Transliteração de EMOÇÕES
GHAWAATIF
CAPÍTULO 19 – Cenas de Novela
Cátia estava em sua sala repassando o material que iria apresentar na palestra. Faltava pouco mais de duas horas para o início do evento.
--Professora? -- uma jovem oriental bate suavemente no portal -- Será que posso?
A loura reconheceu a voz de Lilian e sorriu sem olhar para ela. -- Entre. -- autorizou
--Se preparando pro grande evento? -- aproximou-se cheia de charme -- A Escola em peso vai comparecer. -- sorriu
--Fico excitada com isso! -- olhou para a jovem de cima a baixo -- E acho que acabei aqui. -- salvou o documento
--Fica? -- debruçou-se sobre a mesa -- Pensei que o excesso de trabalho tivesse te deixando soft. -- provocou -- Já faz um tempo que... você não...
--Aqui é meu lugar de trabalho, garota! -- interrompeu a fala da outra -- Não posso ser surpreendida com uma ex aluna em situação comprometedora! -- respondeu em voz baixa
--Conheço um lugar, -- ergueu-se novamente -- onde ninguém vai ver, mesmo se a situação for... -- lambeu-se -- "metedora”... -- caminhou novamente até a porta
Cátia riu brevemente e se levantou. -- Você é muito vagabunda mesmo, né? -- aproximou-se com um olhar faminto
--Tanto quanto você, -- piscou -- "fessora”. -- saiu da sala da loura
Olhou para o relógio. -- Acho que dá tempo! -- balançou a cabeça
***
--Então é aqui? -- Cátia perguntou ao entrar no banheiro, onde era aguardada por Lilian -- Ninguém vem nesse banheiro? -- caminhava lentamente para perto da outra
--A reforma acabou sexta passada e quase ninguém sabe. -- respondeu ao se encostar na parede -- Demorou tanto tempo que muitas garotas nem se lembram mais que esse banheiro existe. -- sorriu sensualmente
--Hum... -- parou diante da ex aluna apoiando uma das mãos na parede -- Então quer dizer que eu posso fazer o que quiser com você aqui dentro, -- deslizou a outra mão para dentro da calcinha da garota -- que ninguém vai ver e nem ouvir? -- roçou os lábios na boca da jovem -- Hein?
--Ai... -- arrepiou-se -- eu sei que ninguém vai ver, mas ouvir... -- abria a calça da loura -- eu já não posso garantir... -- beijou-a
--Entra ali! -- indicou uma cabine com o queixo -- Levanta a saia e tira essa calcinha que eu quero você agora! -- ordenou com a voz rouca de desejo enquanto estimulava a amante com os dedos -- Agora! -- avançou furiosamente beijando e mordendo o pescoço da outra
--Ai, Cátia... -- buscava desabotoar a blusa da geofísica -- E o jogo de sedução, as prelimares, como é que fica? -- brincou
--Com a gente não tem isso, garota! -- abriu a porta da cabine e empurrou-a para dentro -- Aqui é estilo fast food! -- fechou a porta -- Ou melhor, -- sorriu -- fast fuck! -- imprensou-a contra a parede e se abaixou para tirar-lhe a calcinha
--Ah, ah, ah, ah!!! -- Lilian gem*u ao sentir os lábios da professora devorando seu sex* -- Ai, amor... -- mordeu o lábio inferior -- Hum... -- puxou a saia para cima e amarrou-a na cintura do jeito como pôde
Interrompeu brevemente o que fazia para ordenar: -- Abre mais as pernas!
--AHAHAH!!! -- obedeceu e gem*u mais alto
A jovem abriu os braços e apoiou as mãos nas paredes da cabine para se firmar melhor, enquanto que Cátia invadia-lhe o sex* com a boca faminta. Ajoelhada entre as pernas de Lilian, a professora deixava que suas mãos explorassem o corpo da moça sem quaisquer pudores.
--Ah, ah, ah!!! -- gemia -- Ai! -- sentiu que a amante lhe apertava um seio -- Ai, eu tô quase lá...
Cátia levantou-se e imprensou a outra contra a parede, penetrando-a com pressa. Com a outra mão levantou uma coxa da ex aluna e apertou-a com toda força que podia.
--Ai, vem, vem!! -- fechou os olhos e esticou o pescoço, deliciando-se com os beijos e mordidas furiosos da parceira -- Me come, vem! -- Lilian pedia
--Gostosa... gostosa... -- dizia entre beijos
--AH, AH, AH!!!!! -- gozou gem*ndo alto -- AH!!!! -- sorriu -- AH!!!!
--Agora vem! -- Cátia ordenou -- Anda logo!
A loura arriou as calças e terminou de desabotoar a blusa semi aberta.
--Ai, calma. -- pediu ao se ajoelhar -- Nossa, toda molhada! -- mordeu-lhe a coxa
--Anda, garota! -- insistiu -- Daqui a pouco chega alguém nesse banheiro!
--Que nada... -- segurou a professora pelas coxas e mergulhou entre as pernas dela
A geofísica espalmou as mãos na parede e fechou os olhos. Adorava o modo como Lilian a estimulava com a língua.
--AHAH!!! -- gem*u ao sentir os dedos da jovem dentro de si -- Mais rápido, vai! -- pediu -- AHAHAHAHAH!!!!! -- rapidamente atingiu o orgasmo -- AHAHAHAH!!!
--Que pena... -- arranhou a barriga da amante -- foi tão rápida... -- deslizou as mãos até os seios da loura
--Eu tava... doidinha. -- respondeu com a respiração ainda acelerada -- Ah... -- suspirou
--Hum... -- seguia beijando a barriga da loura -- que pele... -- abriu o sutiã dela -- macia... -- mordiscou-lhe um mamilo
--Ah... -- Cátia gem*u
--Quer mais, amor? -- perguntou sussurrando no ouvido
--De costas pra mim! -- virou a parceira e novamente imprensou-a contra a parede
--Ai, quase bateu com minha cara na parede! -- reclamou dengosa
--Você gosta desse tratamento! -- mordia a orelha da outra enquanto deslizava uma das mãos para o sex* dela -- Você gosta...
--Amiga, nem te conto! A prova de ontem foi muito foda!
Cátia interrompeu o que fazia. -- Que merd*! -- resmungou baixinho
--É mesmo, é? Caraca, fiz muito bem de ter matado essa prova!
--Estuda, porque a segunda chamada vai ser tão foda quanto!
Duas alunas acabavam de entrar no banheiro.
A geofísica se afastou de Lilian, que se virou de frente para ela e reclamou baixinho: -- Que azar!
As duas amantes ficaram tensas e começaram se vestir novamente.
--E a merd* dessa duchinha tá sem água! -- a professora tentou se lavar em vão
--Puta... -- a jovem revirou os olhos
--Você ouviu isso? -- uma das moças perguntou desconfiada -- Vozes, uns sussurros, sei lá.
--Deve ser alguém falando no celular enquanto descarrega um barro. -- riram -- Aqui, deixa eu te mostrar! -- falou para a outra estudante -- Olha só como a festa da minha bisa foi maneira. Copiei todas as fotos pro meu tablet. -- pausou brevemente -- Olha!
--Caraca, a bisa toda moderninha! -- achou graça -- E são noventa anos, né? Será que eu chego lá?
--Se eu tiver mais umas três provas como as de ontem, com certeza não chego! -- brincou
--Não me diga que essas miseráveis vão ficar aqui no banheiro vendo foto? -- Cátia reclamou aos sussurros
--Que merd*! -- Lilian trincou os dentes
***
--Senhoras e senhores, boa tarde. -- o diretor da escola comunicava ao microfone -- Algum imprevisto deve ter acontecido pois a doutora Cátia Magalhães ainda não chegou. -- explicava -- Certamente o trânsito da cidade não deve estar ajudando. -- sorriu -- Vamos esperar mais alguns minutos, por gentileza! -- pediu -- Eu garanto que valerá a pena!
--Gente, onde será que Cátia se meteu? -- Clarice perguntou a Magali -- É sempre tão pontual.
--Deve ser por causa de engarrafamento mesmo. -- respondeu despreocupada -- Daqui a pouco ela chega aí.
Enquanto isso, Cátia e Lilian aguardavam ansiosamente que as alunas saíssem do banheiro. Agora já eram quatro moças conversando animadamente.
Meia hora depois...
--Ih, chegou! -- Magali cutucou Clarice, que respondia seus e-mails via celular -- Nossa, ela tá esquisita! -- comentou com estranheza -- Descabelada, roupa amarrotada... A blusa parece até que saiu do bucho de algum boi!
--É mesmo! -- Clarice concordou -- Nunca vi essa mulher nesse desleixo! E parece nervosa!
Após conectar seu laptop aos cabos do datashow e de aguardar o pronunciamento do diretor da Escola para a abertura oficial do evento, a geofísica cumprimentou o público e se desculpou pelo atraso. -- Eu peço mil perdões a todos por essa meia hora de atraso! -- falava com um certo nervosismo -- Eu fui vítima de uma tentativa de assalto e foi por isso que os deixei aqui esperando tanto. -- as pessoas se alarmaram -- Ainda tô meio tensa e... -- passou a mão nos cabelos -- Não reparem na minha apresentação, -- passou a mão na blusa -- eu devo estar com um aspecto meio descuidado, mas... espero que compreendam.
--Que absurdo! -- o diretor da Escola reclamou dando um soco na mesa -- Não se tem mais paz nem na Cidade Universitária! Aonde essa violência vai parar?
--Coitada, gente! -- Magali olhou para Clarice -- Já pensou? É por isso que ela tá assim! -- apontou para a outra -- Nem um batom ela tá usando!
A paleoceanógrafa olhava para a loura e por um momento intrigou-se com o fato de que o caro relógio dourado continuava no pulso da geofísica.
***
--Meus amigos, como eu desejo que todos aqui entendam bem e a platéia é multidisciplinar, vamos começar do começo! -- Cátia projetava sua apresentação no telão -- Afinal de contas, o que é esse tal de Prima di Sale? Por que esse nome? -- olhou para os presentes -- O Prima di Sale é um conjunto de grandes reservatórios de petróleo e gás natural, situados a cerca de 180km do litoral de Terra de Santa Cruz, entre 5000 e 7000 metros de profundidade. Isso quer dizer que: -- explicava -- são cerca de 2000 metros de coluna de água e mais uma camada de 3000 a 5000 metros abaixo do leito marinho. -- mostrava as imagens dos reservatórios em 3D -- Observem que o solo abaixo do leito marinho, como é o usual em nosso planeta, apresenta uma série de camadas estratificadas. -- indicava com o apontador laser -- A camada imediatamente acima dos reservatórios é uma camada de um sal viscoso, que apresenta mais de 2000 metros de espessura em certas áreas! -- novamente olhou para o público -- Por isso o nome ‘Prima’, que quer dizer ‘antes de’, e sale, que quer dizer ‘sal’.
--Mas o nome não deveria ser ‘depois do sal’? -- um estudante questionou -- Se alguém perfurar um poço pra explorar o Prima di Sale vai ter que passar primeiro pelo sal pra depois chegar no óleo! -- ponderou
--Não, porque em geologia a cota ‘zero’ -- fez aspas com os dedos -- é o núcleo do planeta. Então se um viajante imaginário partisse de uma expedição subterrânea a partir do núcleo do planeta, essa pessoa chegaria nas reservas do Prima di Sale antes de chegar na camada de sal, entendeu? -- o rapaz balançou a cabeça positivamente
--E eu que não sabia disso! -- Magali comentou -- Não entendia esse nome de Prima di Sale! Sempre achei que deveria ser Pós Sale!
--Agora eu vou mostrar pra vocês, através de uma simulação 3D, como foi que o Prima di Sale se formou. -- um filme de curta duração começou a ser exibido -- Há 122 milhões de anos atrás iniciava-se a deposição das rochas geradoras. -- a platéia prestava atenção -- Mais tarde, há 108 milhões de anos, as rochas reservatório do Prima di Sale e o sal começavam a ser depositados. -- o filme apresentava as movimentações tectônicas do planeta -- E há 79 milhões de anos atrás temos a deposição das rochas sobre o sal, formando uma região que também tem petróleo, a qual representa a zona que a gente conhece e explora há tempos. -- uma última imagem encerra o filme -- E aqui, vocês vêem a estrutura atual do planeta Água.
--E tem diferença entre a geologia do petróleo da camada sobre o sal e do Prima di Sale, professora? -- uma moça perguntou
--Sim, e as diferenças são consideráveis! -- respondeu prontamente -- Os reservatórios do Prima di Sale são compostos por rochas carbonáticas e nossa experiência em prospecção e exploração é toda baseada em rochas... arenosas, vamos dizer assim. -- explicava -- Isso significa um desafio imenso na produção e a necessidade de um novo modelo exploratório. A boa notícia é que o óleo do Prima di Sale é leve e de excelente qualidade.
--Não à toa os gringos estão de olho... -- Clarice comentou em voz baixa
--O Prima di Sale se extende por 800km no litoral, desde o estado de Sanctu Spritum até o estado de Santa Casta, e tem cerca de 200km de largura. Seu potencial petrolífero ainda é motivo de intensos estudos e muita polêmica, mas sabemos que temos ali, pelo menos, 28 bilhões de barris de óleo equivalente. Esse número por si só já representa o DOBRO do que descobrimos até hoje em Terra de Santa Cruz nos últimos sessenta anos!-- debruçou-se sobre o púlpito -- Meus amigos, há estudos sérios que indicam que as reservas do Prima di Sale podem conter até 123 BILHÕES de barris de óleo de excelente qualidade, ou seja, cerca de OITO vezes mais petróleo do que temos no país inteiro. Isso é MUITO óleo, gente! -- enfatizou -- Para vocês terem uma idéia, é mais do que as reservas provadas do Dawlat al-Kuwayt, país que ocupa o quinto lugar no ranking mundial, segundo o que foi divulgado neste ano pela OPEC em seu Annual Statiscal Bulletin. -- as pessoas ficaram supresas -- E ainda existe uma chance de 10%, percentual este que pode subir com a evolução dos estudos, que as reservas do Prima di Sale totalizem 206 BILHÕES de óleo equivalente, colocando nosso país em TERCEIRO lugar no ranking mundial, atrás apenas da Repúblina Bolivariana e de El Arb Saud.
(Nota da autora: OPEC = Organização dos Países Exportadores de Petróleo)
--Minha nossa! -- um professor exclamou boquiaberto -- Eu não tinha idéia disso! É muito petróleo, meu Deus! Que riqueza absurda!
--E enquanto isso os estados deste país brigam pelos royalities! -- Cátia respondeu -- Os royalities do petróleo são apenas a ponta do iceberg, é um dinheiro que representa somente 15% dessa riqueza toda! -- olhava para o colega -- Os outros 85% restantes estão sendo entregues de bandeja pras multinacionais estrangeiras através dos chamados leilões do petróleo. -- pausou brevemente -- Mas antes de tocar neste assunto, vamos discutir um pouco sobre a geopolítica do petróleo.
Nesse momento, Lilian entra no auditório para assistir a palestra. Cátia olha de relance para a jovem e projeta a nova lâmina no telão.
--Olha a hora que a garota chega! -- Magali cochicha com Clarice, que nada respondeu
--Considerando o Annual Bulletin da OPEC, o país detentor das maiores reservas de petróleo do mundo é a República Bolivariana, com 297 bilhões de barris. A exploração do óleo é realizada por uma empresa estatal e, não à toa, esse país é considerado uma ditadura inimiga de Godwetrust. -- sorriu -- Enquanto isso, o segundo lugar em reservas é El Arb Saud, que detém 265 bilhões de barris, e é o país mais fundamentalista do mundo! Acreditam que lá uma mulher sequer pode dirigir um carro? Ou comprar um pão numa padaria se não estiver com um homem do lado? Agora me digam: quem está preocupado com os direitos das mulheres daquele país? Alguém fala em instaurar uma democracia por lá? Alguém reclama daquela ditadura monárquica que é conduzida pela mesma família há séculos? -- provocou -- Fácil entender porque: a exploração do óleo em El Arb Saud é toda privada, graças a eles a economia do mundo foi dolarizada e há várias bases militares de Godwetrust espalhadas pelo país inteiro. Depois disso, quem vai querer briga, né?
--É uma safadeza tão grande! -- Clarice exclamou revoltada -- Dá uma raiva!
--O terceiro lugar no ranking do ouro negro é a Pérsia, que por sua vez é o segundo lugar mundial em reservas de gás. A exploração do petróleo é estatal. -- apresentava um gráfico no telão
--E por coincidência, assim como no caso da República Bolivariana, a Pérsia também é uma ditadura terrível e ainda ameaça o mundo com sua poderosa tecnologia nuclear! -- uma jovem ironizou
--Pois é! -- Cátia concordou -- Descobriu-se que Pérsia ameaça o mundo assim como, após anos de subsídios militares para Haddad Houssani, Godwetrust subitamente descobriu que aquele homem era um ditador cruel que precisava ser deposto para que a Babilônia tivesse paz! -- ironizava também -- E a Babilônia, quarto lugar do ranking, foi invadida em nome da justiça e da democracia! -- pôs a mão no peito -- Após a invasão, toda a exploração dos 140 bilhões de barris de óleo passou a ser feita por empresas privadas.
--Muito conveniente, não? -- outro professor comentou revoltado -- E o quinto lugar é ninguém menos que Dawlat al-Kuwayt, outro país que joga parceirinho com o capital internacional!
--E 80% do petróleo deles segue direto pra Godwetrust, Germânia, Saxônia, Nippon e Gália. -- Cátia mostrou outro gráfico -- Como não ser parceiro de um país desses, né, gente? Alguém vai falar mal da ditadura que tem lá? Não pode, né?
--E aí, correndo o sério risco de chegar nas cabeças desse ranking, estamos nós! -- outra professora comentou -- E aqui não precisa invadir, né? Com os políticos que a gente tem... -- revirou os olhos
--Aqui, em Terra de Santa Cruz, o grande problema é que a gente faz o que ninguém faz! -- Cátia respondeu olhando para todos -- A nossa estatal prospecta e mapeia todas as reservas de petróleo, investindo seu próprio dinheiro e recursos humanos, e depois de todo esse trabalho feito, a gente abre as portas para as multinacionais estrangeiras, que não gastaram um centavo sequer nesse processo, e diz pra elas: “Vem cá gente, olha o que eu tenho aqui! Tá pra leiloar, quem vai?”
--Mas é assim mesmo, professora? -- um rapaz perguntou descrente -- Esse argumento não é o papo do pessoal do contra sempre se fazendo de vítima do capital estrangeiro?
--Eu vou ler pra você um trecho da entrevista do Engenheiro Paulo Metri e vai ficar mais claro. -- pegou uma revista e abriu -- "Várias empresas estrangeiras já ganharam blocos, descobriram e estão produzindo petróleo, e nenhuma delas contratou uma simples plataforma no país. (...) Elas têm um bloco no mar, trazem suas plataformas do exterior, o petróleo sai do fundo do mar e já vai para um navio que nem passa pelo território nacional, e as empresas tampouco pagam imposto pela exportação do petróleo por causa da Lei Kandir. Quer dizer, as empresas só pagam os royalties, que é uma parcela mínima, de 10%, comparado com a lucratividade do setor, que deve ser algo em torno de 45%”. -- encerrou a leitura -- Estes são os fatos, ninguém tá se fazendo de vítima. Na verdade, Terra de Santa Cruz e seu povo, que somos nós, é que nos vitimamos sem perceber!
--E tem mais que se possa dizer! -- Clarice interferiu ao se levantar -- Os porta-vozes dos leilões dizem que o dinheiro arrecadado permite investimentos enormes em educação, possibilitando a construção de mais creches, de mais escolas profissionalizantes, e mais vagas nas universidades, mais pesquisa, mais inovação, professores com melhores salários e por aí vai. -- olhava para todos -- Mas sejamos realistas: após onze leilões do petróleo me digam se alguém notou qualquer melhoria na nossa qualidade de vida? -- questionava -- E o dinheiro dos royalities? O que ele financiou, além de campanhas políticas e obras de fachada? A educação de São Sebastião já é considerada a segunda pior do país e nós somos os maiores produtores de óleo dessa terra!-- calou-se bruscamente -- Ih! -- cobriu os lábios com uma das mãos -- Acho que me empolguei. Desculpe. -- pediu envergonhada ao se sentar
--Não se desculpe, meu amor! -- Cátia respondeu melosa -- Sua intervenção foi mais que oportuna e tudo que você falou está corretíssimo!
--Meu amor? -- Lilian resmungou ao olhar na direção de Clarice -- Não vai me dizer que Cátia dá uns pega nessa índia aí?
--E nesse contexto polêmico, o Governo anunciou que o primeiro leilão do Prima di Sale acontecerá em outubro.-- a geofisica continuava -- Querem entregar nada menos que o Campo de Balança, o qual sozinho totaliza cerca de 15 bilhões de barris, ou seja, nosso país em reservas provadas. -- olhava para todos -- Quem ganhar o leilão vai pagar ao governo algo em torno de 15 bilhões de reales e esse dinheiro vai pro Tesouro Nacional, o qual provavelmente vai depositar tudo na caixa comum; aquela mesma caixa que paga os juros da dívida interna pra não mais de 5 mil acionistas de bancos.
--E por que o Tesouro Nacional, ao invés de pagar juros à meia dúzia de especuladores da dívida interna, não aplica recursos em investimentos do Prima di Sale? -- um aluno perguntou revoltado -- Por que?? Por que não incentivam a indústria nacional, que descobriu essa reserva, detém a tecnologia inédita de exploração em águas ultra profundas e conseguiria financiamento em qualquer banco do mundo??
--É a pergunta que eu me faço todos os dias! -- a geofísica respondeu -- Mas acho que as respostas são óbvias e estão aí diante de nós. -- apresentou como último slide a bandeira nacional -- Quem sabe honrar essa bandeira aí -- apontou para o telão -- e ocupa um cargo de autoridade política deveria ser contra esse e qualquer outro leilão! Mas já que não é o caso, que ao menos nós, o povo de Terra de Santa Cruz, nos mobilizemos contra isso, que é a maior entrega do nosso patrimônio ao capital internacional! -- falava com paixão -- Chega de ser colônia, gente! Chega de dizer que esse -- apontou para o chão -- é o país do futuro, porque eu ouço isso desde criança e o tal futuro nunca que acontece! É hora de se mobilizar, é hora de dizer não! Chega de entreguismo, chega de pouca vergonha, chega de corrupção!
--É isso aí!! -- alguns alunos gritaram
Quase todos ficaram de pé e os aplausos ecoaram por todo salão.
--Essa mulher é tudo que você precisa, amiga! -- Magali cochichava com Clarice -- Você já reparou que força, que paixão?
Cátia agradecia ao público emocionada.
--E que perigo... -- a paleoceanógrafa respondeu olhando para a loura
(Nota da autora: baseado em http://www.opec.org/opec_web/static_files_project/media/downloads/publications/ASB2013.pdf, http://terramagazine.terra.com.br/joao-pedro-stedile/blog/2013/09/25/em-defesa-do-cancelamento-do-leilao-do-pre-sal/ )
***
Zinara conversava com seu colega John Peterson via Skype. Falavam na língua dos saxões.
--But I don’t understand, Peterson! (Mas eu não entendo, Peterson!) -- protestava -- Por que a doutora Clarice Lima Verrier não foi convidada para nosso evento de abril? Já acabou o prazo para a submissão de trabalhos e ela não recebeu sequer um e-mail! -- estava zangada -- Eu indiquei o nome dela no ano passado, a comissão teve tempo de sobra!
--Please, Zinara, don’t get us wrong! (Por favor, Zinara, não nos leve a mal!) -- pediu constrangido -- Mas a aceitação do nome da doutora Verrier não contou com o consenso do grupo.
--E será que você me diria o motivo? -- perguntou seriamente
--Alguns colegas acharam que ela ainda é... inexperiente demais.
--Inexperiente demais? -- repetiu indignada -- Ela tem muito mais produtividade que o doutor Cliff Jansen e ele foi aceito sem quaisquer problemas.
Peterson ficou sem graça. -- Por favor, Zinara, isso é anti ético.
--Não estou sendo anti ética, estou tentanto entender porque trabalha-se com dois pesos e duas medidas nessa comissão! -- argumentou -- Se ela é inexperiente, nosso colega de Godwetrust também é.
--Zinara, não é tão simples assim. -- tentava se explicar -- Veja, por exemplo, o caso da doutora Karim bint Abdullah, recém admitida. O processo dela tomou pouco mais de um ano e o currículo daquela mulher é ótimo! -- exemplificou -- As análises são lentas, é assim que funciona!
--O processo da doutora Tanja Van Heimer não levou nem seis meses. Muito menos o caso do doutor Kenji Tseyoshi!
--Zinara... -- novamente se envergonhou -- está comparando coisas que não se comparam...
--Come on, Peterson, give me a break! (Vamos lá, Peterson, dá um tempo!) -- retrucou -- Sabe qual é o problema? Eu vou lhe dizer qual é: a doutora Clarice é de Terra de Santa Cruz e a doutora Karim, que eu não conheço, certamente é de algum país rotulado como Terceiro Mundo! THAT is the point! (ESSE é o ponto!)
--Oh, please, it is not important if a candidate is from Godwetrust, Nippon or wherever! (Oh, por favor, não é importante se um candidato é de Godwetrust, Nippon ou seja de onde for!) -- discordou
--Não deveria ser, Peterson, mas sabemos que é! -- respondeu de pronto -- Nesse momento, essa nossa discussão é inútil, mas fique ciente de que durante o evento eu vou convocar uma reunião e vou propor uma revisão completa no processo de admissão de novos integrantes! -- falava com firmeza -- Esse elitismo estúpido no meio da ciência tem que acabar e eu sei que se não fosse sócia fundadora, certamente meu nome não teria sido aceito no grupo! Ou então levaria dois anos ou mais para a comissão me considerar, não é isso?
O homem ficou calado.
--Bem, vamos trabalhar que o tempo se esgota. -- pausou brevemente -- Tchau, Peterson. Cuide-se.
--Take care, Zinara. (Cuide-se, Zinara.) -- encerrou a conexão
--Pouca vergonha, viu? -- a morena resmungou sozinha -- Mas Clarice vai entrar, nem que eu tenha que brigar com a comissão inteira. -- deu um soco na mesa -- Ah, se vai! Quem eles pensam que são pra ficar de preconceito idiota com a minha garota? -- calou-se e ficou pensando -- Mas ela não é minha garota... -- levantou-se e ficou circulando pelo quarto -- Baixa esse fogo, mulher, que ela já tem namorada e não quer saber de você! -- passou a mão nos cabelos -- E enquanto isso Jamila deve ter passado o rôdo no carnaval, Ave Maria... -- suspirou -- Se aposenta, Zinara, é o melhor que você faz...
***
Cátia e Clarice conversavam em um barzinho após um dia de trabalho.
--Eu pensei que no dia da palestra a gente ia conversar, mas você foi embora... -- a geofísica lamentou
--Você tava rodeada de gente querendo saber da tentativa de assalto ou conversar sobre o tema da palestra. -- respondeu com sinceridade -- Não teria como me aproximar pra conversar sobre nós.
--E será que existe um nós, Clarice? -- perguntou ao segurar as mãos da outra -- Será que já existiu um nós?
--Eu acho que me precipitei quando fui te procurar te pedindo pra me ajudar a esquecer. -- soltou as mãos da loura -- Não posso fugir de um amor por alguém nos braços de outra pessoa. Não é honesto e nem eficaz. -- falava com delicadeza
--Até quando vai insistir nesse amor platônico por Zinara? -- ficou chateada -- Clarice, por favor, pensa! Ela mora lá em Cidade Restinga, você mora aqui, não vê que nunca daria certo uma coisas dessas?
--Olha, Cátia, me perdoe mas eu não vou discutir isso com você! De mais a mais, não sinto confiança em ficar contigo desde aquele episódio em Costa Azul. -- olhava para a geofísica -- Se quer saber, até aquele seu atraso no dia da palestra eu achei suspeito demais.
--Ah, não, só faltava essa! -- reclamou cruzando os braços -- Corro risco de vida e você ainda tem a cara de pau de desconfiar de mim? O que acha que eu tava fazendo, hein?
--Sinceramente, não sei. Mas não deixei de reparar nesse seu relogião aí no pulso. -- apontou discretamente -- Que ladrão deixaria ele contigo? É óbvio que é coisa cara! -- ponderou -- E você parecia tão... sei lá.
A loura ficou visivelmente perturbada. -- Agora você passou dos limites, viu? -- pegou a bolsa e a abriu -- Já aturei muito de suas esquisitices e desconfianças, Clarice. -- jogou algum dinheiro sobre a mesa -- Você parece não cansar de me ofender e magoar meu coração. -- seus olhos lacrimejaram -- Sabe que te amo e por isso não tem receio de ferir meus sentimentos dessa maneira!
Clarice imediatamente se arrependeu do que disse. -- Por favor, querida, eu não queria te ofender desse jeito... -- segurou uma das mãos dela -- Foi um comentário infeliz, me perdoe! -- sentia-se mal -- Eu nunca deveria...
--Chega! -- recolheu a mão -- Eu tenho um coração e você não lembra desse detalhe! -- levantou-se -- Se um dia resolver crescer e viver um relacionamento de verdade, ao invés de amores de faz de conta, me procure. Enquanto isso, me esqueça! -- foi embora
A paleoceanógrafa morreu de vergonha, pois algumas pessoas prestaram atenção no final daquela conversa. Ao mesmo tempo ficou arrasada por ter magoado a geofísica.
“Ai, Clarice... Você só dá furo, nunca vi!” -- cobriu o rosto com as mãos
***
Zinara estava em casa trabalhando quando ouve batidas na porta. Era por volta de sete da noite.
--Nossa, quem será? -- correu para atender -- Uai, quem é essa? -- não reconheceu a mulher ao observar pelo olho mágico
--Hayati, por favor, sou eu! -- pediu falando baixo
--Jamila?! -- não entendeu e abriu a porta -- Uai?
A jovem entrou no apartamento da outra rapidamente. -- Eu vim disfarçada. -- tirou o chapéu e removeu a peruca -- Corro perigo!
A astrônoma fechou a porta e foi até ela. -- Calma, habibit! -- abraçou-a com força -- Calma!
--Eu sofri uma ameaça por telefone no começo do mês. -- falava chorosa -- Hoje encontrei um bilhetinho de advertência na minha caixa de correio. Alguém colocou lá, não foi postado. -- continuava abraçada com a professora -- Prestei queixa e saí da delegacia desnorteada. Comprei essa peruca e fiquei rodando por aí... Deixei meu carro na garagem do shopping antigo e peguei um táxi. -- abraçou-a com mais força -- Preciso de você, hayati! Ana xaafa! (Estou com medo!)
--Calma, habibit... -- Zinara olhou para a advogada e perguntou: -- Tá acontecendo isso por conta do caso Eduardo Hamatsu, não é? Eu tenho acompanhado pela internet. Vi que ele concedeu uma entrevista bombástica e você conseguiu colocá-lo sob proteção.
--Aywah (sim), é por isso! -- balançou a cabeça positivamente -- A primeira audiência foi marcada pra 10 de abril e certamente eles querem fazer com que eu chegue lá totalmente abalada.
Segurou delicadamente o rosto dela. -- E você quer desistir do caso?
--Abadan! (Nunca!) -- respondeu convicta -- Jamila Queiroz Haddad nunca desiste de um caso! Jamais deixaria de lutar por um inocente!
A morena sorriu orgulhosa. -- Admiro muito isso em você! Essa coragem pra lutar em nome da justiça! Essa determinação toda! -- segurou as mãos da jovem -- Mas vamos sentar. -- sentaram-se -- Quer água com açúcar ou alguma outra coisa? Está com fome? -- oferecia preocupada -- Me diga no que posso te ajudar. Ana laka, Jamila. (Estou aqui para você, Jamila.)
--Eu só queria dormir aqui essa noite com você... -- pediu súplice -- Mihtagalik, hayati! (Preciso de você, minha vida!) -- olhava nos olhos da morena -- Somente nos seus braços eu me sinto em paz!
Zinara sentiu o coração disparar ao ouvir aquilo. “Como poderia dizer não? É impossível!” -- pensou -- Fique o tempo que precisar. As portas de minha casa estão abertas pra você.
--Ah, ya helo... (Ah, sua linda...) -- suspirou melosa -- Eu te amo! -- jogou-se nos braços da ex amante
A professora ficou um pouco desconcertada. -- Como advogada você sabe o que deve fazer pra se proteger. -- mudou de posição e deitou-se na poltrona tendo a outra em seus braços -- Mas tome cuidado, Jamila. Muito cuidado. Não quero que nada de mal te aconteça!
--Eu queria ficar aqui assim com você pra sempre! -- fechou os olhos -- Mas não poderia te colocar em risco... -- acariciava o braço da astrônoma -- Amanhã cedo vou embora.
--E o que vai fazer? -- perguntou preocupada
--Tenho um ex professor que trabalha no Ministério Público e sei que ele vai me ajudar. É um homem bem relacionado e cheio de contatos. Passo lá amanhã pra gente conversar. Se tiver que ficar um tempo escondida sei pra onde ir. -- pausou brevemente -- É que essa noite eu precisava de você... -- ergueu o rosto e olhou para a ex -- Não vou tentar te seduzir ou qualquer coisa do gênero. Só quero dormir nos seus braços e nada mais.
Zinara beijou a testa da jovem e fez com que voltasse a deitar no seu peito. -- Vai dar tudo certo! Vou orar a Deus pra que a Justiça prevaleça e que ninguém faça mal a você ou a Eduardo. -- acariciava a cabeça da outra
--“Mas a Justiça não é um valor uníssono”, hayati. -- fechou os olhos
(Nota da autora: Frase da advogada Daniele Nascimento)
--Pros seres humanos pode não ser, mas pra Deus ela é uma só! -- afirmou com firmeza -- Confia, habibit. Confia! -- fechou os olhos e começou a orar
***
--Olha, mas eu vou te contar! -- Leda reclamava de cara feia -- Lesco lesco que nem esse eu nunca vi! Essa tua história com a tarada da praia e a estrangeira é mais chata que os dilemas de amor de La Enviadita!
--Como é que é?? -- Clarice perguntou achando graça
--La Enviadita, menina! -- repetiu indignada -- Novela das mais famosas que já passaram na história desse país! -- gesticulava -- É o que eu sempre digo: de oceano você sabe tudo, de vida que é bom nada! -- fez um bico
--E eu ia adivinhar que um dia existiu uma novela com um nome desses? -- balançou a cabeça contrariada -- Ai, mamãe, eu aqui sofrendo e a senhora comparando meu drama pessoal com novela!
--Porque é a mesma coisa, ora! -- argumentou olhando para a filha -- Você vive tudo o que La Enviadita vivia na trama: alimenta um amor platônico por uma pessoa, que no seu caso é a estrangeira, mas esse amor é secreto. -- pausou brevemente -- Quer dizer, secreto pra ela, porque a torcida do Framingo toda sabe disso, né? Só a pomba lesa é que não nota!
--Pomba lesa... -- repetiu achando graça
--Aí, você fala com ela e depois fica aí suspirando pelos cantos. Quando dou por mim, te pego agarrada em bicho de pelúcia!
--Ah, não, mamãe! -- protestou -- Não é bem assim!
--E esse urso aí no teu colo é o que? -- apontou para o bicho
Olhou para o urso. -- Ah... -- passou a mão nos cabelos -- é porque ele tava perto e...
--Humpf! -- fez um bico -- Aí, pra completar, a mulher ainda vive no morre não morre! Vira e mexe tá se danando por aí!
--Que se danando por aí, mamãe? -- discordou -- Ao que eu saiba Zinara só se internou uma vez!
--Mas vive sendo futicada por médico! -- retrucou -- Você mesma diz que ela parece que tá sempre fazendo exame!
--Futica por médico, isso é coisa pra se dizer? -- ralhou
--E então, no auge do fuzuê, você corre daqui louca e desvairada pra Capital pra dar um último adeus a sua amada. -- gesticulava -- Me lembrou até aquela cena em que La Enviadita corre toda doida de amor pra encontrar o macho dela no aeroporto. -- continuava com suas comparações -- E chegando lá, o que ela vê? -- bateu uma palma -- O homem de braço dado com Lupita Chica!
--E quem é essa? -- perguntou curiosa
--A ex, que nunca largava o osso! Mais ou menos como a tal da Jamila sebosa que você falou!
“Mulherzinha besta!” -- pensou na advogada e fez cara feia
--Depois dessa desilusão, La Enviadita foge do aeroporto com o coração em pedaços e busca consolo nos braços de Romildón Martinez, o maior safado do planeta! -- gesticulava novamente -- No teu caso, você corre pro abraço com Romildona, que é Cátia: a tarada da praia!
--Tarada da praia... -- balançou cabeça achando graça -- A senhora e seus apelidos.
--E aí, depois de tomar um chifrinho básico de Romildón, La Enviadita liga pro seu grande amor, pra ver o que acontece, e novamente quebra a cara: quem atende é Lupita e a mulher solta o verbo!
--Ah, mas isso não aconteceu comigo! -- protestou
--Mais ou menos, né, menina? -- cruzou os braços -- Você aproveitou a boca que recebeu e-mail de Zinara, pra te explicar da safadeza dos tais gringos que barraram teu nome, e ligou pra ela!
--Mas ninguém atendeu! -- olhava para a idosa
--E você fez o que? Mandou torpedo! -- argumentou -- E o que aconteceu? A tal advogada sebosa foi quem respondeu e ainda deixou claro que a estrangeira é dela! -- deu um soco na almofada -- E você, prontamente, vem pra sala, deita no sofá e se esfrega em urso pra se consolar! Agora só falta correr atrás da tarada, igualzinho La Enviadita fazia! Era só a doida se decepcionar e tome de correr atrás de Romildón!
--Eu não sou essa tal de La Enviadita! -- reclamou -- E não vou mais atrás de Cátia! Pra mim acabou de vez!
--Acabou de vez, pois sim! -- duvidava -- Você ficou toda balançada quando ela te deixou sozinha no bar e saiu ofendida com tuas suspeitas!
--Claro, mamãe, eu não queria magoá-la. -- justificava-se -- Acho que peguei pesado demais com a pobre Cátia...
--Pobre Cátia! Aquilo ali é pós graduada na sacanagem, minha filha! -- retrucou -- Piranha velha, cheia das conversinhas e artimanhas, ouve o que eu tô te dizendo! -- aconselhava -- Aquele tipo que ela faz de professora séria não me engana! Ela diga o que for, mas aquela cara de bode cheirando mijo de cabra entrega tudo! -- deu um soco na mão
--Bode cheirando mijo de cabra? -- achou graça -- Mas da onde a senhora me tira essas coisas, hein, mamãe?
--Experiência de vida, menina! -- levantou-se -- Quando se vê um homem que pula na ponta do pé que nem periquito e tem aquele nariz arreganhado, não dá outra! É safado! -- afirmou com veemência -- A mesma coisa eu vejo nesse mundo lésbico! Mulher que vem cheia dos vem cá minha nêga e faz aquela cara assim: -- tentou imitar a expressão de Cátia -- é malandra tarada e safada! Se eu pudesse apostar, te diria que ela tava era se pegando com alguém naquela faculdade e perdeu a hora da palestra!
--Que é isso?? -- endireitou-se na poltrona revoltada -- Por mais que ela fosse sem vergonha, não poderia ser tão irresponsável! Cátia é uma profissional séria e muito competente!
--Ah, minha filha... -- achou graça e foi caminhando para o quarto -- o que certas pessoas fazem nessa vida em busca de um fiofó! Nem queira saber... -- deu tchau sem olhar para trás -- Enigma pra você pensar! Agora vou ver minha novela.
Clarice riu gostosamente. -- Ai, que essa velhinha é uma parada... -- disse para si mesma
--Ei! -- Leda deteve-se no meio do caminho e olhou para a filha -- Me dê o telefone da estrangeira que eu ligo pra ela! Tive uma idéia!
--Que idéia? -- perguntou curiosa e ainda achando graça
--Eu vou ligar pra ela e perguntar assim: “Aqui, minha filha, chega de lesco lesco, viu? Você tá namorando sério com a sebosa, tá de sacanagem, tá de olho na minha menina, qual é a tua, hein? E aproveita pra falar antes de morrer, porque me parece que tu anda é com o pé na cova!”
--Nem pensar! -- levantou-se com os olhos arregalados -- Nem pensar da senhora dizer isso pra ela, Deus me livre!
--Ah, é? Então fique aí sofrendo sozinha e de chamego com esse urso! -- voltou a andar -- Agora é sério: fui!
--Agora veja só! -- jogou o urso na poltrona -- Mamãe é muito doida! Olha se eu vou deixar ela fazer isso! -- cruzou os braços -- E ir atrás de Cátia nem pensar! Posso até ligar pra ela pra pedir desculpas, mas disso não passa. -- falava sozinha -- E vou dar um tempo de bater papo com Zinara também! -- decidiu -- Eu vou mais é cuidar do meu trabalho, botar um fogo naquele menino que não defende o mestrado nunca e refazer o planejamento orçamentário, porque esse último corte do Governo zoneou com tudo! -- suspirou -- Ai, ai...
CAPÍTULO 20 – Almoço em Família
Aisha recebia animadamente seus parentes que acabavam de chegar. Zinara já estava na casa e ajudava Janaína a preparar o almoço.
--Gente, que felicidade receber todo mundo aqui! -- Aisha sorria empolgada -- Meu Deus, -- olhou para os tios -- tia Amina e tio Raed há quanto tempo! -- abraçou os dois
--Saudadi, minha fia! -- Amina deu um beijo na cabeça dela -- Qui saudadi docê!
--Tudo bão, minina? -- Raed perguntou sem graça
--Graças a Deus, tudo ótimo! -- abriu os braços na direção de Najla -- Mamii! -- continuava sorrindo
--Ai, minha filha! -- abraçaram-se -- Que bom ver você na sua casinha! -- fechou os olhos -- Que bom!
--De agora em diante tudo vai ser diferente, mamii! E saiba que a partir de agosto vou voltar a estudar! -- olhou para os primos -- Gente, eu vi esses meninos crianças... -- riu brevemente -- Nossa, como eu tô velha!
--Alembra delis? -- Amina perguntou sorrindo
--Esse bonitão deve ser Ahmed! -- aproximou-se para cumprimentá-lo -- Cresceu bem, hein, fi?
--Só um pôco, uai! Um metro e oitenta e cincu. -- deu beijinhos de comadre -- Eu mi lembro docê! -- sorriu -- Mas tá um pôco mudada.
--Bastante mudada, eu diria. -- olhou para a jovem ao lado dele -- Sua esposa?
--Namorada. -- abraçou a moça -- Essa é Catiúcia!
--Ah! -- achou graça do nome mas se conteve -- Prazer. -- cumprimentou
--Oi! -- Catiúcia respondeu simplesmente
Aisha olhou para os outros homens e perguntou: -- Nagibe -- apontou para um deles -- e Cid, -- apontou para o outro -- não é isso? -- arriscou
--Na verdadi é o contráio. -- Nagibe corrigiu sorrindo -- É qui Cid ficô cum cara de véio.
--Humpf! -- Cid fez um bico -- Ocê qui é nanico!
--Calma, gente, sem briga! -- Aisha brincou ao se aproximar de Nagibe -- Prazer revê-lo, querido. Vejo que trouxe esposa e filha! -- sorriu para as duas
--Oi, meu nomi é Dora. -- a mulher se apresentou -- E essa é nossa fia Khadija. -- mostrou a menina -- Tem quatro ano!
--Ai, que linda! -- abaixou-se para beijar a menina -- Parece até uma bonequinha! -- olhou para Cid -- E sua família? Quero conhecer! -- aproximou-se deles
--Essa é minha muié, Maria da Penha, e nossa fia! -- segurava a menina no colo
--Prazê, quirida! -- Maria cumprimentou -- Mas mi chama di Penha, viu?
--Pode deixar! -- deu beijinhos de comadre -- E a filha fofíssima, qual é o nome? -- aproximou-se da garotinha
--Cidmara da Penha! -- Cid respondeu orgulhoso -- Nomi forti qui mistura o meu cum di minha muié.
--Ah, é. -- achou graça novamente, mas se conteve -- Oi, lindinha! -- beijou a cabeça da criança -- Quantos aninhos, gente?
--Dois! -- Penha respondeu de pronto
--Zinara chegô? -- Raed perguntou desconfiado
--Chegou, ela veio cedo. -- olhou para o tio -- Tá lá na cozinha ajudando Janaína com a comida. -- respondeu naturalmente -- Vamos entrando, gente! -- caminhou para a porta -- A gente até vai almoçar no quintal, mas nos fundos da casa e não na frente.
--Janaína é o nome da muié dela? -- Catiúcia cochichou zombeteira com Ahmed
--É, mas fica na tua! -- ele advertiu -- Afinár di conta ocê vai inchê o bucho às custa dela!
Najla ouviu os comentários e não gostou.
***
--E essis aqui são meus fio. -- Ahmed mostrava as fotos para Aisha -- Ahmed João, Ahmed Marcos e Ahmed Lucas. Têm onzi, seti e trêis ano!
--Nossa, você começou cedo! -- achou graça -- E também é muito criativo pra nome de filho! -- brincou
--É qui cada um é cum uma muié. -- respondeu orgulhoso. Amina e Raed ficaram envergonhados -- Sabi cumé: a cada machadada uma minhoca!
“Só tá faltando o Ahmed Mateus pra completar a sequência de minhocas!” -- a astrônoma pensou
--Sabia qui inté o cachorru dele chama Ahmed Rex? -- Catiúcia comentou achando graça
--Porr*! -- Janaína resmungou e riu
--Ego... -- Zinara sussurrou para si mesma -- Ih, mas ela tá quase acabando, gente! -- fazia malabarismos com a colher para dar de comer a Cidmara
--E eu? -- Khadija perguntou enciumada
--Também, olha só que bonita! -- encheu outra colher para dar a menina
--Só Zinara pra fazê Cidmara e Khadija cumê sem si arengá! -- Dora comentou sorridente
A astrônoma estava sentada ao lado de Khadija, enquanto mantinha Cidmara no colo.
--Hum... -- Najla encerrava seu almoço -- A comida tava maravilhosa, meninas! -- elogiou -- Adorei! -- limpou os lábios no guardanapo
--Mérito da Janaína, camma. -- a morena reconheceu -- Eu só fiz ajudar.
--Até qui a muié macho sabi cuzinhá! -- Cid cochichou zombeteiro com a esposa. Zinara ouviu e olhou para ele de cara feia
--Tava bão, sim! -- Raed confirmou
--Também achei! -- Amina encerrou sua refeição e limpou os lábios no guardanapo -- Muito bão!
--Tem sobimesa? -- Khadija perguntou empolgada
--Minina! -- Nagibe ralhou de cara feia
--Claro que tem sobremesa! -- Aisha se levantou e começou a recolher a louça -- E ninguém se atreva a ir trabalhar na cozinha! Fiquem aí na espera!
--Deixa com a gente! -- Janaína se levantou para recolher a louça também -- Tem um pavê muito massa esperando por vocês, não é comadre? -- piscou para Zinara
--Com certeza! -- respondeu sorrindo -- "Ainda bem que de mão ocupada ela não pode me dar tabefe!” -- pensou aliviada
--Ih! -- Nagibe cochichou com a esposa -- Será qui a muié macho qué pegá minha irmã? -- deu uma risadinha
--Ela qui num si cuidi... -- Dora cochichou de volta
--Tua prima Aisha num tem jeito di sapatão, só a ôtra aí. -- Penha cochichou com o marido
Zinara estava incomodada com aqueles comentários. “Mas é muita sacanagem!” -- pensou revoltada
***
Era noite e a família conversava no quintal enquanto as crianças dormiam.
--Ô, Aisha, e vai dá pra nóis tudo pousá im tua casa, muié? -- Amina perguntou preocupada -- É gente pur dimais da conta!
--Nóis num vai incomodá? -- Raed também perguntou
--Ah, dá sim, tia! E tem incômodo nenhum! -- garantiu -- Mamii, a senhora e tio Raed dormem no nosso quarto junto com as crianças, e pros outros a gente forra colchonete pela casa toda. -- Aisha respondeu animada -- Zinara já disse que vai dormir aqui fora. -- olhou para a prima
--Trouxe meu saco de bivaque não foi à toa. -- a morena falou sorridente -- Dormir ao relento é coisa que eu adoro.
--Zinara sempri gostô di vivê em meio di mato! -- Ahmed cochichou com a namorada -- Ela e... -- a professora não conseguiu ouvir o resto
--Eu durmo em qualquer lugar, desde que seja seco! -- Najla brincou
--Cum essi calô eu num ligava di durmi no moiado! -- Nagibe respondeu sorrindo
--Então tá tudo certo! Na hora que vocês quiserem, a gente sai arrumando os colchonetes pela casa. -- Janaína falou -- E podem ficar tranqüilos que é tudo coisa limpinha, é ou não é? -- deu um tapão na perna de Zinara
--Ah, se é! -- respondeu com um outro tapão -- "Se me bater vai tomar tapolho!” -- pensou desaforada
--Ô, mão pesada! -- Janaína resmungou esfregando a pele
--Eu só num quero durmi perto di sapatão! Vai qui a muié macho vai querê me tará? -- Dora cochichou com Penha
--Nem eu, Deus mi livri! -- ela respondeu aos sussurros
“Essa coisa já tá me deixando irritada!” -- a astrônoma pensava
--E teu minino, fio? -- Raed perguntou interessado -- Já miorô?
--Ah, eu acho qui já, sei lá. Vô vê cum a mãe deli. -- respondeu sem dar muita importância
--Qual dus teus fio tá doenti, Ahmed? -- Cid queria saber
--Ahmed João anda cum uns pobrema aí, negócio di medo di chuva, trauma... -- ele respondeu de cara feia -- Num tevi aqueli toró di janeiro qui distruiu um monti di trem por aí afora? Dipois daquilo ele me apareceu cum essas frescura di trauma. Vê si tem basi?
--Não é frescura, Ahmed, é trauma mesmo. -- Aisha discordou com jeito -- Ele tem onze anos, é uma criança, ficou com medo da destruição que viu. Seria bom que fosse num psicólogo. -- recomendou
--Anêim, pra mim é frescura! -- fez um gesto de desprezo -- A mãe num sabi criá direito e o minino fica frôxo! -- retrucou -- Mais eu já falei pra ela qui num quero mais um maluco na famia! Já bastô Khaled! Deus livre meu fio ficá iguar aqueli trasti! -- revirou os olhos
--O que é que você falou, Ahmed? -- Zinara perguntou de cara feia
--O qui ocê ôviu! -- respondeu no mesmo tom
Um silencio desagradável se estabeleceu no ambiente.
--Pois não se atreva a falar dele dessa forma! -- levantou-se -- Khaled é nosso irmão e merece respeito! -- falava com rispidez
--Era maluco e maluco sim! -- levantou-se também -- Doido varridu!
--Pois ele era muito mais homem que você, seu idiota ridículo! -- elevou o tom de voz -- Se um babaca que nem você tivesse passado por metade do que ele passou, tinha se matado na primeira dificuldade!
--Mas o qui é isso? -- Raed se levantou também -- Ocês tão na casa dos ôtro, têm vergonha, não?
--Vamo pará? -- Amina pediu ao se levantar -- Cadê o respeito?
--Respeito é uma coisa que nem ya sayyida (a senhora) -- olhou para a mãe -- tampouco ya said (o senhor) -- olhou para o pai -- ensinaram esse playboyzinho da roça a ter pelos outros ou por ele mesmo! -- voltou a olhar para o irmão
--É verdadi! -- Nagibe concordou
--Retira o qui disse, porque sinão... -- Ahmed ordenou com o dedo em riste
--Senão o que, seu idiota? -- desafiou -- Vai me bater? Pode vir, que eu posso apanhar, mas você também não fica inteiro!
--Vamo parando com isso aqui! -- Amina falou com energia
--Pelo amor de Deus, gente, chega disso! -- Najla pediu com medo
--Zinara, não provoqui seu irmão! -- Raed brigou com ela
A astrônoma achou graça. -- Esse imbecil cospe sobre a memória de Khaled e tudo que ya said sabe fazer é defender o filhinho? -- respondeu alterada -- Ele tinha era que levar uma surra pra aprender a ter respeito por um homem com quem ele não tem condições de se igualar!
--Ih, meu Deus... -- Janaína olhou alarmada para a esposa
--Isso vai dar uma merd*... -- Aisha sussurrou com medo
--Tem qui tê respeito pelos morto! -- Cid concordava com a irmã
--E é ocê qui vai me dá essa surra? -- Ahmed provocou a irmã -- Ocê num passa di uma muiézinha recalcada solterôna qui si senti mió qui nóis só purque é professora di uma falcudadi di merd*! -- debochou -- Tão isquita quanto Khaled!
Sem poder se conter a morena avançou sobre o imão e o segurou pelo pescoço apertando com força. Sem esperar por aquilo, Ahmed caiu de joelhos sentido-se sufocar.
--Gente, acodi ele! -- Catiúcia gritou desesperada
--Nunca mais diga o nome de Khaled com essa sua boca suja, seu idiota! -- rosnou enfurecida -- Ya hamagi, inta zayy iz-zift! Gaatak niila, ya ahbal!! (Seu ogro, você é como lixo! Vá para o inferno, seu idiota!) -- falava com ódio
Raed e Janaína correram para separá-los.
--Calma, mulher, calma! -- Janaína tentava imobilizar a morena
--Me solta!! -- a professora buscava se libertar -- Eu quero fazer ele cuspir cada palavra!!
--Calma, prima, por favor! -- Aisha segurou o rosto dela com carinho -- Calma, habibi, por favor... -- pedia -- Calma...
--Mi sorta, baba! -- Ahmed pedia enfurecido -- Eu vô quebrá essa mardita e num mi interessa qui seja muié!
--Ô, meu Deus! -- Najla sentia vontade de chorar -- Parem com isso!
--Vai batê nela, não! -- Nagibe se colocou na frente do irmão -- Só passando pur cima di mim! -- deu um soco no ombro do outro
--E di mim! -- Cid veio para perto
Dora e Penha ficaram abraçadas com medo.
--CHEGA DISSU AQUI!! -- Amina gritou nervosamente -- CHEGA!!!
--Foi essa maluca qui cumeçô! -- Ahmed gritou antes de sentir um tapa no rosto
--Eita! -- Cid exclamou arregalando os olhos -- Esse dueu im mim! -- estava surpreso com a mãe
--Ocê nunca mais disacati sua irmã! Nunca mais! -- olhava nos olhos do filho -- E nunca mais si atreva a dizê um ‘ai’ sobri Khaled, purque ocê nem sonha im sabê o qui ele viveu nessa vida! -- derramou uma lágrima sentida -- Eu num admito isso, Ahmed! Essa foi pra nunca mais!
--Me solta... por favor. -- Zinara pediu com mais calma e foi atendida
Raed soltou o filho. -- Acabô isso aqui! -- falou com energia -- E num quero nunca mais ôví falá mar di Khaled! -- virou o filho de frente para si -- Um tapa meu dói muito mais qui o da tua maama! -- advertiu
--Satisfeita? -- Ahmed olhou para a irmã com os olhos úmidos -- Tá filiz?
--Você ainda vai sofrer muito na vida por ser tão imbecil! -- ela respondeu com dureza
--EU DISSI QUI ACABÔ ISSU AQUI! -- Amina gritou novamente
--E acabou, maama! -- Zinara concordou abrindo os braços -- Acabou, porque eu tô indo embora! -- olhava para Amina
--O que?? -- Najla, Aisha e Janaína perguntaram ao mesmo tempo -- Você não pode ir embora sozinha a essa hora da noite, minha filha! -- Najla segurou o braço dela -- É perigoso!
--Eu fui sozinha a minha vida toda, camma! Não faz diferença! -- olhou para ela -- E a única coisa que Ahmed falou com toda razão é que eu sou recalcada e esquisita. -- estava emocionada -- Sou sim, porque nunca soube aceitar muito bem o fato de ser órfão de pais vivos!
--Num diga isso! -- Amina pediu igualmente emocionada
--E é mentira, maama? -- perguntou desaforada -- Baaba nunca me quis, nunca me aceitou e ya sayyida passou a vida inteira vendo o mal acontecer sem nunca fazer nada! -- acusou -- Me espanta que hoje tenha feito! Mas pelo menos Khaled merecia isso de sua parte!
Amina levou a mão aos lábios sem saber o que dizer. Estava chorando.
--Ocê trati di falá mais baxo cum tua maama, minina! -- Raed gritou com raiva -- E pari di dizê bestêra qui nóis sempri cuidamo docê!
--Ah, é, cuidaram sim! -- riu debochadamente -- Ya said me expulsou de casa porque eu quis estudar! Me chamou de mahdia (prostituta), bateu na minha cara! -- relembrou -- E isso é cuidar muito bem, né?
--Pur que tá trazendo essas coisa agora, Zinara? -- Nagibe perguntou nervoso -- Num muda nada!
--Não muda, eu sei. -- olhou para Aisha e Janaína -- Perdoem por isso, mas eu não agüento mais! -- olhou para Najla -- Não se preocupe que eu sei me cuidar. -- preparou-se para partir
--Por favor, filha! -- Najla pediu chorando -- Tá tarde, não vai! Eu vou ficar agoniada com você sozinha pela rua a essa hora da noite!
--A sinhora tá cum essa coisa toda cum ela agora, mas jogô nóis na rua qui eu sei! -- Ahmed acusou -- Todo mundo aqui sabi disso!
--CALA A BOCA AGORA, AHMED! -- Amina gritou enfurecida
--CALA A BOCA!! -- Raed gritou também
--Eu quero imbora também! -- Penha pediu em voz alta -- Já mi chega tá nessa casa di sapatão!
--E eu! -- Dora concordou
Zinara olhou para a família e balançou a cabeça entristecida. -- Queria que um dia a gente fosse uma família de verdade, mas acho que nunca vai ser possível! Não nessa vida. -- saiu
--Vai com ela, amor. -- Janaína pediu -- A gente segura aqui! -- olhou para a sogra esperando aprovação
--Vai, filha! -- ela concordou
Aisha correu atrás da prima enquanto que os demais ficaram calados e sem saber como se comportar.
--Eu não devia ter vindo! -- Zinara falava consigo mesma -- Sabia que isso não podia terminar bem...
--Ei, good kisser! -- Aisha vinha para junto da morena -- Me leva nesse carro, vai? -- piscou sorrindo
--Aisha, eu quero ficar sozinha... -- respondeu ao abrir a porta do motorista
--Nada disso! Eu sou al-seif (o verão), lembra? -- parou diante da porta do carona e cruzou os braços -- Me recuso a ficar aqui! -- falava em tom de brincadeira -- Pelos velhos tempos, vai?
--Quem pode te dizer não? -- concordou sorrindo ao liberar a porta
As duas entraram no carro e partiram.
Najla respirou fundo e decidiu tentar colocar ordem na casa. -- Por favor, gente! -- olhava para todos -- Esse dia de hoje era pra ter sido muito bonito, mas o tempo todo houve fofoquinha e cochicho por causa da condição de minha filha. -- falou abertamente -- Aisha e Janaína convidaram a família pra um almoço e acabaram oferecendo a casa pra gente passar o dia e pernoitar, porque a viagem de retorno é longa. Esse dia não tinha que terminar assim! -- balançou a cabeça negativamente -- E muito menos devia ter havido falta de respeito entre os irmãos, especialmente envolvendo o nome de um que não tá mais aqui pra se defender!
--Mas... -- Ahmed ameaçou falar, mas o olhar dos pais o calou
--Minha filha e sua companheira não tão pedindo a aprovação de ninguém aqui! -- afirmou convicta -- Elas não são sustentadas por vocês e não pedem ajuda pra nada! -- olhou para os sobrinhos -- Todo mundo aqui tem o telhado de vidro e tem mais é que ficar quieto! Eu errei e disso muito me arrependo, mas não admito falta de respeito! -- olhou para Ahmed -- Você gostaria que as pessoas ficassem rindo e debochando de você porque não pára em emprego, tá sempre sem dinheiro, sempre trocando de mulher e tendo filho como se isso fosse uma brincadeira? -- cruzou os braços indignada -- Você não sustenta e nem cuida de seus filhos! Não tem moral pra criticar ninguém!
--É isso aí! -- Nagibe concordou
--De mais a mais deve muito a sua irmã.
--Eu?! -- perguntou revoltado -- Eu qui num devo nada a Zinara!
--Quem pagô tua operação quandu caiu di moto? -- Raed lembrou -- Quem pagô médicu pru teu minino qui tevi miningiti?
--Ahmed esqueci das coisa! -- Nagibe acusou -- Ingratu qui é!
--E você? -- olhou para ele -- Será que esqueceu o quanto você e seus irmãos devem a Aisha? -- Najla continuava -- Eu posso ter sido errada com vocês, mas ela nunca foi! -- olhou para Dora -- Gostaria que as pessoas cochichassem te chamando de vadia por que engravidou antes do casamento? Hein?
Eles nada responderam.
--É isso aí! -- Cid concordou
--A mesma coisa é você e Penha, Cid! -- olhou para eles -- Seria bom se as pessoas zombassem de vocês porque a diferença de idade entre ambos é de 28 anos? Seria bom que te criticassem porque se casou com uma mulher que já tinha dois filhos adultos?
--Mas isso num tem nada di mais! -- Penha retrucou
--Ser lésbica também não! -- respondeu de pronto -- Mas há quem discorde dessas duas coisas, né? -- Najla provocou -- Tem gente ignorante que se mete com um casal quando a mulher é mais velha! Assim como tem gente ignorante que se mete quando o casal é homossexual!
--Chega di tudo issu! -- Amina decidiu secando as lágrimas -- Vai todo mundu durmi aqui e acabô-si! Amanhã cedo nóis vai imbora. -- olhou para Janaína -- Disculpi, minha fia!
--A senhora não tem do que se desculpar. -- passou a mão nos cabelos -- Vou pegar os colchonetes e... -- olhou para Dora e Penha -- não vou tarar ninguém, até porque eu tenho bom gosto! -- retirou-se para buscar as coisas
--O qui ela quis dizê cum isso? -- Dora perguntou intrigada
--Eu ti dissi qui nóis num divia di tê vindo! -- Raed cochichou para a esposa -- Deu no qui deu!
--Cala a boca, homi!
CAPÍTULO 21 – Desabafos
--Eu gosto daqui porque dá pra ver o céu relativamente bem. -- Zinara afirmou olhando para o alto -- Especialmente considerando que estamos no centro da cidade. -- pausou brevemente -- Esse hotel é fraquíssimo, mas ele me ganhou pelo telhado. -- sorriu -- Dá pra ver constelações inteiras daqui de cima... -- apontou para uma delas -- Olha a Hydra ali.
--É bonito mesmo... -- olhava para o céu também -- Eu só sei reconhecer a constelação da Crux e isso graças a você. -- sorriu também e olhou para a prima -- Sabe que eu sempre achei que você gostava tanto do céu, porque tinha esperança de encontrar lá em cima o que não achava aqui embaixo? -- desmanchou o sorriso lentamente -- Sempre me pareceu que você vivia buscando alguma coisa...
--Talvez sim... E talvez essa minha busca nunca chegue a lugar algum... -- continuava mirando as estrelas -- Observar o céu noturno sempre me fez muito bem. Acalma o meu coração inquieto...-- cruzou os braços e olhou para o chão -- Me perdoe, Aisha... Foi uma vergonha aquilo que aconteceu na sua casa e meu comportamento foi... Eu não consegui me conter e... -- foi silenciada pelos dedos da outra em seus lábios
--Você fez o que deveria fazer. -- completou a frase -- Não se desculpe. -- acariciou o rosto da morena -- O que você sente, Zinara? O que vai no seu coração? -- perguntou com delicadeza -- Eu não me refiro a passado, falo de presente. Me diga como você se sente. -- pediu com carinho
A astrônoma se afastou da prima e caminhou até a beira do telhado. Apoiou-se na mureta e perdeu-se na visão do horizonte.
--A vida toda eu me senti transparente, sabe? Como uma pessoa que não é vista... -- respondeu pensativa -- Quando eu era criança e Zahirah e Farida cuidavam de mim, acho que me sentia melhor. Era como se elas fizessem a guerra ficar suave, entende? Às vezes me parecia que a gente era apenas pobre e que tudo ia ficar bem. -- sorriu com os olhos marejados -- Elas me ensinavam a ler, escrever e contar. E me ensinavam a falar gálio, contavam histórias, me explicavam sobre os fenômenos da natureza, falavam de Deus... -- derramou uma lágrima saudosa -- Elas me deram as primeiras noções de vida.
--Aposto que deviam ser pessoas fantásticas. -- Aisha caminhou para perto da morena e parou a seu lado
--Elas eram... Assim como giddu Raja... -- concordou -- Devo muito aos três... -- suspirou -- E depois que partiram, especialmente depois que ar-rabiic (a primavera) acabou, me pareceu que a vida perdeu todo o encanto...
--Você era muito nova... -- cobriu a mão da outra com a sua própria -- Foram golpes duros na vida de uma criança... Lembro que só tinha onze anos quando chegou aqui. -- entrelaçaram os dedos
--E Terra de Santa Cruz me deu alma nova! Foi amor à primeira vista! -- sorriu -- Naquela época ainda tinha Youssef e Khaled a meu lado...-- derramou outra lágrima -- Meus grandes amigos...
--Eu achava vocês três muito fofos! -- comentou -- Sempre juntos, sempre amiguinhos... E eles eram seus fiéis escudeiros. -- bateu com o ombro levemente no ombro da outra -- Você inventava as maluquices e lá iam eles. -- sorriu
--Era legal... -- balançou a cabeça -- Eu me sentia viva, embora ainda fosse transparente pra maioria das pessoas. -- pausou brevemente -- Eles me enxergavam. Eles e você. -- olhou para Aisha -- Desde que os três saíram da minha vida a solidão tem sido minha companheira mais freqüente...
--Eu me sinto muito culpada por ter seduzido você. -- confessou bruscamente -- Naquela época eu era uma doida irresponsável e nem me toquei. Você era uma moça ingênua, uma verdadeira criança grande... Eu não devia ter...
--Não diz isso porque eu nunca me arrependi! -- interrompeu-a com delicadeza -- Não aconteceu nada de mais, foram apenas alguns beijos. -- sorriu -- E foram suficientes pra me encher o coração de felicidade.
--Mas você se apaixonou! -- retrucou -- Lembro da sua carinha quando eu disse que não devíamos continuar... Nossa, eu me senti um lixo de pessoa!
“--Zinara, eu pensei melhor e... -- Aisha buscava um modo para falar -- Eu já sou muito velhinha e experiente pra uma menina pura como você. -- acariciou o rosto dela suavemente -- Não seria certo da minha parte continuar te envolvendo na loucura da minha vida...
--Não! -- discordou -- Num tem problema a idade!
--Ah, honey... -- segurou o rosto da morena com as duas mãos -- Eu sou muito safada pra ficar com alguém como você!
--Eu também posso aprendê a ficá safada... -- respondeu em voz baixa
--Hum, não faz assim que você acaba comigo... -- fez beicinho e beijou a testa da prima”
--Nunca guardei mágoas, Aisha! -- falava com sinceridade -- Saber que alguém como você um dia se interessou por uma garota magra, feia e sem graça como eu foi a maior alegria que poderia ter. Mesmo que logo tenha terminado comigo. -- sorriu -- Foi um benefício a minha tão sofrida auto estima.
--Você não era feia ou sem graça! Era só magrinha. -- reparou na outra -- Mas hoje você tem mais massa, tá mais forte! -- apertou o braço dela -- E tá mais bonita! -- piscou -- Aposto que faz sucesso com as mulheres. -- brincou
Zinara riu. -- Ai, ai, pobre Aisha... Coisa que nunca fiz foi sucesso! -- pausou brevemente e voltou a olhar para o horizonte -- Sou transparente em quase todos os aspectos, menina. Acho que só na minha vida profissional é diferente, e ainda assim, passo um perrengue danado pra conseguir qualquer coisa.
Depois de uns segundos calada, Aisha decidiu perguntar: -- Você acha que nossa família não te dá valor, não é? -- perguntou com jeito
--Isso é piada? -- achou graça e olhou para a prima novamente -- E você acha que dá?
--Você ainda não conseguiu ver como as coisas mudaram? Veja o caso de mamii, por exemplo! Ela te ama! -- segurou-a pelos ombros -- Dá até pra ficar com ciúmes. -- brincou -- E seus pais... claro que eles te amam e dão valor! Só que eles não sabem agir do modo como você gostaria que agissem.
--Baba não gosta de mim e tampouco me dá valor. -- discordou ao se afastar -- E maama... Ela gosta, mas não é aquela coisa. -- cruzou os braços -- Eles têm uma família com Ahmed, Nagibe, Cid e seus respectivos filhos. Eu não faço parte disso.
--Claro que faz! -- foi até ela e acariciou suas costas -- E seus irmãos gostam de você! Suas sobrinhas te adoram... -- abraçou-a pela cintura e apoiou o queixo nas costas da morena -- Ahmed é que é um cara estranho, mas notei que ele também não tem muita graça com os outros irmãos.
--Ele sempre foi brigão e nojentinho. Não ouviu o modo como se referiu a Khaled?
--Você tem muita mágoa de seus pais, isso é notório... E tem mágoa de Ahmed também.
--Quando Ahmed nasceu, eu lembro bem, -- a professora dizia -- baba ficou feliz de um jeito como eu nunca tinha visto. -- projetava-se no passado -- E ele abandonou a gente... -- falava com tristeza -- Quer dizer, a mim ele abandonou desde que nasci, mas Youssef e Khaled não conheciam aquela dor. E eles não mereciam...
“--Smallah!! (expressão de admiração e louvor) Nasceu meu menino, nasceu!! -- Raed anunciava com o bebê nos braços -- Onzori, Najla! (Veja, Najla!) -- mostrou a criança com orgulho -- Onzori!
--Oh, ya gamil! (Oh, seu lindo!) -- emocionou-se ao ver o bebê -- Que presente de Deus! -- falava na língua de Cedro
--camma Najla ficou tão feliz que fala na nossa língua! -- Youssef comentou empolgado -- Como é akhuuina, Ya aini? (nosso irmão, Meus olhos?)
--Baba ainda não nos mostrou el-awlaad (a criança), Youssef. -- Zinara respondeu -- Só fez isso para camma Najla.
--Baba, queremos ver akhuuina (nosso irmão)! -- Khaled pediu
Raed olhou para os três filhos e nada respondeu. Tampouco se aproximou para mostrar-lhes a criança. Não parecia disposto a levar o menino até eles, que também não tinham coragem de se aproximar. Temiam alguma reprimenda por parte do pai.
E nesse momento alguns funcionários da fazenda chegam para ver o recém nascido.
--É daqui qui vem choro di minino? -- o capataz perguntou ao tirar o chapéu -- Cum sua licença, patroa. -- pediu
--Entrem, venham ver a criança! -- Najla autorizou animada -- É um menino lindo!
--Esse vai ser um homem de verdade! -- Raed falava na língua de Cedro -- Não vai conhecer guerra ou desgraça nenhuma! -- sorria embecido para o bebê -- Meu melhor filho! Finalmente, uma família feliz!
Khaled ficou decepcionado. -- Baba não gosta mais de nós? -- perguntou para os outros dois -- Laa? (Não?)
--Laa acrif... (Eu não sei...) -- Youssef respondeu com tristeza
Zinara permaneceu calada. Ela sabia que dali por diante, os três não tinham mais pai.”
--Ele abandonou a gente... E maama vivia pra cuidar de Ahmed, que ficava doente com freqüência. -- a astrônoma desabafava -- Um ano depois Nagibe nasceu e três anos mais tarde veio Cid. -- pausou brevemente -- E era como se a gente nem existisse... -- desabafava mais uma vez -- Ahmed foi muito mal criado e teve molezas que a gente não teve. Khaled e eu muito apanhamos por causa dele e de suas mentiras.
--Esqueça Ahmed, ele não passa de um bobão! Tio Raed falhou muito com vocês, e eu nem sei o que dizer quanto a isso, mas tia Amina... -- posicionou-se de frente para a professora -- Você tem que se lembrar de que ela é uma mulher do sul de Cedro, da parte mais pobre, mais conflituosa, mais tradicional... -- tentava fazê-la compreender a mãe -- Ela permanecia submissa por acreditar que era o que devia fazer! Tenho certeza de que tia Amina foi criada naquele esquema de ver, ouvir, calar e obedecer.
--Eu sei disso, mas outras mulheres também foram criadas assim! -- argumentou -- Ela poderia ter aprendido a me amar de verdade. Assim como baba... -- respondeu com tristeza
--Como pode afirmar que não amam? Você não vê o coração das pessoas, Zinara! -- retrucou -- E nem todo mundo sabe expressar com palavras aquilo que sente!
--Eu não quero mais falar sobre isso, Aisha! Já deu pra mim! -- passou a mão nos cabelos -- Eu devo ter feito alguma coisa pesada no passado, porque não sou o tipo de filha que baba e maama esperavam e nem dei sorte com relacionamento. Esse é meu carma, já me conscientizei disso, mas às vezes eu não sei como lidar com essas coisas! -- esfregou os olhos -- Também não quero ficar chorando.
--E você por acaso chora? -- segurou as mãos da outra -- A pessoa certa vai aparecer na sua vida! E se não aparecer nessa vida, vai aparecer na próxima! -- olhava nos olhos da professora -- E quanto a nossa família, você precisa aprender a perdoar e deixar o passado lá pra trás! Eu sei que é mole falar, mas é o que você precisa fazer! Sabe disso!
--Eu sei... E até pensei que pudesse fazer isso, mas... Talvez um dia.
Deu um suspiro profundo. -- Você não vai com eles amanhã, não é?
--Não...
--Então passa os dias que você tinha separado pra ficar na roça lá em casa com a gente? Hum? -- convidou
--É melhor eu tentar antecipar a passagem de retorno...
--Você já foi mais educada, Zinara Raed! Não fazia desfeita aos convites que recebia dos outros! -- brincou
--Não quero ser inconveniente...
--Em nossa casa nunca será. -- afirmou com sinceridade -- E foi você quem nos deu ela, lembra?
--Não quero apanhar de Janaína. -- brincou
--Não... Sua mão é mais pesada que a dela ao que pude perceber. -- brincou também -- Me diga porque os anos passam e você nunca perde esse jeitinho de menina que a gente tem vontade de colocar no colo, hein?
--Porque eu sou trouxa... -- abaixou os olhos
--Você é uma fofa, isso sim! -- abraçou-a com força -- Juro que se eu não fosse casada te seduzia de novo! Mas aí seria pra valer! -- brincou
--Boba... -- fechou os olhos -- Behebbik ia, al-seifii! (Eu te amo, meu verão!)
--Também te amo, mon cher! E não sou a única a amar você! -- segurou o rosto da prima com as duas mãos -- Mas um dia você vai perceber isso e vai deixar de se sentir transparente!
Deu um sorriso triste.
***
Jamila acabava de se instalar no apartamento que lhe serviria de esconderijo por algum tempo. Após arrumar suas coisas nos devidos lugares olhou ao redor e sentiu-se mal. Já sofria de saudades por antecipação, não queria estar ali. Desejava estar em sua casa em Cidade Restinga, que ela tanto amava.
--É uma merd*! -- desabafou consigo mesma -- Se eu fosse uma advogada desonesta e ladra, estaria vivendo tranquilamente em alguma cobertura por aí! Talvez até pousasse de paladina da justiça nessas revistinhas de fofoca. -- pôs as mãos na cintura -- Mas não, a gente quer se meter a ajudar quem tá certo, desafia grandes interesses e recebe o que? Ameaça de morte! -- andava pela sala -- E daí tem que vir se esconder numa merd* de um conjugado como esse aqui! -- sentiu vontade de chorar -- E fica sozinha... XARA! (MERDA!) -- gritou -- É por isso que eu não acredito em nada! -- derramou uma lágrima -- Porque se existisse alguém lá em cima, ALGUÉM DE VERDADE -- falou mais alto -- tudo seria muito diferente, e as pessoas certas não teriam que se esconder, enquanto os corruptos desfilam livremente por onde quer que seja! -- encostou a cabeça na parede -- Até quando vai ser assim? -- perguntava-se com tristeza -- ATÉ QUANDO VAI SER ASSIM? -- gritou olhando para o alto -- Eu só queria um país mais justo! Eu só queria fazer a minha parte... -- fechou os olhos -- Eu só queria que a Têmis da Justiça fosse mesmo cega e imparcial, porque houve um dia em que acreditei que assim seria... -- chorou
Jamila não conseguia entender, porque realmente é difícil para a maioria de nós, que a verdadeira Justiça sempre se faz cumprir, mesmo que nós não vejamos seus efeitos imediatos no mundo material.
“A justiça dos justos os livra, mas o desejo dos infiéis os aprisiona.”
Justitia rectorum liberabit eos et in insidiis suis capientur iniqui
(Provérbios, 11:6).
***
Amina e Raed tomavam café na cozinha. Calados e pensativos, pareciam estar com a mente bem longe dali.
--Com licença? -- Najla pediu ao se aproximar
--Senta aí, muié. -- a cunhada convidou -- Tem café quenti nu bule. -- ofereceu
--Obrigada, mas tô bem assim. -- sentou-se -- Na verdade eu queria mesmo era falar com vocês.
--Sobri? -- Raed questionou
--Sobre o que aconteceu na casa de Aisha. Afinal de contas já se passou tempo e nenhum dos dois tocou no assunto.
--Pra falá o que? -- ele perguntou de cara feia -- Papelão horrívi! Ahmed e Zinara fizero
feio im casa alheia!
--Eu já pidi disculpa a tua fia. -- Amina falou -- Tanto pessoarmente quantu nu LivrodasFuça.
--A questão não é essa. -- Najla olhava para os dois -- Ahmed foi desrespeitoso com a
memória do irmão, mas eu me refiro a Zinara. Ao desabafo que ela fez ali.
--Disabafu? -- Raed se levantou contrariado -- Aquilu foi é um abusu dos pió que há! Ondi já se viu falá cum nóis daqueli modu?
--Eu fiquei foi tristi... -- Amina disse -- Num sabia qui ela inda sintia daqueli jeitu... – abaixou a cabeça -- Ela acha qui nóis é ruim e qui num gostemo dela.
--E por que será? -- a ex fazendeira provocou -- Gente, será que vocês não vêem um palmo diante do nariz? -- perguntou indignada
--E o qui é qui nóis num vê, muié? -- o irmão perguntou impaciente
--Que Zinara é o maior tesouro que os dois têm na vida! -- levantou-se e se debruçou sobre a mesa -- Que nós temos, eu me incluo também! -- olhava para ambos -- Que seus outros filhos não são companheiros da mesma forma que ela é!
--Disso eu sempre sôbe... -- Amina concordou
--Que outra pessoa aguentaria tudo o que ela sofreu na vida e chegaria onde ela chegou? -- Najla continuava -- Quantos poderiam ter mantido a lucidez e a fé depois de tudo? Depois de ter um pai que sempre a rejeitou e...
--Perá lá, Najla, tu num venha mi condená! -- protestou imediatamente
--Um pai que sempre a rejeitou -- repetiu em voz mais alta -- e que parece que teve por
esporte fazê-la se sentir mal! -- acusou -- Embora eu reconheça que por vezes você foi um herói! -- olhava para ele -- Mas sabe muito bem que sua dívida com ela é imensa! -- olhava para ele -- E quando você mais precisou, foi ela quem te socorreu com um rim!
Raed abaixou a cabeça.
--E uma mãe, que embora bem intencionada, -- olhou para a cunhada -- muito pecou pela omissão e por não ter deixado certas coisas claras quando deveria. Sua filha pode ser forte, mas ela me parece a mesma menina carente que eu conheci em 1986. -- pausou brevemente -- Ela sempre me parece carente de colo de mãe... Colo que nunca recebeu como desejava!
--E ocê pensa qui foi fácil pra nóis criá Zinara, Youssef e Khaled? -- a mulher se levantou revoltada -- Ocê pensa que nóis tinha paz, que nóis sabia o que fazê cum trêis criança sufrida e cheia di trauma? -- emocionou-se -- Um fio cego pelas bomba, ôtro perturbadu e uma minina qui parecia vivê im ôtro mundo!
--Como acha que foi perdê Youssef? -- Raed perguntou chorando -- E Khaled? -- passou a mão nos olhos -- Como acha qui eu mi sentia, num podendu dá a elis o mínimo? -- estava nervoso -- E quantu a Leila? Os fio dela? -- passou a mão na cabeça -- Elis tava na minha respunsabilidadi e eu num pude fazê nada...
--Mas agora as coisas são diferentes, meu irmão! -- respondeu igualmente emocionada -- Essas dores têm que ficar no passado! É hora de cuidar do presente, do hoje! -- respirou fundo -- E eu já cansei de guardar segredo! -- decidiu desabafar -- Zinara tá morrendo... -- pausou brevemente -- Ela tem câncer!
--Choo?? (O que??) -- o casal perguntou ao mesmo tempo
--Ocê num podi tá falandu sério! -- Raed se encostou na parede
--Isso é mintira! -- Amina gritou ao se sentar novamente
--Quisera que fosse! -- afastou-se da mesa e parou diante da janela -- Ela tá mal, muito mal... Talvez não... -- abraçou-se consigo mesma -- Talvez não sobreviva até o ano que vem.
--Oh, Aba... (Oh, Meu Pai...) -- Amina chorava -- Laa... (Não...)
Raed não conseguia falar.
--Aproveitem enquanto têm tempo. -- olhou para os dois -- Porque no dia que decidirem fazer alguma coisa, pode ser tarde demais. -- passou a mão nos olhos -- Daqui a pouco ela viaja pra um congresso no estrangeiro e volta em maio, não sei. Ela e outros cientistas vão ficar estudando umas informações sobre o planeta e só saem de lá com tudo avaliado. -- pausou brevemente -- Quando ela voltar, será um bom momento pra vocês terem uma conversa séria.
--Eu vô fazê novena pra Virgi! -- Amina falou enquanto chorava -- A Sagrada Mãe num há di dexá minha minina morrê! -- balançou a cabeça -- Ela num vai dexá, num vai...
--Num vai, num vai... -- Raed repetia
--Zinara não vai gostar de saber que contei, mas eu não aguentava mais ver isso! Essa situação entre vocês, que se arrasta sem se resolver por tantos anos! -- passou a mão nos cabelos -- Eu não quero que vocês conheçam essa dor horrível que eu sinto. Não mesmo!
--Qui dô? -- Raed perguntou choroso
--A dor do arrependimento. A dor de não ter feito nada no momento certo, pra depois passar o resto da vida lamentando por isso.
***
--Pronto, mamãe, seu perfil tá criado. Agora é só usar. -- Clarice olhava para Leda -- Mas tem que prestar atenção no que vou lhe explicar pra poder ficar craque. -- advertiu em tom de brincadeira
--Muito bom! -- exclamou satisfeita -- Antes de explicar, aproveita e acha logo tuas irmãs e convida pra ser minhas amiga! E me adiciona no grupo dos fãs de luta e pancadaria!
--Ai, ai... -- achava graça -- Eu vou convidá-las, mas tenho que deixar uma mensagem. Do contrário elas nunca vão saber que dona Leda se apresenta no LivrodasFuça como Dona Bordoada! -- riu
--Claro! Agora que eu tenho espaço na internet vou desabafar e botar a boca no trombone! -- gesticulava -- Só vou dar bodoada no sistema!
--Ah, é? -- achou graça de novo -- E o que tanto a minha linda velhinha pensa em desabafar? -- escrevia mensagens para as irmãs -- Pronto, agora vamos achar o tal grupo de pancadaria.
--Não me falta assunto! -- respondeu de imediato -- Vou falar daquela pouca vergonha do incêndio na boate Beijo, que matou tanta gente no sul e nem se fala mais no caso, vou rasgar o verbo denunciando a Prefeitura de São Sebastião, que tá gastando horrores pra receber o Papa, vou criticar a entrega do nosso petróleo de mão beijada pros gringos...
--Cátia briga muito contra isso aí; essa entrega do nosso petróleo. -- comentou enquanto mexia no computador
--E eu que nunca pensei que fosse dar razão à tarada da praia em alguma coisa...
Achou graça de novo. -- Pronto! -- olhou para a mãe -- Agora vamos aprender como funciona o LivrodasFuça, dona Bordoada?
--Vamos! -- concordou -- Me ensina aí como postar uns desaforos. -- pediu
--Tenho certeza que a senhora vai aprender isso rapidinho! -- riu
CAPÍTULO 22 – O Evento Internacional
--Zinara, você tem certeza de que vai mesmo pra um lugar danado de frio daquele jeito? -- Cláudia perguntou preocupada -- Já é a segunda vez que fica internada e sua alta não completou nem três dias!
--Macleech, doktuur! (Não se preocupe, doutora!) -- brincou -- Tô pronta pra outra e o frio vai me deixar conservada! Vai ser igual se guardasse a caipira na geladeira. -- arrumava a mala
--Eu tô falando sério, mulher! -- pôs as mãos na cintura -- Você vai pra passar um tempão fora do país! E vai ficar hospedada quase no Pólo Sul! -- argumentava -- E se te acontece alguma coisa, quem vai te socorrer?
--Nada vai dar errado, doktuur. -- interrompeu o que fazia e olhou para ela -- Além do mais eu colaborei muito pra esse evento acontecer. Não ir, seria como se fosse perder a formatura de um filho, entende?
--Não, eu não entendo! -- cruzou os braços de cara feia -- Mas você é teimosa que nem uma peste e sei que não vai me dar ouvidos! -- suspirou -- Se cuida, viu, garota?
--Confia na caipira! -- piscou para a amiga e voltou a arrumar a mala -- Serão vinte dias de intensas pesquisas, análises de dados e intercâmbio científico, em um ambiente surreal. Melhor coisa que isso não há!
--E como vai se sustentar por lá, hein? -- estava intrigada -- Você não recebe salário desde fevereiro!
--Nosso grupo é custeado por um fundo internacional, o qual é bancado por centros de pesquisa governamentais e algumas universidades. -- esclareceu -- Não terei gastos com hospedagem e alimentação, a menos que saia à noite pra comer alguma coisa. E as passagens aéreas tirei com minhas milhas acumuladas. -- abriu o armário para pegar sapatos -- Em relação ao meu salário, não esqueça que o de janeiro foi pago em fevereiro, então não recebo desde março. Como estamos em abril são somente dois meses. -- voltou para junto da mala -- Sou comedida, Cláudia, e já tinha um bom dinheiro junto no banco.
--Esse dinheiro não vai durar pra sempre, Zinara! -- advertiu -- E eu sei que você ajuda a sua família.
--Tenho tudo calculado, Cláudia. De acordo com minhas estimativas, fico na penúria somente em novembro.
--Ah, que boa notícia! -- respondeu ironicamente -- E depois, como é que vai ser?
--Ninguém precisa de dinheiro na espiritualidade. -- afirmou tranquilamente
--Zinara... -- não gostou do que ouviu
--Sabe que muito provavelmente eu não passo desse ano, Cláudia. -- olhou para ela -- Sabe muito bem... -- voltou a se concentrar na bagagem
Deu um suspiro profundo e comentou: -- Vi na TV que Jamila se envolveu num caso que tá dando o que falar. -- mudou de assunto -- Deu até imprensa estrangeira na audiência do tal doutor Hamatsu.
--Ela tá sabendo fazer barulho na medida certa, proteger o cliente dela e se proteger. -- respondeu naturalmente -- Se Deus quiser vai terminar tudo bem.
--Sabe que ela não tá mais aqui em Cidade Restinga, não é?
--Sei. Ela me ligou pra dizer que ia dar um tempo em outro lugar. -- terminou com a mala e olhou para Cláudia novamente -- Onde você tá querendo chegar com isso? Não entendi porque trouxe Jamila pra conversa.
--Não está indo pra esse evento lá no inferno da pedra pra se matar, não é? -- perguntou à queima roupa -- Você sabe que provavelmente Jamila vai ter que se mudar em definitivo daqui. E tenho certeza que isso te abala!
--Jamila e eu não somos mais um casal desde o ano passado! -- afirmou convicta -- Morando aqui ou seja lá onde for, continuaremos não sendo um casal. -- pausou brevemente -- Dou minha palavra que ela nada tem a ver com minha ida a esse evento. E dou minha palavra que não penso em me matar!
--Jure! -- exigiu
--Abaixo de Deus e sob o nome de meus ancestrais! -- jurou
--Acredito. -- aproximou-se mais -- Já que vai viajar, aproveite e distraia-se! -- segurou uma das mãos da outra -- Estude, trabalhe, que eu sei que você gosta disso, mas distraia-se também.
--Tô levando meus trem pra escalar no gelo! -- respondeu animada
--Vou fingir que nem ouvi isso! -- retrucou de cara feia -- Você tem merd* na cabeça, não é possível! -- reclamou
--Vem cá e me abraça! -- puxou-a pela cintura e a abraçou -- Vai dar tudo certo, doktuur!
--Se você quiser permanecer inteira, vai! Do contrário eu como teu fígado! -- ameaçou brincalhona
--Eita, que essa mulher me deixa de perna bamba! -- brincou também -- Relaxa! Eu voltarei sã e salva! -- sorriu para ela
--Aproveite pra espairecer! -- aconselhou -- E veja se arruma alguém, assim do tipo cientista louca, pra você namorar! Vai ser bom pra você!
--Ah! -- achou graça -- Se eu não acho namorada na temperatura ambiente de Cidade Restinga, faz idéia no meio do gelo! -- riu -- É mole, não, uai!
--Procura, boba! -- insistiu -- Vai que você acha?
***
Zinara havia acabado de chegar no hotel. Após uma exaustiva viagem, finalmente podia descansar.
Abriu a janela do quarto para contemplar a paisagem e sorriu ao se deparar com as montanhas geladas e glaciares que se perdiam à distância.
--Ah, mas que eu vou escalar isso aí, eu vou! -- prometeu a si mesma -- Não tem bolota de pâncreas que me impeça de fazer isso! Se Deus quiser, eu vou! -- fechou os olhos e respirou fundo -- Ai, ai... -- abriu os olhos e caminhou até a mala -- Mas agora a prioridade é tomar banho e arrumar os trem no roupeiro. -- falava sozinha
Minutos mais tarde, a astrônoma tomava um banho relaxante.
--Adoro banheira! -- pegou o roupão dobrado, colocou na borda e encostou a cabeça -- Ih! Mas isso é um gasto de água por demais da conta! -- arregalou os olhos -- Os próximos banhos serão de chuveiro mesmo... -- decidiu
E o telefone do hotel tocou.
--Oxi! -- reclamou -- Ah, tem uma extensão perto da banheira! -- observou -- Troço chique! -- atendeu -- Hello?
--Zinara, how are you? Did you have a good trip? (Zinara, como vai? Você fez uma boa viagem?) -- Peterson perguntou animado -- I arrived yesterday and my journey was a bitch! (Eu cheguei ontem e minha viagem foi uma droga!)
Achou graça. -- Graças a Deus tudo bem comigo. E minha viagem também foi desagradável! -- respondeu no idioma saxão -- No entanto, o importante é que estamos vivos, não acha? -- brincou
--Certamente! -- concordou bem humorado -- A doutora Karim também chegou ontem, quase junto comigo, assim como o doutor Mackenzie. Os demais só chegarão amanhã.
--Mas o evento começa amanhã! -- respondeu estranhando -- Bem, os colegas devem saber o que estão fazendo.
--Eles terão que correr porque não acho certo que toleremos atrasos... Se marcamos de começar às 13:00h, que assim seja! -- opinou -- Mas para hoje, nós que já estamos aqui, pensamos em nos encontrar no lobby do hotel por volta de umas nove da noite. Se não estiver muito cansada será bem vinda para conversar conosco e beber uns drinques... -- convidou
--Estarei lá. -- aceitou o convite -- Estou cansada mas sem sono.
--Great! See you! (Ótimo! Até logo!)
--Bye. -- desligou o telefone -- Eu não vou com a cara daquele Mackenzie mas Peterson é legal e essa doutora Karim eu ainda não conheço. -- falava consigo mesma -- Vai ser bom prosear um pouco. -- brincava com a espuma -- Adoro isso! -- soprava as bolhas de sabão -- Ih, saiu grandona! -- exclamou admirada
***
A morena vestiu uma calça de linho e uma segunda pele por baixo. Escolheu uma blusa de tecido fino e mangas compridas para usar com o casaco de couro forrado. Calçou as botas e desceu para o lobby. Rapidamente reconheceu Peterson e Mackenzie e os cumprimentou.
--Hi there! (Oi!) -- sorriu
--Zinara! -- Peterson abriu os braços para abraçá-la -- Nice to see you again! (Bom ver você de novo!)
--Eu digo o mesmo! -- olhou para Mackenzie -- Tudo bem?
--Tudo ótimo! -- apertou a mão dela -- Melhor com um bom vinho para aquecer! -- mostrou a taça
--A doutora Karim está no toalete. -- Peterson foi logo dizendo -- Ela é geofísica, especializada em geomagnetismo, e suas pesquisas atuais estão focadas no estudo sobre o campo magnético deste planeta. -- aproximou-se para falar mais baixo -- Nascida em Punjab, ela vive na Escandinávia há quase trinta anos e trabalha no Centro de Pesquisas do Centro do Estado. Imagine só que choque cultural! E acho que é viúva!
--Ah... -- respondeu achando graça -- "Ele já gosta de uma fofoca!” -- pensou
--Posso me juntar ao grupo novamente? -- uma voz feminina se fez ouvir
--Oh, sure! (Oh, claro!) -- Peterson respondeu sorrindo -- Please, let me introduce you both! Zinara, this is the doctor Karim bint Abdullah. (Por favor, deixem-me apresentá-las! Zinara, esta é a doutora Karim bint Abdullah.) -- fazia as honras
A astrônoma olhou para a outra e estendeu a mão para cumprimentá-la. Karim saudou-a com delicada firmeza.
--Já sei muito sobre você, doutora Zinara Raed. -- sorriu -- Peterson me passou sua ficha completa. -- brincou -- É um prazer.
--O prazer é meu. -- sorria também -- Mas, não me trate por doutora, por favor. -- pediu -- Pode me chamar pelo primeiro nome.
--Só se fizer o mesmo comigo. -- propôs ao soltar a mão da morena
--Certamente. -- concordou -- "Nossa, que mulher elegante!” -- pensou impressionada
Karim regulava seus cinqüenta anos, era magra e morena, dona de cabelos lisos e negros presos em um coque. Era um pouco mais baixa que a astrônoma e vestia-se elegantemente.
--Zinara, você não se sentou até agora! -- Mackenzie comentou
--E nem pediu bebida! -- Peterson complementou -- O que vai ser? Não alcoólicos como sempre? -- provocou
--As usual, my friend. (Como sempre, meu amigo.) -- olhou para Karim -- Please? (Por favor?) -- indicou uma cadeira para outra, que agradeceu e se sentou -- Lets see my options. (Vamos ver minhas opções.) -- sentou-se ao lado de Karim e pegou o menu
--Também não bebo alcoólicos. -- ela disse -- Gosta de chá?
--Adoro! -- a astrônoma respondeu com sinceridade
--Ei, vejam isso! -- Mackenzie exclamou empolgado olhando para a TV do lobby -- Vão transmitir ao vivo o jogo dos Linkers contra Humphield!! -- sorriu -- Uau! -- olhou para os demais -- Vamos ver?
--Os Linkers?! -- Peterson arregalou os olhos -- Meu Deus! E contra os Humphield será um verdadeiro duelo de titãs!
--Está interessada nisso? -- Zinara perguntou para Karim -- Eu passo! -- brincou
--Não suporto esse esporte! -- Karim respondeu achando graça
--Come on, girls, rugby! (Qual é, garotas, rugby!) -- Peterson exclamou enquanto colocava sua cadeira diante do telão -- It's really nice! (É muito bom!)
--Garçom! -- Mackenzie gritou enquanto colocava sua cadeira ao lado de Peterson -- Cerveja! -- pediu -- Vinho não é bebida para um jogo de rugby!
--Oh, my... -- a professora balançou a cabeça -- Quero ver como estarão amanhã...
--Vamos tomar chá e conversar enquanto os homens se perdem com o rugby. -- Karim propôs -- Aposto que será bem mais interessante.
--Vamos conversar! -- concordou
***
--UHUHUHUHUHUHUH!!!!! -- Peterson e Mackenzie gritaram ao mesmo tempo
Zinara e Karim acharam graça.
--Mas e depois? -- a professora perguntou interessada -- Você foi prometida em casamento ao nascer e o que aconteceu?
--Meu marido era dez anos mais velho que eu. -- segurava a caneca de chá -- Na adolescência ele pediu a meu pai que me deixasse estudar, pois não ficaria bem levar uma mulher inculta aos ambientes que ele se preparava para freqüentar. -- contava sua história -- E essa foi minha sorte, porque pude me graduar e só nos casamos depois que me formei. Logo depois disso ele foi transferido para a Escandinávia, e lá fomos nós morar em outro país completamente diferente do nosso. -- sorriu
--E como foi essa mudança para vocês? -- bebeu um gole de chá
--Terrível e ao mesmo tempo muito bem vinda! -- riram -- O Punjab é uma ditadura fundamentalista, onde a religião interfere em tudo e nós, mulheres, temos quase nenhuma liberdade... Sair de lá, sob esse aspecto, foi maravilhoso! -- bebeu um gole de chá também -- Mas o povo da Escandinávia é muito formal, distante, frio... Sentimos falta da família, dos amigos, das festas e da dança... -- olhava para a outra -- E da comida, com toda certeza!
--Sei bem como é. -- concordou -- Quando saí de Terra de Santa Cruz para estudar fora morri de saudades de tudo! E da comida, devo salientar. -- riu brevemente
--Mas a gente tem que se acostumar, não é? E foi isso que aconteceu. -- cruzou as pernas -- O tempo passou, tivemos dois filhos, ingressei no mestrado, doutorado, pós doutorado... -- suspirou -- E fiquei viúva há dez anos atrás.
--Sinto muito. -- respondeu respeitosa
--Tudo bem, querida. Morrer faz parte da vida. -- bebeu o último gole de chá -- Meus filhos saíram de casa e hoje eu vivo sozinha. -- pausou brevemente -- Outra grande mudança difícil de aceitar...
--Eles se casaram ou foram simplesmente cuidar da vida?
--Zyad tem 26 anos e é jogador de futebol profissional. Há um ano atrás ele assinou um contrato com um time do Dawlat Pérsico e foi viver naquele país. -- esclareceu -- Anne tem 24 anos e formou-se em engenheira de telecomunicações em dezembro passado. Logo conseguiu emprego e foi transferida para a Germânia. Há exatos vinte dias...
--Você deve morrer de saudades. -- debruçou-se sobre a mesa
--Mas vou me acostumar... Para o meu próprio bem... -- debruçou-se também -- Mas e você? É casada, tem filhos?
--AHAHAHAHAHAHAHAHAH -- os homens gritaram
--Isso quer dizer que fizeram gol? -- Karim perguntou
--Em rugby se faz gol? -- Zinara perguntou e elas riram -- Bem... não tenho filhos e não sou casada mas... fui mais ou menos casada com uma pessoa e esse relacionamento acabou. -- pensava em Jamila -- Depois disso me dei conta que me encantei por outra pessoa muito bonita e especial, -- pensou em Clarice -- que namora alguém... Noto que essa pessoa até se distanciou de mim.
--Que pena... -- olhou para as próprias mãos -- Então... está solteira? -- olhou para a morena novamente
--Totalmente.
--Oh, shit, what a hell!! (Oh, merd*, que inferno!) -- Mackenzie gritou enfurecido
--Agora com certeza não foi gol dos Linkers. Gol ou seja lá o que for que tenham que fazer! -- Zinara brincou e elas riram -- E você? -- perguntou receosa -- Eu seria muito indiscreta se perguntasse... Nestes anos que se passaram você não se envolveu com mais ninguém?
Karim sorriu e olhou para as mãos novamente. -- Depois de anos sozinha eu decidi viver o que nunca havia me permitido. -- respondeu como se fizesse uma confissão -- E me envolvi com uma pessoa em segredo... -- encostou-se no recosto da cadeira e pôs as mãos sobre as pernas -- Mas eu não tive condições de manter aquele relacionamento. Tive medo que meus filhos descobrissem.
--Por que? -- não entendia -- Eles são ciumentos ou...
--Não é isso. -- olhou para Zinara -- Não tolerariam...
“Será que ela se envolveu com um mulher?” -- pensou -- O meu relacionamento... -- decidiu falar -- também não seria tolerado por muitos. -- pausou brevemente -- Especialmente na minha tradicional família de Cedro.
Karim balançou a cabeça em entendimento.
--AHAHAHAHAHAH!!!!!! -- Mackenzie e Peterson pulavam abraçados -- Garçom, mais cerveja! -- ordenaram -- Go Linkers, go, go, go!! -- cantavam
--Homens... -- balançou a cabeça achando graça e olhou receosa para a astrônoma -- Não sei como tive coragem de lhe dizer isso. Logo eu que sou tão reservada...
--Eu também sou discreta, Karim. -- garantiu -- Pode ficar tranqüila que seu segredo ficará guardado comigo.
--E o seu comigo. -- sorriu
--Oh, man, lets get drunk! (Oh, cara, vamos ficar bêbados!) -- Peterson gritou
--Como se já não estivessem! -- Zinara riu e se ajeitou em outra posição na cadeira
Reparou nos homens que cantavam abraçados. -- E eu que odeio rugby... -- calou-se por uns instantes e olhou para a outra -- Acho que ambas estamos vivendo uma espécie de fase de luto, não é?
--Acho que sim... -- concordou
--Gostei de ter conhecido você, Zinara. -- olhava nos olhos da morena -- Vai ser um prazer passar estes dias a seu lado.
--Também gostei de tê-la conhecido.
--Linkers! Linkers! Linkers! -- os homens cantavam
Karim sorriu timidamente para a astrônoma e baixou os olhos.
Zinara pensava se não teria agora condições de seguir o conselho de Cláudia.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Samirao
Em: 07/10/2023
E ficamos sem Ledas...
Solitudine
Em: 11/11/2023
Autora da história
Essa é uma das partes mais difíceis da vida!
[Faça o login para poder comentar]
Samirao
Em: 23/03/2023
Missão cumprida no Tao!
Solitudine
Em: 26/03/2023
Autora da história
Que bom! Agora chega!!!!
Beijos,
Sol
[Faça o login para poder comentar]
Alexape
Em: 28/12/2022
Essa Cátia é foda! Clarice tá pagando de otária a toa e Zinara dá uma de lesada que nu! Mas já shippei Zinara e Clarice logo nos começos! Tambem tô aprendendo ciências! Essa história 10!!!
Resposta do autor:
kkkkk Elas são enroladinhas mas vão se entender! Confia!
Sim, essa história tem muita informação interessante!
Beijos,
Sol
[Faça o login para poder comentar]
Seyyed
Em: 17/09/2022
Esqueci de falar que a Zi tem mais é que namorar! Beijar na boca esquecer dos problemas. Quando Clarice ficar esperta, quem sabe? Hehe
Najla sou tua fã!!!
Resposta do autor:
kkkkk Zinara não tinha esse talento para sair namorando assim mas ela bem que tentou; do jeiro dela, claro. rs
Najla agradece!
Beijos,
Sol
[Faça o login para poder comentar]
Seyyed
Em: 17/09/2022
Cararra, Cátia é muito cafa! Tá usando e abusando de metade do elenco hehe Clarice abre os olhos e coça a testa, tá ligada? Leda vê tudo mas a filha é muito boba puta merda! O almoço tinha tudo pra dar certo mas o babaca do Amed né? Te entendo Zi. TMJ
Resposta do autor:
Cátia tem poder de sedução, não se pode negar! rs
Clarice faz muitas bobagens quando se sente insegura. Fazer o que, se ninguém é perfeita? rs
Ahmed foi muito desagradável. Não podia esperar que sua fala passasse sem consequências. E Zinara jamais toleraria ouvir o que ele disse e permanecer em silêncio. Mas foi realmente uma pena!
Zinara agradece pelo seu apoio! rs
Beijos,
Sol
[Faça o login para poder comentar]
Gabi2020
Em: 11/05/2020
Ei garota!!
Já falei só meus comentários são bem rasos, mas confesso que leio depois e penso: "Sério que escrevi isso? Imagina a cara da Sol lendo tanta besteira."
Depois te explico o por quê perguntei do idioma gálio. Mulher tu é inteligente demais, quando crescer quero chegar perto da sua inteligência.
Quanto aos e-mail relaxa, não tem pressa!
Beijos
Resposta do autor:
Lendo tanta besteira? Eu não acho. Bestagem é o que diz o seu presidente! kkkk
Gabinha, não me superestime!
Beijos,
Sol
[Faça o login para poder comentar]
Gabi2020
Em: 10/05/2020
Sol!
Cátia... Sacana, fdp, egocêntrica, nojenta, metida e por aí vai! Como diz dona Leda, uma piranha velha.
Jamila é bem aquilo, tem horas que tenho ódio em outros momentos dá vontade de sentar e bater um longo papo, é a uma constradição... Aí eu xingo ela mentalmente e ao mesmo tempo admiro sua coragem e determinação!
Dona Leda foi certeira: "de oceano você sabe tudo, de vida que é bom nada!"
Família ê, família a, família... Barraco de família, tenso! Tia Najla disse tudo, só acho que ela podia ser menos sutil, mas valeu... O recado foi dado.
Muito especial a relação de Zinara com Aisha, pura e sincera.
Tia Najla sempre surpreendendo... Difíicl entender os pais de Zinara, mas é compreensível devido às circustâncias... Mas a Zinara nunca teve culpa... Complicado, complicado...
Dona Bordoada... Kkkkkkk... Maravilhosa!
Olha se tem uma coisa que não consigo imaginar é uma pessoa escalando uma geleira. Tem o frio, tem os equipamentos, tem o gelo que escorrega... Por isso acho que , a pessoa que faz isso tem uma parafuso menos... Kkkkk... Não me leve à mal, mas acho tão perigoso.
Karim doutora inteligentíssima! O clima de flerte entre elas foi bem interessanta, aliás até pra flertar elas são elegantes, nossa!
Beijos
Ps. Você fala gálio?
Ps2- Te mandei e-mail, quando tiver um tempo leia (sem pressão viu?)
Resposta do autor:
Gabinha!!!
Sabe que você me emociona e diverte com seus comentários.
"Cátia... Sacana, fdp, egocêntrica, nojenta, metida e por aí vai! Como diz dona Leda, uma piranha velha." kkkkk Fiquei rindo aqui!
Jamila sempre viveu um misto de atitudes de menina mimada e mulher determinada. Os sentimentos realmente oscilam.
Najla tem que pegar leve. Ela vive de favor, teve um passado complicado com a família... mas decidiu agir como um anjo agregador e fez toda a diferença. Aliás, a missão dela é essa: agregar!
"Muito especial a relação de Zinara com Aisha, pura e sincera." Sempre existe aquela prima, não?
"Olha se tem uma coisa que não consigo imaginar é uma pessoa escalando uma geleira". Pois é uma coisa MARAVILHOSA que eu AMO. Estou com saudades de fazer isso... ai, ai.
"Karim doutora inteligentíssima! O clima de flerte entre elas foi bem interessanta, aliás até pra flertar elas são elegantes, nossa!" Você achou? A categoria docente agradece! kkkk Mas se bem tem Cátia, né? :P
"Você fala gálio?" Gabinha realmente imergiu no Tao! Sim, neste lado de cá tudo é possível!
"Ps2- Te mandei e-mail, quando tiver um tempo leia (sem pressão viu?)" Vou demorar um pouco, viu?
Beijos,
Sol
[Faça o login para poder comentar]
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
Solitudine Em: 14/06/2024 Autora da história
Olá querida!
A caipira tentou trazer informações para criar o contraditório da visão dominante.
Sim, Jamila luta por justiça.
Zinara e Clarice vão se encontrar. Aguarde!
Beijos,
Sol