá o mundo! -- sorria também
--Aquela criatura sabe tudo que é safadeza! -- riu assanhado
--E a minha tem a tabela periódica de cor! -- exclamou orgulhosa
Frederico achou aquilo estranho. -- Bem, pra você isso deve ser importante, né? -- sentou-se -- Não vou te perguntar quem é porque não vai dizer... -- arriscou
--Anêim! -- balançou a cabeça negativamente -- Laa! (Não!)
--E falando em lá... -- levantou-se e puxou-a para se levantar também -- Vai tomar banho, troca de roupa e vamo comigo pra lá! Programinha noturno, Zi! -- convidou -- E pode dormir lá em casa, que vovó te adora!
--Qui programinha noturno ocê tá pensando? -- perguntou desconfiada -- Onde qui é o teu lá?
--Confia, Zi. Já te levei pra canto que não presta? -- pôs as mãos na cintura
***
--Mas qui diacho! -- Zinara exclamou assustada -- AHHa! -- reclamou
--Tá gostando, não? -- Fred perguntou à amiga -- Esse racha tá ótimo!
Frederico e Zinara estavam amontoados com outros jovens assistindo a um racha entre sete carros. Os motoristas corriam como loucos e faziam manobras bastante arriscadas. A morena temia que a qualquer momento os motoristas perdessem o controle e atropelassem a multidão que os assistia.
--Uau, que curva fechada! -- Fred vibrava -- Manda ver, Piolho!!! -- gritava para o amigo
--E esse tar di Piolho é quem? -- perguntou intrigada
--O único gay que faz racha nessa cidade! -- respondeu sem tirar os olhos do carro do rapaz -- Pelo menos o único assumido!
--Hum... -- achava aquilo tudo uma grande bobagem -- E esse tar di racha num é proibido, não?
De repente, após rodopiar violentamente na pista, Piolho pára perto de onde eles estavam e reconhece Fred.
--Vem, véi, vem! -- chamou acenando
--Ai, que loucura! -- bateu palminhas -- Vem, Zi! -- puxou-a pelo braço
--Entrá no carro desse doido aí? -- seguia arrastada
--Adrelina, Zi! -- abriu a porta de trás rapidamente e empurrou a amiga lá dentro. Piolho já tinha aberto a porta do carona e Fred entrou com pressa
--Prepara aí! -- o motorista anunciou ajeitando o retrovisor -- Nóis vamo rodar, véi!
--Ave Maria! -- a morena arregalou os olhos
Piolho acelerou e correu loucamente. Fred gritava como uma sirene e Zinara sentiu-se colada no banco do carro. Sentia um medo sincero de morrer.
“Ô, meu Pai, num morri na guerra pra morrê nesse tar di racha!” -- pensou apavorada
--Rodaaaaa!!!! -- Piolho gritou ao girar o volante bruscamente
--AHAHAHAHAHAHAHAHAH!!!!!!!! -- Fred gritou com medo
--AHAHAHAHAHAHAHAH!!! -- a morena gritava apavorada ao ser jogada de um lado a outro no banco de trás -- Ma hatha, Aba?! (O que é isso, Meu Pai?!)
--UAUAUAUAUAUAUAUA!!!!!!!!!! -- o motorista gritava alucinado -- Vamo de novo! -- acelerou novamente
--De novo?? -- Zinara reclamou -- Karaahiyya! (Que ódio!)
--Né ‘karaahiyya’, não, honey, é caralh* mesmo! -- Fred corrigiu empolgado -- Caralh*, caralh*ooo!!! UHUUU!!!!!! -- gritou
--Rodaaaaaaaa -- e novamente outra guinada no carro
--AHAHAHAHAHAHAHAH!!!!!!!!!!!!!!!!!! -- Zinara e Fred gritavam
Um dos rapazes que participavam do racha perdeu o controle e bateu em um poste, fazendo com que caísse. Fagulhas voaram por todos os lados e a luz da rua acabou. O jovem saiu engatinhando de dentro do carro e correu mancando.
Tentando não atropelar o colega, outros dois motoristas mudaram de rota bruscamente e se chocaram contra alguns estabelecimentos comerciais. Mais prejuízo, porém ninguém se feriu.
--Puta que pariu! -- Piolho reclamou -- Vamo fugí que vai dar zica!
--Foge, Piolho, vambora! -- Fred pediu com medo -- Não quero ser preso, não!
--Preso?! -- Zinara arregalou os olhos -- Jayed jedan! (Muito bom!) -- falou ironicamente
O som das sirenes dos carros de polícia já se fazia ouvir.
--Parando o carro, Piolho? -- Frederico reclamou sem entender -- Os meganha vão pegar nós! -- olhava para ele de cara feia
--Esse carro é roubado, fi. -- respondeu enquanto pegava a pochete -- Foge, porque se eu seguí em frente os meganha vão vim em cima e aí fudeu! -- abriu a porta e correu
--Simbora, homi! -- Zinara deu um tapa na cabeça de Fred e abriu a porta -- Vamos corrê! -- saiu
--Ai, Minha Nossa Senhora! -- abriu a porta e correu também
Os dois amigos seguiam Piolho, que corria desesperadamente pelas ruas mal iluminadas de Gyn. Dobrou em um beco e escalou um muro alto. -- Vai dar num terreno baldio e aí eles perdem nóis de vista! -- falou para os outros dois e pulou para o outro lado
--De saia é mais dificí! -- Zinara reclamou enquanto escalava o muro
--Socorro, Zi, eu não vou conseguir pular! -- Fred falava quase chorando -- Tenho medo de altura!
--AHHa! -- praguejou -- Você mete nós dois no carro daquele doido e tem medo de pulá um muro? -- perguntou revoltada ao se firmar lá em cima. Bastava-lhe pular para o outro lado
--Eu tenho medo, Zi... -- falava como criança
--Karaahiyya! (Que ódio!) -- respirou fundo e pulou para o mesmo lado em que o amigo estava
--É caralh*, amiga, já falei! -- reclamou chorando -- E a gente vai ser preso porque o carro da polícia já parou ali! -- apontou para a entrada do beco
--Cala a boca qui ocê num sabe de nada! -- puxou-o pelo braço e se aproximou de um canto escuro -- E faz conforme eu fizé! -- ordenou
Dois policiais se aproximaram e olharam para o muro.
--O safado que dirigia o carro pulou esse muro aí! -- apontou com a lanterna -- Olha as marca de sapato! -- não sabia que foi a sandália de Zinara que removeu parte do chapisco
--E o que é isso aqui? -- o outro policial iluminou Zinara e Fred com a lanterna -- Um casalzinho sentado no escuro fazendo o que? -- perguntou inquisidor
A morena usava um par de óculos escuros quebrados que havia encontrado no chão e o rapaz estava paralisado ao lado dela.
--Uma ajuda pra uma pobre cega, seu moço. -- estendeu a mão -- Só umas moedinha módi comprá um pão! -- pediu
--Ah! Uma cega e o guia dela! -- o policial concluiu
--Veio alguém que pulou esse muro aí? -- o outro perguntou a Frederico
--Veio. -- ele respondeu -- Mas do outro lado tem um terreno baldio enorme, cheio de mato e lixo. -- falava do que nem viu -- Encontrar alguém aí, ainda mais de noite, é impossível!
--Vamo simbora. -- um dos policiais decidiu -- Já passei da idade de estripulia. -- guardou a lanterna
--Toma ceguinha. -- o outro deu-lhe uma moeda
--Agradecida, seu moço. -- balançou a cabeça
Os dois homens deram meia volta e se foram.
--Ai, Zi, que sufoco! -- respirou aliviado -- Eu não conhecia esse teu lado atriz, mas você fez uma cega perfeita! -- comentou admirado -- Por um momento até eu acreditei no teu teatro!
--Tive um irmão cego, sei como é. -- tirou os óculos e deu a moeda a Fred -- Eu num mereço esse dinheiro, dê ele a argum pedinte. -- levantou-se -- Mas escuta aqui, -- olhava para o amigo de cara feia -- da próxima vez qui ocê me metê numa situação qui nem essa, em festa cheia de droga ou em quarqué diacho qui pode me levá pra cadeia, faço contigu muito pió do qui fiz com os valentão da escola! -- ameaçou de cara feia -- E isso num é brincadeira!
--Ui! -- arregalou os olhos com medo -- Essa entrou com caco de vidro e areia!
***
Mas um dia amanhecia, só que dessa vez Zinara, incrivelmente, perdeu a hora por dormir demais.
--Gente, mas o que é que meus eyes tão seeing? -- Sandra exclamou boquiaberta ao ver Zinara dormindo no vestiário -- Então é aqui que you live?
A morena despertou alarmada e levantou-se sem saber o que dizer.
--Ah, mas é because of this que nobody sabe onde você live! Agora tá explained! -- concluiu
--Por favor, Sandrinha, num comenta com ninguém! -- começou a se arrumar apressada -- Eu vivo aqui escundida, num sabe?
--Honey, mas que vida bad! -- acompanhava os movimentos da outra com o olhar -- Há quanto tempo tem sido assim, hein, my darling? Talk to me que eu quero to know!
--Desde março... -- respondeu sem graça -- Ou seja, há três meses... -- penteava os cabelos
--E como lava roupa, almoça, toma breakfast...? -- estava intrigada -- Já reparei que você tem meia dúzia de clothes, né, baby? E livro? Como compra all of the books?
--Ah, eu lavo os trem tudo na pia e estendo de noite escundido na garagem. -- explicava enquanto colocava pasta na escova -- Fred me paga o café da manhã e professora Olívia me paga os armoço e as janta, qui eu como naquela birosquinha aqui perto. -- começou a escovar os dentes -- Os livro eu pego na biblioteca... e assim vai. E num compro roupa. -- falou de boca cheia
--Mas e no weekend, como é que você faz pra comer? E modess? Você compra com que money?
Deduziu que weekend seria final de semana. -- Ah, eu num como em todo finar de semana, não... Só quando arrumo uma limpeza pra fazê. -- secou a escova e guardou -- E modess nunca nem usei. Uso lenço.
--Você faz limpeza em house de família?? -- perguntou penalizada -- What a misery!
--Só num faço quando num consigo. -- guardou suas coisas -- Pela piedade de Allah, Sandrinha, num comenta com ninguém! -- aproximou-se dela preocupada
--Olha só, honey, deixa eu te fazer uma proposal. -- pôs as mãos na cintura -- As holidays de July vem aí e você não vai poder stay na school durante this period. So... -- fez um bico pensativo -- Que tal to live na república onde eu livo? -- propôs -- Eu e Laila vamos voltar pras nossas respectivas houses mas o aluguel vai continuar cobrando, porque aquilo ali é que nem taxímetro. -- explicava -- Você podia stay there e cuidar da house to us. Fazer umas cleaningzinhas básicas, arrumar tudo e nas vésperas das aulas, já deixar uma comidinha gostosa pra gente, que acha? -- sorriu -- Quer dizer, a menos que você come back to roça.
--Eu num vô pra canto nenhum nas férias. -- respondeu com tristeza
--Então aceita minha proposal! What’s the problem, my friend?
--Olha, eu entendi qui ocê qué qui eu faça uma limpeza na tua casa enquanto ocês vão tá fora, mas e quando as duas vortarem? Eu num tenho dinheiro pra pagá alugué, não!
--Boba, você paga com serviço! Paga com o sweat de your face!-- fez uma expressão afetada -- Laila e eu pagamos diarista, então se you to do essa função, a gente não vai mais precisar to pay. Fica elas por elas! -- ajeitou os cabelos -- E aí, quando eu tiver umas doubts nas matérias você me dá umas explicações for free!
--E eu vô dormi onde? Vai tê lugá quando ocês tiverem de vortá?
--Of course, my horse! -- respondeu como quem diz o óbvio -- Lá tem room pra housekeeper! -- Zinara não entendeu -- Garanto que é bem melhor que isso aqui! -- olhou para todos os lados -- E pelo menos te dou uns modess! Lenço é no way, viu? -- revirou os olhos -- Coisa awful!
--Tá certo... -- balançou a cabeça pensativa -- Aceito!
***
Clarice trabalhava no computador e Leda chegou para abordá-la.
--E então, menina? Zinara já voltou pra terra dela? -- perguntou curiosa
--Ainda não, mas acho que dessa semana não passa. -- olhou para a mãe -- Disse que tem que poupar dinheiro e vai voltar pra casa, mesmo que seja antes de fazer o que precisa fazer.
--E o que diabo ela precisa fazer afinal? -- sentou-se na cama da filha -- É tanto suspense! -- reclamou -- Às vezes eu acho que ela pensa que é a Princesa Tropeira! Me lembra até daquele episódio da oriental maluca que cortou a cabeça com a espada e botou fogo nos troço. -- parou para pensar -- Ou foi a Tropeira que cortou a cabeça da outra e botou fogo? -- questionava-se -- Ah, nem lembro mais! -- deixou para lá
A morena achou graça. -- Ela não me diz, mamãe, eu não sei. -- voltou a digitar
--Zinara é misteriosa demais pro meu gosto! -- revirou os olhos -- Mas... com todo mistério, ela bem que podia passar uns dias aqui em casa. Eu não reclamaria. -- balançou a cabeça negativamente -- E além do mais com aquele costume bom de lavar, passar e cozinhar em casa alheia, eu ia gostar e bem!
--Mamãe, que coisa mais feia! Interessada nela pra fazer limpeza? -- ralhou e riu em seguida -- Ai, ai, velhinha danada... -- sorriu para a idosa -- Cheguei a conversar com ela sobre ficar aqui em casa, se quer saber. -- olhou novamente para o computador -- Só que ela acha que seria abuso porque ainda não tem um compromisso sério comigo. -- envergonhou-se logo após ter falado -- Quer dizer, a gente não... -- estava sem graça
--Eu entendi, menina! -- fez um gesto para tranquilizar a paleoceanógrafa -- E gostei da resposta dela. Sinal de que tem decência.
--Ela tem. -- concordou
--Ao contrário da estupradora da terceira idade! -- fez cara feia
E nisso o telefone toca.
Clarice estendeu o braço e pegou o telefone. -- Falando nela... -- reconheceu o número pela bina -- Alô. -- atendeu
--Eu nunca aprendo! -- levantou-se revoltada -- Fui invocar a Bicha Ruim e ela veio! -- caminhou para fora do quarto -- Dá mole pra ela, não, menina! Chega de tarada na tua vida!
--Oi, Clarice, tudo bem? -- perguntou sem graça. Parecia ter ouvido o que a idosa falou
--Fui! -- Leda foi embora
--Tudo, e você? -- digitava
--Mais ou menos... -- respondeu pensativa -- Sinto a sua falta...
--Ah, Cátia, por favor. -- parou de escrever e se concentrou na ligação -- Não quero ser desagradável com você, então não insista. Você e eu é uma história que acabou! -- tentava não ser rude
--Desde que você me deixou parece que tudo meu anda pra trás... -- lamentava-se -- Acredita que naquele dia que você me ligou, perdi meu vôo, gastei uma nota comprando passagem em outra empresa aérea e o desgraçado do vôo atrasou por duas horas? -- contava -- Meu aluno não pôde defender a tese por causa disso, foi um mal estar terrível e tenho vivido dias de cão!
--Nossa, que chato. -- ficou surpresa -- Mas eu achei que você fosse perder o vôo mesmo... Àquela hora ainda tava lendo tese! -- lembrava -- Sem contar que sua voz era a de quem tinha acabado de acordar! Deve ter cochilado também!
--É, eu... -- ficou sem graça -- Ah, Clarice, eu menti pra você! -- confessou -- Eu tinha acabado de acordar numa pocilga qualquer... -- decidiu falar a verdade -- Passei uma noite louca com uma mulher e foi isso! Acordei tarde, perdi a hora e me dei mal. Se você não tivesse me ligado, teria sido ainda pior!
--Mas, Cátia? -- surpreendeu-se -- Bem, eu não tenho nada com isso.
--Eu não conseguia deixar de pensar em você e fui pra um baile punk decidida a fazer uma loucura. -- contava -- Foi lá que conheci a mulher com quem passei a noite!
--Baile punk? -- perguntou espantada -- "E mais essa!” -- pensou
--Eu não consigo tirar você do meu pensamento, Clarice! Eu te amo! -- declarava-se quase em desespero -- Por favor, me dá uma chance! Me tira dessa escuridão! -- pedia com humildade -- É por saudade de você que eu vivo essas experiências loucas! Preciso de você pra me salvar!
A paleoceanógrafa chegou a ter pena da ex namorada.
--Eu vou pedir a Deus que ajude você a me tirar do seu pensamento, a se encontrar e a parar de buscar fugas nesse tipo de loucura que não leva ninguém a lugar algum. -- falava com carinho -- Precisa parar de viver assim, querida.
--Me ajuda!
--Deus vai te ajudar. -- respondeu com carinho -- De minha parte, não há mais o que possa fazer além de orar por você. -- pausou brevemente -- Tchau, Cátia. Vou desligar.
--Tchau, Clarice. -- respondeu decepcionada -- Mas saiba que vai se arrepender por ter escolhido a nariguda e não eu! Ela ainda vai te machucar, eu sei! -- falava com despeito
--Tá bom, Cátia. Tchau! -- desligou o telefone e ficou pensando -- Oh, Deus, ajude essa pobre criatura! -- pediu em voz alta
--Manda ela pra casa do diabo, meu Pai, que já resolve o problema! -- Leda complementou da sala
--Ouvindo a conversa, mamãe? -- perguntou indignada
--Eu não! -- respondeu à distância -- Só inferi pelo passado da tarada e pelas tuas respostas!
--Inferiu?! -- achou graça -- É mole?
***
“Os meses na casa de Sandrinha foram problemáticos, Kitaabii. Enquanto estive só foi tudo tranqüilo, mas desde que ela e Laila voltaram, os aborrecimentos foram crescendo exponencialmente. Ao final de outubro as duas já me tratavam como a uma escrava e foi aí que decidi partir. Não posso negar que Sandrinha me deu roupas e sapatos bons que ela não queria mais, só que não poderia deixar que me faltasse ao respeito como vinha fazendo. Elas chegaram a ponto de jogar lixo no chão, esperando que eu catasse imediatamente. Outra coisa que não nego, foi que com elas aprendi a me arrumar melhor, andar de salto alto e usar absorvente. E que coisa maravilhosa! Lenços de pano, nunca mais!
Eu tinha uma cópia da chave do laboratório de química e ele tornou-se meu novo lar. Ninguém desconfiava disso e o bom é que podia usar a estufa para secar minhas roupas.
Meu contato com professora Olívia tornava-se cada vez maior. Conversávamos sobre vários assuntos e ela costumava desabafar comigo sobre seus problemas com a filha. Graças a ela não passei fome e quando me sentia mal, ela me dava remédio. E eu a amava um pouco mais a cada segundo, mas ela nem desconfiava... E era casada, eu devia respeito redobrado. Além do mais, sabia que uma mulher daquelas jamais iria querer coisa alguma com uma caipira como eu; mesmo se ela fosse a maior das lésbicas.
Minha paixão pelos astros aumentava dia a dia e questionei a professora se não seria possível usar um espectroscópio para analisar a luz emitida pelas estrelas e descobrir sua composição química através de tal análise. Ela ficou impressionada com minha conclusão e disse que tal prática era corrente em astrofísica. Prometeu que me ensinaria a usar o espectógrafo e eu não via a hora!
Frederico ganhou uma moto de presente da mãe, que morava na Capital, e me levou para todo canto na garupa dela. Nem preciso dizer que nos metemos em várias confusões, tudo porque ele dirigia muito mal. De vez em quando, íamos para perto do parque central e eu treinava na moto. Acho que ele ficava enciumado porque não fiz auto escola e dirigia melhor que ele.
Montei um plano de estudos e coloquei Fred para estudar como talvez nunca tenha feito na vida. Suas notas melhoraram sensivelmente e com certeza ele passaria de ano.
Sofri muito preconceito na Escola porque os alunos eram de classe média alta, em sua maioria, e nenhum veio da roça. Zombavam de mim pela aparência, pela origem, pelo sotaque e vários jovens me chamavam de mulher bomba. Fred era meu único amigo e Sandrinha deixou de falar comigo desde a discussão que tivemos quando deixei sua ‘house’.
Tudo isso doía, mas a saudade da família doía ainda mais. A solidão às vezes parecia capaz de me matar.
Escrevi três cartas para Khaled, mas ele nunca me respondeu...”
--Ah, professor, essa prova tem que ser anulada! -- um aluno reclamou -- Todo mundo vai pra recuperação, poxa!
--Prova que todo mundo se dá mal é prova mal feita! -- uma jovem argumentou -- O senhor errou na mão!
--Anula, professor! -- outro rapaz pediu
--Anula, anula, anula! -- os alunos pediam revoltados
--Eu não vou anular coisa nenhuma! -- o professor retrucou de cara feia -- Vocês se deram mal porque já vinham se arrastando desde a primeira prova! -- olhava para a turma -- Se eu tivesse errado na mão, Zinara não tinha tirado 9,7!
Um silêncio tumular se estabeleceu e a morena ficou sem graça. “Isso vai me dá problema...” -- pensou receosa
--Ah, mas ela é doente! Ela não conta! -- um rapaz respondeu com grosseria
--CDF!! -- alguém gritou
--Esse assunto acabou! -- o professor encerrou a conversa com um soco na mesa -- Prova de recuperação marcada pra dia 20 de dezembro! E estuda viu, fi, porque não vai ser mole!
***
Zinara havia acabado de devolver os livros que pegou emprestado na biblioteca. Eram por volta das cinco e dez da tarde. Enquanto descia as escadas, surpreendeu-se com alguns colegas de turma lhe esperando. Pôde perceber que os veteranos nos quais ela bateu no começo do ano aguardavam mais afastados.
--E o qui é isso? -- perguntou desconfiada ao parar na escada
--Por tua causa a turma toda vai pra recuperação no Valdir! -- um rapaz acusou -- Por tua causa ele não vai anular a prova!
--Você vai lá pedir pra ele anular aquela porr* daquela prova! -- uma jovem exigiu
--Ele já deu o assunto por encerrado e eu qui num vô lá pra levá carão! -- subiu alguns degraus de volta sem dar as costas para eles -- Eu num tenho nada com isso!
--Você vai sim! -- um rapaz falou mais alto
Uma sensação de pânico deixou a morena arrepiada. Subitamente ouviu a voz de seu avô gritando dentro da mente: “Corra, Zinara!!!” -- e ela correu
--Vamo pegar ela!!! -- alguém ordenou
Zinara subiu as escadas desesperadamente e alcançou o corredor. Sabia que a biblioteca já estava fechada e seguia em busca de algum local onde pudesse encontrar refúgio. Àquela hora todas as salas estavam trancadas e não lhe ocorria idéia alguma.
“Bombas explodem. Granadas rasgam minha pele com seus estilhaços.”
Ao chegar em um pavilhão aberto, pulou o muro e saltou para o gramado do térreo. Caiu de mau jeito e tropeçou no próprio vestido, dando tempo de ser alcançada por três rapazes. Olhou para o lado e viu uma vassoura no chão. Esticou-se o quanto pôde e conseguiu alcançá-la.
“Bombas explodem...”
--Você tá fudida, caipira fia da puta! -- um dos rapazes veio agredi-la
“Minha cabeça não pensava, Kitaabii. Novamente o ódio me dominou.”
--AHAHAH!! -- deu uma vassourada nas pernas do jovem e se levantou
--Maldita! -- ele gritou esfregando o joelho
--AHAHAHAHAH!!! -- Zinara avançou furiosamente sobre os outros que chegavam
--PAREM COM ISSO!!! -- Olívia gritou desesperada -- PAREM!!!
--Porr*, a professora! -- o grupo dispersou correndo
Zinara ainda segurava a vassoura e tremia nervosamente. Sentia-se perdida e assustada.
“Explosões, gritos, desespero.”
--Calma, meu bem. -- Olivia aproximou-se devagar -- Calma, Zinara...
A morena tremia.
Tirou a vassoura das mãos dela. -- Eles foram embora. Acabou. -- tocou o rosto da moça -- Fica calma. -- pediu com brandura
--Shi ghareeb... (Alguma coisa está estranha...) -- respondeu meio abobalhada -- Laa acrif... (Eu não sei...)
--Não entendo o que dizes, mas fica calma. -- segurou o rosto dela e beijou-lhe a bochecha -- Fica calma... -- acariciava seus cabelos
A jovem aos poucos se recuperava.
--Venha, meu bem. Vamos embora. -- pediu -- Amanhã resolveremos essa situação.
--Eu... -- ainda tremia -- Eu... Ana xaafa... (Estou com medo...)
--Te levo pra casa, guria. -- ofereceu
--Laa! (Não!) -- recusou envergonhada -- Tem ninguém lá hoje. -- mentiu -- Ya Tereza viajô... -- não sabia o que dizer
--Então tu vais dormir na minha casa e não se fala mais nisso! -- segurou uma das mãos da moça -- Vem comigo, meu bem. Eu cuido de ti! -- olhava nos olhos dela
“Iw limin a’azmitni a’al bait, Kitaabii, ma a’ad albi yithadda... (E quando ela me convidou para sua casa, Meu Livro, não pude acalmar meu coração...)”
--Vem, guria. -- seguiu de mãos dadas com Zinara -- Vamos embora!
Capítulo 43 – Desabafo
--E aí, uma vez na casa dela eu disse toda verdade. -- Zinara conversava com Clarice em um barzinho -- Contei que morava no laboratório, falei da minha família, dos meus dramas... -- relembrava -- O marido dela tinha ido viajar, a filha dormia na casa da tia, porque as duas tinham brigado, e nós estávamos à vontade pra conversar sem reservas.
--E o que aconteceu depois? -- perguntou curiosa
--Dormi no colo dela e foi o céu pra mim! -- sorriu saudosa -- E ela me arrumou de morar no centro espírita que freqüentava e isso foi ótimo! Comecei a trabalhar com idosos, conheci a doutrina e ainda arrastei Fred pra lá. Tinha que ver como que ele mudou! -- pausou brevemente -- Só fiquei com o coração na mão porque naquele ano ela foi pro sul passar as festas com a família do marido. -- riu brevemente
--Por quanto tempo morou no centro? -- bebeu um gole de suco
--Um ano... -- brincava com o guardanapo -- Saí de lá pra morar com Shamash, que estava separada há meses... e ficamos juntas até a morte dela, que foi no dia que saiu o resultado do meu vestibular.
--Sinto muito, meu bem. -- segurou uma das mãos da astrônoma
--Baseeta, habibi! (Sem problemas, querida!) -- sorriu e entrelaçaram os dedos
--E aqueles aprendizes de bandido? Voltaram a te perseguir?
--Aquilo tudo deu em nada! -- bebeu um gole de suco -- Eu já tinha passado de ano e não tinha mais aula pra assistir. Não quis levar o caso adiante e Shamash deu um jeito de me transferir pro turno da tarde no segundo ano. -- respondeu rememorando -- Engraçado foi que Fred fez de tudo pra ir pro turno da tarde também e conseguiu! No terceiro ano nós voltamos pra manhã e no quarto estudamos à noite.
--Por que a chama de Shamash? -- queria saber
--Porque Shamash quer dizer ‘sol’ na língua antiga de Dar-ulharb. -- esclareceu
--Você, prestigiando a língua de Dar-ulharb?? -- chocou -- Por que?
--Não vai adivinhar... -- respondeu sorrindo -- Ela nasceu lá!
--Gente!! -- espantou-se
--Pois é. Nasceu em Dar-ulharb e veio com a família pra Terra de Santa Cruz ainda adolescente. Eles foram morar no sul e ela viveu lá até a morte dos pais. Mas aí já tava até casada e o marido tinha acabado de passar pra um concurso público que o transferiu pra Gyn. -- contava a história da outra -- Imagina como foi pra mim quando descobri que a mulher que eu amava nasceu no país que eu odiava! -- revirou os olhos
--Como soube? Ela te contou?
--Fazia um mês e meio que eu morava no centro e fui procurar por ela em sua casa, pois tava morrendo de saudades e deduzi que já tinham voltado lá do sul. -- lembrava -- Ela tava sozinha e me recebeu com o mais belo sorriso... -- seus pensamentos viajaram no tempo
“--E como foi a festa de natal no centro? E o réveillon? -- perguntava interessada -- Passamos o final de ano lá uma só vez e eu amei!
--Foi lindo, mas eu sofri um tanto. -- respondeu com sinceridade -- Senti saudades de maama, de Khaled, das crianças, da roça... -- suspirou -- E senti muitas saudades da professora... -- confessou
--Ah, meu bem! -- tocou o rosto dela com carinho -- Um dia tu poderás voltar pra casa porque nenhum rancor pode durar eternamente. -- consolava-a -- Quanto a mim, tô aqui! -- sorriu -- E se queres saber, também tive saudades de ti.
“Oh, Aba, será verdade?” -- pensou toda prosa ao sorrir
--Espere aí que vou te servir um doce que tu adoras! -- levantou-se do sofá -- Na verdade eu preparei ontem pensando em ti. -- olhava para a jovem com carinho -- Se tu não viesses aqui hoje eu iria no centro amanhã. -- foi para a cozinha
“Eu num acredito...” -- levantou-se embevecida -- “Ela fez doce pensando em mim!” -- sorria como boba
--Espere aí! -- gritou lá da cozinha -- Não venha pra cá, quero fazer surpresa! -- pediu
--Tá bão! -- concordou -- "Deixa eu vê se tem livro novo nessa estante.” -- aproximou-se do móvel -- "Eles mudaram a arrumação da sala.” -- percebeu
Enquanto lia os títulos, reparou em uma bandeirinha que estava ao lado da TV e arregalou os olhos.
--Pudim de leite! -- chegou na sala com um prato na mão e estranhou o olhar de Zinara -- Que foi?
--Por que tem uma bandeira de Dar-ulharb na sua casa? -- perguntou de cara feia
--Porque nasci lá. -- respondeu naturalmente
--Choo?? (O que??) -- perguntou em choque
--Isso é problema pra ti? -- colocou o prato sobre a mesinha
--Eu odeio aquele país! -- disse com raiva -- Gaatak niila, Dar-ulharb!! (Vá para o inferno, Dar-ulharb!) -- gritou
--Toda guerra se inicia com preconceitos, meu bem. -- respondeu calmamente ao cruzar os braços -- Estás agindo da mesma forma como aqueles a quem critica. Seja igual aos soldados do teu passado, seja como os jovens que te discriminam na Escola.
--Vô mimbora! -- decidiu ao se encaminhar para a porta -- Ana bakrahk Dar-ulharb! (Eu odeio Dar-ulharb!)
--Vai com Deus, guria. -- desejou com tristeza
Zinara abriu a porta e partiu desorientada.”
--Eu me arrependi muito por aquela fuleiragem toda de minha parte! -- contava -- Mas levei uns dias pra procurá-la e me desculpar... -- confessou -- Acho que minha cabeça deu nó por ter me apaixonado por alguém justo do país que eu mais odiava no mundo! -- abaixou a cabeça -- Idiota, não?
--No contexto de sua vida foi compreensível... -- falava com jeito -- mas um tanto ingrato.
--Eu sei e isso me envergonhou bastante. -- concordou -- Na cultura de Cedro, mesmo em tempos de guerra, a gratidão é algo que se aprende desde cedo. Giddu Raja me ensinou muito sobre isso. -- sorriu ao lembrar do avô -- Mas, pelo menos, me desculpei à tempo e até aprendi a respeitar Dar-ulharb por causa dela. Conscientizei que o preconceito de minha parte era burro! Como qualquer preconceito é! -- reconheceu -- Ela me ensinou a ter tolerância... E me ensinou mais um monte de coisas importantes...
--Essa professora foi um divisor de águas na sua vida, não foi?
--Se foi! -- respondeu convicta -- Graças a ela, o sol brilhou na minha alma escura... Graças a ela, muitas bombas deixaram de explodir dentro de mim...
Clarice não entendeu bem o sentido da frase mas não quis perguntar. -- E é por isso que é tão importante pra você que a filha dela se reconcilie com o pai?
--Pois é... -- acariciavam-se os dedos -- Nem acredito que vou embora amanhã sem conseguir isso!
--Eu me sinto lisonjeada por você ter confiado em mim e desabafado comigo. -- sorriu ternamente -- Obrigada, meu bem.
--Me agradece por você ser maravilhosa? -- falou com carinho
A paleoceanógrafa ficou toda prosa. -- Vamos combinar assim: você me deixa o nome completo dela e o endereço. -- propôs -- Vou levar pra irradiação no centro e daqui a uma semana eu mesma passo lá pra vê-la.
--Faria isso, habibi? -- perguntou animada
--É por uma boa causa. E a mãe dela merece! -- sorriu
--Huwwa sahih El-Hawa ghallab? -- beijou a mão da outra
--Traduz, porque assim não vale! -- sorriu
--É verdade que o amor é irresistível? -- traduziu -- Você me mostra que é!
--Vou morrer de saudades, de você, caipira poeta!
--Também vou, habibi! -- respondeu com muita sinceridade -- Sahraani, ya gamil... (Você me fascina, sua linda...)
Clarice não entendeu a última frase, mas seu coração compreendeu cada palavra.
Capítulo 44 – O Que Se Faz Por Amor
Zinara guardava a mochila no compartimento de bagagens do avião quando ouviu uma voz conhecida.
--Professoraa!!! Ai, que bom!!!
--Cristina?! -- olhou para a moça e sorriu -- Olha, que maravilha! -- abraçaram-se -- Segunda vez que pego avião contigo!
--E dessa vez meu assento é do seu lado mesmo, olha só! -- mostrou o canhoto do bilhete de embarque
--Que bom! -- segurou a malinha dela -- Me dá aqui que eu guardo pra você. -- pediu
--Obrigada, professora. -- agradeceu -- E dessa vez o vôo vai ser tranqüilo! Nada de turbulência ou experiências de quase morte!
--Inshallah! (Se Deus quiser!)
As duas se sentaram em seguida e começaram a conversar.
--E então, professora? Tava passeando em São Sebastião ou trabalhando? -- a moça perguntou -- Eu vim passar uns dias com uma de minhas primas que tá morando aqui, aproveitando que tô de férias. -- pausou brevemente -- Quer dizer, eu tava, né? Amanhã já pego no batente.
--Eu vim resolver uns probleminhas. -- não queria entrar em detalhes -- E Marcão? -- mudou de assunto -- Como vai o marido?
--Ih, professora, Marcão já foi! -- respondeu estalando os dedos -- Separamos tem uns dois meses!
--Ave Maria! -- surpreendeu-se -- E não me diga que você já casou de novo? -- olhava para ela intrigada
--Ah, não, tô dando um tempo! Eu sou cuidadosa com minhas relações. -- respondeu convicta
--Ah, é. -- achou graça
--Homem é bicho muito complicado, não sabe? -- passou a mão nos cabelos -- Paulão, Rodrigão, Marcão... tudo gênio forte, desconjuro!
--Imagino. -- continuava se divertindo com a outra
--É... professora... Segura minha mão? -- pediu receosa -- Esse bicho vai decolar e eu confio no teu poder... -- agarrou o braço da outra -- Eu li que 99% dos acidentes medonhos com aviões...
--Ah, não, menina, de novo não! -- reclamou interrompendo a fala da ex aluna
O avião levantou vôo e se estabilizou na altitude de cruzeiro sem quaisquer problemas.
--Parece que tá tudo bem, né? -- Cristina constatou olhando para todos os lados
--Relaxa, menina! Pára de mentalizar coisa ruim! -- aconselhou
--Mas... sabe, professora? -- queria voltar ao assunto anterior -- Embora esteja indo devagar, agora eu tô namorando um rapaz lindo chamado Juninho! -- contou animada -- E tô na maior esperança de que dê certo e seja pra sempre!
--Ah, mas agora vai! -- afirmou convicta
--Por que você acredita nisso? -- perguntou empolgada
--Porque se com os ‘ão’ não tava dando certo, vai que com um ‘inho’ a coisa vinga?
--É mesmo, né? -- considerou pensativa
“Ô, menina doida!” -- pensou achando graça
--Amar é uma coisa muito doida, né, professora? -- olhava para Zinara -- Você já fez alguma loucura por amor? -- perguntou curiosa -- Pode contar sem medo que ninguém do departamento vai saber! Nem vou mais lá!
--Com certeza já fiz! -- respondeu sem pestanejar
--Ai, então me conta! -- pediu assanhada -- E pode confiar que minha boca é um túmulo! -- sorriu
--Bem, eu me apaixonei por... -- pensou antes de continuar -- um professor na época em que cursava o segundo grau técnico, -- mudou o gênero de Olívia para não se assumir lésbica -- e ele era casado e nem desconfiava disso. -- contava -- Mas ele acabou se separando por causa de uma traição da esposa e eu ficava só sonhando com a hipótese de um dia vivermos um amor verdadeiro. -- passou a mão nos cabelos -- Ele se separou em abril de 96... Eu tava no segundo ano...
--Mas ele dava pistas de que também gostava de você? -- queria saber -- Tem homem que é tão enigmático!
--Eu achava que ele me amava também, mas só que um amor de pai, sabe? E também pensava que uma criatura daquelas jamais iria querer algo com uma caipirona brocoió feito eu! -- sorriu
--Que é isso, profe? Você é um mulherão! E naquele tempo devia ser uma moça toda jeitosinha! -- dava força -- Mas vai, conta mais! Histórias de amores impossíveis me deixam nervosamente assanhada! -- ajeitou-se na cadeira
--Eu hein! -- riu brevemente -- Continuando a história, as férias de julho tinham começado e eu tinha ido à Escola pra devolver um livro na biblioteca...
--Mas julho de que ano? De quando você tava no segundo ano? -- interrompeu-a para entender
--É. -- balançou a cabeça -- E então encontrei com meu amigo Frederico, que àquela altura já sabia do meu amor platônico, e ele me deu uma notícia bombástica... -- lembrava
“--Aqui, Zi, deixa eu te contar: tem um galo ciscando no teu galinheiro! -- advertiu preocupado
--Choo? (O que?) -- não entendeu -- Qui raio de história é essa, homi de Deus? -- pôs as mãos na cintura
--Sabe daquele profe todo metido a galã de novela das oito? Ele tá dando em cima da professora Olívia, honey! -- comentou com seu jeito afetado -- E vem nessa desde que soube da separação dela! Tenho notado os zoínho de peixe morto dele pra cima da loura não é de hoje! -- gesticulava
--Ezzai?? (Como pode??) -- revoltou-se -- Mas aquele homi é um safado de marca maió! Dá em cima di todas minina com mais de dezoito! A Escola toda sabe disso, uai!
--Pois é, mas vai ver tua amada não sabe! E vou te contar, ele investe pesado! Não sei como você não nota! -- pôs as mãos na cintura também -- E escuta essa: não tem nem quinze minutos que os dois saíram juntos daqui!
--Anêim, eu tenho que fazê arguma coisa! -- decidiu -- Ocê veio de moto? -- segurou-o pelos ombros
--Vim, sim, por que? -- não entendia
--Vamo seguí os dois e sabê pronde tão indo! Eu tenho que sarvá minha Shamash das garras daquele tarado! -- falou com decisão
--Ai, uma perseguição de cinema!! -- Fred se empolgou -- Amei, Zi! Simbora! -- correram para o estacionamento”
--Gente, que massa! -- Cristina exclamou empolgada -- Então quer dizer você e seu melhor amigo seguiram o professor e a periguete que dava em cima dele pelas ruas da cidade de Gyn? -- bateu palminhas -- Tô adorando essa história! -- riu assanhada
A morena riu também e continuou a narrar: -- Pois é... meu amado pegou carona no carro da professora tarada e a gente seguiu os dois na maior doideira! Fred era tão barbeiro... -- riu de novo -- Eles foram justamente pra casa do meu professor e quando o carro ia estacionar, apareceu um caminhão que parou do lado e bloqueou nossa visão. Eu fiquei doida! -- olhava para a moça -- Pra completar, ainda começou a chover, acredita?
--Gente, que loucura! -- Cristina estava adorando a narrativa -- E aí? Conta, profe, conta que minha passarinha tá quase assobiando aqui!
--Eita boi! -- riu -- Eu me despedi de Fred e corri pra portaria do prédio. Não sei porque, mas naquela hora tava sem porteiro e tinha um papel avisando que o interfone tava escangalhado. Fiquei nervosa como nem sei! -- gesticulou -- Daí, tomei uma das decisões mais loucas da minha vida: decidi que escalaria o prédio dele até chegar no apartamento, subindo varanda por varanda! -- sorriu -- Sorte que naquele dia eu tava de calça jeans e tênis; no geral só usava vestido e sandália rasteira.
--E ele morava em que andar? -- arregalou os olhos
--Sétimo!
--AHAHAHAH!! -- deu um grito empolgado que chamou a atenção de muitos -- Que máximooo!!! -- bateu palminhas -- Você ali, -- gesticulava -- toda coragem, toda apaixonada, escalando prédio alheio debaixo de chuva! E tudo por amor! -- bateu com os pés -- Conta, conta mais!! Bota pra fora, professora!
--Cristina! -- olhou para todos os lados -- Menos! -- respondeu sem graça
--Ai, é que é muita emoção e você sabe que eu sou toda: -- apertou os próprios seios -- sentimento!
--Sei... -- fez um bico
--Mas conta, pelo amor do Pai! -- segurou-a pela roupa -- E aí, como foi que essa loucura toda terminou??
Zinara sorriu e mais uma vez viajou no tempo...
“Eu escalava o prédio dela, Kitaabii, me firmando nas grades das varandas de pessoas que sequer conhecia. Corria um risco enorme, porque podia cair e me quebrar toda. Podia mesmo morrer, mas eu pensava em nada além de salvar minha Shamash das garras de um aproveitador.
A chuva atrapalhava minha visão e tornava o metal escorregadio, mas eu me esticava toda para alcançar o próximo apoio que me ajudaria a seguir para mais alto. Se alguém chamasse a polícia eu seria presa, porém, estranhamente, parecia que ninguém me via. Era como se os ‘deuses do amor’ velassem por mim em minha loucura juvenil.”
Depois de muito esforço e alguns arranhões, a morena finalmente alcançou a varanda do apartamento de Olívia e pulou para dentro. Toda molhada, coração acelerado, bateu na porta de vidro chamando em desespero.
--Professora Olívia! Professora!! -- chamava -- Num acredite nesse homi! Ele é safado e só qué se aproveitá de ya sayyida!! -- falava nervosamente -- Professora!!
--Mas, bah, o que é isso? -- Olívia abriu a porta da varanda com os olhos arregalados -- Guria, que fazes aqui? -- vestia um roupão
--Cadê ele? -- entrou na sala da mulher como uma flecha -- Cadê aquele safado? -- olhava para todos os lados -- Num dá trela pra ele, professora! É bicho sem vergonha!
--De quem tu falas, guria? -- aproximou-se preocupada -- Meu Deus, tu estás toda molhada! -- tocou a blusa dela
--Professor Vicente! -- olhava nos olhos da loura -- Eu sei qui ele tem assediado a professora e vi qui te trouxe pra cá!
--Sim, mas ele me deixou aqui e foi embora! -- respondeu de pronto -- Conheço Vicente como é, Zinara, e não quero nada com ele!
--Ah, não? -- respondeu aliviada -- Smallah! -- postou as mãos para cima em agradecimento
--Não acredito que tu escalou sete andares desse prédio debaixo de chuva apenas pra me advertir sobre isso! Podias ter morrido, sabia? -- deu um tapinha no braço dela
--Behebbik ya, professora! -- confessou sem pensar -- Eu te amo! -- emocionou-se -- Faria quarqué coisa módi lhe protegê! -- seu coração acelerou
--Oh, meu amor... -- emocionou-se também -- Eu, eu... -- ficou nervosa -- não sei como pode ser isso, como vai ser isso, mas... -- segurou o rosto da morena e beijou-a com amor, paixão, carinho e desejo
“Lamma ra-eto malik fo-adi, Kitaabii... (Aquele foi o momento em que eu percebi que ela tomou conta do meu coração, Meu Livro...)”
Zinara abraçou Olívia pela cintura e deslizou lentamente suas mãos pelas costas dela. Seus lábios se devoravam e as línguas dançavam juntas em total entrega.
--Arraib layyi, Shamash... (Fique perto de mim, Meu Sol...) -- sussurrou no ouvido da loura -- Habibi, khaleek haddi... (Querida, fique do meu lado...)
--Esse teu idioma me deixa louca... -- beijou-a novamente
A professora guiou a morena para seu quarto, sem interromper o beijo, lentamente livrando-a daquela blusa molhada e do sutiã. Zinara deixou-se despir sem receios ou quaisquer pudores. Confiava na mulher que era o sol de sua vida.
“Quando você chegar,
Tira essa roupa molhada,
Quero ser a toalha,
E o seu cobertor...”
Chegando no quarto, a morena tirou os próprios sapatos com os pés e sentiu as mãos delicadas da outra abrindo o botão de sua calça.
--Posso? -- a loura pediu timidamente
“Quando você chegar,
Mando a saudade sair,
Vai trovejar, vai cair,
Um temporal de amor...”
Sem responder, a jovem cobriu as mãos da professora com as suas e ambas empurraram o cós da calça para baixo.
--Eu não sei como fazer... -- disse para Zinara -- Nunca estive com uma mulher e só tive um único homem... -- acariciava os ombros dela -- Mas eu queria tanto...
“Doida pra sentir seu cheiro,
Doida pra sentir seu gosto,
Louca pra beijar seu beijo,
Matar a saudade,
Esse meu desejo...”
--Eu nunca qui tive ninguém, mas quero a professora pra minha vida toda... -- colou testa com testa
--Ai, minha linda! -- derramou uma lágrima -- Eu te amo, meu bem! -- segurou o rosto dela -- Tira minha roupa e faz amor comigo! -- beijou-a mais uma vez
“Vê se não demora muito,
Coração tá reclamando,
Traga logo o seu carinho,
Tô aqui sozinha,
Tô te esperando...”
Titubeante, a jovem deslizou as mãos para o laço amarrado à cintura da loura e o desatou, abrindo-lhe o roupão. Olívia empurrou-a para que se sentasse na cama e deixou que o tecido lhe deslizasse pelo corpo até cair no chão. Zinara segurou-a pela cintura e delicadamente deitou-a na cama, cobrindo-lhe o corpo com o seu. A pele quente da mulher mais velha entrou em contato íntimo com a pele gelada de sua aluna, provocando sensações novas e muito bem vindas. Frio e calor se equilibravam e elas se perdiam em beijos ardentes, mordidas, toques ousados e muitos carinhos.
“Quando você chegar,
Tira essa roupa molhada,
Quero ser a toalha,
E o seu cobertor...”
Guiada por nada mais que o instinto, Zinara seguiu beijando e lambendo o corpo de sua amada, alcançando os seios que lhe pediam carícias. Ouviu a professora gem*r bem alto ao mordiscar seu mamilo e sentiu suas unhas arranhando-lhe os ombros.
--Ai, amor... -- fechou os olhos
“Quando você chegar,
Mando a saudade sair,
Vai trovejar, vai cair,
Um temporal de amor...”
Adaptação da música interpretada por Leandro & Leonardo - Temporal de Amor [d]
Zinara e Olívia amaram-se com cuidado, mas com intensidade, sem medos, preconceitos ou restrições. Estavam se descobrindo, se encontrando, buscando o amor em outra forma de expressão. Não se consideravam pecadoras ou indignas. Viam-se como o que realmente eram: mulheres apaixonadas.”
--Quando você chegar, tira essa roupa molhaaada... -- Cristina cantava escandalosamente no avião -- Quero ser a toalha, e o seu cobertor, ai, ai, ai... -- apertava os próprios seios -- Quando você chegar, mando a saudade sair, meu Pai!!! -- balançava a cabeça como Steve Wonder -- Vai trovejar, vai caiiir, diz aí! -- levantou os braços -- Um temporal de amor...
--Ô, Cristina, dá pra parar com isso? -- pediu envergonhada -- Tá todo mundo olhando, viu, fi?
--Ai, professora, é muita emoção! -- segurou as mãos da astrônoma -- Que história linda!! Depois de intrigas, de uma perseguição cinematográfica e de uma escalada arriscadíssima, você e seu homem finalmente viveram um amor alucinante debaixo de lençóis macios! -- sorria embevecida -- Enquanto isso, um temporal medonho arrasava o mundo do lado de fora! -- suspirou -- Era o couro comendo no quarto e a chuva comendo na rua!
--Ô, menina! -- ralhou de cara feia
--Com todo respeito, é claro! -- sorriu envergonhada
Zinara acabou achando graça. “Imagine o que ela faria se soubesse que na verdade era uma professora e eu, ao contrário de um professor!” -- pensou divertida
--Nunca na história desse país um relato de amor mexeu tanto comigo, Ave Maria. -- cruzou as pernas -- A periquita ficou doida! -- cochichou
A morena riu. -- A dona dela é mais doida ainda, né? -- balançou a cabeça negativamente
--Mas e depois disso? Vocês ficaram juntos?
--Sim. Até os últimos dias da vida dele. -- respondeu saudosamente
--Agora eu entendo porque você não casa! Depois de viver um amor desses a pessoa fica exigente. -- concluiu -- Sei como é!
--Ah, sabe... -- achava graça
--Que história linda! -- suspirou com a mão no peito -- Mas, sabe... -- olhou para a professora -- Você podia ter morrido, se machucado... Podia ter sido presa... Já pensou?
--Pois é! Não recomendo que ninguém siga meu exemplo. -- pausou brevemente -- No entanto, quanto a ser presa, eu já fui várias vezes. Mas todas em nome da ciência!
--Jura?? -- arregalou os olhos -- Por que??
--Na maioria das vezes por estar trepada em telhado alheio vendo as estrelas, tirando fotos do céu ou desenhando cartas celestes. E em algumas outras por causa de meus experimentos loucos. -- passou a mão nos cabelos -- Imagine você que uma vez construí um pequeno foguete, pense! -- riu brevemente -- Foi uma fumaceira dos diabos!
--Hahahahaha! -- riu também -- Eu fui presa só uma vez, mas também foi em nome da ciência! -- contava -- Roubei uma bolsa da Igor Lugo no shopping e fui parar no xilindró!
--E cadê a ciência nisso, uai? -- não entendeu
--Ah, professora, já viu o preço daquelas bolsas? A mais barata não sai por menos de mil e quinhentos reales! -- falou como quem diz o óbvio -- Tinha que roubar uma pra pesquisar e descobrir porque são tão caras!
Zinara não comentou o fato e ficou olhando para o rosto de Cristina. “Essa aí é mais doida que eu! Muito mais!” -- pensou
Capítulo 45 – Filhos
Amina e Raed conversavam sobre os filhos.
--E aí Nagibe si revortô purque Ahmed foi atrás deli modi pidí dinhêro pru casório, num sabi? -- o homem contou -- Cid falô qui num vai dá nem um tustão!
--Ahmed qué fazê festança as custa dus ôtro! A bem da verdade, quando Nagibe e Cid si casaro elis num pidiru ajuda pru irmão! -- Amina dava razão aos outros filhos --Aí fica uma situação chata pur dimais da conta, uai!
--Eli qué purque qué qui eu pague um dinhêro modi a festança pudê acunticê. Além do mais qui o pai di Catiúcia tá butando dinhêro também... -- olhava para a esposa -- Inté pra Najla eli foi pidí uns troco!
--Eu sei. -- balançou a cabeça -- Najla dissi qui ela num podi, mas qui Aisha vai dá uma ajuda; o tantinho qui ela e a muié tem pra dá, num sabi?
--Aisha, comu sempri, uma boa minina... -- sorriu
--E ocê? Vai pagá o qui Ahmed pedi? -- perguntou desconfiada
--Num tenhu o dinhêro qui eli qué, mas eu pudia ajudá... Pudia sê um incintivu pra eli mudá di vida! -- respondeu pensativo -- Inda tô matutandu... -- cruzou os braços
--E falando im matutá, Zinara já vortô pra casa. Vamo pra lá cumigo? -- insistiu no velho assunto -- Ô inda tá cum medu?
--Amina, eu tive matutandu sobri issu também... -- debruçou-se na mesa -- Ocê sabi qui eu inté fiz uma promessa, num sabi?
--Mas e intão? -- queria saber o que o marido diria
--Tive umas idéia e quiria sabê o qui ocê acha!
--E quar é as idéia?
Raed explicou o que lhe vinha à mente.
--Hum... -- coçou o queixo pensativa -- Sabi qui é uma idéia danada di boa? -- concordou -- Dipois vô ligá pra nossa fia e dizê isso a ela.
--Será qui ela vai concordá? -- perguntou receoso
--E ai dela qui num concordi! -- respondeu decidida -- Quem manda nessa famia aqui, sô eu! -- deu um tapa na mesa
--Ave Maria...
Capítulo 46 – Mais Um Pouco Sobre Olívia
Zinara e Cláudia conversaram sobre a retomada do tratamento e marcaram datas para as novas sessões. Resolvido isso, a médica quis saber mais sobre sua amiga e perguntou sobre o congresso mundial e a ida para São Sebastião. Ficou feliz com o que ouviu.
--Hum, então quer dizer que você e Clarice se acertaram? -- debruçou-se sobre a mesa -- Desde o começo eu disse que ELA sim era mulher pra você e não aquela DOIDA da Jamila!
Achou graça. -- Não estamos namorando ainda, mas... -- sorriu encabulada -- Ela disse que me espera!
--Te espera? -- não entendeu -- Te espera fazer o que?
--Resolver uns trem que eu tenho que resolver. -- não queria entrar em detalhes -- Mas seja como for, penso em apresentá-la a usritii (minha família). -- cruzou as pernas -- E pra maama eu vou contar toda verdade. -- esfregou as mãos nervosamente -- Só ainda estudo em como fazer isso, porque nunca apresentei ninguém declaradamente pra ela!
--Jamila nunca foi na roça contigo? -- perguntou surpreendida -- Nem Grazi?
--Grazi tinha um medo danado de dar bandeira, daí nunca quis ir comigo. -- achou graça ao lembrar da ex -- Jamila foi só uma vez, mas foi como amiga. E ela é muito urbana pra gostar de roça, não quis saber de voltar outras vezes. -- explicou -- E além dela, somente minha Shamash... -- sorriu
--Sua primeira mulher, né? -- lembrava-se das histórias da amiga
--Aliás, foi graças a ela que eu pude voltar a freqüentar a casa de usritii. -- mirou um ponto no infinito -- Maama e baba sempre respeitaram muito os professores, e quando ela foi lá comigo e intercedeu a meu favor, tudo mudou...
--Mas eles não sabiam que vocês...?
--Claro que não, né? -- riu -- Pense numa situação dessa! -- passou a mão nos cabelos -- Mesmo hoje, burra velha, eu tô aqui pensando como vou falar pra maama, faz idéia naquela época!
--Mas conta aí, como foi isso? -- ficou curiosa -- Não tenho mais ninguém pra atender hoje, meu marido foi levar nossa filha na minha sogra... -- sorriu -- Tô com tempo e cheia de curiosidade, porque isso você nunca me contou!
--Ah... -- esfregou as mãos nas pernas -- Eu já morava com ela e fazia quase três anos que não aparecia na roça. Baba me proibiu, eu prometi que não voltaria mais e aí era aquela coisa... -- lembrava -- Escrevi várias cartas pra Khaled, mas ele nunca respondeu nenhuma. Ficava sem saber o que esperar. -- olhou para Cláudia -- Aí Shamash me convenceu de que já havíamos perdido tempo demais e que era hora de recomeçar. Então, quando chegaram as férias de dezembro, lá fomos nós pra roça.
--Deve ter dado um frio na barriga, né?
--Ô, se deu! -- concordou -- Chegando lá, fiquei do lado de fora e ela entrou na casa. No entanto, podia ouvir tudo muito bem... -- viajou no tempo mais uma vez
“--Bom dia. -- Olívia bateu no portal da porta da cozinha -- Será que eu poderia?
--Faz favor. -- deixou entrar -- E a sinhora quem é? -- Amina perguntou curiosa
O coração de Zinara acelerou ao ouvir a voz da mãe.
--Meu nome é Olívia e eu sou professora de Zinara. -- apresentou-se -- Queria falar com a senhora e teu marido sobre ela.
--Ô, meu Pai, uma muié dessa na minha casa e eu tô toda disgrenhada... -- ficou envergonhada
--Não fica assim, querida. -- pediu -- Pra mim a senhora tá ótima. -- sorriu
--E Zinara? -- Amina se emocionou -- Cadê minha fia?? Cumé qui vai ela? Tá cum saúdi, tá cumendu bem? -- perguntou com lágrimas nos olhos
--Ela está lá fora, esperando permissão pra entrar. -- respondeu calmamente -- Vim na frente pra conversar com a família.
A mulher correu para a porta e viu a filha no quintal. -- Minha fia...
--Por que não vai abraçá-la? -- sugeriu sorridente -- Afinal de contas, teu marido proibiu Zinara de entrar aqui, mas não proibiu a senhora de sair.
Sem pensar duas vezes, Amina correu para o quintal e lançou-se nos braços da filha.
--Minha minina!! -- chorava emocionada -- Ô, minha fia... -- soluçava
--Maama... -- chorava também -- Sua bênção!
--Rahimaka Allah, habibi! (Deus te abençoe, querida!) -- segurou o rosto dela e beijou-lhe a testa
--Qui falatório é esse aqui? -- Raed entrou na cozinha desconfiado -- Uai? -- surpreendeu-se ao ver Olívia -- Sua graça, sinhora? -- perguntou intrigado
--Sou professora de sua filha Zinara, senhor Raed. Meu nome é Olívia. -- apresentou-se
--Eita! -- abaixou a cabeça -- Meu respeitu pela sinhora! -- saudou com as mãos postas
--Fica à vontade, porque a casa é tua e eu que devo demonstrar meu respeito. -- imitou a saudação dele -- Tua filha tá lá fora com tua esposa. -- indicou a saída -- Não desejas vê-la?
Fez cara feia. -- Zinara saiu daqui muito mar. -- encostou-se na pia e cruzou os braços -- Mi distratô, gritô cumigu, passô pur cima di minha otoridade di homi... -- queixava-se
--Coisa de jovem, senhor Raed. -- aproximou-se dele com cuidado -- E ela saiu daqui pra estudar, não foi pra bagunça. -- tentava ajudar a morena -- Posso garantir que ela terminou o terceiro ano muito bem, nunca reprovou matéria alguma, tira sempre as notas mais altas e é um amor de guria!
--Verdadi? -- olhou para ela emocionado
--Ela não tem vícios, não bebe, não fuma... E ainda trabalha como monitora de várias matérias. -- pensou em se explicar melhor -- Ela ensina as coisas aos outros alunos e ganha um dinheirinho como salário. Somente os jovens mais inteligentes é que podem fazer isso!
--E num é? -- sorriu orgulhoso
--Por que o senhor não deixa o passado de lado e permite que ela entre em casa? -- pediu com brandura -- Não é de hoje que ela se queixa que morre de saudades da família!
--Ela diz issu?? -- surpreendeu-se
--Diz sim. Tem minha palavra! -- falava a verdade -- Abaixo de Deus e do nome de meus ancestrais! -- repetiu o modo como Zinara jurava
--Ah, intão... -- pensava -- Cumé a sinhora qui tá dizendu e a sinhora é professora... Eu dêxu. -- aproximou-se da porta -- Zinara, muié! -- chamou as duas -- Podi entrá qui eu dêxo!
Olívia sorriu orgulhosa e Zinara entrou na cozinha de braços dados com a mãe.
--Sua benção. -- pediu receosa
Raed permaneceu mudo.
--Vá bejá a mão deli, menina! -- Amina pediu aos sussurros
A moça se aproximou receosa e beijou a mão do pai. --Sua benção... baba. -- pediu mais uma vez
--Rahimaka Allah... (Deus te abençoe...) -- pôs a outra mão sobre a cabeça dela -- bintii. (minha filha.)
***
Zinara, Amina, Raed e Olívia estavam sentados à mesa. Aguardavam a chegada de Khaled com os irmãos mais jovens.
--É só o tempu dus minino chegá qui eu ponho o armoço, viu, professora? -- Amina se justificava -- É qui us menó tão fazendu caticismu e Khaled foi na igreja módi buscá elis, num sabi?
--Tudo bem, querida, não tem problema! -- sorriu para ela
--Deixa eu te contar, que tô morrendo de saudade de meus irmãos! -- Zinara comentou empolgada -- Escrevi tanta carta pro danado do Khaled e ele nunca que me respondeu!
--Num respondeu porque seu irmão tem muitos problema, fia. -- Amina esclareceu -- Quando prosiá cum eli ocê vai sabê!
--Teu sutaqui tá mudado! -- Raed comentou -- Quasi num fala mais iguar nóis! -- recriminou
--Ela sempre falô mais certu qui nóis, zogii (meu marido). -- disse em voz baixa
--São quase três anos em outra cidade, baba. A fala da pessoa muda. -- respondeu simplesmente
--Eu vô fazê uma pergunta e ocê vai respundê aqui dianti di mim, di tua maama e di tua professora! -- deu um soco na mesa -- Ocê anda di chamêgu cum homi na cidadi grandi, Zinara? Respondi oiandu nus meus zóio! -- ordenou
Amina morreu de vergonha.
--Juro que não! -- afirmou convicta -- Wallahi! (Eu juro!) Abaixo de Deus e do nome de meus ancestrais! -- olhava nos olhos do pai -- "Com homem, não!” -- pensou
--É verdadi, professora? -- olhou para Olívia
--Eu não estou do lado dela o tempo inteiro, senhor Raed, mas acredito no que Zinara diz. -- olhou para a jovem -- Ela não vive de chamego... com homem.
A morena teve vontade de rir.”
Cláudia riu gostosamente. -- Que sacanagem! -- balançou a cabeça -- Você e uma professora respeitável enganando seus pais!
--Enganando nada! -- protestou -- Ele perguntou se eu andava de chamego com HOMEM! E com homem, nunca andei de chamego mesmo! -- gesticulou -- Meu juramento foi verdadeiro!
--Se perguntasse de mulher, né? -- piscou para a amiga -- Aí é que o barraco desabava...
--E graças a Deus, isso aí ele nunca me perguntou!
--Caipira safada... -- achava graça
Capítulo 47 – Recomeço
Clarice chamava por Salete, que apareceu desconfiada na janela.
--Quem é você? -- franziu a testa -- O que quer comigo? Te conheço?
--Boa tarde, querida. -- cumprimentou educadamente -- Sou uma amiga de Zinara. Gostaria muito de lhe falar rapidamente.
--Amiga? -- perguntou desconfiada -- Sei...
--Não quero entrar, só gostaria que você viesse aqui no portão e pegasse algo que tenho pra lhe dar. -- mostrou uma folha de papel dobrada ao meio -- Por favor. -- pediu
--Humpf! -- fez um bico e fechou a janela
--Seria isso sim ou não? -- Clarice intrigou-se
Segundos depois, Salete aproximava-se do portão olhando para a outra de cima a baixo.
“Criaturinha simpática...” -- pensou
--O que tem pra me dar? Não me diga que é cartinha da enviada de Satã? -- levantou as mãos -- Queima, Pai! Repreende!
--Na verdade... -- ignorou o comentário -- eu anotei aqui os telefones de seu pai e os de Zinara. -- estendeu o papel e a outra recebeu titubeante -- Se desejar ligar pra um ou pra outro, terá como fazer isso.
--E por que eu faria uma idiotice dessas? -- perguntou de cara feia
--Porque você tem uma filha. -- respondeu mansamente -- Não pode ser tão egoísta a ponto de privá-la de uma vida melhor com ajuda do avô, simplesmente por causa de coisas que deveriam ter ficado no passado.
--Quem você pensa que é pra...?
--E porque ainda tenho esperança que o Rabi toque seu coração! -- interrompeu-a com educação -- Com licença. -- despediu-se com um gesto de cabeça e foi embora
Salete ficou sem saber o que fazer, paralisada com o papel na mão.
“Senhor, meu Deus de bondade,” -- Clarice orava -- "toca o coração dessa mulher para que ela se decida pelo mais certo a fazer. Humildemente Lhe suplico!”
***
--E então é isso, pastor Luis. -- Salete desabafava com o homem -- Minha filha me viu chorando e, mesmo sem saber por qual motivo, me disse pra vir me aconselhar com o senhor e eu vim. -- secou os olhos com as mãos -- Essa é toda a história de minha vida, não lhe escondi nada... -- olhou para ele -- Desde que Zinara veio me procurar não sei o que fazer... Ela me perturbou, me aborreceu, mas me fez pensar em coisas que eu já tinha tirado totalmente da minha cabeça...
--Será mesmo que tinha tirado? -- perguntou mansamente -- Jamais poderá remover da mente ou do coração a lembrança de seus pais, minha irmã.
Salete abaixou a cabeça.
--Você cometeu muitos erros, de fato abandonou seus pais, e colheu os frutos de sua semeadura. -- falava sem acusar -- Não teve muita sorte com seu ex companheiro, tem um emprego humilde, luta com dificuldade... Mas em meio a tudo isso, Deus permitiu que sua filha fosse um alento para seu coração sofrido.
--Consagrada ao Senhor! -- levantou as mãos para o céu -- Aleluia!
Luis pensou um pouco antes de comentar. -- Eu não deveria dizer isso, mas acho que pastor Salomão ensinou vocês a louvar a Deus de forma equivocada. -- tentava não chocá-la -- Deus não quer gestos espalhafatosos, palavras especiais ou uma forma particular de falar ou se vestir. Deus quer um coração limpo, verdadeiro, puro e uma alma sedenta por se libertar.
--Libertar de que?
--Das mágoas, das tristezas, dos rancores... -- segurou as mãos dela -- Deus quer que você seja feliz, que perdoe seus pais, que perdoe Zinara e a mulher com quem seu pai se casou, que perdoe seu ex companheiro e que perdoe a si mesma! -- falava com sentimento -- Deus quer que você não julgue, que respeite as escolhas alheias e que não esqueça que a Perfeição reside somente nEle e em ninguém mais que viva neste mundo que conhecemos! -- aconselhava -- Se não consegue entender porque sua mãe, ou seja lá quem for, é homossexual, fique em silêncio. O Rabi assim permaneceu enquanto uma pobre mulher era apedrejada! -- recordava um trecho bíblico -- E quando finalmente abriu a boca, foi para dizer que aquele que estivesse isento de pecado que fosse o primeiro a atirar uma pedra. Assim está escrito em João, 8:7!
--Atirei muitas pedras... -- confessou chorosa
--Então é hora lançar flores!
--Tirei meu pai de minha vida... -- derramou uma lágrima
--E tem a chance de trazê-lo de volta! -- argumentou
--Abandonei minha mãe... -- chorava -- Nunca mais quis vê-la desde que ela me confessou o amor por Zinara... -- soluçava -- Como me dói, pastor! Como me dói...
--Peça perdão a Deus e procura teu pai, minha irmã! Peça perdão a ele! -- emocionou-se também -- E seja a melhor mãe que puder para sua filha!
--Expulsei Zinara do apartamento quando mamãe morreu, e o vendi por qualquer dinheiro! -- confessou -- Dinheiro esse que gastei com festas, drogas e muitos escândalos... -- chorava
--Peça perdão a essa irmã e ensine tua filha a valorizar os recursos que venha a ter, bem como a se manter longe das tentações!
--Eu sou um monstro...
--Não é! -- segurou o rosto dela -- Você é filha de Deus! Sua imagem e semelhança! Portanto não pode ser um monstro!
--Perdão, Senhor!! -- chorava -- Perdão!!
--Ajoelha, minha irmã! Vamos orar! -- pediu e ela obedeceu -- Oh, meu Deus, meu Senhor, Pai Amado, Luz da vida dos homens e mulheres de boa vontade! -- clamava com os olhos fechados -- Abençoa nossa amada irmã Salete, perdoa os pecados dela, ilumina os caminhos para que ela possa seguir e nunca mais se perder! -- pedia com fé -- Imploro que todos os irmãos a quem ela deve pedir perdão concedam a ela a graça dessa dádiva bendita que é o esquecimento de todo mal e de toda dor! Imploro para que ela se perdoe e recomece uma nova vida de amor, paz, sabedoria, fé e muita luz! E imploro para que a mãe dela, repousando no paraíso como se encontra, saiba de alguma forma, que essa irmã que se humilha diante de Ti, nova criatura é! Aleluia, glória Deus!
--Aleluia, Senhor! -- Salete gritava -- Glória Deus, bendito seja Teu nome para todo sempre, amém!
--Amém! -- Luis falou
***
Zinara passeava na praça com uma das idosas do asilo que costumava a visitar. Empurrava sua cadeira de rodas e se surpreendeu ao perceber que o canteiro estava cheio de flores.
--Veja, dona Arlete. -- mostrou ao parar de caminhar -- O canteiro tá lindo, cheio de florzinha colorida! -- sorriu
--E num é, menina? -- concordou -- Bonito mesmo!
--Eu nunca vi isso aqui na cidade. -- comentou -- Em Gyn tem muitas praças bonitas e é comum vê-las floridas, mas aqui em Cidade Restinga é a primeira vez que vejo!
--E em pleno começo de julho, né? Se ainda fosse perto do final do ano, podia pensar que era pra embelezar pro natal. -- olhou para Zinara -- Será que é porque o Papa vem aí?
Achou graça. -- O Papa não vem aqui, dona Arlete. -- deu um beijo na testa dela
--Ah, mas vai ver o prefeito fez pensando nele. Sabe como é político!
--É, eu sei... -- concordou e olhou para o canteiro -- Sabe...? Há bons anos atrás, eu empurrava a cadeira de rodas de uma pessoa que era muito amada, e na praça onde nós estávamos havia um canteiro bonito assim. Só que as flores eram azaléias cor de rosa. -- lembrava -- Formavam uma alameda como essa aqui. -- apontou -- Só que maior e mais larga. Árvores de um lado a outro... -- sorriu -- Eu me senti de volta ao passado quando vi esse canteiro!
--E esse lugar era em Gyn? -- perguntou curiosa
--Era... -- respondeu saudosa -- "E a pessoa era Shamash...” -- pensou emocionada
--E o que vocês fizeram? -- queria saber
--Ela se encantou com as flores e desejou correr de braços abertos pela alameda, só que já não tinha mais forças... -- lembrava
“--Eu queria tanto poder correr no meio das flores... -- Olívia desejou -- Adoro flores e nunca vi essa praça tão linda como vejo hoje!
--Posso empinar a cadeira pra trás e correr te empurrando com apenas as rodas grandes tocando no chão. -- ofereceu sorridente -- Juro que não te deixo cair!
--Seria muito esforço pra você, meu bem! -- respondeu de pronto
--E desde quando caipira faz corpo mole? -- brincou -- Se confiar em mim...
--Confiar em você? -- sorriu -- Sempre! -- afirmou convicta”
--E aí eu corri com ela no meio das flores, dona Arlete. -- seus olhos marejaram -- Foi um dos momentos mais lindos e singelos da minha vida!
--Tu viajasse no tempo, não foi, menina? -- a idosa perguntou -- Sei bem como é isso. Todo velho sabe. -- pausou brevemente -- Se quiser viver isso de novo, empina minha cadeira e corre!
--Uai? -- espantou-se com o que ouviu -- Sério?
--A menos que a caipira agora dê pra fazer corpo mole. -- brincou
--Ah, mas isso nunca! -- respondeu bem humorada ao empinar a cadeira -- Prepare-se, dona Arlete! Vamo simbora! -- respirou fundo -- Uhuu! -- começou a correr
Imediatamente, sentiu-se mais uma vez em dezembro de 1998.
“Porque se chamava moça,
Também se chamava estrada,
Viagem de ventania,
Nem lembra se olhou pra trás ao primeiro passo, aço, aço...”
--AHAHAHAHAH!!!!! -- Olívia sorria de braços abertos. O lenço nos cabelos mexia suas pontas ao sabor do vento
Zinara cruzava a alameda correndo e empurrando a cadeira. Fazia força, tinha cuidado e sentia-se feliz por proporcionar uma pequena alegria à mulher que amava.
“Também se chamavam sonhos,
E sonhos não envelhecem,
Em meio a tantos gases lacrimogênios,
Ficam calmos, calmos...”
Como se revivesse Olívia, Arlete abriu os braços e gritou extasiada: -- AHAHAHAHAH!!!!
“E lá se vai, mais um diaaa...”
Assim como no passado, Zinara derramava algumas lágrimas.
“E basta contar compasso,
E basta contar consigo,
Que a chama não tem pavio,
De tudo se faz canção e o coração,
Na curva de um rio, rio, rio, rio...”
--EU TE AMO, SHAMASH!! -- a jovem Zinara gritou emocionada
“E lá se vai, mais um dia...”
--EU TE AMO, ZINARA!!! -- Olívia gritou igualmente emocionada
“E o rio de asfalto e gente,
Entorna pelas ladeiras,
Entope o meio-fio,
Esquina mais de um milhão quero ver então,
A gente, gente, gente...”
--Corre, Zinara!!! -- Arlete estimulava animada -- AHAHAH!
“E lá se vai, mais um dia...”
Flávio Venturini – Clube da Esquina II [e]
A astrônoma não respondeu, apenas corria com o máximo de cuidado. Seu corpo já não tinha a mesma saúde e suas forças já não eram tão ‘fortes’, mas apesar de tudo, seu coração era o mesmo romântico de todas as épocas e o que ele sentia naquele momento era saudade.
***
Salete aguardava ansiosamente que alguém atendesse do outro lado. Lis estava sentada de frente para ela, aguardando da mesma forma.
--Alô? -- a voz de um homem se fez ouvir
--Pai? -- perguntou com voz trêmula
--Filha!! -- ele se emocionou -- Ah, meu bem, eu orei tanto, mas tanto pra ouvir sua voz de novo! Espero há anos por essa ligação!!
Lis percebeu que a mãe chorava. -- É o vovô, mãe? -- perguntou curiosa
--Eu tô aqui com minha filha. -- segurou a mão da menina -- Quer falar com ela, pai? -- deu um sorriso emocionado
--É tudo que eu quero, meu amor! Falar com você e com ela é tudo que eu quero! -- respondeu de pronto
--É o vovô! -- entregou o telefone a menina
--Ih, que legal! -- ficou animada -- Oi, vovô! Meu nome é Lis, eu tenho sete anos, tô na segunda série e sou a melhor aluna da turma! E eu bem sou cristã! Até leio a Bíblia um monte de vezes lá no culto e o pastor é meu fã!
--Nossa, que maravilha! -- o homem achou graça -- É muito orgulho pra mim!
Salete olhava para a filha e sentia-se feliz em vê-la conversando com o avô como se já se conhecessem há tempos. Rosto banhado em lágrimas, sentia de verdade em seu coração que dali para frente suas vidas mudariam por completo. E para melhor.
--Obrigado, Senhor. -- agradeceu em voz baixa -- Obrigada, Zinara.
***
Salete descia o morro para ir trabalhar, só que ao contrário do que vinha sendo nos últimos anos, fazia isso com um sorriso no rosto. Estava pronta para pedir demissão e aquele seria seu último dia na loja. Dentro de pouco tempo ela e a filha se mudariam para Gyn, onde viveriam com seu pai, um viúvo idoso e solitário.
Perdida em sonhos e planos para o futuro de Lis, foi desperta por uma conhecida e saudosa canção.
“Não deixa o samba morrer...”
“Mamãe adorava essa música.” -- lembrou
“Não deixa oooo samba acabar...”
Desviou o caminho e seguiu até o bar onde a música tocava.
“O morro foi feito de samba,
De samba para gente sambar...”
--Quando eu não puder pisar mais na avenida, -- Salete começou a cantar com os olhos fechados -- quando as minhas pernas não puderem aguentar... -- era seu modo de homenagear Olívia -- Levar meu corpo, junto com meu samba, o meu anel de bamba, entrego a quem mereça usar...
Os homens do bar não entenderam e ficaram surpresos olhando para ela.
--Quando eu não puder pisar mais na avenida, -- Salete cantava desejando que Olívia ouvisse -- quando as minhas pernas não puderem aguentar, levar meu corpo, junto com meu samba, o meu anel de bamba, entrego a quem mereça usar...
Ela não sabia que há anos atrás, Zinara cantou aquela mesma canção no enterro de Shamash.
--Eu vou ficar, no meio do povo, espiando, minha escola perdendo ou ganhando, mais um carnaval... -- a jovem Zinara cantava no passado -- Antes de me despedir, deixo à alquimista mais nova... -- adaptou a música para elas -- O meu pedido final...
--Antes de me despedir, deixo ao sambista mais novo... -- Salete cantava -- O meu pedido final...
“Não deixa o samba morrer,
Não deixa o samba acabar,
O morro foi feito de samba,
De samba para gente sambar...”
A loura visualizava o rosto da mãe em sua mente.
“Não deixa o samba morrer,
Não deixa o samba acabar,
O morro foi feito de samba,
De samba para gente sambar...”
Zinara corria alucidamente em sua bicicleta, no esplendor de seus 23 anos, arremessando flores pelas ruas de Gyn. Bombas voltaram a explodir.
--Quando eu não puder pisar mais na avenida... -- Salete quase não conseguia mais cantar -- Quando as minhas pernas não puderem aguentar, levar meu corpo, junto com meu samba... -- começou a chorar
--O meu anel de bamba, entrego a quem mereça usar... -- um dos homens do bar cantou para dar força
“Quando eu não puder pisar mais na avenida,
Quando as minhas pernas não puderem aguentar,
Levar meu corpo,
Junto com meu samba,
O meu anel de bamba,
Entrego a quem mereça usar...”
--Eu vou ficar, no meio do povo, espiando, minha escola perdendo ou ganhando, mais um carnaval... -- e no passado, pessoas cantavam no enterro de Olívia
“Antes de me despedir,
Deixo ao sambista mais novo,
O meu pedido final...”
Salete encostou-se na parede e abraçou-se consigo mesma.
“Antes de me despedir,
Deixo ao sambista mais novo,
O meu pedido final...”
--Não deixa o samba morrer, não deixa o samba acabar, o morro foi feito de samba,
de samba para gente sambar... -- todos os homens do bar cantavam
E o dono do boteco não entendia a reação de Salete.
“Não deixa o samba morrer,
Não deixa o samba acabar,
O morro foi feito de samba,
De samba para gente sambar...”
Alcione – Não Deixe o Samba Morrer [f]
--Não deixa o samba morrer, não deixa o samba acabar... -- Salete voltou a cantar -- o morro foi feito de samba, de samba para gente sambar... -- chorava
--Aleluia! -- o dono do bar gritou, sem saber o que dizer
CAPÍTULO 48 – Notícias Bestificantes
Zinara conversava ao telefone com a mãe.
--E nóis já prosiemu um bucado, mas cabô qui inda num falei o mais importante! -- Amina dizia -- Si prepara aí qui teu pai qué í pra São Sebastião módi vê o Papa! -- anunciou sem rodeios
--Choo?? (O que??) -- perguntou em choque -- Mas, maama, ya sayyida me diz isso assim, em cima da hora? Passagem aérea pra lá vai tá uma fortuna!
--Ocê vai di avião! Raed e eu vamo di ônibu pra incontrá cuntigu lá. -- respondeu de pronto -- É só ocê í pegá nóis nas rodoviária!
--E se hospedar aonde, maama? -- estava preocupada -- Eu tô de licença, não posso ficar gastando dinheiro assim! -- argumentou -- De mais a mais, vai ser uma dificuldade encontrar hotel! Vai ter gente do mundo todo em São Sebastião!
--Ocê num acha uns raio di umas istrelinha piquena pur dimais da conta nus espaçu? Pois há di dá teu jeitu módi incontrá hoter pra nóis também!
--Mas maama...
--Num tem mais maama, nem menus maama! -- respondeu com decisão -- Trati di arrumá solução purque si teu pai qué vê o Papa, eli vai vê Papa!
“Oh, Aba, me defenda...” -- Zinara pensou agoniada -- Que baba queira ver o Papa eu até entendo, porque ele nunca deixou de ser católico, mas a senhora dando força pra uma loucura dessas? Desde quando liga pra isso? -- não entendia
--Mas eu num queru vê Papa, não, uai! Queru aproveitá qui vô pra São Sebastião módi vê é ôtra pessoa!
--Quer ver quem? -- perguntou com medo
--Catitta: a fanquêra féchio! -- respondeu convicta
Zinara perdeu a fala.
--Fia? -- chamou desconfiada
--Tô aqui... -- estava abestalhada -- Mas, maama... Ya sayyida não era fã de Norberto Marlo? -- não se conformava -- Por que essa coisa toda com Catitta?
--Acunteci qui eli foi cantá im Dar-ulharb e dipois dissu eu num quis mais sabê di amizadi! -- retrucou -- Traição pió num podia havê!
--Ô, meu Pai... -- lamentou
--Catitta nunca qui vai mi apunhalá pelas costa fazendo show naquela terra mardita!
--Ah, mas com certeza, não! -- achou graça
--E é pur essas e ôtra qui sô fã dela! -- justificou-se -- Prepari, qui agora, é hora, di show di poderosa, laiála, laiála... -- cantava no telefone -- Sorto o som qui vai mi vê, sambandu, pegu os trem qui ocê tá, babandu...
“Oh, Aba, ya sheen theek izziwaya?” (Oh, Meu Pai, o que será de mim?) -- pensou desconsolada
Fim do capítulo
Músicas do Capítulo:
[a] Don’t Stop the Music. Intérprete: 2 Raff. Compositor: sem informações. In: Don’t Stop the Music. Intérprete: 2 Raff. EastWest & Ultraphonic Edition, 1994. 1 CD, faixa 1 (3min15)
[b] What Is Love. Intérprete: Haddaway. Composição: Junior Torello / Dee Dee Halligan. In: The Album (Haddaway Album). Intérprete: Haddaway. Coconut & Arista, 1993. 1 CD, faixa 1 (4min27)
[c] Dreams. Intérprete: 2 Brothers on the 4th Floor. Compositor: Bobby Bower / DJ Gabri Ponte. In: Dreams. Intérprete: 2 Brothers on the 4th Floor. Lowland Records, 1994. 1 CD, faixa 1 (4min25)
[d] Temporal de Amor. Intérpretes: Leandro & Leonardo. Compositor: Cecilio Nena. In: Leandro & Leonardo Vol 6. Intérpretes: Leandro & Leonardo. Chantecler, 1992. 1 CD, faixa 9 (4min04)
[e] Clube da Esquina Nº2. Intérprete: Flavio Venturini. Compositores: Milton Nascimento / Lô Borges / Márcio Borges. In: Noites Com Sol. Intérprete: Flavio Venturini. Velas, 1994. 1 CD, faixa 2 (4min28)
[f] Não Deixe o Samba Morrer. Intérprete: Alcione. Compositores: Edson Conceição / Aloísio Silva. In: A Voz do Samba. Intérprete: Alcione. Phillips, 1975. 1 disco vinil, lado B, faixa 1 (4min30)
Amina cantarola:
Show das Poderosas. Intérprete: Anitta. Compositora: Larissa Machado.
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Joanna
Em: 22/10/2023
Uma história bastante envolvente, momentos dramáticos envoltos por um senso de humor na medida certa.
E como se não bastasse, a troca dos nomes, localizações, fatos, com similaridade, fatos científicos, controversos, um ambiente onde há interferência de interesses econômicos. Enfim, bastante trabalhoso, minucioso. Uma autora comprometida por oferecer muito além de um história.
Profundo o momento de aceitação da Zinara em sua juventude.
Samirao
Em: 27/10/2023
Olá Amore!
Nossa caipira perdeu uma pessoa amada por esses dias e vai demorar um pouquinho a responder. Desculpa vir te xeretar aqui mas só pra te perguntar se vc leu tempus agendi até o final. Depois conta pra gente honey que habibem vai amar saber. Ela esctevr com muito cuidado e carinho pra gente. Boa leitura e beijusss
Solitudine
Em: 11/11/2023
Autora da história
Olá querida Joana! Há quanto tempo!
Fico feliz que esteja lendo o Tao e gostando!
Por favor, não suma, me deixe saber o que tem achado!
Assim como Samira, gostaria de saber o que achou de Tempus Agendi, por gentileza. Se não gostou, pode dizer também. Sem problemas!
Beijos e volte logo!
Sol
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Samirao
Em: 07/10/2023
Eu até hoje me perguntei se Salete tomou vergonha huahuahua
Solitudine
Em: 11/11/2023
Autora da história
kkkkkkkkkk Tomara, não?
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Samirao
Em: 03/05/2023
Fechou 555! Agora vem responder habitem huahuahua
Solitudine
Em: 15/05/2023
Autora da história
Pronto, eu vim! kkk
Sua doidinha!
Beijos,
Sol
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Femines666
Em: 16/03/2023
Amei Shamash! Essas mulheres são encantadoras! Seus contos me fazem chorar tantos... mas fazem bem! Lindo!
Resposta do autor:
Que bom!!!!!!!!!!
Obrigada!
Sol
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Seyyed
Em: 19/09/2022
PUTA QUE PARIU! Agente chora com a história de vida do primeiro amor da vida da Zi e tanta coisa bonita difícil que toca lá dentro e aí vem a maama querer ver Catita hahahaja é maravilhoso você é muito foda! Cristina Fred esse povo me diverte hehe e na roça os pingos se colocando nos is. Amei SEM de paixão mas estou amando EBT inda mais!!!
Resposta do autor:
A história de Shamash é bonita, não? Zinara se envolveu de verdade, de corpo e alma! Porém, Deus sabe o tempo de cada pessoa.
Maama e seus gostos te surpreenderam? kkkk A minha maama também gosta dessa funkeira!
Obrigada por seus elogios e empolgação com o conto.
Beijos,
Sol
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Zaha
Em: 27/01/2018
Eu só chorei nesse capitulo! Shamash.... Q lindo!! esse diário mata de emoção. Não sei se sobrevivo relendo....tá forte pra mim! N querote deixar mal...mas voltei c taquicardia...Oh, Aba tá Sheen theek izziwaya? Sinto que me dei mal....kkkk
Beijosss
Resposta do autor:
Creia que escrever o Tao, inclusive o Kitaab, "custa" muito; mas recompensa. Espero que você possa dizer o mesmo ao final!
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Gabi2020
Em: 14/05/2020
Olá Solzinha!
Desde sempre a Zinara se metia em confusão, essa tem talento pra coisa!Kkkkkkk.... Zinara em suas aventuras com o Fred foi impagável e ainda se fez de ceguinha... Kkkkkk... É muita estripulia!
Gente tem não aguento a Sandrinha com seu inglês e mesmo ela falando sério não consigo não rir dessa doida!
Dona Leda tem resposta pra tudo, eita velhinha danada!!
O amor de Zinara por Olívia foi construído aos poucos, o envolvimento delas foi uma das partes mais lindas da história e mesmo que não tenha tido o final feliz, foi lindo de ler a história delas.
Clarice sempre tão compreensiva com a Zinara, como já disse e vou dizer mais cem vezes, fofo!
E lá vem a Cristina... Kkkkkkkk... Ela e os ãos... Kkkkkkk...Quer dizer agora é inho, Juninho.
"Conta, profe, conta que minha passarinha tá quase assobiando aqui!" Adorooooo essas frases que você inventa... Kkkkkkk... E não que essa caipira é demais mesmo? Sete andares, ô louco, se liga ow!
"--Quando você chegar, tira essa roupa molhaaada... -- Cristina cantava escandalosamente no avião -- Quero ser a toalha, e o seu cobertor, ai, ai, ai... -- apertava os próprios seios -- Quando você chegar, mando a saudade sair, meu Pai!!! -- balançava a cabeça como Steve Wonder -- Vai trovejar, vai caiiir, diz aí! -- levantou os braços -- Um temporal de amor..." Gargalhei aqui... Kkkkkkkk... Minha gata até assutou, acordei a bichinha!
Amina e Raed vivendo o que não viveram, acho bonito essa relação deles nesse momento da vida.
De fato a doce Olívia com seu sotaque maravilhoso foi um sol na vida de Zinara.
Salete encontrou seu caminho, bonitas as palavras do pastor.
Rahimaka Allah
Resposta do autor:
Gabinha!!!
Melhorou da mão?
Como toda caipira, Zinara tem causos para contar. Caipira sem causos é pseudo caipira! rs
Sandrinha tinha um saxão um tanto quanto peculiar! kkk
Olívia foi um bálsamo bem vindo na vida de Zinara. E Clarice tem sido muito compreensiva. Ela é uma pessoa muito boa, apenas insegura demais. E um tanto ansiosa.
Assim como causos, caipiras têm frases peculiares. Do contrário, é pseudo caipira. Prefira as originais! kkkk
Amina e Raed passaram a maior parte da vida no sufoco. Agora que estas fases passaram, eles podem se dar a oportunidade de viver o que antes não podiam.
Salete louvava um Deus de ouvir falar. Agora ela entende e O encontrou.
Beijos.
Sol
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Sem cadastro
Em: 27/01/2018
Eu só chorei nesse capitulo! Shamash.... Q lindo!! esse diário mata de emoção. Não sei se sobrevivo relendo....tá forte pra mim! N querote deixar mal...mas voltei c taquicardia...Oh, Aba tá Sheen theek izziwaya? Sinto que me dei mal....kkkk
Beijosss
Resposta do autor:
Creia que escrever o Tao, inclusive o Kitaab, "custa" muito; mas recompensa. Espero que você possa dizer o mesmo ao final!
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Solitudine Em: 14/06/2024 Autora da história
Kkkkk Essas maamas são terríveis!!
Beijos,
Sol