DESENCONTROS - 1
CAPÍTULO 23 – Oportunidades
O grupo de cientistas estava completo. Após proferir as palavras de ordem e algumas observações importantes, o coordenador da equipe orientou para que os trabalhos fossem iniciados imediatamente. O idioma do evento era a língua dos saxões.
--Mackulloch! -- Zinara interrompeu educadamente -- We should discuss about some subjects before start working. (Nós precisamos discutir sobre alguns assuntos antes de começar a trabalhar.) -- todos olharam para ela -- Otherwise, we’ll loose precious time as it happened two years ago in our last meeting. (Caso contrário, perderemos tempo precioso como aconteceu há dois anos atrás em nossa última reunião.)
--Do que está falando? -- ele perguntou de cara feia
--No nosso último encontro houve muito retrabalho e as equipes não atuaram de forma integrada. -- expunha sua opinião -- Nós tivemos que correr muito para recuperar o tempo perdido e não rendemos tudo que poderíamos. -- olhava para todos -- Ficou muito claro no meu entendimento que nossa metodologia de ação precisa ser mudada.
--Não vejo porque! -- Mackulloch objetou
--She is right! (Ela está certa!) -- Peterson interferiu -- Nosso tempo é caro e precioso, não podemos desperdiçá-lo.
--Este aqui é um grupo de elite. -- Françoise Dellacroix concordava com a astrônoma -- Não podemos trabalhar como um bando de universitários despreparados que têm uma tarefa a entregar ao professor.
Mackulloch respirou fundo e perguntou contrariado: -- E imagino que você tenha uma sugestão para que o grupo trabalhe de modo mais… eficiente. -- olhava para a morena -- O que nos diria? -- seu tom era meio debochado
--Se me permitem. -- levantou-se -- Eu fiquei pensando em como otimizar nosso tempo e acho que seríamos bem mais eficientes se cada um de nós fizéssemos uma palestra sobre as informações que já trazemos conosco e após isso nos dividíssemos em pequenos grupos multidisciplinares, os quais estariam em contato constante para atualizar idéias e confirmar certas percepções. -- começou a escrever os nomes dos pesquisadores no flipchart -- Se nos agrupássemos desta forma, -- indicou -- teríamos mais competências avaliando disciplinas relacionadas e faríamos correlações cruzadas com muito mais propriedade. -- os outros prestavam atenção -- Cada grupo teria um responsável e cada responsável conversaria com o representante dos outros grupos para trocar informações. Havendo dúvidas, todos nos reuniríamos para pensar em conjunto.
(Nota da autora: Flipchart é uma espécie de bloco de papel gigante apoiado em um cavalete de madeira)
--E qual o papel da coordenação nesse modelo perfeito que você concebeu? -- perguntou de cara feia
--Traçar um plano de trabalho com metas, prazos e coordenar reuniões a cada sexta-feira. -- respondeu de pronto -- Afinal de contas, Mackulloch, coordenador não tem que ser chefe, mas líder.
--Humpf! -- o homem fez um bico -- Eu não acho que essa seja uma metodologia válida para nós. O modo como sempre trabalhamos é muito melhor! -- argumentou -- Se tivemos problemas na reunião passada foi um caso pontual. Nos outros encontros isso não aconteceu!
--Porque o volume de dados que tínhamos para analisar no passado era menor! Bem menor! -- Zinara retrucou -- E a complexidade deles também. -- pausou brevemente -- Os tempos são outros, Mackulloch! Nós precisamos evoluir!
--Concordo com Mack. -- Brightman interferiu -- Essa sua proposta é bonita no papel, mas na vida real… -- balançou a cabeça negativamente
--Eu proponho que seja feita uma votação. -- Karim sugeriu -- E que a decisão da maioria seja acatada.
--I agree with Zinara. (Eu concordo com Zinara.) -- Peterson levantou a mão -- Who else? (Quem mais?)
A maioria esmagadora apoiou a proposta da morena. Mackulloch se surpreendeu e não gostou do resultado.
--Se assim é, -- falava com nítido desagrado -- que Zinara seja a coordenadora deste evento. -- olhou para ela -- Eu não quero conduzir um trabalho cuja metodologia não me agrada.
--Se quer assim... Eu coordeno sem problema algum. -- voltou para se sentar -- Mas ainda tem mais um ponto para discussão.
--E o que é dessa vez? -- Kenji Tseyoshi perguntou controlando a impaciência
--O processo de admissão de novos membros precisa ser revisado urgentemente. -- afirmou com firmeza -- Do jeito como está, é injusto e moroso.
--Diz isso porque a doutora Verrier não foi aceita. -- Brightman retrucou -- Não pode querer que todos concordemos com suas sugestões sempre!
--Nem ela e nem o doutor Edgar Zambezi, de Zuid-Afrikans. -- olhava para o homem -- Não temos paleoceanógrafos no grupo, tampouco astrofísicos de neutrinos. Não entendo porque duas pessoas tão competentes e donas de currículos invejáveis não fizeram jus a estar aqui agora!
--A comissão não considerou que a experiência deles é satisfatória. -- Mackulloch respondeu dando o assunto por encerrado
--Então vamos analisar a experiência de todos aqui! -- Zinara insistiu no assunto -- E se todos nós estivermos tão além deles dois eu concordo que continuem de fora. Caso contrário, precisamos revisar os motivos da recusa. -- propôs -- Não quero acreditar que os países de origem fizeram diferença na escolha, porque competência não tem gênero, raça, credo, idade ou bandeira.
--Isso é ridículo! -- Tanja Van Heimer protestou contrariada
--Por que o incômodo? -- a astrônoma perguntou a ela -- Eu não sinto o menor desconforto com isso! Se alguém aqui sente... -- sorriu -- é preocupante, não acha?
Karim controlava-se para não rir da cara de alguns colegas. Estava admirada com astrônoma.
A morena olhou brevemente para a nova colega e percebeu algo diferente naqueles olhos.
“Será que eu tô vendo coisas?” -- pensou ao abaixar a cabeça
***
--Najla, ocê já viu os posti dessa tar di Dona Burduada? -- perguntou para a cunhada enquanto navegava pelo LivrodasFuça -- É cada trem muitu bão!
--Ela é amiga de uma de minhas amigas. -- respondeu -- Eu morro de rir com os posts dela! Sempre verdadeiros e muito engraçados! -- sorriu
--Vô pidi pra sê amiga dela purque gostei dessa muié. -- fez o pedido -- Pronto.
--Agora é só esperar. -- sentou-se perto da outra -- Ai, que hoje o dia foi pesado... Como trabalhei... -- suspirou
--E eu também qui trabaiei pur demais da conta... -- preparou-se para desligar o laptop -- Najla, eu tive matutandu... Assuntandu as idéia aqui na cabeça, num sabi? -- olhou para outra -- Eu num sei o qui vô dizê pra Zinara... qué dizê, eu sei. Mas num sei como...
--Amina, não tente preparar um discurso de véspera. -- aconselhou -- Quando ela voltar, você procura por sua filha e diga aquilo que o coração mandar. Diga aquelas coisas que sempre ficaram guardadas no seu peito e você nunca disse por uma razão ou por outra. -- olhava para a cunhada -- Não tenha medo de ser verdadeira e deixe que Zinara perceba o quanto você a ama e o quanto ela é importante na sua vida!
--Si ela sobessi como eu amo, num duvidaria nunca... -- a mulher gastou uns segundos calada e se levantou. Caminhou até perto da janela e parou olhando para fora. -- Cum o passá dus ano eu mudei tantu, Najla... As idéia da cabeça, o modu di vê as coisa nu mundu... -- pausou brevemente -- Zinara sempri qui falô qui nóis muié num semo pió e nem inferiô aos homi, mas eu demorei tempu modi apercebê issu. -- balançava a cabeça -- Demorei tempu pra tê coragi e pra podê falá o qui eu quiria, o qui eu achava certo... -- riu sozinha -- Fui criada pra sirvi e obedecê, sabi cumé issu? Aprendi a pensá pur mim mesma só dipois di muié feita! -- olhou para a outra -- O exemplu di Zinara, o teu, o di Aisha... Eu ficava pensandu im como qui ocês era e como eu era. As palavra qui minha fia mi dizia... Issu tudo abriu meus óio, mas levei tempu dimais da conta pra dispertá, ocê mi intendi?
--Pensando com muita justiça, vejo que você não levou tempo demais, levou apenas o seu tempo. -- levantou-se e foi até ela -- Reconheço que romper com a cultura que a gente recebe é muito difícil, muito traumático. -- cruzou os braços -- Eu mesma, que fui criada com muito mais liberdade que você, levei tempo pra me acostumar com a sociedade desse país. -- confessou -- Choquei com a liberdade das mulheres daqui, totalmente diferente da liberdade que nós tínhamos em Cedro naqueles anos. E olha que baba era um homem de cabeça aberta!
--Mas Cedro num era só eli, né? Tinha ôtras pessoa qui pensava bem diferente di meu sogru. -- gesticulava -- Óia pra Raed, cumé machista! Eli miorô foi dipois qui butei o bichu na linha!
--Se botou! -- achou graça -- Mas, quanto ao que vai dizer a Zinara, -- segurou os ombros da outra -- diga o que vai no seu coração, mostre seu amor de mãe e deixe ela saber que muito contribuiu pra que você mudasse e que despertasse como mulher e ser humano.
--E como cuntribuiu... -- reconheceu -- Eu amu minha fia pur dimais da conta, muié! Nem sei dizê como!
--Deixe que ela veja seu coração, habibi! Aproveite enquanto tem oportunidade pra isso! -- sorriu -- É tudo que as duas precisam!
--Eu sô obrigada a cunfessá qui ocê tem sido uma influença boa pur dimais da conta na vida di nóis tudo aqui. -- sorriu também -- Às veiz inté pareci qui tenhu uma irmã.
--Pode ter se quiser. -- segurou as mãos da cunhada -- Prefiro ser sua irmã a ser apenas cunhada.
--Dii ukhtii. (Esta é minha irmã.) -- afirmou sorrindo -- Ukhtii ya habibi. (Minha irmã querida.)
--Dii ukhtii ya habibi... -- Najla repetiu antes de se abraçarem
***
Clarice passava pela inspeção no aeroporto internacional de São Sebastião.
BEMBEMBEM!!
--Senhora, retirar do bolso moedas, celular, tirar o relógio e os sapatos. -- a fiscal ordenou
--Ô coisa chata! -- resmungou ao voltar -- Eu não tenho moedas, o celular tá na bolsa e meu relógio e sapatos nunca deram problema no raio X. -- reclamava enquanto removia as botas
--Medidas de segurança, senhora. -- o fiscal respondeu mecanicamente -- Pode passar novamente.
--Ai, agora quero só ver! -- cruzou o portal de inspeção descalça
BEMBEMBEM!!
--Mas que praga! -- reclamou
--Senhora, retirar do bolso moedas, celular, tirar o relógio e os sapatos. -- a fiscal repetiu
--E eu tô descalça e sem relógio, moça, já esqueceu que me disse isso? -- cruzou os braços indignada
--Moedas, celular? -- o fiscal insistiu
--Eu já disse que tá tudo na bolsa!
--Então tira o cinto, a pulseira, o cordão e os anéis! -- ele ordenou
--Mas que coisa! -- obedecia de cara feia
--Medidas de segurança, senhora. -- o fiscal falou mais uma vez -- Pode passar novamente.
--Humpf! -- fez um bico e passou pelo mesmo lugar
BEMBEMBEM!!
--Ah, mas isso aí tá com defeito, não é possível! -- Clarice estava zangada
--Senhora, retirar do bolso moedas, celular, tirar o relógio e os sapatos. -- a fiscal repetiu roboticamente
--Gente! -- pôs as mãos na cintura -- Você é humana, filha? -- olhava para a mulher
--Senhora, retirar todos os objetos metálicos, por gentileza! -- o homem ordenou
--Eu não tenho mais nada! -- respondeu impaciente -- Daqui a pouco vocês vão querer que eu fique pelada aqui!
--Então é hora de fazer a inspeção! -- uma outra mulher se aproximou animada -- Por favor. -- acenou para Clarice e apontou para um carpetinho no chão
--Ai, mas que saco! -- foi até o local indicado e abriu os braços
--Com licença. -- a mulher pediu antes de começar a apalpá-la a partir das panturrilhas -- Hum... nossa!
--O que foi? -- perguntou de cara feia
--Pernas grossas... -- piscou e veio apalpando as coxas -- Hum...
“Ai, ai, ai, já vi tudo! Essa aí é lésbica tarada...” -- pensou fazendo um bico -- Ei, olha essa mão aí! -- sentiu os dedos da outra roçarem seu sex* -- Não tinha que ter um detector de metais, não, é? -- estava de cara feia -- Indecência!
--Quebrou. -- respondeu simplesmente enquanto apertava-lhe a cintura
--Humpf! -- olhava para outra com desconfiança
--Quando você voltar... -- a mulher terminou a inspeção -- eu tô sempre aqui, tá? -- piscou para Clarice
--Só me faltava essa... -- foi buscar suas coisas
***
Karim e Zinara conversavam à noite no lobby do hotel. Os outros colegas estavam em seus quartos. Falavam na língua dos saxões.
--Veja a vantagem de não beber alcoólicos. -- Karim dizia -- Peterson e Mackenzie passaram o dia de ressaca e agora devem estar dormindo como dois bebês. -- sorriu
--E os outros que chegaram hoje devem estar arrasados. -- Zinara complementou -- Trabalhamos muito e eles nem tiveram tempo de descansar da viagem!
--Eu... -- sorria olhando para a xícara de chá -- Eu fiquei impressionada com sua atuação no grupo hoje. O modo como defendeu suas idéias, sua proposta, a coragem para pleitear a revisão do processo de inclusão de novos membros... -- mexia o líquido com uma colherzinha -- Adorei! E também adorei que a coordenação tenha ficado em suas mãos!
--Obrigada. -- agradeceu envergonhada -- Mas alguém tinha que fazer alguma coisa. Eu não queria repetir o que aconteceu no evento passado e não podia aceitar a rejeição dos nomes de Clarice e Zambezi, isso não!
--Você parece ser uma pessoa... -- olhou para a outra -- muito intensa.
--Yes, I am. (Sim, eu sou.) -- respondeu de pronto -- I can’t help it. (Não posso evitar.) -- sorriu -- It is my nature. (É a minha natureza.)
--I’m sure it is. (Estou certa que é.) -- prendeu-se no olhar da morena até que ambas desviaram os olhos
--Então... -- Zinara não sabia o que dizer e segurou a xícara de chá -- Amanhã já vai ser a sua palestra, não é? -- bebeu um gole
--Sim e estou nervosa! -- bebeu um gole também -- É minha primeira vez neste grupo de elite e fica aquela insegurança... -- sorriu -- Medo de não corresponder às expectativas...
--Não fique insegura, pois sei que tem competência de sobra! -- tentava tranqüilizá-la -- Lembre-se de que ninguém aqui sabe mais sobre geomagnetismo do que você. -- piscou
--Você não tem o menor embaraço para se apresentar em público, não é? -- comentou achando graça -- É como se estivesse em casa, totalmente à vontade!
--Eu não sou tímida para essas coisas, nunca fui, mas quando o assunto é relacionamento... -- revirou os olhos -- Que vergonha! Só faço vexame... -- calou-se imediatamente -- "Mas isso é coisa pra dizer pra ela, sua idiota?” -- pensou se condenando -- "Ô, bicha besta!”
Karim riu brevemente. -- Acho que sou pior que você... -- bebeu mais um gole de chá -- Sou muito tímida e... inexperiente. -- olhava para as mãos -- Anos de minha vida ao lado de um marido que me foi prometido e depois um relacionamento breve com uma pessoa que... bem... -- não sabia como dizer -- não tivemos muita intimidade... Ela viajava muito e eu tenho o tempo bastante tomado... -- calou-se
--Entendo. -- bebeu outro gole
--Acho que qualquer menina de quinze anos sabe mais da vida que eu. -- afirmou envergonhada -- Pelo menos no quesito relacionamento.
--Não... -- discordou com delicadeza -- Você é uma mulher muito interessante, uma pessoa madura, séria, comprometida... Quantidade em relacionamentos não diz muita coisa. Conheço pessoas que tiveram muitos relacionamentos e a maturidade é quase nenhuma.
--Well... I agree. Some people just wanna have fun and... (Bem… Eu concordo. Algumas pessoas apenas querem se divertir e...) -- continuava com os olhos baixos -- A relationship shouldn’t be just... Seems to me most of people is looking for pleasure and nothing more... (Um relacionamento não deveria ser apenas... Parece que a maioria das pessoas busca por prazer e nada mais...)
--Tem muita gente que quer algo mais. Muita gente deseja encontrar um amor. -- opinou -- Mas as pessoas ficam com medo de sofrer e fazem joguinhos para se defender... -- bebeu mais um gole -- Eu já sofri muito em relacionamentos e depois do término deste último acho que... cheguei no fundo do poço. -- brincou e sorriu -- Mas eu não deixei de querer encontrar aquela pessoa especial e continuo de coração aberto, sem truques. Se acontecer...
--Mas você é uma mulher muito interessante e sedutora, Zinara... Não creio que encontrar um par te seja um problema. -- bebeu o último gole do chá
“Interessante e sedutora?? Eu???” -- pensou boquiaberta -- Bem... -- brincava com o guardanapo -- Eu agradeço o elogio mas... sendo bem sincera diria que a maioria das mulheres não pensa como você. -- sorriu
--Não?! -- perguntou com estranheza -- As mulheres de Terra de Santa Cruz me surpreendem...
“Será que ela pensa assim mesmo ou será que isso aí é muita carência? Será que ela é simplesmente doida?” -- Zinara pensava intrigada, achando incrível que alguém como Karim pudesse vê-la de forma tão positiva
***
Cátia participava de um congresso na cidade de Maurítia e havia acabado de proferir a palestra de abertura. Percebeu que uma das moças que trabalhavam na organização do evento prestava muita atenção nela e esperou o momento oportuno para abordá-la.
--Será que gostaria? -- ofereceu um copo de coquetel -- É sem álcool e tá uma delícia. -- sorriu
--Oh, obrigada, mas acho que não posso aceitar. -- sorriu constrangida -- Afinal eu tô aqui pra trabalhar no evento, né?
--Ah, que é isso? -- perguntou descontraída -- Aceite, estamos em pleno coffee break, vamos conversar um pouco e se alguém reclamar eu me responsabilizo. Pode dizer que te enchi tanto o saco que você teve que aceitar pra se ver logo livre! -- brincou
Riu brevemente e aceitou a bebida. -- Obrigada, doutora Cátia. -- experimentou o coquetel -- Bom!
--Me chame de Cátia, por favor. -- bebeu um gole -- E seu nome é?
--Lídia. -- sorriu
--Belo nome. E é um prazer conhecê-la. -- reparava na moça
--Igualmente. -- corou um pouco
--Percebi que você prestou muita atenção na minha palestra. O tema petróleo te interessa?
--Sim e sua palestra foi muito esclarecedora. Eu gosto de entender o que tá por trás dessas questões do petróleo... -- respondeu timidamente -- Gosto de entender sobre o planejamento energético e o que tá acontecendo no meu país.
--Muito bom! -- respondeu com sinceridade -- E te digo que teria o maior interesse em te esclarecer melhor sobre estes e outros assuntos. -- falava sensualmente -- Será que... assim, depois do evento nós poderíamos nos encontrar em algum lugar, beber um pouco, conversar...? -- convidou
--Nossa! -- exclamou surpreendida -- Uma pessoa como você, tão importante... -- olhava para a loura
--Todos somos importantes, querida! -- sorria sedutoramente -- E por mais que uns tenham um pouco mais de cultura ou de dinheiro que outros, nascemos e morremos da mesma forma. -- bebeu outro gole -- Sem seu trabalho, por exemplo, esse evento seria impossível. Logo, você tem importância. -- jogava charme -- E eu faço questão de sempre andar bem acompanhada, por isso te convidei.
A jovem ficou toda prosa. -- Ah, eu... -- olhava para o copo -- De repente, amanhã à noite... -- sorria
Cátia retirou um cartão de dentro da bolsa e entregou-o à jovem. -- Mais tarde ligue pra mim e combinamos tudo. Pode ser à cobrar. -- bateu levemente no copo da outra -- Até mais! -- piscou e se retirou
Lídia ficou sorrindo sozinha.
***
Karim apresentava sua palestra ao grupo. Havia meditado um pouco para se tranqüilizar e falava com desenvoltura.
--Já que temos um espectro bastante multidisciplinar de pesquisadores no grupo, acho interessante abordar alguns pontos básicos da teoria para que todos compreendam bem. -- olhava para os colegas -- O campo geomagnético, formado graças ao movimento da massa de ferro líquido que envolve o núcleo sólido do planeta, prolonga-se pelo espaço formando nossa magnetosfera, a qual fornece uma proteção vital contra a radiação solar e cósmica, que de outro modo esterilizaria nosso planeta. -- explicava -- A magnetosfera forma uma espécie de bolha magnética protetora, de formato bastante assimétrico. No lado voltado para o sol ela é comprimida medindo cerca de 5 vezes o diâmetro do nosso planeta, enquanto que do lado oposto é alongada chegando a medir até 500 diâmetros. Essa diferença é causada pela intensidade do vento solar, que nada mais que é um feixe de partículas de alta energia que o sol despeja sobre nós. -- explicava -- O eixo de rotação do planeta e o eixo do campo magnético são inclinados um em relação ao outro em cerca de 11°, porém a localização dos pólos geomagnéticos não é estacionária, ou seja, ela muda com o tempo. Ressalto também, que ao contrário do que muitos pensam, os pólos geomagnéticos não coincidem com os pólos geográficos. -- mostrava algumas imagens no telão
--Sabia que eu não sabia disso? -- Peterson cochichou para Zinara -- Vergonha!
--Em 1831 a localização do pólo norte geomagnético foi determinada por James Ross ao norte do Kanatá, e a partir de 1904 observou-se que ele estava se deslocando da marcação original, rumo a Rossiya, numa taxa constante de cerca de 15km por ano. -- passou para outra lâmina -- Em 1989 esse deslocamento acelerou novamente e continua se mantendo a uma taxa de 60km por ano! -- apresentou os resultados das medições -- Nós sabemos que os deslocamentos nas posições dos pólos geomagnéticos são periódicos e naturais e também sabemos que as tempestades solares frequentemente causam deslocamentos, da ordem de 80km, e de curto período nestes pólos, mas o que nos surpreende é a taxa que observamos ao longo dos últimos quase 30 anos. -- mostrou um gráfico -- Outras mudanças no campo magnético também são dignas de nota: vejam que ele enfraqueceu cerca de 10% desde o século XIX. Por conseqüência, partes do planeta podem ficar sujeitas ao aumento da incidência de radiação vinda do espaço. -- pausou brevemente -- Acreditamos que esse enfraquecimento do campo está ligado a uma reversão da sua polaridade.
--E por que isso estaria acontecendo? -- Tanja perguntou sem entender -- Essa taxa acelerada de deslocamento dos pólos, por que está sendo assim?
--A explicação que temos ainda é muito vaga, mas suspeitamos que, como a parte fundida do núcleo está em constante movimento, mudanças em seu magnetismo podem estar afetando nisso. Novos dados analisados até agora sugerem que existe uma região de magnetismo em rápida transformação na superfície do núcleo. -- respondeu olhando para todos -- E não sabemos dizer porque essa transformação está acontecendo. É a mais pura verdade! -- confessou
--Parece que essa constatação fortalece a sua teoria de alinhamento do eixo planetário. -- Peterson falou olhando para Zinara -- Essas mudanças favoreceriam a verticalização do eixo.
--Sim... -- a astrônoma respondeu pensativa
--O último ponto que eu gostaria de salientar aqui, -- Karim continuava falando -- é que entendemos que o clima está associado com as variações do campo geomagnético do planeta, mas não está esclarecido para nós como e porque isso acontece. Algumas reversões polares parecem ter relação com início e fim de idades do gelo.
“E o campo parece que tá se revertendo...” -- a astrônoma pensou -- "Tudo isso casa direitinho com os estudos que Clarice e eu estamos conduzindo!”
Mostrou sua última lâmina. -- A circulação das correntes oceânicas é afetada pelas variações do campo geomagnético, e, como todos sabemos, oceano e clima têm uma ligação íntima!
--Aliás, Karim, se me permite, -- a morena interferiu -- posso acrescentar uma informação muito interessante. -- abriu um documento Word em seu laptop -- Rebeci o relatório dos satélites da missão espacial Thamisa, lançados em 2007, e eles descobriram, neste ano, um grande buraco no campo magnético do planeta. Segundo os cientistas da agência espacial de Godwetrust, a abertura é dez vezes maior do que era esperado e o buraco tem o diâmetro sete vezes maior do que o do nosso planeta. -- olhava para todos -- Consequentemente a entrada de partículas de alta energia na nossa atmosfera está sendo facilitada, causando alterações climáticas e interferências em satélites, sistemas eletrônicos, de rádio e de navegação aérea. -- pausou brevemente -- Essa onda de radiação ingressando no planeta poderá causar um aumento no número de casos de câncer, reduzir as colheitas e confundir animais migratórios.
--No que se refere aos animais migratórios já registramos ocorrências atípicas nos últimos anos. -- Kenji comentou -- Na minha apresentação mostrarei uma lista considerável de mortes aparentemente inexplicáveis de uma quantidade relevante deste tipo de animal.
--Eu poderia acrescentar algo mais com base no que ambas nos apresentaram. -- Peterson falou removendo os óculos -- O que a população mundial sente nos últimos anos, ninguém aqui vai discordar, é uma dificuldade cada vez maior de utilizar o cérebro. -- olhava para todos -- Por isso nossa percepção do tempo está acelerada e nos parece que os dias passam mais rápido! -- explicava -- Sentimos uma perda de memória em relação a fatos vulgares, como datas, recados e etc. Outro sintoma é o fato das pessoas acordarem mais cansadas do que quando se deitaram e essa passividade e apatia que ajudou a tantos se tornarem escravos dos próprios computadores e da internet. -- pausou brevemente -- Também poderia citar o aumento da ansiedade, especialmente daquela que vêm do centro sexual. Quem vai negar que aumentou a perversão social?
--Oh, pare com isso, Peterson! -- Mackulloch pediu de cara feia -- Ouvindo isso de sua parte está me parecendo ouvir minha avó e seus contos apocalípticos!
--Mas é exatamente isso! -- Zinara afirmou resoluta -- O que estudamos aqui, tudo isso, estas mudanças cujo entendimento nos desafia e mais as observações que fazemos no âmbito da vida social mostram uma coisa só, meu amigo: o apocalipse! -- sorriu -- Não da forma, talvez brusca e chocante, que sua avó narrava, mas apocalipse no sentido de transformação. -- pausou brevemente -- Vamos constatar aqui, e mais uma vez, que muitas das mudanças em curso não têm volta e nada podemos fazer para detê-las. Sobre outras até poderemos interferir, mas nosso poder diante destas forças é mínimo!
--Não venha com esse discurso místico religioso que não cabe aqui! -- Brightman reclamou contrariado -- Não sou adepto dessas teorias e não concordo com sua especulação sobre uma futura verticalização do eixo planetário!
--Sabemos que o eixo planetário está se movimentando segundo sua oscilação periódica de 23,5º para 21,8º, e que nosso satélite natural está se afastando, o que naturalmente também ajuda a verticalizar o eixo. Mas, ambos são fenômenos cujos resultados se vêem depois de alguns milhares de anos. -- Zinara argumentava -- No entanto, os tsunamis de 2004 e de 2010 foram fenômenos que forçaram uma movimentação do eixo um pouco mais rápida que o normal, embora de amplitude muito pequena. -- lembrava das ocorrências -- Todas as condições favorecem a verticalização e, embora eu ainda não tenha todas as evidências que gostaria, continuo defendendo minha hipótese da aproximação de um planeta de longuíssimo período orbital e elevado magnetismo, que “puxará” -- fez aspas com os dedos -- nosso eixo para sua devida posição vertical.
--E o que fazer? -- Mackenzie perguntou mal disfarçando seu medo -- O que faremos então?
--Somente a mudança de comportamento de cada um de nós, a mudança de nosso padrão mental e uma vida baseada em condutas éticas e de amor ao próximo poderá nos transformar! -- Karim respondeu convicta -- E assim transformados faremos jus a permanecer no planeta que por ora se transforma!
“Os justos herdarão a terra e habitarão nela para sempre.”
(Salmos 37:29)
(Nota da autora: baseado em http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=16&ved=0CEoQFjAFOAo&url=http%3A%2F%2Fwww.cdcc.usp.br%2Fcda%2Fsessao-astronomia%2F2010%2Fcampo-magnetico-terrestre-05012010.doc&ei=qVIAUqLWFs7PqwGdrIGwCA&usg=AFQjCNF7Tt9KHFY8MU7mc3j6abIqIO60Rw&sig2=SmzcKSzAq4oVO75Caa_V3g&bvm=bv.50310824,d.aWM, http://www.apolo11.com/curiosidades.php?titulo=Inversao_localizada_do_campo_magnetico_intriga_pesquisadores&posic=dat_20100910-104326.inc, http://noticias.terra.com.br/ciencia/pesquisa/cientistas-detectam-movimentacao-do-polo-norte-magnetico,4208a38790aea310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html, http://science.nasa.gov/science-news/science-at-nasa/2008/16dec_giantbreach/, http://www.on.br/ead_2012/pdf/modulo3/3.2_magnetosfera.pdf e A História do Clima, de Maria José Aragão)
***
--Mas me diga, Lídia, -- Cátia olhava sedutoramente para a jovem -- você vem sempre aqui nesse barzinho? -- sorriu -- Gostei do lugar, foi uma adorável escolha!
--Não, eu raramente saio à noite. -- respondeu a verdade -- Esse barzinho é novo e li elogios sobre ele no jornal. Achei que você iria gostar... -- sorriu encabulada -- Também é minha primeira vez aqui.
--Então brindemos a esse encontro maravilhoso desta noite, -- ergueu o copo -- e à nossa primeira vez juntas! -- afirmou maliciosamente
A jovem corou e respondeu: -- A nós! -- brindaram
Nesse momento, Clarice chegava com três pessoas.
--Esse barzinho aqui é muito massa e tá fazendo sucesso! -- Belisário dizia aos demais -- Dica do meu filho, que tá sempre na noite. -- sorriu
--Eu gostei! -- Clarice reparava no ambiente -- Muito bonitinho!
--Agora que já sou doutora com certeza vou voltar pra noite! -- Nair exclamou empolgada -- Acabou minha fase monástica!
--E o pós doc, como é que fica? -- Juraci brincou
Acomodaram-se logo no primeiro andar.
--E então, o que vai ser? -- Belisário abriu o menu -- Oxi, que tem cada drinque! -- arregalou os olhos -- Que pena que amanhã ainda é quinta, senão ia arregaçar!
--Eu não vou abrir mão de um Blood Mary! -- Juraci exclamou enquanto lia o menu -- Mesmo que amanhã dê aula de ressaca.
--Blood Mary? -- Nair achou graça -- E alguém ainda serve isso, professora? -- brincou
--Queridos, com licença. -- a paleoceanógrafa pediu ao se levantar -- Preciso ir ao toalete. Se o garçom vier nesse meio tempo, peçam uma soda pra mim, por gentileza.
--Tá OK! -- Nair respondeu e a professora se retirou
--Querida, será que poderia me dar uma licença rapidamente? -- Cátia pediu dengosa -- Preciso ir ao toalete.
--Claro. -- Lídia respondeu de pronto -- Espero aqui.
A geofísica se levantou e seguiu até o banheiro mais próximo. Impaciente com algumas jovens que conversavam lá dentro, resolveu ver se no primeiro andar teria sorte de encontrar uma cabine vazia. Nisso, deu de cara com uma pessoa conhecida.
--AH! -- levou um suto e gritou -- Você aqui?! -- arregalou os olhos
--É um prazer te rever também, Cátia! -- respondeu chateada -- Agora é assim, quando me vê grita?
--Não, meu amor, que é isso? -- disfarçava o embaraço -- É que eu não esperava te ver aqui e... me emocionei! -- sorriu sem graça
--Humpf! -- fez um bico -- Vou indo pra minha mesa, com licença. -- preparou-se para se afastar
--Calma, meu anjo! -- segurou-a delicadamente pelo braço -- Perdoe o mau jeito, querida. Foi a emoção! -- sorriu -- O que faz na cidade, Clarice?
--Vim pra atender algumas reuniões e uma defesa de tese. Estamos ali, -- apontou para a mesa -- comemorando o doutoramento de Nair.
--Ah, sim. -- olhou rapidamente na direção da mesa -- Eu vim pra um congresso e hoje decidi espairecer e sair por aí.
--Quem veio com você?
--Quem veio? -- pensou rapidamente -- Ninguém! Acabei de chegar aqui. -- mentiu -- Povo desanimado aquele do congresso, viu? -- fez uma careta -- Aí eu meti a cara e vim sozinha mesmo.
Clarice estranhou aquilo. -- Bem, sabe onde nos encontrar. Se quiser se juntar a nós... -- indicou a mesa
--Deixe-me ir ao toalete primeiro e eu me junto a vocês. -- sorriu
--Fique à vontade. -- voltou para junto dos demais
--Ai, que azar! -- a loura resmungou contrariada -- Parece até coisa de filme de humor sem graça!
Depois de uns instantes a loura voltou para junto de Lídia. -- Oi, lindinha, desculpe a demora. -- sorriu ao se sentar -- Tive de ir no banheiro do primeiro andar porque esse aqui tava um horror! -- revirou os olhos -- E lá embaixo recebi um telefonema de trabalho que acabou me tomando tempo. -- mentiu
--Tudo bem. -- sorria -- Sei que alguém como você é muito ocupada.
--Mas, continuemos. -- debruçou-se sobre a mesa -- Fale de você! -- pediu -- Quero saber tudo! Nome completo, idade, estado civil... -- sorriu brincalhona -- Afinal de contas sou uma pesquisadora e gosto de saber de tudo no detalhe...
Riu brevemente. -- Prazer, sou Lídia Maria de Souza, natural de Maurítia, filha única e tenho vinte anos. -- sorriu
--Encantada! -- segurou uma das mãos dela e beijou -- Esqueceu do estado civil... -- sorria
--Solteira... -- os dedos se acariciavam -- mas desejosa de encontrar um amor.
--E quem não está, não é? -- a geofísica era toda charme
--Clarice, cadê aquela sua amiga? -- Juraci perguntou desconfiada -- Ela se sentou aqui por uns minutos, depois disse que ia no banheiro e sumiu. Será que passa mal?
--Cátia é assim mesmo... -- bebeu um gole de soda -- Vive sumindo e reaparecendo... -- estava igualmente desconfiada
--Ih, meu Deus! -- o celular da loura tocou -- Meu benzinho, será que me daria uma licença pra atender o telefone? -- pediu à jovem -- É que esse pessoal não me deixa em paz! -- fez um drama -- Acho que a indústria petrolífera nacional pára se eu desligar o celular! -- reclamou
--Tudo bem, eu entendo. -- Lídia respondeu inocentemente
Cátia se levantou e desceu as escadas falando com ninguém ao celular. Ela havia programado o aparelho para que despertasse de tempos em tempos. Seguiu até a mesa de Clarice e se sentou. -- Uff! -- sorriu para os demais -- Não é mole organizar um evento, viu? -- desabafou -- As pessoas ligam a qualquer hora do dia ou da noite! Saí do banheiro e fiquei um tempão resolvendo problemas pelo telefone!
--Está organizando evento? -- a paleoceanógrafa perguntou surpresa
--Te contei, não? -- olhou para ela -- É exatamente esse que eu tô participando aqui. E, menina, que inferno! Eles me ligam até pra perguntar o que vão servir no coffee break, vê se pode? -- revirou os olhos
--Qual a empresa que tá te atendendo nesse evento? -- Belisário perguntou curioso
--Ah... -- a loura não sabia o que dizer -- é... um nome diferente... tá na ponta da língua... -- disfarçava
--Não me diga que é a Executive Cramble? -- Juraci perguntou -- Se for, eu só lamento, porque eles são um horror!
--Essa mesma! -- a loura aproveitou a deixa -- Mas eu não sabia, né? Não moro aqui... E as recomendações eram boas...
--Sei... -- Clarice continuava desconfiada
Minutos depois...
--Amore, que inferno! -- sentou-se na mesa de Lídia -- Mas eu cansei disso e tomei uma decisão drástica: só atendo o telefone se for o reitor da faculdade ou a presidenta da empresa de petróleo pra qual presto consultoria. Agora ninguém mais vai me afastar daqui! -- sorria -- Sou toda sua! -- caprichou na sensualidade -- E continuo querendo saber tudo sobre a mulher maravilhosa que aceitou meu convite pra sair essa noite... -- sua voz era melosa
--Nossa... -- corou -- Que honra! -- mordeu o lábio inferior -- Sabe, Cátia... eu fico muito linsojeada com isso de sua parte. -- olhava para o copo -- Alguém como você me dando tanta atenção...
--Por que fala assim de si mesma? -- levantou suavemente o rosto da outra segurando pelo queixo -- Sua profissão pode ser simples, mas é digna e extremamente necessária. Além do mais uma jovem inteligente e interessante como você jamais deveria abaixar a cabeça, isso não! -- recolheu a mão e bebeu um gole de seu drinque
A moça mostrou um belo sorriso. -- Você é tão diferente da maioria... -- afirmou embevecida -- Já tô farta dessa gente que se aproxima de mim nos eventos achando que eu sou uma espécie de prostituta de luxo que tá lá pra servir... -- desabafou -- Pôxa, eu ralei e ralo tanto na minha vida, batalho muito e ainda tenho que passar por certas coisas... Não quero ser usada por ninguém! -- pausou brevemente -- E aí, encontro alguém como você que me olhou e me viu... -- sorriu -- Você é tão atenciosa e gentil... duvido que seja desse tipo de gente pequena que só quer se aproveitar! -- elogiava -- Quero ser igual a você em tudo quando me formar: na competência, na humildade e no caráter!
Cátia envergonhou-se ao ouvir aquilo. -- Ah... Agora quem ficou lisonjeada fui eu... -- não sabia o que dizer -- Mas... quem tem esse comportamento pequeno que você me descreveu são os homens! -- afirmou tacitamente -- Nós, mulheres, somos mais intensas e não vemos o sex* como diversão. Eles é que são ridículos e babacas demais! -- gesticulou -- É por essas e outras que eu prefiro um... -- passou a mão nos cabelos -- toque feminino.
--E eu. -- concordou encabulada
E o celular tocou.
--Ih, meu bem... -- forjou uma cara de preocupação -- É a Presidenta...
--Da empresa? -- arregalou os olhos
--Não, da República! -- olhava para o visor do aparelho
--Gente!! -- ficou pasma
--Aposto que ela quer discutir comigo sobre aquele maldito leilão do campo de Balança! -- cruzou os braços contrariada -- Sabe que eu sou contra e só vive querendo me convencer que é negócio! -- e tome de mentir
--Atende!! -- estava pasma -- Eu não me incomodo, deve ser coisa muito séria!!
--Se insiste. -- pegou o telefone e se levantou -- Com licença, mas você sabe que tenho que me afastar. São assuntos mega confidenciais e não posso tratar assim, entende? Vai que alguém fica prestando atenção?
--Eu entendo, Cátia, mas vai atender! -- aconselhou -- Olha como a Presidenta liga sem parar! Deve ser coisa séria!
--Não demoro. -- piscou para a moça e se afastou rapidamente
--O que há com você, Cátia? Tá se sentindo mal? -- Clarice perguntou desconfiada -- Você diz que vai no banheiro e demora tanto pra voltar! -- falava mais baixo para os outros não ouvirem
--Menina, nem te conto! -- cochichava -- O estresse desse evento me deu uma crise de cistite que nem sei! -- mentia -- Toda hora fico indo no banheiro!
--Cistite? -- perguntou estranhando
--Fica entre nós, tá? -- pediu falando baixo
Benevides, Juraci e Nair bebiam e riam embreagados.
--Acho que você vai ser a babá do trio aí. -- indicou discretamente -- Tão tudo já de cara cheia. -- achou graça -- Mas, me conte, -- olhou para a outra -- até quando você fica aqui em Maurítia?
--Meus compromissos se encerram no sábado de manhã mas eu fico até domingo. -- comeu um petisco -- E você?
--Até domingo também. -- sorriu -- Veja que alguém lá em cima sempre age pra aproximar você de mim... -- destilava charme
--Ai, Cátia, disfarça! -- pediu constrangida -- Eles não sabem que eu sou... -- falava mais baixo novamente
--Relaxa, meu bem. -- deslizou o dedo sobre os lábios de Clarice -- Bêbados desse jeito eles não sabem nem quem eles são! -- brincou -- Vem cá, tira uma foto comigo! -- colou o rosto no da ex namorada -- Foto pro LivrodasFuça!
Achou graça. -- Tá igual adolescente, Cátia! -- riu
E novamente...
--Lídia, meu bem, que inferno! E ela fala, viu? -- sentou-se
--Nossa! Nunca nem conheci alguém que falasse com o Prefeito faz idéia com a Presidenta! -- exclamou admirada
--Não se impressione com isso, meu bem. -- sorria -- Eu gosto muito mais de falar com você... -- debruçou-se na mesa -- Mas, vamos continuar de onde paramos... O que mais faz, além de trabalhar em eventos?
--No momento tenho estudado pro exame do ANEIM. Quero ver se consigo entrar pra alguma faculdade pública e de qualidade. -- sorria -- Fiquei alguns anos sem estudar mas agora eu já posso voltar a fazer isso.
--E por que ficou sem estudar? -- perguntou curiosa
--Minha vó tinha Alzheimer e vivia com a gente. Eu tinha que trabalhar pra que mamãe cuidasse dela. -- explicou -- Agora que ela já faleceu, posso voltar a estudar. -- pausou brevemente -- Eu sinto saudades de minha velhinha, mas entendo que foi melhor assim. Era muito sofrimento. Pra todas nós...
Cátia ficou com pena. -- Nossa, eu... sinto muito. -- olhava para a outra -- Mas, se Deus quiser você vai conseguir! Estude mesmo, acredite e vai dar certo! -- incentivou -- O que quer cursar na faculdade?
--Tô dividida entre geologia e oceanografia.
--Não vou opinar porque seria tendenciosa. -- piscou
--Hoje recebi uma boa notícia! -- contava como se fosse criança -- Ganhei uma bolsa no curso de saxão! É integral!
--Ah, que maravilha! -- bateu palmas -- Fico feliz por você!
--Minha mãe ficou toda prosa com isso e até agradecemos a Deus de joelhos! -- contava emocionada -- Meu pai nunca me deu nada, abandonou a gente antes de eu nascer, e ela e vovó me criaram na maior dificuldade. Eu nunca pude fazer cursos, mas agora vai! E vou me formar numa boa faculdade, você vai ver! -- prometeu
A loura reparou bem na jovem diante de si e se deu conta do tipo de pessoa que ela era. Sentiu-se mal. -- Somente alguém muito... idiota poderia ver em você apenas uma bela mulher pra passar uma noite... -- estava sendo sincera -- Somente alguém que tem muito medo de amar, de se magoar e que por isso usa de artifícios pra defender o coração e... acaba magoando os outros... -- falava de si mesma -- É... que tal irmos embora? -- propôs -- Que acha de caminhar na beira da praia? Com esse luar maravilhoso acaba sendo romântico, não?
--Aceito... -- respondeu encabulada
--Então, por favor. -- colocou algum dinheiro sobre a mesa -- Peça a conta ao garçom que eu preciso ir ao toalete rapidinho e fazer um último telefonema. -- sorriu -- Será que posso te esperar lá embaixo, na porta? Se ofenderia? Prometo que é o último telefonema de hoje!
--Claro que não me ofendo! Sei que você é ocupada.
--E você é um amor! -- soprou um beijo antes de se levantar e partir
--Gente, que mulher é essa? -- perguntava-se inocente e admirada
--Clarice, meu bem. -- aproximou-se da paleoceanógrafa e reclinou o tronco -- Sinto muito mas tenho que ir. -- abriu a bolsa e retirou um pouco de dinheiro -- Minha parte na conta.
--O que foi? -- não entendia -- Por que vai embora assim sem mais nem menos?
--Tô realmente passando mal. -- mentia -- Vou voltar pro hotel e dormir, que é o melhor que eu faço.
Clarice suspirou decepcionada. -- E eu fico aqui com os bêbados... -- olhou para os colegas que cantavam abraçados
--Sinto muito mas não vou poder quebrar seu galho nessa. -- desculpou-se -- Mil perdões!
--Tudo bem. -- balançou a cabeça -- Vai lá.
--Mas eu te procuro. -- beijou o rosto dela -- Até mais.
--Até. -- acompanhou a outra com o olhar
***
--Eu adorei essa noite com você. -- Lídia se despedia na porta de casa -- Nossas conversas, o passeio na beira da praia e você me trazendo pra casa de táxi. -- sorria
--O prazer foi todo meu! -- respondeu sorridente -- Você é um amorzinho!
--Não é melhor se apressar? -- perguntou preocupada -- O taxista não desligou o taxímetro quando a gente desceu do carro. Quando você voltar pra lá já deve dar uns dez reales a mais. -- advertiu
Achou graça da preocupação da moça. -- Não se preocupe com isso. -- segurou uma das mãos dela -- Escute, meu bem. De hoje em diante quero acompanhar sua carreira. -- falava com seriedade -- Tenho certeza que vai passar no exame e quero te ajudar no que precisar na faculdade.
--Nossa! -- arregalou os olhos -- Eu nem sei o que dizer! -- emocionou-se -- Alguém como você... -- passou a mãos nos olhos -- Mas... por que? -- queria entender -- Não quero que tenha pena de mim, eu apenas desabafei com você e...
--Porque você me lembrou muito de uma jovem que não existe mais. -- interrompeu-a gentilmente -- Uma jovem que também foi abandonada pelo pai e foi criada pela mãe e pela avó na maior dificuldade. -- emocionou-se -- Só que ambas morreram antes dela se formar.
--E quem é ela? -- perguntou igualmente emocionada
--Eu...
***
Zinara conversava com sua amiga Regina no talk do Êmail.
Zina: Ela é incrível, Regi! Inteligente, culta, simpática, gentil, bonita... Uma mulher madura daquele tipo que tá com tudo!
Regi: Nossa, que amor, hein? kkk
Zina: É sério! A única coisa é que acho que...
Zina: ela é um pouco mais ou menos meio maluca.
Regi: kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Regi: Como pode isso, criatura?
Zina: Ela diz que me acha bonita, chique... Bonita e chique, eu? kkkk
Zina: E ainda diz que sou interessante e sedutora! Diz se não é doida?
Zina: Ou então é muita carência!
Regi: Ow, se liga!
Regi: Quer deixar de ser assim? Você é uma mulher interessante, sim senhora!
Regi: Não é porque Jamila é cega que todo mundo tem que ser!
Zina: Sei lá... Seja como for, acho que tô encantada por ela.
Zina: Depois do trabalho a gente passeia e fica conversando, sabe?
Zina: Eu já mostrei um monte de estrela pra ela!
Regi: E conversam sobre o que? Assuntos mais... íntimos?
Zina: Ah, a gente fala de vida, de Deus, de filosofia, de política
Zina: e de píons, neutrinos, quarks, supernovas, campo magnético, teoria M...
Zina: Só assunto legal, sabe?
Regi: Sei... kkkk
Regi: Acho que você encontrou a mulher da sua vida! kkk E eu faço gosto!
Zina: Mas ela mora tão longe de mim. Como poderia ser isso? E dia 12 de maio a gente vai embora pros respectivos países.
Regi: Garota, olha só, ainda estamos em 18 de abril! Dá tempo de viver muita coisa aí!
Regi: E pára de sofrer por antecedência!
Regi: Não acha que é hora de experimentar uma coisa boa e leve? Chega de tanto sofrimento, mulher!
Zina: É... Talvez você esteja certa...
Zina: Sabe, Karim também tá no LivrodasFuça. Aliás, esse trem me persegue!
Regi: kkkk Só você não tá lá, amiga!
Zina: Pois é. Ela foi me mostrar o perfil dela e teve curiosidade pra procurar os dois pesquisadores que nosso grupo tinha gongado.
Regi: E falando nisso, eles mudaram de idéia em relação aos dois?
Zina: Ainda avaliam
Regi: Sim, mas continue!
Zina: Achamos o perfil de Clarice e eu dei uma olhadinha mais detalhada.
Regi: Sei...
Zina: Vi que é amiga de Cátia, claro
Zina: E no perfil de Cátia havia uma fotinha das duas de rostinho colado. Tava até escrito assim:
Zina: “Eu e a doce Clarice na night de Maurítia”. Foto super recente!
Regi: Ih...
Zina: Clarice gosta mesmo é dela. Vai ver até casaram e viajaram pra passar a lua de mel em Maurítia...
Regi: Talvez...
Zina: Realmente não dá pra competir...
Zina: Cátia é interessante, inteligente, bonita, carismática...
Zina: Clarice não é maluca que nem Karim
Regi: Quer parar de dizer isso?? E vamos esquecer dessas coisas! Se Clarice tem um amor, que sejam felizes! E isso não significa que você tenha que ser infeliz!
Regi: Mas me diz! E hoje? Vai sair com ela?
Zina: Hoje a gente marcou de jantar e ficar proseando aqui no hotel
Zina: O pessoal vai sair pra beber, mas a gente não bebe...
Regi: Boa desculpa! kkkk
Regi: Vou querer saber de tudo amanhã!
Zina: E você, o que vai fazer hoje à noite?
Regi: Ah, minha filha, eu vou é relaxar! Esse negócio de comércio exterior estressa muito! É um tal de compra e vende e torna a comprar e torna a vender...
Regi: Dalvinha já preparou tudo e daqui a pouco é hora da minha massagem. Alfredo já sabe que não quero ser incomodada por ninguém!
Zina: Quem é Dalvinha? E esse tal de Alfredo aí?
Regi: A governanta e o mordomo, esqueceu?
Zina: Ah, é que é tanto empregado...
Regi: Você me conhece, né? Eu sou muito mesmo madame!
--Eita, pau... -- Zinara falava sozinha -- Essa aí tem é dinheiro! -- balançava a cabeça impressionada
(Nota da autora: Qualquer semelhança com uma certa amiga – e leitora – é mera coincidência)
***
Zinara e Karim conversavam no restaurante do hotel. Haviam acabado de jantar e sentiam-se à vontade, pois estavam sozinhas e o ambiente era mal iluminado.
--Você vai no congresso mundial esse ano, em Terra de Santa Cruz? -- perguntou curiosa ao limpar os lábios com o guardanapo -- Sou da comissão organizadora.
--Queria muito, mas não vou. -- respondeu olhando para a outra -- Meu filho faz aniversário na semana do congresso e eu prometi que iria vê-lo.
--Nessas condições não é possível sequer argumentar! -- brincou
--Mas eu gostaria muito de ir... -- bebeu um gole de vinho -- Seria bom ter... -- olhava para a taça -- uma oportunidade para revê-la depois que esse evento acabar...
--Pode me visitar em Terra de Santa Cruz sem congresso mesmo... -- respondeu timidamente
--Zinara, -- olhou para ela -- por que não bebe uma taça de vinho comigo? -- propôs -- Este aqui é um Kirsh frutado da melhor qualidade. -- mostrou a taça -- É doce. -- sorriu
--Eu não bebo. -- passou a mão nos cabelos -- Aliás, pensei que você também não. -- brincou
--Também não bebo, mas conheço este vinho e... -- bebeu um gole de água -- hoje é uma ocasião especial. -- abaixou a cabeça
--Bem... -- pensou -- Tudo bem, acho que não fará mal se eu pedir uma taça. -- concordou
--E eu pedirei minha segunda.
A astrônoma chamou o garçom e ele as serviu com vinho e água.
--Hum... até que é gostoso mesmo! -- exclamou após beber o primeiro gole
--Eu não disse? -- ergueu a taça -- Vamos brindar? -- sorriu
--Vamos! -- ergueu a taça também -- A nós e este feliz encontro quase no pólo sul do planeta!
--A nós e a nosso encontro! -- brindaram e beberam mais um gole presas no olhar uma da outra
***
Passeavam de braços dados pela rua principal da cidade. O céu estava limpo, repleto de estrelas e o ar gelado parecia capaz de congelar a alma.
--I’m a too weak redneck! (Eu sou uma caipira muito fraca!) -- Zinara dizia -- Just two glasses of wine were enough to drive me crazy… (Apenas duas taças de vinho foram suficientes para me deixar doida...) -- sentia a cabeça rodando -- Eita boi, a caipira tá bêba... -- falava na língua de Terra de Santa Cruz -- Segura a caipira! -- brincou consigo mesma
Karim riu gostosamente. -- Eu não entendi o que falou por último, mas não concordo com a parte do caipira. -- seguiam caminhando -- Mas é fraca mesmo! -- provocou
--Isso, doutora Karim! Embebeda a caipira e depois zomba dela! -- fingia que fazia um drama -- Muuuito bonito!
--Quer voltar para o hotel? -- perguntou -- Deixo você na porta do seu quarto. -- ofereceu
--Então... -- mudou a direção para qual andavam -- voltemos!
--Mas o hotel é para lá, doutora Zinara! -- mudou a direção da caminhada novamente e riu -- Você é doida! -- beijou o rosto dela
“Eu que sou, né?” -- pensou
***
--Pronto, está segura, sã e salva. -- entravam no quarto da astrônoma
--Já não estou mais tão tonta. -- fechou a porta do quarto e tirou o cachecol -- Deve ter sido o ar da noite. -- olhava para a outra enquanto despia-se das luvas e do sobretudo
--O ar noite ajuda sim. -- removeu o próprio sobretudo também -- Esse aquecimento do hotel nos deixa com calor, não é? -- tirou o gorro, o cachecol e as luvas
--Deixa... -- aproximou-se devagar -- Foi uma noite ótima e... -- removeu o gorro -- tem sido muito bom esse convívio diário com você. -- olhava nos olhos de Karim
--Digo o mesmo... -- sentia-se nervosa e abaixou a cabeça
--Karim... -- tocou o rosto dela
--O que? -- olhou para a morena
Sem pensar, Zinara puxou a mulher pela cintura e beijou-a intensamente segurando seu rosto. Karim envolveu-lhe o pescoço com os braços e deixou o beijo evoluir.
Seguiam em direção a cama enquanto o beijo tornava-se cada vez mais quente. Línguas entrelaçavam-se cumplicemente e as mãos deslizavam ansiosas percorrendo caminhos que ainda não conheciam nos corpos uma da outra.
Deitaram-se na cama com abandono e Zinara seguia beijando e mordendo o pescoço da outra.
--Ah!!! -- a mulher mais velha gem*u e fechou os olhos
A astrônoma posicionou-se entre as pernas da parceira segurando-a por uma das coxas e beijaram-se novamente com ainda mais desejo. Tiraram os sapatos com os próprios pés e rolaram para o meio da cama. Zinara soltou os cabelos de Karim e sussurrou no ouvido dela: -- Ya habibi, ya gamil... (Querida, linda...)
--Ai... -- mordeu os lábios da morena
Continuaram em um gostoso amasso até que Karim interrompeu o que faziam ao sentir a mão da morena por dentro de sua blusa.
--Oh, não! -- desvencilhou-se -- Não! -- ficou de pé rapidamente -- É melhor... -- passou a mão nos cabelos -- é melhor eu ir para o meu quarto! -- começou a recolher suas coisas
--Espere, eu... -- sentou-se na beirada da cama -- Karim, espera! -- pediu ao se levantar
--Eu vou indo! -- correu até a porta ainda descalça -- Até mais! -- saiu apressadamente
--Eita boi! -- passou a mão nos cabelos -- É um fogo da peste... -- sentia calor -- Acho que fiquei tarada depois de velha... -- falava consigo mesma
***
Totalmente insone Zinara tomou um banho frio e ligou o laptop. Tinha esperanças de encontrar Regina disponível no Êmail.
“Não, ela disse que ia relaxar com a tal da massagem. Não volta mais pra cá, já deve ter dormido.” -- pensava
Nisso, percebeu que Clarice acabara de entrar.
--Uai? Clarice? -- não entendeu -- O que ela faz acordada de madrugada?
Zina: Oi, querida! Que faz aí sem dormir?
Clari: Oi!!
Clari: Estou em Maurítia. Fora de casa demoro mais a dormir
Zina: Eu sei que você tá em Maurítia. Vi no LivrodasFuça de Cátia
--Nossa, por que ela foi ver o perfil da outra? -- perguntava-se intrigada
Clari: Você tem perfil no LivrodasFuça?
Zina: Graças a Deus, não!
Clari: kkk
Zina: Fui mostrar você e Zambezi pra uma pessoa aqui e por isso vi que viajou. Não estava bisbilhotando
Clari: Tudo bem
Clari: Saí com Cátia e fiquei sem sono. E você? O que faz acordada?
“Essa Cátia é um bocado frouxa!” -- pensou contrariada -- "Viaja em lua de mel e vai dormir deixando a outra solta na internet!”
Zina: Saí também e fiquei insone
Zina: Novidade, né? Eu vivo com insônia...
Clari: Pensei que nesse evento de vocês o ritmo de trabalho fosse muito intenso e não desse pra ter vida social
Clari: :P
Zina: kkkk
Zina: Mas é intenso! Você verá daqui a dois anos! ;)
Clari: Se me aceitarem, né?
Zina: Vão aceitar, pode crer!
Clari: E você e o pessoal saíram pra onde?
Zina: Bem... na verdade não saí com o ‘pessoal’ mas com uma pessoa
Clarice sentiu o coração acelerar. “Como assim?” -- pensou
Clari: Quem?
Zina: Conheci uma mulher maravilhosa!
Zina: Inteligente, simpática, gentil, culta, charmosa...
Zina: E saí com ela! Nós temos interagido muito!
Zina: Seu nome é Karim
Clari: Em tão pouco tempo e já é maravilhosa?
Clari: E Jamila? Agora deu pra trair sua mulher?
Clari: Que safadeza!
A paleoceanógrafa estava furiosa e enciumada.
Zina: Minha mulher??
Zina: Jamila e eu estamos separadas há um ano!
--Mas como é que pode?? -- não entendia
Clari: Mas ela se apresentou pra mim como sendo sua mulher!
Clari: Foi quando nos conhecemos na Capital!
Zina: Mentira!
Zina: Ela até ficou cheia de conversa mas eu não quis reatar! Nunca mais voltamos!
Zina: Dou minha palavra abaixo de Deus e sob o nome de meus ancestrais!
--Droga! -- deu um soco na mesa -- Aquela nojenta me enganou esse tempo todo! -- reclamou
Clari: Então... está se envolvendo com essa tal de Karim?
Zina: Sei que isso não tem futuro. Nós sabemos, aliás
Zina: Mas acho que sim.
--Você não quer nada comigo... -- a astrônoma falava consigo mesma -- E eu precisava me sentir aceita por alguém...
Clari: Você enlouqueceu?? Está sendo irresponsável e inventando idéia pra se magoar!
Clari: Não pode ficar saindo com outras pessoas assim! Tem que respeitar o luto do seu coração!
--Ah, que engraçada! -- protestou -- Ela viaja e fica no desfrute com a geofísica e eu tenho que ficar aqui sofrendo sozinha?
Zina: Fácil pra você dizer, mas não sabe como me sinto!
Zina: Não quero sofrer o tempo inteiro e se tenho oportunidade de conhecer alguém legal...
Clari: Não sabia que você era mulher de ‘oportunidades’
Zina: E não sou!
Clari: Não tá parecendo! Age como uma adolescente que viaja sem os pais, só fazendo besteira!
A astrônoma ficou chateda.
Zina: Chega tá bom? Eu sei me cuidar
Zina: É melhor a gente tratar de dormir!
Zina: Boa noite!
--Ela ficou zangada... -- Clarice constatou -- E foi grossa comigo! -- ficou magoada -- Quer se esbaldar com a tal da Karim, Zinara? Então vai! -- deu de ombros -- Que se dane!
Clari: Boa noite!
Clari: Mas depois não diga que eu não avisei!
--É mole? -- revoltou-se
Zina: Tchau, Clarice!
Zina: Fui!
--Eu vou é me deitar sem sono mesmo! -- a morena decidiu -- Daqui a pouco a maratona recomeça! -- desligou o laptop -- Onde já se viu, Clarice me dando bronca!
--Zinara é muito da saliente, viu? -- desligava seu laptop revoltada -- E eu uma burra que fiquei aqui sofrendo por ela! -- deu outro soco na mesa -- Droga!
***
Aproveitando o intervalo para almoço, Zinara abordou Karim na saída do banheiro. --Oi... será que a gente podia conversar em particular? -- perguntou receosa -- Não vai tomar muito tempo.
--Claro. -- concordou -- Não estou com pressa.
--Eu... -- colocou as mãos nos bolsos -- acho que fui um tanto... precipitada ontem à noite e... -- olhava para a outra -- queria me desculpar. -- pausou brevemente -- Acho que fiquei tarada depois de velha...
A geofísica riu gostosamente. -- Não ficou, não, sua boba. -- fez um carinho no braço dela -- Não acho que tenha sido precipitada, eu também queria. -- abaixou a cabeça -- Não sabe como fiquei... -- cruzou os braços -- O banho não resolveu minha situação... -- ficou envergonhada
--Nem a minha! -- confessou
--É que... Você é nascida em Cedro, deve entender. -- olhou para a astrônoma -- Em nossos países não existe essa cultura de namoro. A gente é prometida, casa e ponto final!
--Eu sei. -- concordou -- Pelo menos no passado era assim mesmo.
--Meu primeiro namoro foi com aquela pessoa sobre a qual lhe falei, e isso com toda essa idade que eu tenho. -- confessou -- Certas coisas ainda são novidade para mim. -- pausou brevemente -- Eu queria muito viver isso com você, Zinara, mas queria ir devagar.
--Eu também quero viver isso! -- afirmou enfática -- Já sofri muito tentando tirar uma pessoa do meu coração e me sentindo rejeitada. -- desabafou -- Você me faz me sentir bem... E não tenho pressa para que aconteça... você sabe o que. -- ficou sem graça
--Você me faz me sentir uma adolescente ingênua. -- sorriu -- E isso é maravilhoso...
Segurou uma das mãos dela. -- Quer namorar comigo, Karim bint Abdullah? -- pediu respeitosa -- Prometo não ter pressa. -- sorria -- É só não embebedar a caipira. -- brincou
A geofísica riu mais uma vez. -- Quero, Zinara Raed. -- entrelaçaram os dedos -- Quero muito! -- sorria também
As duas ouviram passos de alguém que se aproximava e rapidamente soltaram as mãos.
--Então, Zinara, não sei se você sabe mas uma equipe internacional de pesquisadores confirmou que o maior vulcão do planeta está nas profundezas do Oceano Raivoso. -- disfarçava -- Ele foi nomeado de Tamu Massif, é um dos maiores do Sistema Solar e, graças a Deus, está extinto.
--Ufa, que sorte! -- disfarçava também
--Meninas, que fazem aí escondidas falando de vulcões? -- Peterson pensou que as surpreendia -- Vamos comer alguma coisa pois daqui a pouco acaba o recreio! -- brincou
--Vamos lá. -- Karim concordou
--Yaalah! (Vamos lá!) -- Zinara balançou a cabeça
***
Cátia e Clarice passeavam na beira mar bebendo água de côco.
--Sabe, querida... -- Cátia dizia -- conheci uma menina neste evento e ela me fez lembrar muito a mim mesma. -- confessava -- Eu era uma jovem romântica, sonhadora, apaixonada, mas as dificuldades da vida foram me deixando mais dura. -- bebeu um gole -- Refleti muito nesses poucos dias e constatei que tenho pulado de relacionamento em relacionamento sem me envolver. -- admitiu -- Eu dou atenção, participo, ouço a outra pessoa mas protejo o coração. Acabo não me entregando.
--Isso não me surpreende, perdoe dizer. -- bebeu um gole também
--Só que eu quero fazer diferente com você. -- parou de andar e ficou olhando para a paleoceanógrafa -- Sei que errei no começo, mas quero tentar. De verdade, quero! -- estava sendo sincera -- Você é uma mulher maravilhosa e não é sempre que se tem a oportunidade de conhecer alguém assim!
Clarice respirou fundo e ficou olhando para a outra. -- Não vou dizer que você não mexe comigo, mas fico sempre desconfiada.
--Eu não vou te dar mais motivos pra isso! -- olhava nos olhos da outra -- Tem minha palavra!
Sentia sinceridade na atitude da geofísica. -- Preciso esquecer um amor, Cátia. Machuca muito aqui dentro, me confunde... -- falava como quem pede socorro
A loura jogou o côco vazio no lixo e se aproximou novamente da ex namorada. -- Me dê uma chance e faço você esquecer da mulher que for! -- falava com voz gutural -- Posso te amar como nenhuma outra conseguiu! Como nenhuma outra tentou!
A morena sentiu um arrepio. -- Vamos... pro meu hotel? -- propôs timidamente
O coração de Cátia disparou.
***
Clarice e Cátia estavam nuas, uma de frente para a outra. Apesar das luzes estarem apagadas, a claridade vinda do exterior dava um tom prateado ao ambiente.
--É realmente o que quer, meu bem? -- segurou as mãos dela -- Não quero que se arrependa. Não gostaria que isso acontecesse.
--Não vou me arrepender. -- respondeu seguramente
--Vem cá, minha linda! -- segurou o rosto da morena e puxou-a para um beijo terno
As duas se abraçaram e seguiram lentamente para a cama sem interromper o beijo. Cátia guiou para que se deitassem, ficando por cima da morena.
--Eu esperei... tanto tempo... por esse... momento... -- a loura afirmou entre beijos
--Ah... -- gem*u ao sentir uma das mãos da geofísica provocando-lhe o seio
Cátia começou a percorrer o corpo da namorada com lábios, língua e mãos, estimulando com carícias e sucções suaves cada pedaço de pele que desvendava em sua trajetória. Ao se aproximar da sex* da outra, parou e sorriu.
--Vamos descobrir... -- mordeu-lhe a coxa -- como você funciona, minha doce Clarice. -- mergulhou na intimidade dela com a boca ávida por novos sabores. Os dedos acompanhavam a exploração
--AH!!! -- a morena curvou o tronco e agarrou os lençóis -- Meu Deus... Ai... -- fechou os olhos e permitiu-se deliciar com o prazer que Cátia lhe proporcionava
***
Zinara e Karim namoravam no quarto da geofísica. Estavam sentadas no carpete, sobre um edredon macio e encostadas na cama.
--Você é tão linda... -- a astrônoma dizia enquanto acariciava o rosto da outra -- Não sei porque mantém os cabelos presos, se são tão bonitos.
--É um hábito. -- sorria -- Mas deixarei que fiquem soltos quando estiver com você. -- beijou-a
--Hum... -- mordeu a orelha dela -- obrigada, habibi. -- sussurrou -- Você fica... -- mordeu-lhe o queixo -- ainda mais linda... -- beijou-a -- com os cabelos soltos -- mordeu-lhe o lábio inferior
--Você me acha... mesmo bonita? -- perguntou entre beijos
--Linda! -- afagou os cabelos da namorada -- Mais que bonita! -- sorriu e beijou-a
--E atraente?
Zinara não respondeu e puxou Karim para sentar-se no seu colo. Beijou-a com carinho e desejo, interrompendo o beijo apenas quando o ar lhes faltou.
--Ai... -- sorria encabulada -- Que foi isso? -- mexia no casaco da professora
--Respondi a pergunta? -- acariciava a coxa da outra
--Sim... -- envolveu o pescoço de Zinara com os braços -- Acho que tenho mais a perguntar... -- brincou -- e quero o mesmo tipo de resposta. -- sorriu e mordeu-lhe o lábio inferior
Embaladas por beijos e mordidas acabaram se deitando sobre o edredon. No entanto não havia urgência; estavam apenas se conhecendo sem pressa.
--Hoje eu não te embebedei, Zinara Raed... -- deslizava o dedo sobre os lábios da morena -- e você já está aqui deitada em cima de mim! -- fingiu que estava indignada
--E temos sido bem comportadas até agora. -- sorriu e beijou os dedos da namorada -- Mas posso sair dessa posição, se quiser.
--Não se atreva! -- brincou e permaneceu uns instantes calada -- Você vai mesmo escalar amanhã? -- perguntou decepcionada
--Vou, se Deus quiser. -- acariciava os cabelos da outra -- Mas estarei de volta antes das sete. -- prometeu
Suspirou. -- Eu pretendo acordar bem tarde amanhã, almoçar e ir ao boliche com os colegas. -- beijou-a -- Por que não desiste dessa escalada perigosa e me faz companhia? -- propôs
--Perdoe, querida, mas não posso recusar o convite dessas montanhas geladas que me chamam todos os dias para conhecê-las. -- sorriu -- Já marquei com o guia, está tudo certo e desistir agora seria errado com ele. -- beijou-a -- Quando você menos esperar estarei batendo a sua porta.
--Então é melhor que vá para seu quarto descansar e se preparar para amanhã. -- desvencilhou-se de Zinara e se sentou -- Já é tarde.
--Não estou com sono. -- sentou-se também e beijou o pescoço da namorada
--É melhor você ir. -- levantou-se -- Amanhã nos encontramos.
Zinara deu um suspiro profundo e se levantou também. -- Eu te ajudo a arrumar a bagunça que fizemos aqui.
--Pode deixar. É só um edredon no chão. -- beijou-a rapidamente e encaminhou-se para a porta
“Por que minhas escaladas sempre incomodam quem namora comigo?” -- pensou decepcionada ao se aproximar de Karim -- Então... até amanhã. -- beijou-a
--Até amanhã. -- abriu a porta -- E se cuida!
Zinara saiu e deu tchauzinho. Após a porta se fechar seguiu para seu quarto.
“Maravilhosas montanhas exibindo glaciares magníficos e eu não vou escalar?” -- pensava -- "Ah, Karim, você é incrível mas eu jamais perderia a oportunidade de chegar no pico de uma beleza dessas que tem por aqui. E daqui a pouco o câncer me dana toda e eu não vou agüentar uma gata pelo rabo!”-- constatava pensativa -- "Estudo, trabalho, namorada nova e montanha!” -- sorriu -- “Ô evento bom!”
***
Zinara e o guia Hassan escalavam um glaciar bem íngreme. Usando grampões nas botas, cordas, parafusos de gelo e machados com correia (ferramentas parecidas com picaretas), seguiam em ritmo cadenciado.
--Ei, -- olhou rapidamente para baixo -- você é boa! -- elogiou falando bem alto
--Você também! -- respondeu no mesmo tom
Os ventos incomodavam um pouco mas não estavam fortes.
--Muito pouco para fazer o cume. -- apontou
--OK! -- estava empolgada
Minutos depois os dois se cumprimentavam no cume da montanha.
--Parabéns, Zinara! -- deu um tapa na mão dela -- Essa escalada é bem técnica e você veio no mesmo ritmo do começo ao final! -- sorria -- Tem experiência com a técnica germânia?
--Mais do que com a técnica da Gália. -- respondeu colocando as ferramentas provisoriamente dentro de um saco -- Fazia um tempo que eu não escalava no gelo... Acho que as energias da natureza me deram força! -- sorria
--E os ventos acalmaram. -- começou a escavar um lugar para se sentarem -- Podemos comer nosso farnel em paz!
--Essa é a melhor parte! -- ajudava a escavar -- Lanche no cume! -- brincou
Sentaram-se e tiraram as mochilas das costas. Prepararam-se para comer.
--Eu trouxe chá de menta e até que a garrafa térmica ainda o manteve quente. -- mostrou a garrafa -- Aceita?
--Não se recusa chá. -- estendeu a caneca -- Obrigado! -- agradeceu após ter sido servida
--Que tal um pouco de gelo do glaciar? -- Hassan ofereceu -- Muitos bebem uísque com esse gelo então nós podemos colocar um pouquinho no chá.
--Gelo do glaciar! -- estendeu novamente a caneca e o guia colocou duas pedras de gelo -- Obrigado! Servido frutas secas? Também trouxe sanduíches a mais. São de atum.
--Vou aceitar um sanduíche. -- a morena entregou a ele -- Chukran! (Obrigada!) -- sorriu -- E essa é uma das poucas palavras que eu lembro!
Conversavam no idioma gálio.
--Há quantos anos saiu de Al Maghrib? -- perguntou antes de morder o sanduíche
--Há trinta e cinco anos! -- mordeu o sanduíche também -- Considerando que eu tenho quarenta, -- falava de boca cheia -- nem me considero mais de lá. -- bebeu um gole de chá -- E você saiu de Cedro quando?
--Em 1985. Estava com dez anos... -- deu outra mordida
--E foi direto para Terra de Santa Cruz? -- perguntou curioso -- Antes de vir parar aqui, rodei meio mundo. -- bebeu mais um gole de chá
--Passamos um tempo em sua terra. -- bebeu um gole também -- Depois é que fomos para lá. -- deu outra mordida
--Campo de refugiados? -- olhou para ela -- Pela data imagino que sim.
--Foi. -- olhou rapidamente para ele -- Inclusive, um de meus primos tinha seu nome. -- deu mais uma mordida
--Você usou o verbo no passado... Ele... -- bebeu chá
--Oui, il est mort. (Sim, ele morreu.) -- respondeu com pesar -- Ne jamais laisser Al Maghrib... (Não chegou sequer a sair de Al Maghrib...)
--Guerre (guerra)... -- parou de comer e olhou para o horizonte -- Ce mot, que je me souviens... (Dessa palavra eu lembro...) -- balançava a cabeça -- Harb...
--Quem pode esquecer? -- olhou para o horizonte também -- Hassan tinha apenas oito anos quando morreu. Oito anos e nenhum sonho. -- suspirou e voltou a comer
--Quer desabafar sobre isso? -- olhou para o relógio -- O tempo está bom e os ventos ainda não viraram. Podemos permanecer aqui por mais alguns minutos.
--Não sei o que acontece comigo, pois nunca fui de relembrar essas histórias, mas ultimamente o passado retorna vivo em minhas lembranças e sinto uma vontade imensa de falar o que nunca foi dito. Não sei porque...
--Então fale. -- aconselhou -- Às vezes o passado precisa ser exorcizado. -- bebeu mais chá
--Je pense qu'oui... (Acho que sim...) -- terminou de comer o sanduíche
Raed, Amina, seus três filhos e Jamal aguardavam ansiosamente pela chegada de Hassan, que não fora visto no trabalho desde o início da tarde. Estavam na barraca, pois receberam ordens de esperá-lo no acampamento.
Depois de mais algum tempo o menino veio de carro trazido por um supervisor do curtume. Sua aparência revelava um profundo cansaço.
--AHHa! -- Raed reclamou com o homem -- O que fizeram com ele? -- falava com raiva -- Onde esteve por todo esse tempo? -- perguntava na língua de Cedro
--Je ne comprends pas! (Não entendo!) -- respondeu sem dar importância e novamente entrou no carro
--Tiizak Hamra, ya ahbal! (Seu rabo é vermelho, seu idiota!) -- gritou para o homem que ligou o carro e partiu rapidamente
--Olhe para você, awlaad (criança)! -- Amina ajoelhou-se de frente para o menino -- Onde esteve? O que aconteceu?
Hassan abaixou a cabeça e respondeu tristonho: -- Trabalho, gidda (vovó).
--Ezzai? (Como pode?) -- Khaled sussurrou para os irmãos -- Trabalho onde? Ele não estava no curtume!
--Fique calado, Khaled. -- Zinara recomendou com pena do primo
--Trabalho?? -- Raed perguntou com as mãos na cintura -- Que trabalho, heek la a’ref (porque eu não sei)? Onde esteve que ninguém viu você a tarde inteira? -- exigia satisfações
--Não brigue comigo, giddu (vovô). -- pediu ao olhar para Raed -- Min fadlak... (Por favor...) -- seus olhos marejaram
--Eu vou dar banho em você, Hassan. -- Amina falou com delicadeza -- Yaalah? (Vamos lá?)
--Laa! (Não!) -- afastou-se dela -- Eu vou sozinho!
--Akhuuya? (Meu irmão?) -- Jamal estranhou a atitude -- O que foi?
O garoto não respondeu e abaixou a cabeça.
--Hassan, -- Youssef chamou por ele -- seu coração está cheio de dor... -- sentia pena do outro -- Não está sozinho. Dii usritina! (Esta é nossa família!)
Como se não mais agüentasse o que lhe torturava na alma, Hassan irrompeu em um choro sofrido e fechou os olhos abraçando a si mesmo. Chorava como quem pede socorro, abrigo, carinho e proteção. Chorava como se algo dentro de si houvesse morrido, talvez a esperança, talvez a infância ou todos os sonhos que um dia se permitiu sonhar.
Sua agonia não verbalizada foi compreendida por todos ali, mesmo que ninguém soubesse do que realmente aconteceu naquele dia. O que sabiam, e era nítido, é que Hassan sentia o que sentem todas as crianças que perdem os pais e desejam dolorosamente que eles voltem. Ele sentia saudades de Leila, sua mãe amada que tanto lhe fazia falta.
Jamal começou a chorar e Youssef e Khaled também não conseguiram se conter. Amina se levantou e olhou emocionada para o marido, que tomou o menino em seus braços e o abraçou com força.
Zinara permanecia firme sem derramar uma lágrima. Chorava por dentro e sentia a violência das bombas explodindo na guerra que se travava em seu coração.
--Meu Deus... -- o guia secava as lágrimas -- Mas o que aconteceu com ele? -- perguntou agoniado -- O que os malditos fizeram com o menino?
--Dias depois ele confessou para meu irmão mais novo que o senhor Gerard e mais dois supervisores o levaram para um local isolado e abusaram dele por horas a fio. -- contava a história -- Khaled não entendia, e muito menos eu, como poderia ser aquilo, até porque Hassan nunca entrou em detalhes. E também éramos inocentes demais. -- pausou brevemente -- Khaled acabou contando para baba e ele foi tomado pelo ódio.
--Claro! Qualquer homem decente buscaria lavar a honra da família com sangue! -- respondeu de pronto -- E o que seu baba fez? Matou os desgraçados?
--Ele bem que tentou e foi um tremendo desespero. -- relembrava -- Acabou sendo severamente castigado e cheguei a pensar que fosse morrer.
--E o menino? O que se deu dele?
--Ele desistiu de acreditar... -- bebeu o último gole do chá
--Hassan, o que faz aqui? Shoo sarlake? (O que aconteceu com você?) -- Zinara colocou no chão o saco de couro que carregava -- Perdido nesse caminho poeirento?
--Quero ficar sozinho... -- o menino estava sentado encolhido entre duas pedras
--Você chorou... -- sentou-se perto dele -- O que foi? -- perguntou condoída
--Ele não vai me ajudar... -- respondeu com os olhos marejados -- Mentiu o tempo todo! Disse que traria maama de volta, mas não vai trazer! -- derramou uma lágrima sofrida -- Ele e outros malditos tiraram minha honra de homem e foi tudo em vão... -- deu um soluço -- Agora todos sabem... Ana xajlaan... (Eu estou envergonhado...)
--Hassan... -- não sabia o que dizer
--Kol eli lammouni... (Todos os que me culpam...) Eles dizem que sou uma vergonha para usritina (nossa família)... -- chorava
--Não, você não é!! -- segurou as mãos dele -- É mentira! -- tentava convencê-lo -- Maama e baba nunca disseram isso e essa gente que tanto fala não sabe de nada! -- emocionou-se -- Esses estrangeiros é que são demônios! Eles é que são a vergonha! -- fez cara feia -- Zinara cospe sobre os ancestrais deles! -- cuspiu no chão em desprezo
--Eu só quero uma coisa, Zinara. Agora só quero uma! -- soltou a mão dela, secou os olhos na roupa e se levantou -- Morrer!
Hassan caminhou a uma curta distância e pegou uma pedra. Rabiscou no chão arenoso o desenho de uma mulher quase do tamanho de uma adulta. Ao terminar, tirou os sapatos e se deitou encolhido no que seria o colo dela.
Zinara sabia que aquela era Leila e que, obedecendo aos costumes que tinham, removeu os sapatos por considerar aquele colo divino. Em Cedro e em muitos outros países, não se entra em lugares santos com os pés calçados. Para Hassan, o colo da maama era a própria morada de Deus, pois “o amor faz o outro sagrado.”
A menina sentiu-se tomada por imensa dor diante daquele sofrimento e, impotente que era diante de tudo aquilo, limitou-se a observar o menino em sua tristeza e vergonha incomensuráveis. Aquela cena, certamente, fora uma das mais tristes de sua vida e ela nunca iria esquecê-la.
(Nota da autora: adaptado de uma drama real, que vi no Facebook, de uma menina vítima da guerra. Certamente algo que jamais esquecerei)
--Em menos de uma semana, Hassan foi encontrado morto em um tanque de tinta azul. -- Zinara narrava a história para o guia -- Ele se matou, para mim foi muito claro. -- secou uma lágrima com uma das mãos -- E para nós, mais uma perda imensa.
--Eu não sei o que dizer. -- secava as próprias lágrimas também -- Sinto muito, habibi. Sinto muito... -- olhava para ela -- Oh, Aba... (Oh, Meu Pai...) Até quando? -- lamentou e deu um suspiro profundo -- Agora precisamos voltar... -- olhou para o relógio -- Nosso tempo acabou. -- fungou
--Antes de descermos, -- levantou-se -- vamos aproveitar essa visão linda, com belas montanhas cobertas de gelo e o mar ao fundo, para pedir a Deus por todas as crianças órfãs que existem nesse mundo! -- pediu -- Vamos orar por todas aquelas que sofreram e sofrem abusos sexuais e explorações de toda ordem. Vamos orar para que um dia todas estas coisas fiquem no passado e que o planeta Água não mais seja palco de histórias assim! -- olhava para ele -- Basta um minuto!
--Vamos! -- levantou-se também e segurou as mãos dela -- Allah, escuta a nossa prece! -- fechou os olhos
***
Karim abriu a porta após ouvir que alguém batia. Surpreendeu-se ao ver Zinara toda arrumada e sorridente.
--Às seis e trinta e cinco, -- fez uma reverência -- limpa, arrumada e à sua disposição! -- sorria
--Hum. -- cruzou os braços disfarçando o sorriso
--Será que a doutora Karim me concederia a honra de sua presença em um jantar? -- segurou a mão dela e beijou -- Recebi recomendação de um restaurante muito interessante. -- esperava uma resposta
--Não sei. -- recolheu a mão -- Verei na minha agenda. -- caminhou para dentro do quarto
--Então veja sua agenda para amanhã também, por gentileza. -- entrou e fechou a porta -- Porque adoraria passar o dia todo com você!
--Ah, pensei que amanhã haveria mais montanhas chamando por você... -- parou de costas para a outra
--Não... -- foi até ela e a abraçou pela cintura -- Amanhã serei toda sua, habibi. -- sussurrou no ouvido dela -- A menos que não me queira por perto. -- afirmou receosa
--É claro que eu quero. -- virou-se de frente para a namorada e segurou-a pelo casaco -- Como queria que tivesse ficado comigo hoje... -- afirmou em voz mais baixa
--Não é porque fui escalar que significa que não valorizo sua companhia. -- beijou a testa da outra -- O contato com a natureza é uma coisa que me faz bem e eu prezo muito. É quase uma religião. -- falava com delicadeza -- Sou o tipo de pessoa que aproveita todas as boas oportunidades que aparecem, porque nunca se sabe se haverá uma segunda chance. -- esfregou o nariz suavemente no nariz de Karim -- Não se zangue comigo, não irei desonrá-la com mentiras ou agressividade. -- prometeu
--Sei que não. -- olhou nos olhos da morena
--Então aceita meu convite hoje? -- insistiu -- E passa o dia comigo amanhã? Só nós duas e fazendo o que você quiser!
--Pedindo assim com esse jeito fofo, -- envolveu o pescoço da astrônoma com os braços -- fica impossível dizer não... -- beijou-a ternamente
***
Clarice e Cátia estavam na cama deitadas uma de frente para a outra. Haviam acabado de fazer amor.
--Já disseram que você é uma mulher viciante, meu bem? -- perguntou antes de beijá-la -- Se eu não precisasse de um tempo pra descansar acho que faria amor com você pela noite e madrugada afora... -- sorriu -- Pra quem diz que tem andado sedentária sua disposição é surpreendente. -- acariciava o rosto dela
--Ah... -- corou -- É bom estar com você... -- sorriu encabulada
--Que bom que pense assim, -- beijou-a -- porque também adorei te conhecer melhor. -- sorria sensualmente
--Mas não brinque comigo, Cátia. -- pediu -- Não gosto de mentiras e joguinhos.
--Fique tranqüila. Não vai haver isso entre nós. -- beijou-a novamente -- Não mais. -- prometeu -- Eu só queria agora que sua mãe me desse algum crédito. -- comentou -- É importante pra mim contar com a aprovação dela.
--Dê um tempo pra ela, porque mamãe é muito cismada contigo. -- deslizou o dedo pela sobrancelha da loura -- E ela precisa sentir firmeza em você.
--Confiança é coisa que se conquista, né? -- aproximou-se mais e começou a acariciar as costas da outra -- Vou conquistar, pode crer. -- sorriu -- Veja como esta cidade é mesmo abençoada, -- mordeu o lábio inferior da outra -- cheguei aqui solteira e vou voltar namorando sério com uma mulher maravilhosa... -- beijou-a
--Namorando sério? -- perguntou surpresa
--Sim, com toda certeza! -- respondeu de pronto -- A menos que você só queira se aproveitar do meu corpinho! -- brincou
--Claro que não. -- objetou
--Mas, -- inverteu as posições e deitou-se sobre a namorada -- isso não significa que eu não desejo que você também queira se aproveitar do meu corpinho, -- beijou-a -- além do compromisso. -- seguiu beijando o pescoço da morena
--Ai, Cátia... -- gem*u -- Pensei que precisava de um tempo... -- sorriu
--Já tive... todo tempo... que precisava... -- respondeu entre beijos antes de percorrer uma trilha de beijos e mordidas até os seios da paleoceanógrafa
--Ai... -- gem*u fechando os olhos -- que mulher é essa...? -- mordeu o lábio inferior -- Ah! -- sentiu a mordida suave em um mamilo
***
Jamila estudava alguns documentos relativos ao caso de uma senhora. Apesar de estar longe de Cidade Restinga, continuava acompanhando todos os seus clientes, embora delegasse para uma colega as ações que necessitavam da presença da advogada.
Após um bom tempo de concentração decidiu parar e descansar um pouco. Já era bem tarde.
Levantou-se da mesa e foi beber água na cozinha. Cruzou os braços e se encostou na pia relembrando o passado.
“-- Muito bem, habibit. -- Zinara vinha chegando com uma bandeja -- Hora de uma parada técnica! -- sorria
--Hayati, que coisa gostosa! -- sorriu olhando para o lanche
--Ah, eu? -- brincou -- Obrigada, são seus olhos. -- piscou
--Você também, ya gamil (sua linda)! -- beijou-a -- Senta aqui e lancha comigo! -- pediu
--E eu lá sou mulher de recusar comida? -- sentou-se de frente para outra -- Por isso que trouxe tudo em dobro! -- sorriu
--Hum... -- segurou uma das mãos dela -- Quero passar o resto dos meus dias com você... -- soprou um beijo
--Eu também! -- respondeu com sinceridade -- Não imagina o quanto invisto na gente!”
--Eu imagino sim, hayati... -- falava consigo mesma -- Hoje eu imagino...
“Foi tanto que eu te amei,
E não sabia,
Que pouco a pouco eu,
Eu te perdia,
Eu te amo...”
Outras lembranças vieram.
“--Ma hatha? (O que é isso?) Por que quer terminar? Eu não entendo! -- Zinara falava agoniada -- Ana la afham! (Eu não entendo!)
--Eu preciso de um tempo! -- respondeu impaciente -- Não tô acostumada a ter compromisso com ninguém e isso me sufoca! -- colocou as mãos na cintura -- AHHa! -- reclamou
--Não te sufoco! -- protestou -- Nunca fiz isso e se fiz, me ajude a não mais fazer! -- pediu com tristeza
--Ah, Zinara... -- não sabia o que dizer -- Depois a gente conversa! -- pegou a bolsa e partiu”
“E aquele louco amor,
Inesquecível,
Tirar do coração,
É impossível
Eu te amo...”
Fechou os olhos e respirou fundo.
“-- Acho que você pensa que apenas os seus sentimentos contam! -- a astrônoma acusou -- Você não se importa em me magoar, não é?
--Não faça drama, Zinara! -- reclamou -- E não deveria ter vindo aqui a essa hora da noite! Sabe que é perigoso!
--Ouça o que te digo, habibit! -- afirmou com lágrimas nos olhos -- Quando eu desistir de você, será em definitivo! -- prometeu"
“Te amei demais,
Enlouqueci,
Brigas banais,
Te perdi...”
“-- Tenho pensado muito em nós... -- abaixou os olhos
--E...? Bitichkii min eh? (Qual é o problema?)
--É melhor a gente... -- olhou para a outra -- terminar...
--O que??
--Não dá mais, Zinara... Nós queremos coisas tão diferentes... -- suspirou
--Eu não acredito nisso! -- libertou-se das mãos da jovem -- Será possível que você nunca vai crescer, Jamila? -- perguntou magoada -- Vai sempre cismar e um belo dia, sem mais sem menos, me dizer que acabou? -- sorriu incrédula -- Depois eu é que não tenho noção das coisas! -- desvencilhou-se para se levantar
--Por que sempre se aborrece quando sou sincera com você? -- perguntou chorosa
--Sincera? -- olhou para a amante com a cara feia -- Sinceridade pra você é isso, é brincar com os sentimentos dos outros?”
“O tempo já passou,
E eu não consigo,
Calar meu coração,
E às vezes digo:
Eu te amo...”
“--Por favor, Cláudia! O que tá acontecendo, porque Zinara tirou essa licença?
--Usa tua cabeça de geógrafa e advogada, que você mata a charada! Afinal de contas vocês ficaram juntas por cinco anos e não é possível que seja tão lesa!
Sentiu um aperto no peito. -- Ela tá com câncer? -- segurou a outra pelos braços -- O nódulo virou câncer? Fala Cláudia!! -- pediu aflita -- Eu li no Yoom Kitaab que a avó dela morreu de câncer no pâncreas!!
--Leu onde?!
--Fala, droga!! -- repetiu em tom mais alto
--O que é que você acha, hein, mulher? -- desvencilhou-se da advogada com raiva -- Raciocina, o que é que você acha? -- emocionou-se -- Ela sofreu muito durante a vida! Passou por coisas terríveis e você ainda fez questão de dar sua parcela de contribuição na merd* toda!
--Mas eu não sabia... -- começou a chorar -- Juro que não sabia... -- levou uma das mãos aos lábios
--Não é preciso saber do histórico de uma pessoa pra entender que ninguém deve ferir um coração e brincar com os sentimentos alheios! -- passou a mão nos olhos -- Você tem o direito de não querer manter um relacionamento com ela, mas não tinha o direito de ser cruel!”
--Eu joguei fora a oportunidade de ser feliz com a única mulher que me amou de verdade e agora ela tá morrendo... -- chorava contidamente -- Se eu pudesse voltar no tempo... -- suspirou -- Ah, se eu pudesse... -- lamentou -- Como me arrependo... como me arrependo...
“Te amei demais,
Enlouqueci,
Brigas banais,
Te perdi...”
Zezé di Camargo e Luciano – Eu te Amo [a]
***
--Não, não, não, eu não acredito nisso!!! -- Leda gritava pela casa -- Ai, meu Deus, eu não acredito! -- andava de um lado a outro -- Por que, meu Pai, por que? Responde a essa velha sem vergonha que te pergunta agoniada! -- olhava para o alto -- É muito desgosto pra um só peito!
--Mamãe!! -- Clarice arregalou os olhos surpreendida -- Pára de fazer escândalo, ainda mais com o nome de Deus no meio! -- ralhou
--Eu devo ter pintado o diabo na outra encarnação, não é possível! -- gesticulava -- Demorei a engravidar mas no final tive três filhas! E pra que? -- lamentava-se -- Três filhas, meu Pai, e tudo mal criada! -- reclamava -- Maria da Barroca, Meiribel e La Enviadita!
--Mas que conversa é essa? -- cruzou os braços de cara feia -- Por que minhas irmãs e eu somos todas mal criadas, posso saber?
--Raquel fez igual a menina da novela Maria da Barroca: moça bonita, estudada e culta, que arrumou um marido ogro e vive uma vida de Amélia morando em cortiço! -- respondeu de cara feia -- Só falta ela lavar roupa na bacia e jogar a água suja no meio da vila! -- balançou a cabeça contrariada -- E o homem ainda vem aqui e me fala que tá “cuns pobrema”! -- gesticulava furiosa -- É uma tristeza aquilo lá!
--De fato... -- concordou -- Mas Raquel é muito romântica, né, mamãe?
--Cecília, a Meiribel da família, troca de homem igual quem troca de roupa! E é só bomba: -- enumerava nos dedos -- o vagabundo do rêgo de fora, o transformista da Praça da Cruz Roxa, o homem de religião que cheirava cola de sapateiro, enfim, tudo safado que ela trata como rei e ainda põe dinheiro no bolsinho deles!
--É... -- concordou reticente -- É que Cecília sonha em encontrar o príncipe encantado aí dá nisso...
--Pois ela só encontra é príncipe cagado! -- respondeu de pronto -- E você, minha última esperança de alguma dignidade nessa família, assume seu lado La Enviadita e vai se pegar com a tarada da praia! -- deu um soco na mão -- Foi lá pro nordeste, saiu daqui pra tão longe, pra que? Pra participar de reunião, cuidar de tese de aluna e fazer vexame voltando pra Romildona!
--Ah, mamãe, por favor! -- pediu ao se sentar -- Eu fiquei arrasada em saber que Zinara tava solteira o tempo todo e agora tem saído com uma estrangeira não sei da onde! -- defendia-se -- Eu não agüento mais, preciso sufocar esse sentimento dentro de mim! -- passou a mão nos cabelos -- É muita agonia na minha vida!
--Igualzinho a La Enviadita... -- sentou-se também
--Por favor, não me compare mais com essa aí! -- pediu chateada -- E Cátia me pareceu muito sincera! Eu nunca senti da parte dela o que percebi dessa vez!
--Humpf! -- fez um bico -- Ela não te conta toda a verdade! -- retrucou -- Cadê que assumiu a safadeza na praia? -- olhava para a filha -- E você acreditou naquela crise de cistite que ela disse? -- balançou a cabeça -- Ela devia estar é com outra e ficou se alternando entre as duas no bar! -- deu um tapa na perna -- Duas trouxas, você e a outra!
--Eu não a vi com ninguém, não posso julgar! -- abraçou-se com uma almofada -- A senhora podia dar uma chance a ela. Agora que estamos namorando...
--Nem me lembre disso! -- interrompeu a fala dela -- Saber que você namora uma tarada me é motivo de desgosto. E muito desgosto!
Deu um suspiro. -- Desisto... -- balançou a cabeça contrariada
--Aprende uma coisa, minha filha: bicha avisada apanha por ser safada! -- levantou-se -- Burra fui eu em ter perdido tempo colocando em vocês nomes de escritoras consagradas deste país! Adiantou foi nada! -- foi andando para o quarto -- Se as três fossem mais novas, eu tinha feito outro tipo de homenagem, como: Tati quebra Sarrafo, Vanessinha do Pingachu e Catitta, a funkeira fashion!
Clarice teve que rir. -- Ai, mamãe, eu não agüento com a senhora, viu?
--Fica atenta, viu, menina? -- olhou rapidamente para a filha -- E de tempos em tempos passa a mão na testa! -- aconselhou -- Qualquer protuberância que sentir já sabe o que é! -- deu tchauzinho sem olhar para trás -- Lancei enigma pra você pensar, tá? Fui! -- foi embora
--Ela fala de um jeito que sempre me deixa cabreira... -- passou a mão na testa -- Será que Cátia vai me fazer falseta?
Fim do capítulo
Música do Capítulo:
[a] Eu Te Amo (And I Love Her). Intérpretes: Zezé di Camargo & Luciano. Compositores: John Lennon / Paul McCartney. Tradução: Roberto Carlos. In: Dois Corações e Uma História. Intérpretes: Zezé di Camargo & Luciano. Columbia, 2004. 1 Box Set, 7 CDs e 1 DVD, CD 1, faixa 3 (2min57)
Comentar este capítulo:
PaudaFome
Em: 26/05/2024
Tudo incrível lindo e emocionante. Tem cousa que ainda faz rir! Cátia que cafa! Kkkk você é uma autora como ninguém! Parabéns
Sem cadastro
Em: 14/06/2024
Olá querida!
Muito obrigada!!!!
Beijos,
Sol
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Samirao
Em: 07/10/2023
Femines vc tá devendo aquela análise.
Solitudine
Em: 11/11/2023
Autora da história
Mulher, não fica cobrando!
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Femines666
Em: 16/03/2023
Zinara se julga muito mal, muito por baixo. E Clarice achando sempre que é um prêmio de consolação. Que elas se encontrem logo!! Casal tudo a ver!
Resposta do autor:
Esse veio repetido.
Beijos em dobro!
Sol
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Femines666
Em: 16/03/2023
Zinara se julga muito mal, muito por baixo. E Clarice achando sempre que é um prêmio de consolação. Que elas se encontrem logo!! Casal tudo a ver!
Resposta do autor:
Olá querida!
Você está certíssima!
Mas aguarde, muito ainda vai acontecer!
Beijos,
Sol
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Seyyed
Em: 17/09/2022
A gente aprende ciências, conhece lugares novos, ri, chora, se emociona, torce... esse é O CONTO! EBT se mostrando mais uma obra prima!
Clarice e Zinara só se desencontrando. Na torcida porque é tudo a ver as duas.
Resposta do autor:
Obrigada!!!!!!!!
Sim, elas se desencontraram demais, porém, nada é para sempre.
Beijos,
Sol
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Gabi2020
Em: 11/05/2020
Olá!
Já levei passada de mão em aeroporto, que ódio! Detesto esse tipo de abuso!
Meu Deus essa Regina era sem noção demais! Kkkkkk... Massssss confesso, lembro dessas nossas conversas e lembro da minha empolgação com a Karim, mas sempre com muito respeito... Kkkkkk...
Você e suas aventura dariam um livro.
Meu home office que havia sido suspenso, voltou! Não sei se fico triste ou alegre...
Se cuida tá?
Beijos
Resposta do autor:
Gabinha!!!
Confessa que lembra, né? Inclusive daquela sua afirmação que depois foi dita ter sido um "engano": E muito mesmo madame! kkkk
Já me disseram que minha vida daria um livro. Acho que sim. E um livro lindinho.
Como assim havia sido suspenso? Você ia trabalhar presencial e não vai mais? Se for, melhor. A situação está péssima!
Estamos nos cuidando.
Beijos,
Sol
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Gabi2020
Em: 11/05/2020
Solzinha querida tudo bem?
Zinara hein? Essa aí manja, speak english lindamente, além de falar mais de uma dúzia de idiomas, ou seja, parece você! A diferença acho eu, é que você não se mete no tanto de enrrascada que ela se mete, porque de resto quase irmãs, ambas são caipiras inteligentíssimas, falam mil idiomas, pesquisadoras bem sucedidas que não tem o trabalho reconhecido e muito divertidas.
Aplaudindo Zinara de pé!!! Bichinha porreta!!
Gente tadinha da Clarice, atacada em pleno aeroporto... Kkkkkkkk.... Solzinha tem alguma história de raio x de aeroporto? Kkkk...
Tensão entre Zinara e Karim, parece que vai sair faíscas! Porra que palestra da Karim... Muito boa!
Clarice tem algum problema na bexiga? É só chegar a um bar que vai ao banheiro! Kkkkkk...
A Cátia é uma cara de pau, sem vergonha e sacana, massssss tem um coração que não é de gelo... Lídia, grandes transformações.
Mas gente de onde saiu essa Regina? Kkkkkkkk... Olha as conversas!! Senhorrrrrrr....
Zinara fraquinha pra bebida, mas foi só chegar no hotel que o efeito do álcool passou rapidinho! Kkkkk... O quarto tremeu, as duas quase causaram um terremoto e Karim fugiu! Eita boi! Aí no mei desse turbilhão aparece Clarice... Eita! O melhor da conversa delas é o que pensam e não falam e ainda brigam igual adolescentes, qual a idade delas mesmo? 12?
A astrônoma é muito fofa, pede em namoro de uma forma tão bonitinha. Mas a bcha foi escalar mesmo!
É Jamila... Difícil!
Dona Leda é uma lenda! KKkkkk...
Beijos ! Uma semana iluminada pra você!
Resposta do autor:
Gabinha!!!!
Demorei mas estou eu aqui respondendo tudo desta leva de ótimos comentários!
"ambas são caipiras inteligentíssimas, falam mil idiomas, pesquisadoras bem sucedidas que não tem o trabalho reconhecido e muito divertidas". Gabinha, não sou esta coisa toda. Zinara é muito melhor; não quero decepcioná-la.
"Solzinha tem alguma história de raio x de aeroporto?" Tenho!!! Já tomei umas passadas de mão de mulher tarada. E eu detesto abuso!
"Clarice tem algum problema na bexiga? É só chegar a um bar que vai ao banheiro!" Ela e Cátia, né? Só que a loura inventa motivo! Kkkkkk...
"Mas gente de onde saiu essa Regina?" Da onde? Da onde?? Ah, Gabinha, tem conversa aí que nós tivemos, viu? Eu lembro bem. Especialmente essa da época da "Karim"! Um exemplo da coisa "quando a vida imita a ficção" ou será o contrário? kkkkkk
E como teve briga adolescente entre estas duas! kkkk
"A astrônoma é muito fofa, pede em namoro de uma forma tão bonitinha. Mas a bicha foi escalar mesmo!" E JAMAIS deixaria de ir!! Seria um pecado! Agora te digo uma, a parte real em que o conto se mistura com a vida: levei uma lufada de vento que fui brevemente suspensa do contanto com o solo. Mas tudo deu certo. Estou viva do lado de cá! kkkkk
"Dona Leda é uma lenda!" Velhinha terrível e muito especial! :)
Beijos e uma semana iluminadíssima para você também!
E tome de homeoffice no juízo da gente! kkk
Sol
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Solitudine Em: 14/06/2024 Autora da história
Olá querida!
Muito obrigada!!!!
Beijos,
Sol