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EM BUSCA DO TAO por Solitudine

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Palavras: 15588
Acessos: 10360   |  Postado em: 01/01/2018

Notas iniciais:

Gufraan: transliteração/romanização da palavra árabe para PERDÃO

 

GUFRAAN

Capítulo 13 – Conflitos

 

--Será que vocês estariam dispostos a me ouvir? -- Najla perguntou receosa -- E eu também precisava ouvir de vocês muitas coisas...

 

--Ah, mais ocê vai ouví, sim! -- Raed afirmou de cara feia -- Só qui vai ouví é muito do disaforo, sua bicha infiliz! Tá pensando o que? -- gesticulava -- Acaba cum nóis e dispois chega aqui com essa cara di rata qui robô quejo, cheia das humirdadi, pisando macio e falando manso? -- fez um bico -- Pra cima de mim não, violão!

 

--Raed, eu entendo a sua mágoa, mas... -- tentava argumentar -- Akhuuya, min fadlak... (Meu irmão, por favor... )

 

--Ah, qué dizê qui agora ocê qué falá a língua di Cedro? -- interrompeu a irmã debochadamente -- Num tem mais, nem meio mais, não, Najla! Tu acreditô nas palavra daqueli teu marido mardito, qui pôs im dúvida a honra di minha muié e mais a minha, e jogou nóis na rua sem casa e sem nada! -- sua fala era carregada de rancor -- Eu, teu irmão! Akhuuik! (Seu irmão!) -- bateu no peito -- Um homi qui nunca robô nada e nem ninguém! -- aumentou o tom de voz -- Ocê mi jogô na rua, cum muié, cum fio pra criá, e a honra dispedaçada! -- deu um soco na mesa -- Eu num isqueço, Najla! Isqueço não! -- outro soco -- Já tinha trauma qui bastassi na minha vida, modi qui tu ainda acrescentô mais um!

 

Zinara assistia a fúria do pai e ouvia a tudo calada. Controlava o impulso de também dizer muitas coisas à tia, pois as lembranças do que aconteceu lhe provocavam dores profundas. Dentro de si, travava uma luta titânica entre o silêncio e a vontade de dizer o que nunca foi dito.

 

--Raed... -- Najla começou a chorar contidamente -- Eu me arrependo tanto, mas tanto! -- olhava para ele e Amina -- Você tá certo em cada palavra que me diz, mas por favor, min fadlak, vamos conversar! -- pedia quase em desespero -- Eu preciso muito!

 

--Tem cunversa, não! -- deu outro soco na mesa -- Some daqui no mesmo pé qui ocê veio! -- olhou para a filha com a cara feia -- Pra que ocê trouxe essa pesti pra cá? -- falava aos berros -- Vai timbora com ela! -- ordenou -- Num quero ocês aqui!

 

A astrônoma permaneceu muda.

 

Najla olhou para a sobrinha com tristeza e depois novamente para o irmão. -- Ela só queria ver a família se entendendo! Por isso me trouxe, não por outra razão!

 

--Vai as dua simbora daqui! -- gritou -- Eu tô mandando e ocês mi obedece! -- socou a mesa -- Quem manda nessa casa aqui... -- preparou-se para mais um soco

 

--Sô eu! -- Amina falou mais alto e segurou o marido pelo pulso -- Pari di batê na minha mesa qui num tô gostandu dissu, não! -- falou com a cara feia e beliscou o braço dele -- AHHa! -- reclamou

 

--Amina?! -- Raed exclamou indignado olhando para a esposa -- Dueu, uai! -- esfregou o braço

 

--E é pra duê mêis! Diacho di mania horrívi di viver batendu nus trem! -- gesticulava -- E trati di pará di escândalu qui num tem surdu aqui, não!

 

--Gente! -- Njala exclamou boquiaberta

 

--E ocê trate di sentá aí, muié! -- olhou para a cunhada -- Senta nessa cadera e vamo cunversá! -- bateu palmas -- Senta, bicha! Dexi de choru e agi! -- a outra obedeceu com medo -- Eu, hein, parece que ficô lesa!

 

--Num acredito qui ocê vai querê ouvi o qui essa tar tem pra dizê!

 

--Num só vô ouvi, como vô falá, homi! E senta esse rabo na cadeira modi ouvi também! Anda! -- ele obedeceu resmungando -- Teimosia da pesti!

 

--Gente! -- Najla continuava estupefata, enquanto secava os olhos com uma das mãos

 

--E ocê tá esperando o que, minina? -- olhou para a cara da filha cruzando os braços

 

--Nada! -- sentou-se rapidamente

 

--Pronto! -- puxou a cadeira e se sentou -- Fala muié! E num inrola muito, não, qui daqui a pouco vô querê serví o armoço!

 

--Tô boba! -- cochichou para a sobrinha

 

--Eu não disse que a coisa tinha mudado por demais da conta? -- Zinara cochichou de volta

 

***

 

Janaína e Aisha aguardavam a dona do imóvel que pretendiam comprar.

 

--Amor, acho que a gente chegou muito cedo. -- olhou para o relógio -- Marcamo pras onze e ainda são nove da manhã.

 

--Relaxa, Janaína. -- piscou para ela -- É melhor esperar do que chegar atrasada e fazer ela desistir de nós.

 

--É mesmo. -- concordou -- Sabe...? -- olhou para a esposa -- Eu não vejo a hora de me mudar praquela casinha! Acredita que nem dormi essa noite? -- sorriu

 

--Então fomos duas! -- sorriu também -- E eu que fiquei quietinha com medo de te acordar. -- fez um carinho no braço da outra

 

--Eu tô muito feliz. -- segurou a mão de Aisha -- Aquela sua prima é bruta e meio saliente, mas é gente muito boa. Tenho uma dívida de gratidão com ela. -- brincava com os dedos da mulher -- O que Zinara precisar, ela pode contar comigo.

 

--Ela não tem nada de saliente, sua boba. -- continuava sorrindo -- E só é bruta em ocasiões bem particulares, como, por exemplo, por causa de você dando tapa nela o tempo todo!

 

--Ah, você sabe que é meu jeito... -- pausou por uns instantes -- Você já me contou muita coisa sobre sua família, mas não me disse porque Zinara, os pais e os irmãos foram embora da fazenda de vocês. -- comentou curiosa

 

--Foi uma tristeza, habibi... -- suspirou -- Eu não tava na fazenda e quando voltei de férias fiquei sabendo que mamii tinha expulsado eles. -- passou a mão nos cabelos -- A gente brigou tanto, mas tanto! Papi chegou a me dar um tapa no rosto! -- lembrava -- E olha que ele nunca tinha me dado nem uma palmada!

 

--Nossa, então a briga deve ter sido feia por demais da conta! -- surpreendeu-se

 

--Nem queira saber! -- revirou os olhos

 

As lembranças vieram nítidas nas memórias de Aisha.

 

“--Eu não acredito que vocês tiveram coragem de fazer isso com eles! -- gritava -- Será possível que vocês não têm coração? Que não ligam, que não se importam? -- olhava indignada para os pais -- Puta que pariu, eles têm filhos! Como ficam as crianças? -- pensava nos pequeninos -- E os mais velhos, o que vai ser deles? Youssef é cego, Khaled é todo problemático! E Zinara, como vai ficar?

 

--Raed vinha me roubando, minha filha! -- João Cezário acusou -- Acha que eu ia ficar aturando isso até quando? -- olhava para Aisha -- Ele me rouba desde os primeiros meses que botou os pés nessa fazenda! Eu é que num sabia de nada!

 

--E Amina ainda se insinuava pro seu pai! -- Najla reforçou os argumentos do marido -- Fazia tipo de mulher santinha, mas não passava de uma sonsa! -- cruzou os braços

 

--Vocês acreditam mesmo nessa historinha ou isso tudo é o papo fiado que inventaram só pra poder justificar a sacanagem que fizeram? -- perguntou com descrença

 

--Tá chamando teu pai de mentiroso, menina? -- gritou enfurecido

 

--Tô! Tô sim! -- encarou com ele -- Você nunca gostou deles aqui, pensa que eu não notava? -- falava com revolta -- E foi demais pro teu orgulho de machão que justo uma mulher pobre e humilde como tia Amina te dissesse não por todos esses anos, apesar do teu assédio pesado em cima dela! Acha que eu não percebia isso?

 

--Aisha?! -- Najla exclamou indignada

 

--É verdade, mamii, todo mundo aqui nessa fazenda sabe disso! -- respondeu sem desviar os olhos do pai -- O sério e respeitável coronel João Cezário não passa de um fanfarrão fingido que não pode ver um rabo de saia! -- sentiu uma forte bofetada em seu rosto

 

--Veja lá como fala comigo, sua perdida! Vagabunda! -- gritou furioso ao se retirar da sala

 

--Filha! -- a mãe veio correndo ao encontro da jovem -- Meu Deus! -- segurou o rosto dela com os olhos marejados -- Ficou vermelho, vem colocar gelo! -- pediu -- Ah, meu amor, sua mamii vai cuidar de você!

 

--Não! -- desvencilhou-se da mãe -- Eu me cuido sozinha. -- derramou uma lágrima -- E ouça uma coisa que eu vou te dizer, mamii: -- olhava nos olhos da outra -- papi vai te fazer se arrepender amargamente por tudo isso. Ele e a vida! -- saiu da sala”

 

--Nossa, que coisa horrível! -- Janaína beijou o rosto da esposa -- E pra onde eles foram? O que aconteceu?

 

--Eu nunca soube. -- balançou a cabeça negativamente -- E nem tive coragem de perguntar isso a Zinara. -- mirou um ponto no infinito -- Procurei por eles por muito tempo, mas como não encontrei, acabei deixando pra lá. -- abaixou a cabeça envergonhada -- Também fui egoísta. Eu devia ter procurado mais...

 

--Ah, não se culpe pelo que já foi, meu amor... -- abraçou-a pelos ombros com carinho -- Isso é passado!

 

--Às vezes o passado não passa... -- respondeu pensativa

 

***

 

--E foi isso que aconteceu comigo e Aisha. -- Najla contava envergonhada -- Faz longos anos que minha vida tem sido só eu e... wahdani (minha solidão)... -- olhava para Raed e Amina -- Vejam como colhi o que plantei... Aisha me avisou que um dia eu iria me arrepender, mas... Demorei muito pra ver a verdade que eu negava. -- pausou brevemente -- Sofri muito, gente... só que aprendi!

 

--Ocê sofreu foi é pôco! -- Raed respondeu de cara feia -- Só tenho pena é di minha subrinha qui era boa minina. -- pausou brevemente -- Se bem qui ocês num sobero criá e ela era meio pirdida. Nunca qui ti respeitô e nem ao pai!

 

--Raed, eu sei que você deve me odiar, mas...

 

--Ocê num sabi é nada! -- interrompeu-a com rispidez -- Nada! -- levantou-se furioso -- Eu fiquei cum Amina e mais meus cinco fio qui nem um fugitivu, pegando carona cum um e cum ôtro, durmindo ao relento, dependendo di caridade alheia... -- emocionou-se -- Num agüentava mais vivê daquele jeitu, não, Najla! -- olhava para a irmã com raiva -- Eu passei onzi ano di minha vida fugindo da morte lá em Cedro, ficando mais miserávi a cada dia, vendo meus irmão, meus sobrinho e minhas cunhada morrê um a um! -- pausou para conter a emoção -- E ocê num sabe como foi difíci demais da conta quando baba morreu! -- passou a mão no rosto -- Eu nunca qui pensei qui fossi vivê aquela vida erranti di novo aqui im Terra di Santa Cruz... Vivi pur tua curpa! -- acusou -- Tua e di teu mardito marido mintiroso! -- Najla abaixou a cabeça e nada respondeu -- Quem rôbava ocês naquela fazenda era o capataz qui acubertava as patifaria de João Cezário com otras muié. Eu qui fui burro di tê denunciado isso a teu marido, pru mardito capataz mudá tudo e dizê qui o ladrão era eu! -- derramou uma lágrima -- 25 di marçu di 1992! Nunca vô mi isquecê qui nesse dia minha irmã mi jogou na rua cum famia e tudo! Nesse dia, Najla, ocê morreu pra mim!

 

--E eu qui nunca mi insunuei pra homi ninhum! -- Amina afirmou convicta -- Muito menos pru teu!

 

--Nunca! -- Raed confirmou imediatamente -- O mardito é qui vivia atrás dela! -- deu um soco na mão -- Pena qui Amina só me contô isso dispois qui nóis num morava mais lá. AHHa! -- reclamou -- Ah, si eu sobesse antis... comia aquele homi no côro! -- gesticulava

 

--Eu sei que ele mentiu. -- confessou contendo as lágrimas -- Eu sei... -- continuava de cabeça baixa

 

Zinara prestava atenção nas reações da tia e percebeu o quanto ela sofria por remorço pelo que fez e deixou acontecer. Suas próprias emoções revolviam furiosas em seu coração mas ela continuava quieta. Sabia que mais acusações somente trariam dor e nada mudariam do que se passou.

 

“--Maama, tô cum fome... -- Nagibe chorava

 

--Eu queru durmí... -- Ahmed pedia -- Tô cansadu, maama... Quandu qui nóis vai si deitá?

 

--Carma, criança, carma! -- Amina se desesperava enquanto tentava distrair o pequeno Cid, que chorava pesadamente

 

--AHHa qui carro ninhum pára pra nois! -- Raed reclamava olhando para a estrada -- Gaatak niila, João Cezário!! Gaatak niila, Najla!! AHAHAH!!! -- gritou enfurecido

 

--Eu num quiria mais isso! -- Khaled falava com vontade de chorar -- Num quiria! -- olhou para a irmã -- E quandu os junuud (soldados) chegá? Nóis si iscondi onde? -- tinha medo -- Eles vem pra matar nóis!

 

--Num tem mais junuud, habibi. -- tentava tranqüiliza-lo -- Num tem! Wallahi! (Eu juro!)

 

--Ya sheen theek izziwana? (O que será de nós?) -- Youssef perguntou derramando uma lágrima -- O qui vai sê, Ya aini (Meus olhos)?

 

--Nóis vamo saí dessa. -- respondeu fingindo não sentir medo -- Tem confiança! -- lutava desesperadamente para não demonstrar o que lhe ia na alma”

 

--Ocê cuspiu na memória di todos nossu ancestrar quando dexô aquele mardito caluniá nóis! -- Raed acusou enfurecido -- Mardita seja, Najla! Enti ghaawiz iD-Darb bi-sittiin gazma!! (Você merece ser chutada por 60 sapatos!!) -- gritou

 

(Nota da autora: expressão muito agressiva que denota o desprezo que se sente por alguém)

 

--Carma, homi! -- Amina se levantou e segurou o marido acariciando o peito dele -- Carma! Ti aquieta! -- pediu compreensiva e ele se calou. Depois de uns segundos em silêncio olhou para a cunhada e perguntou: -- Minha fia num ti contou como foi nossa vida dipois qui tu mandou nóis imbora? Ocê sabi do qui mais hovi? -- perguntou curiosa

 

--Não, maama. -- a astrônoma respondeu simplesmente -- Eu não toquei nesse assunto com ela. -- passou a mão nos olhos

 

--E eu não tive coragem de perguntar... -- olhou timidamente para a Amina

 

--Nóis fiquemo trezi dia durmindo ao relento, cumendo o qui dava pra cumê, e quando dava! Eu já tava ficandu doida cum os minino novinhu qui num parava di chorá. -- Amina relembrava -- Um homi qui vortava di viagi, viu nóis na bêra da istrada e teve pena. Eles nus trôxi inté a igreja dessa cidadi aqui e pidiu pru padre dexar nóis durmir lá. -- contava -- Mas o padre num quis recebê nóis purque disse qui nosso povo era amardiçoado.

 

--Ralã! -- a outra mulher exclamou revoltada -- Quem ele pensava que era pra falar de nosso povo assim?

 

--Eli já morreu faz é tempo! -- Raed falou -- Devi di tá lá nos inferno sentado nu colo do Bicho Ruim!

 

--Num diz isso, homi! -- Amina ralhou com o marido e voltou a narrar a história -- Intão nóis passemo a noite na casa desse homi qui nus trôxi pra cá, mas ele tinha a famia grande pur dimais da conta e nóis num podia vivê ali. Pur isso, ele pidiu a mãe dos santo do terrero dele modi nus dexá vivê lá e ela dexô. O cantinho que fiquemo era pequinino pur dimais da conta, mas nóis dava nosso jeitu.

 

--Vocês foram viver num terreiro de macumba? -- Najla perguntou horrorizada

 

--Por que o preconceito, camma? -- olhava para a tia -- Mãe Dézinha era mulher honrada e séria, a quem devemos muito respeito e gratidão! Seu terreiro era um lugar do bem e de muito trabalho digno! -- argumentou -- As pessoas da umbanda foram as únicas que praticaram a lei da caridade com a gente naquela época. Ninguém mais!

 

E novamente o passado apresentou-se diante da morena.

 

“--Ê, ê, óia quem tá aí! -- a mãe preta manifestada na mãe de santo exclamou ao ver Zinara -- Óia quem tá aí! -- sorriu balançando a cabeça -- Terra di Santa Cruz ti puxou, né? A pátria do evangéio ti chamô...

 

--Mi cunhece? -- perguntou receosa

 

--Ô... -- revirou os olhos -- Nóis já fizemo muita coisa junta cumadri. Eu mais ocê, temo intiligença. -- balançou a cabeça -- E é pur tê dado mau uso dela qui temo tanta coisa módi cunsertá.

 

A morena não entendia como podia ser. -- AHHa, qui nunca ti vi! -- protestou

 

--Viu, mas num si alembra. Nu momento certo ocê vai intendê. -- acendeu um charuto -- Pur agora só posso garantí qui ocê tem ido bem. -- aproximou-se dela -- Mas num põe tudo a perdê di novo! -- cuspiu fumaça no rosto da jovem”

 

A ex fazendeira ficou sem graça. -- É... é verdade... -- balançou a cabeça pensativa -- E vocês vieram pra bem longe! Aisha procurou por vocês, mas não encontrou. Nunca soube notícias... -- pausou por uns instantes e olhou para a professora -- Você e seus irmãos tiveram que parar de estudar? -- perguntou envergonhada

 

--A gente só tinha a roupa do corpo, camma! Claro que não podia estudar, tinha que trabalhar! -- respondeu magoada -- Youssef, Khaled, baba e eu procuramos emprego na cidade e cada um se virou como pôde. -- passou a mão nos cabelos -- Fiquei dois anos sem colocar os pés numa escola. -- controlava-se para não descarregar seus pesares naquela fala -- Só Deus sabe o quanto isso me doeu!

 

--Habibi... -- emocionou-se novamente

 

--Eles trataro di trabaiá na cidade e eu ficava em casa cuidando dus minino e dus trem do terrero. -- voltou a sentar -- E foi assim pur uns meis, inté que Zinara arrumô de dá aula pra fia di ya Tereza, a sinhora que era dona dessa casa aqui, e ela cabô nus chamando pra vir morar mais ela.

 

--A garotinha era uma criança especial. -- a morena lembrava -- Eu alfabetizei ela como pude e ensinei tabuada. -- sorriu -- Foi graças a mãe dela que Khaled e eu voltamos pra escola. -- comentou agradecida -- Finalmente pude concluir o ginásio aos dezenove anos de idade. -- olhou para a tia -- Dezenove anos, parece mentira...

 

--No ano qui Zinara terminô esse ginásio, ya Tereza dicidiu morá com a fia mais veia na cidadi grandi pra vê si a minina especiá pudia pogredí mais ainda. -- continuava a história -- E nisso deu essa casa aqui cum tudo pra nóis. -- sorriu -- Pareci inté novela, né?

 

--Ya helu, Amina! (Que lindo, Amina!) -- sorriu emocionada -- Ai, gente, que coisa linda!

 

--Pra ocê vê qui nem todo mundo é mau carátê qui nem ocê! -- Raed foi logo dizendo

 

--Eu tenho que ouvir isso calada, né? -- passou as duas mãos no rosto -- Olha, gente, eu não tenho mais nada na minha vida! Mas eu queria que vocês soubessem que tô disposta a fazer qualquer coisa pra que vocês me perdoem. -- olhava para eles -- Sei que peço demais, só que... eu não posso morrer com essa dívida... -- emocionou-se novamente -- Por favor... -- olhou nos olhos do irmão -- Raed, nós fomos os únicos dentre os irmãos que permanecemos vivos, e isso não aconteceu à toa! -- levantou-se -- Por favor, me dê uma chance! -- pediu com muita humildade -- Preciso do seu perdão! -- olhou para Amina -- E do seu também! Perdoe, Amina, min fadlik, me perdoe!

 

“Ela não me pede perdão.” -- Zinara pensou magoada

 

--Tem perdão, não, Najla! -- o homem falou decidido -- Ocê quiria cunversá, num é? Pois intão, já proseamo pur dimais, agora vorta pro teu canto porque já era!

 

A mulher deu suspiro profundo e não teve coragem de dizer mais coisa alguma. Entendeu que era tarde demais.

 

--Mas ocê fica, -- Amina interrompeu os pensamentos da cunhada e se levantou olhando para ela -- armoça mais nóis, dormi aqui pelo tempo qui Zinara ficá e dipois vorta pro teu canto.

 

--Qui é isso, Amina? -- o marido perguntou estupefato -- Será possívi que ocê isqueceu di tudo qui ela fez cum nóis? -- foi até a esposa indignado -- As humiação, as coisa qui dizia... -- argumentava -- Najla inté proibiu nóis di falá na língua di nossa terra!

 

--Foi pur num tê isquicido qui digo qui ela fica! -- interrompeu-o com decisão -- Najla era ruim qui só ela, -- olhava para o homem -- mas graças a ela, nóis pudemo saí daqueli campu di refugiado disgraçado di Al Maghrib! -- derramou uma lágrima -- Ocê isqueceu o qui era aquilo lá? Mi diz, homi, o qui era pió: Al Maghrib ô Cedro? Mi diz?

 

--Ar-rabiic (A primavera) nunca chegou em Al Maghrib... -- a astrônoma pensou em voz alta ao se emocionar

 

--Al Maghrib era o inferno... -- Raed derramou uma lágrima sentida -- E a guerra di Cedro... num sei o qui era pió...

 

--E foi graças a ocê, -- olhou para Najla -- qui tudo mudô. -- derramou duas lágrimas -- Ocê dexô nóis vim pra cá... pra essa terra bindita qui eu amo pur dimais da conta!

 

--Qui nóis ama... -- o marido corrigiu secando os olhos

 

--Ocê ajudô nóis a ví pra Guaiás e tudo mudô. -- pausou brevemente -- E deu abrigo, cumida, água, rôpa... e deu otras coisa que meus fio nunca qui tinha tido. -- afirmava agradecida -- Ocê acabou tirandu tudo dipois, mas o qui mi importa é o qui di bom chegô a fazê.

 

Zinara percebeu que sua mãe já havia perdoado Najla muito antes de ouvir seus pedidos, e se admirou com a grandeza daquela pessoa tão simples e inculta que demonstrava bem mais sabedoria que ela própria, à despeito de seus títulos acadêmicos. Amina possuía aquela sabedoria que não se aprende na escola, mas com a vida e seus constantes ensinamentos.

 

--Amina, eu... -- Najla chorava contidamente -- Não sabe como suas palavras alegram meu coração! -- sorria com o rosto molhado -- Será uma honra ficar aqui com vocês por uns dias! -- olhou para Zinara -- Pode ser assim mesmo, filha? Não vai te atrapalhar?

 

--Já tava nos meus planos passar uns dias aqui de uma forma ou de outra. -- a professora respondeu secando os olhos -- Não me atrapalha, fique tranqüila.

 

--Vamo levá ocê pra revê nossos fio, cunhecê as famia di Nagibe e Cid, dá umas oiada nu nosso roçado... -- comentava -- Mas ocê vai trabaiá, muié! -- esclareceu logo -- Num vai ficá di vida mansa, não!

 

--Claro! -- concordou imediatamente -- Claro, eu vou adorar!

 

--Mas, Amina... -- Raed reclamava

 

--Agora quero todo mundo si preparando purquê vô sirví o armoço. -- foi até o fogão

 

--Eu ajudo, maama. -- prontificou-se

 

--Eu também! -- a outra mulher se aproximou da cunhada

 

--Ralã! -- o homem reclamava -- Num vô mi sentá na mesa cum Najla di jeitu manêra! -- decidiu -- Dia ninhum!

 

--AHHa! -- exclamou revoltada -- Si num quisé levá chinelada no rabo, vai sentá sim! -- olhou para ele de cara feia e cruzou os braços -- Tá isperando o que pra lavá as mão e vim cumê? -- ordenou -- E já sabi qui a loça é ocê qui lava! -- afirmou resoluta

 

Raed foi lavar as mãos resmungando coisas incompreensíveis.

 

--Gente... -- Najla continuava pasma com a mudança do casal

 

Zinara abaixou a cabeça com vontade de rir.

 

***

 

Clarice e Cátia almoçavam juntas na universidade.

 

--E então, querida? Já se decidiu quanto a minha proposta? -- Cátia perguntou cheia de charme -- Garanto que você não vai se arrepender... -- sorriu

 

--Calma, garota! -- sorriu também -- Eu disse que ia pensar e você me deu até quarta pra responder. -- olhava para a outra -- Ainda é segunda. -- deu uma garfada

 

--É, eu sei... -- largou os talheres e debruçou-se sobre a mesa -- E já percebi que ouvir um sim de Clarice Lima Verrier é mais difícil que prospectar óleo e gás em águas mega profundas na camada do Prima di Sale de Terra de Santa Cruz! -- brincou -- Meus projetos de pesquisa têm dado frutos nesse desafio tecnológico, mas no campo do coração... -- balançou a cabeça -- eu não consigo avançar um passo sequer.

 

Clarice corou. -- Cátia, por favor... -- limpou os lábios com o guardanapo -- Assim você me deixa envergonhada... -- abaixou a cabeça

 

--Não é meu objetivo. -- segurou uma das mãos da paleoceanógrafa -- Você sabe que eu te quero e não só pra te levar pra cama! -- caprichava na voz sedutora

 

--Criatura!! -- arregalou os olhos e prestou atenção nas pessoas ao redor -- Alguém pode ouvir isso! -- recolheu a mão

 

--Que ouçam! -- deu de ombros -- Não tenho medo de demonstrar meus sentimentos!

 

--Ah, mas eu não sou assumida e você sabe! -- falou mais baixo -- Pelo amor de Deus, não me exponha desse jeito! -- pediu assustada

 

A geofísica revirou os olhos. -- Ai, querida, por que isso, hein? -- não entendia -- Você é adulta, dona do seu próprio nariz, não deve nada a ninguém, por que esse medo todo?

 

--Se assumir tem um preço muito alto, Cátia. -- bebeu o último gole de suco -- Não tenho essa coragem. Adoraria ter, mas não tenho.

 

Limpou os lábios no guardanapo também. -- É por isso que você dificulta tanto as coisas pra mim? -- perguntou diretamente -- Porque tem medo de se tornar óbvia demais? -- concluía -- Afinal de contas, todo mundo que me conhece sabe que sou lésbica!

 

--Não é por isso... -- ficou mexendo no guardanapo -- Olha, Cátia, eu... -- resolveu falar de si -- Eu casei cedo com um homem que julgava amar e por cinco anos ficamos juntos. Acabei com tudo porque me vi apaixonada por uma mulher, só que ela nunca soube disso. Ninguém nunca soube... -- pausou brevemente -- Depois me envolvi com outra mulher que me magoou muito e... não foi fácil pra mim dar uma nova chance a alguém depois dela.

 

--E não houve outra pessoa depois dela? -- apoiou o queixo em uma das mãos

 

--Houve... -- passou a mão nos cabelos -- Apenas uma... -- olhou para Cátia -- Ela é uma pessoa interessante, mas experimenta muitos conflitos internos... Nosso relacionamento foi tenso e desgastante... -- suspirou -- Tive que terminar pro bem de ambas. Sequer completamos um ano juntas...

 

--Então? -- novamente segurou uma das mãos da outra -- Não acha que já era hora de dar uma chance a outra pessoa? -- sorriu sedutoramente -- Eu não vivo conflito nenhum e comigo é só alegria! -- brincou -- Diversão garantida, papo cabeça e sex* da melhor qualidade!

 

--Cátia!! -- corou de novo e desviou o olhar totalmente desconcertada

 

--Não sou cafajeste, se é o que pensa. -- segurou delicadamente o rosto da outra, virando-o para si -- Desde que a gente saiu pela primeira vez nunca mais estive com nenhuma outra. -- reclinou-se para falar mais baixo -- E olha que você nunca nem deixou eu beijar essa boca linda...

 

--Menina!! -- recolheu a mão de novo

 

A geofísica riu e se encostou na cadeira cruzando os braços. -- Você é uma gracinha, Clarice! -- admirava a mulher diante de si -- Parece até uma indiazinha assustada. -- sorria -- Me dá uma chance, vai? Você merece experimentar um relacionamento gostoso, não acha? Comigo não vai ter traição ou coisa tensa!

 

--Eu... Eu gosto de uma pessoa, Cátia... -- pensava em Zinara

 

--E... -- desmanchou o sorriso e ficou preocupada -- tá acontecendo alguma coisa entre você e essa pessoa aí?

 

--Não... eu apenas gosto dela... -- suspirou -- Acho que ela... ah, não sei...

 

--Ela trabalha aqui também? -- continuava preocupada

 

--Não. -- achou graça -- Ela trabalha em Cidade Restinga e a gente nem se conhece... só por internet.

 

Respirou aliviada. -- Querida, presta atenção: -- moveu a cadeira para ficar mais próxima -- já tá mais que na hora de você se permitir viver um relacionamento construtivo, gostoso... -- acariciou o rosto da outra -- e concreto! -- sorriu -- Me dá uma chance, vai? Aceita minha proposta e vamos pra minha casa de veraneio lá em Costa Azul nesse final de semana! -- caprichou no melhor olhar -- Garanto que você vai ter um tratamento de rainha...

 

--Ah... -- não sabia o que dizer -- Eu já disse que tô pensando com carinho... Prometo que te respondo dentro do prazo que você me deu.

 

--Não pense muito, não. Diga sim e eu não vou deixar você se arrepender -- levantou-se -- Vamos? Tá na hora de voltar pro trabalho.

 

--Tá na hora, mesmo... -- levantou-se também -- Vamos embora.

 

--Eu posso levar uma garrafa daquele vinho que você adora. -- comentava enquanto caminhavam -- E perto da casa tem um restaurante bem gostoso. Bom ambiente, aconchegante, boa comida... -- fazia a propaganda -- A praia é uma delícia! Mar azul, visual paradisíaco... Não nos faltaria coisa interessante pra fazer por lá. -- olhou para Clarice -- Seja de dia -- sorriu cheia de malícia -- ou de noite...

 

--Ah, tá... -- não sabia o que dizer -- Tudo bem, Cátia, eu vou considerar. -- sorriu envergonhada e parou de andar -- Agora eu sigo por aqui. -- indicou o corredor

 

--Eu sei e só não te acompanho porque tem reunião do colegiado hoje lá no departamento. -- piscou para a outra -- Espero você ligar. -- assoprou um beijo -- Tchau, delícia!

 

--Tchau! -- acenou e seguiu seu caminho apressadamente -- "Será que eu deveria aceitar esse convite?” -- pensava -- "Ou será que não?" -- estava na dúvida -- "Claro que ela tá cheia das segundas intenções com essa história de casa de praia...” -- conjecturava -- "Mas Cátia não é de se jogar fora, né?” -- balançava a cabeça -- "Zinara me deixa tão na dúvida... O que será que ela quer? Só trabalhar comigo?” -- suspirou -- “Mas, se eu for... quando Cátia vier pra cima de mim cheia dos vem cá minha nêga, eu vou fazer o que?” -- questionava-se -- "Ai, gente, relacionamento é tão complicado... Estudar o oceano é bem mais fácil...”

 

***

 

Quatro dias haviam se passado e Najla sentia-se no céu. Apesar do reencontro tenso com os sobrinhos e das hostilidades do irmão, estava muito feliz por viver alguns momentos em família. Amina conduzia a coisa de uma tal forma que acabou não havendo espaço para grandes situações desagradáveis. Tudo seria perfeito, não fosse o comportamento de Raed, o qual, no entanto, estava sob o controle da esposa.

 

Caminhando pelo roçado, encontrou quem estava procurando: Zinara olhava para o céu encostada em uma árvore. Parecia totalmente distante da realidade. Seguiu na direção dela.

 

--Olá, habibi! -- cumprimentou sorridente -- Incomodo se ficar aqui com você?

 

--Laa. (Não.) -- respondeu com sinceridade -- Só teremos que sair daqui a pouco por causa dos mosquitos. -- deu espaço para a tia sentar -- Por favor. -- indicou

 

--Tenho que sentar devagar porque meus joelhos já não são aqueles. -- sentou-se com cuidado, sendo ajudada pela morena -- Se bem que depois que me juntei com você me sinto outra! -- sorriu

 

--Que bom! -- sorriu também -- E fico feliz que estejam se entendendo. -- passou a mão nos cabelos -- Baba é turrão, mas depois de um tempo vai que ele muda? Quem sabe, né? Tanta coisa já mudou! -- riu

 

--Nem me fale! -- riu também -- Não parece nem o mesmo casal!

 

--Pois é... -- balançou a cabeça -- Quem diria...

 

--Zinara... -- olhava para ela com carinho -- Nesse meio tempo que você ficou sozinha aqui fora, liguei pra Aisha. Ela até falou com ommik uabuuik (sua mãe e seu pai) e foi muito bonito... Além de divertido! -- sorriu -- Ela me disse que ligou pro seu celular várias vezes, mas dava fora de área. -- segurou a mão da morena -- E me contou sobre o que você fez... -- pausou brevemente -- Não sabe a felicidade que você trouxe pro meu coração! Aliás, você só me trouxe felicidade! -- emocionou-se -- Graças a você me sinto viva, me sinto uma pessoa digna de um recomeço, me sinto gente! Smalla'Alik, habibi! (Deus proteja você, querida!) -- beijou a mão da outra -- Bendita seja!

 

--Não precisa fazer isso, camma. -- recolheu a mão envergonhada -- O que fiz foi de coração e Aisha me ajudou muito no passado. Ela merecia. -- sorriu -- Sem choro porque já se chorou demais por esses dias! -- pediu em tom de brincadeira

 

--O que falta pra você, habibi? -- perguntou delicadamente -- Diga pra mim...

 

--Como assim? -- não entendia

 

--O que falta pra você deixar o passado no lugar dele e ser feliz? -- fez um carinho na cabeça dela -- Há mágoas demais no seu coração... Não acha que é hora de se libertar disso?

 

Ficou surpresa com aquela pergunta e gastou uns segundos calada. -- Sa'ban ‘alay... (É difícil para mim...) -- mirou um ponto no horizonte -- E creia que eu já faço um esforço danado pra... -- não teve coragem de continuar

 

--Pra estar aqui e conviver com seus pais como se você tivesse perdoado tudo! -- complementou emocionada -- Pra estar aqui comigo como se nada tivesse acontecido! -- pausou brevemente -- Não é qualquer pessoa que conseguiria isso no seu lugar. -- falava com carinho e respeito -- Eu já li quase tudo no diário de Zahirah e também me lembro muito bem de como tratava vocês... Não é qualquer pessoa que não teria enlouquecido passando pelo que você passou... Não tem idéia do quanto eu te admiro! E do quanto lamento por tudo que você sofreu...

 

A astrônoma não conseguiu responder coisa alguma.

 

--Eu posso ser meio cega pra ver certas coisas, mas de vez em quando eu percebo o que tá acontecendo... -- olhou nos olhos da professora -- Eu sei porque você me procurou e porque tá fazendo tudo isso... -- respirou fundo antes de dizer -- Você tá muito doente, não é? -- derramou uma lágrima

 

Levou um impacto com aquela pergunta. -- camma... -- pensava no que responder

 

--Era eu e baba quem mais cuidávamos de maama, habibi... Eu acompanhei tudo que aconteceu com ela, tudo que ela sofreu. -- passou as mãos nos olhos -- Ontem eu tava pensando e revi um monte de coisas na minha cabeça... -- gastou uns segundos antes de perguntar: -- Você tá com câncer, não é? E tá querendo acertar contas com seu passado!

 

Zinara estava boquiaberta e confusa. “O que aconteceu que de repente camma Najla ficou tão sagaz? Uma mulher que nunca enxerga nada?” -- pensou estupefata -- Eu pensei que fosse conseguir acertas essas contas, mas... -- balançou a cabeça negativamente -- Consigo, não...

 

--Você tá doente, menina? Responda, por favor! -- insistiu agoniada

 

--Tô, eu tô doente, sim! -- respondeu de uma vez -- Tô com câncer no pâncreas e minha situação não é nada boa! -- levantou-se -- Ninguém sabe disso, camma, e gostaria muito que continuasse desse jeito! -- falou nervosamente

 

--AHHa! -- reclamou indignada -- Não pode me pedir isso! -- tentava se levantar -- Raed e Amina têm o direito de saber! -- argumentou -- Ai, meus joelhos! -- gem*u

 

Ajudou-a a se levantar. -- E eu tenho o direito de manter minha vida em segredo! -- respondeu com certa rudeza -- Ninguém precisa saber de nada meu!

 

--Manter em segredo da mesma forma como esconde que é lésbica? -- perguntou à queima roupa

 

--Oxi! -- afastou-se da outra sentindo-se perturbada -- "Mas será que baixou algum caboclo ‘conta tudo’ nessa criatura, gente? De repente ela tá sacando tudo, como é que pode, uai?” -- pensava intrigada

 

--O diário de Zahirah me fez entender muita coisa sobre você, habibi. -- falava com calma -- Principalmente as partes escritas por você. -- aproximou-se para acariciar o rosto dela, que não permitiu -- Não tô te condenando! Eu não condenei Aisha... -- esclareceu -- Fiquei pensando e lembrei dos olhares cúmplices que vocês trocaram quando tivemos aquela conversa na casa de minha filha... Entendi porque você já sabia que ela era lésbica. -- tentava mostrar-se compreensiva -- E o seu total desinteresse por rapazes na juventude nunca me pareceu normal. Na época eu pensava que era timidez, mas hoje vejo que não... -- aproximou-se novamente -- Você gostava de Aisha, não é? Assim como Zahirah era tudo pra você...

 

--Aonde pretende chegar com isso? -- ficou de costas para a outra -- Quer me desmascarar pra todo mundo aqui? Ainda não se cansou de sempre me tripudiar? -- a cabeça começou a doer e o coração acelerou

 

--Habibi... -- tocou as costas dela com carinho

 

--Laa te shaghilny! (Não me aborreça!) -- gritou virando-se de frente para a mulher mais velha -- Baad elyoltoh, we elyamaltoh!! (Depois que tudo que me disse, de tudo que fez!) -- chorava e tremia involuntariamente -- Me deixe em paz! Vá embora daqui! -- continuava gritando

 

--Diga pra mim o que sente! -- pediu chorando -- Eu agüento ouvir! Não sufoque mais isso no seu coração, diga pra mim! -- segurou-a pelos braços -- Diga, Zinara, exploda se necessário! -- olhava-a nos olhos -- Osad ainy! (Em frente aos meus olhos!)

 

--Quer que eu diga o que? -- berrou, libertando-se da tia -- O que? -- estava descontrolada -- Que eu acho que ya sayyida (a senhora) não passava de uma mulher frustrada que descarregava na gente seu remorso de ter fugido de Cedro com o primeiro desconhecido rico que apareceu? Que eu acho que seu eterno mau humor era a dor do arrependimento, por não ter feito nada por ninguém? Que eu acho que ya sayyida morria de vergonha das galinhagens de zogik (seu marido), inclusive porque sabia que ele assediava ommii (minha mãe)? -- pegou um galho seco do chão -- Quer que eu diga que me lembro de ouvi-la me chamar de horrorosa e sem graça durante os seis anos que morei na sua fazenda? -- as duas choravam -- Que eu diga que doeu demais da conta o dia em que disse que Youssef, Khaled e eu nunca daríamos pra nada? -- quebrou o galho batendo em si mesma

 

--Laa, habibi! -- pediu preocupada -- Não se machuque, min fadlik (por favor)! -- segurou o rosto da outra com as duas mãos -- Não faça isso, meu bem, por favor! -- estava muito emocionada -- Acredite, habibi, eu me arrependo tanto! Tanto, tanto! -- Zinara tentou se afastar -- Por favor, não se afaste! Aceite o meu carinho, por favor! -- parecia implorar --  Você tem razão em cada palavra que disse sobre mim, é isso mesmo! Você tem toda razão, mas por favor, deixe isso ficar pra trás! -- acariciava-lhe o rosto -- A guerra acabou, habibi...

 

--Laa! -- discordou -- Eu acho que não tem fim... -- continuava chorando

 

--Tem sim! -- tentava acalmá-la -- Você é uma pessoa boa, não pode mais viver assim... -- falava com doçura -- E você é amada, meu bem! Muito amada!

 

A astrônoma riu com sarcasmo. -- Pare com isso! -- afastou-se bruscamente -- Eu não sou amada, camma! -- olhava para a ex fazendeira -- As pessoas que me amaram estão todas mortas!

 

--Não estão! -- protestou veementemente -- Não estão! Raed, Amina, Aisha, eu! -- bateu no peito -- Estamos todos aqui!

 

A professora balançou a cabeça negativamente e ficou de costas para a tia. Secou os olhos com as mãos e buscou se acalmar. -- Vocês não me amam! No máximo gostam... E camma Najla agora tem é pena! -- encostou-se numa árvore -- Acho que devo ter feito algo muito ruim no passado, porque nessa vida vim pra ser transparente... uma pessoa que ninguém enxerga... -- falava mais para si do que para a outra -- Imploro muito a Deus pra saber lidar com essa prova, mas às vezes não consigo... Às vezes dói tanto... É muito difícil ser rejeitada...

 

Najla sofria muito ao ouvir aquelas palavras. Sentia-se culpada por parte daquela dor. -- Habibi... -- aproximou-se com cuidado -- Escute o que vou lhe dizer... min fadlik... -- tentava não mais chorar -- Eu morria de inveja de Amina, já lhe contei isso. Eu queria que minha filha fosse como você: uma menina ajuizada, boa, responsável. -- tocou a cabeça da sobrinha bem de leve -- Sempre admirei o modo como cuidava de seus irmãos, a forma romântica como se dispôs a ser os olhos de Youssef, que era um menino maravilhoso, o jeito paciente como lidava com os desatinos de Khaled, que era tão traumatizado... -- fazia um carinho nos cabelos -- Eu amava e admirava todos os três, mesmo que você não acredite... mas é que por orgulho e outras bobagens, o ser humano é capaz de cometer absurdos. -- respirou fundo -- Hoje amo você ainda mais, e tenho muita gratidão por ter me feito viver em alguns dias o que não vivi por anos da minha vida. -- tentava acalmá-la -- Se não te pedi perdão ainda, foi por não ter tido coragem. Mas preciso dele tanto quanto preciso de ar.

 

A morena olhou para a tia e viu muita sinceridade em seus olhos.

 

--Se um dia puder me perdoar... -- acariciou o rosto da professora -- Dayaat alei ei moor... (Eu desperdicei minha vida toda...) Não quero mais desperdiçar nada! Tampouco quero que você desperdice!

 

--Eu não tô desperdiçando...

 

--Está deixando de lutar! -- segurou as duas mãos dela -- Deixou sua vida pra trás e está deixando que a doença do corpo e as dores da alma consumam você! -- olhavam-se nos olhos -- Depois de tanta batalha vai se entregar assim? Hein?

 

--Eu não me entreguei, camma, ana baddi gheish (eu quero viver)! -- argumentou soltando as mãos da outra -- Eu apenas tô sendo objetiva! Não quero investir num tratamento clínico que não cura, tem efeitos colaterais desgraçados e acaba com a qualidade de vida de qualquer um! -- suspirou -- O que eu quero é limpar meu coração, encontrar meu caminho e seguir em paz na hora que Deus me chamar.

 

--Como pode dizer que não cura? -- perguntou revoltada

 

--Minha própria médica ficou muda diante de meus argumentos! Eu não quero morrer numa mesa de operação ou fazendo uma quimioterapia infeliz que arrebenta até as veias da pessoa!

 

Najla suspirou profundamente. -- Olha, habibi, todos os seus segredos ficarão guardados comigo, tem minha palavra sob Deus e abaixo de nossos ancestrais, mas não aceito que não faça nada pra lutar pela sua saúde! -- respondeu com carinho -- Ontem mesmo você passou mal e acredite: com o tempo ficará pior! Eu sei o que tô dizendo!

 

A astrônoma gastou uns segundos calada. -- Eu tenho pensado e acho que tomei uma decisão... amanhã vou pra Capital e procuro um médico amigo de Claudia que trabalha lá. Entrego o carro que aluguei, fico numa pousadinha que conheço e depois volto pra lhe buscar. -- esperava a resposta da outra -- Sei que ninguém aqui vai se opor a isso. Se ya sayyida aceitar é o que vou fazer, e se não, posso levá-la embora antes.

 

--Não, eu prefiro esperar você aqui. -- respondeu prontamente -- Mas o que vai dizer a eles?

 

--Digo que tenho que resolver uns assuntos de trabalho e lá disponho de mais recursos, o que não deixa de ser verdade. Fui convidada pra um evento internacional em abril e querem que eu seja a chairwoman... -- pausou brevemente -- Querem que eu seja a pessoa que coordena as reuniões, atividades e por aí vai. -- explicou-se melhor

 

--Nossa, que coisa importante! -- exclamou orgulhosa e sorriu

 

Zinara sorriu também e secou os olhos com as mãos. -- É melhor a gente entrar. Olha a mosquitada aí! -- espanou

 

--É melhor... -- concordou

 

Caminhavam para casa em silêncio. O sol começava a se pôr no horizonte, colorindo tudo ao redor com suas tintas avermelhadas. A astrônoma pensou em quantas vezes assistira àquele espetáculo nos céus de Guaiás.

 

“--O sol pinta o céu de uma mescla de cores desde o amarelo dourado até o vermelho. -- a morena descrevia a cena para o irmão -- O verde das árvores vai ficando mais escuro e as águas refletem o céu, de forma que não se sabe onde ele termina e onde acaba. -- olhava ao redor -- Os pássaros voam todos juntos, formando desenhos em constante mudança, e as folhas vão caindo ao sabor do vento. -- sorria -- Aquela vagem que te expliquei que parece uma asa, desprende das árvores e rodopia até cair no chão. É como se o mundo tivesse um olho e as pálpebras se fechassem bem devagar. -- olhou para ele -- Haljamaal mish maa’ool! (Essa beleza é inacreditável!)

 

--Como Deus é grande! -- Youssef exclamou -- Akbar, akbar! (Grande, grande!) -- sorriu -- Foi lindo, Ya aini (Meus olhos)!

 

--Zinara conta boas histórias! Eu gostei da parte dos pássaros! -- Khaled falou -- Se só falar de animais, yabae kefaya alya (isso será suficiente)!

 

--Tenho que falar de tudo para Youssef poder enxergar, habibi. -- respondeu

 

Os três estavam sentados no alto de uma pedra, de frente para o rio da fazenda de Najla.

 

--Nóis tem qui falar língua daqui. -- Khaled lembrou -- camma briga com nóis si sabi nóis fala língua de Cedro! -- fez uma careta

 

--Ya aini e Khaled num gosta dela, mas eu gosta.

 

--Choo??? (O que???) -- Zinara se espantou -- Ya majnum! (Seu louco!) -- acabou achando graça

 

--Majnum! -- Khaled concordou

 

--Esse pôr-de-sol... -- Youssef respondeu -- Ela deu pra nóis, abaxo di Allah (Deus)!”

 

--camma?

 

--Sim, habibi?

 

--Sabe qual o foi um dos presentes mais preciosos que já recebi? -- parou de andar e olhou para ela

 

--Laa. (Não) -- realmente não sabia

 

--Terra de Santa Cruz! -- respondeu enfática -- O melhor presente que nós poderíamos ter recebido de alguém. -- pausou brevemente -- E a naturalização... Ya sayyida deu isso pra nós.

 

“--Mas essis documentu aqui qué dizê o quê? -- Raed perguntava olhando para os papéis

 

--Que vocês são cidadãos desse país. -- Najla respondeu secamente

 

--Exprica pur favo, minina! -- Amina pediu aflitamente olhando para Aisha

 

--Quer dizer que a senhora, seu marido, Zinara, Youssef e Khaled são cidadãos de Terra de Santa Cruz e poderão morar aqui pra sempre! -- sorria -- Quer coisa melhor, tia? Isso é têúdêô: TU-DÔ!

 

O coração da morena acelerou. Khaled e Youssef imediatamente seguraram suas mãos; estavam nervosos.

 

--Mas e us otro minino? -- Raed perguntou preocupado

 

--Nasceram aqui, são naturalmente daqui. -- Najla respondeu

 

--Então qué dizê que tá todo mundo garantido de morá aqui pra sempre? -- Zinara perguntou sorridente

 

--Total, baby! -- Aisha gesticulou afetada -- Comemora que é só alegria! -- bateu uma palma -- Sabe que eu tô até pensando em dar uma festa? -- olhou para a mãe

 

--AHAHAHAHAHAH!!!!!!!!!!!! -- os três irmãos comemoraram pulando abraçados

 

--Deus é grande! Akbar, akbar! -- Amina ajoelhou no chão emocionada

 

--E di quem foi essa idéia bindita? -- Raed perguntou com os olhos marejados -- Tua, minina? -- olhou para a sobrinha

 

--Dessa vez a graça foi toda de mamii! -- apontou para a mãe, que abaixou a cabeça”

 

--Era o mínimo que eu podia fazer. -- respondeu humildemente -- Não podia ser idiota o tempo inteiro, né? Ninguém é tão ruim... -- abaixou a cabeça

 

--Ismah lana nashufik! (Permita que nós a vejamos!) -- abriu os braços

 

O coração da ex fazendeira disparou. Sabia que estava sendo perdoada por tudo. -- Taqbarny! (Enterra-me!) -- abraçou-a emocionada

 

A professora abraçou a tia com força e fechou os olhos. Seu coração voltava a se tranqüilizar e a cabeça aos poucos não doía mais. Naquele momento, sentiu-se acolhida, aceita e livre de mais uma corrente.

 

(Nota da autora: essas palavras finais representam muito. Quando se diz: Ismah lana nashufik, quer dizer que nós, uma dada família, queremos sempre ver aquela determinada pessoa, que é muito importante. Não se diz isso para quem se guarde qualquer mágoa. É uma fala de despedida, mas não um adeus. E quando se responde: Taqbarny, Enterra-me, quer dizer “eu quero que você sobreviva a mim, eu não saberia viver sem você”. São palavras muito gentis e afetuosas)

 

***

 

--Então quer dizer que você vai mesmo pra casa de veraneio daquela safadona? -- Leda perguntava encostada na porta do quarto da filha

 

--Que safadona, mamãe? -- achou graça -- A senhora cisma com isso! -- acabou de arrumar a malinha -- Daqui a pouco ela vai chegar aí, então não fale isso na frente dela pelo amor de Deus! -- pediu

 

--Humpf! -- fez um bico -- Levar uma moça de família pra Costa Azul sexta-feira à noite é coisa de safadona mesmo!

 

--Moça de família... -- achou graça -- Fala como se eu fosse uma menininha! -- foi até ela e beijou-lhe a testa -- Trabalhamos hoje o dia todo, não podíamos viajar mais cedo. Além do mais, queremos aproveitar bem o final de semana. -- explicava -- E nem é tão tarde, mamãe. Ainda nem deu oito horas!

 

--Aproveitar bem o final de semana! Sei... -- cruzou os braços

 

--Não fique com ciúmes. Sabe que a mulher do meu coração é a senhora e sempre vai ser! -- abraçou-a

 

--Não é isso, não, menina, deixe de chamego! -- desvencilhou-se -- Eu tenho intuição de mãe e essa mulher não me desce na goela! -- argumentou

 

--Ela e todas as outras que se interessem por mim, né, mamãe? -- perguntou sorridente

 

--Eu gostava da estrangeira, mas você disse que ela tá pra morrer, aí mudei meu voto! -- segurou a filha pelo pulso -- Vem cá que eu tenho que te dar uns conselhos pra essa sua viagem! -- sentou-se na cama -- Senta aqui! -- ordenou

 

--A senhora tá me tratando como se eu fosse uma adolescente ingênua, mamãe! -- respondeu ao se sentar

 

--Mas você É ingênua! -- olhava para a outra -- Preste bastante atenção no que vou dizer: -- seu olhar era sério -- essa casa aí é o abatedouro daquela mulher! Deve ser um lugar bonito cheio das sacanagens! Tenho certeza que ela leva as pretendentes pra lá, faz um charme com elas e créu!

 

--Créu... -- repetiu com vontade de rir

 

--E ela tem cara de que é capaz de arrancar as coisa da outra com os dentes, então fique de olho! Se ela te pedir pra te amarrar na cama, não aceita!

 

--Mamãe! -- arregalou os olhos

 

--E se ela aparecer com roupa de couro, chicotinho ou um pato de borracha você grita por socorro!

 

--Que pato de borracha é esse, gente? -- não entendia

 

--E por fim, se te convidar pra dar um peteleco você recusa também, porque isso aí é maconha! -- advertiu com o dedo em riste -- Caco de espelho em cima de mesa não é outra: -- falava com propriedade -- carreirinha de cocaína!

 

--A senhora anda vendo muito filme, sabia?

 

--Crack nem pensar!!! -- gesticulou -- Não quero saber de você ficando seca que nem um bacamarte e assaltando os outros no sinal de trânsito!

 

--Ah! -- acabou rindo

 

--Muita toalha de rosto à disposição é sinal de que faz bacanal, hein! Escuta o que eu tô te dizendo! -- advertia

 

-- Mas a senhora me vem com cada uma! -- beijou a testa dela de novo -- Onde é que já se viu isso? -- balançou a cabeça

 

--Você leva tudo na brincadeira! -- levantou-se revoltada -- Mas de sacanagem eu entendo!

 

--Entende como, mamãe? -- achou graça mais uma vez -- Como pode? -- riu

 

--A vida me ensinou! -- respondeu convicta -- Olha aqui, eu só quero que essa mulher não me chegue na hora do meu BFP! Só quero ver se vai me dar uma dessa! -- foi indo para a sala

 

--BFP? -- perguntou curiosa

 

--A luta, menina! -- esclareceu -- Eu, hein, você não é antenada, tá sempre por fora! -- saiu resmungando pelo corredor -- Só entende de oceano mas de vida que é bom, nada!

 

--Mamãe vendo pancadaria na televisão? -- riu de novo -- Mas essa velhinha tem oitenta e cinco anos de pura safadeza, viu?

 

***

 

Clarice e Cátia acabavam de entrar na casa da geofísica.

 

--Fique à vontade, meu anjo! -- acendeu as luzes e apontou para o ambiente -- A casa é sua! -- sorriu

 

--Nossa, que casa bonita! -- olhava ao redor -- Muito bom gosto! -- sorriu ao colocar a malinha no chão -- Ainda nem conheci tudo e já adorei!

 

--Eu investi muito aqui! -- aproximou-se charmosamente -- É um lugar especial, -- parou diante da outra -- para pessoas especiais... -- fez uma voz sedutora

 

“Preste bastante atenção no que vou dizer:” -- Clarice lembrava das palavras da mãe -- "essa casa aí é o abatedouro daquela mulher! Deve ser um lugar bonito cheio das sacanagens!”

 

--Aqui é o lugar onde eu venho desestressar, -- deslizava o dedo suavemente pelo rosto da outra -- curtir a natureza...

 

“Tenho certeza que ela leva as pretendentes pra lá, faz um charme com elas...” -- continuava lembrando dos conselhos de Leda

 

--E bem acompanhada por uma mulher como você, -- aproximou-se mais -- eu só penso em curtir um clima bem romântico e...

 

--E créu! -- repetiu sem pensar as palavras da mãe em voz alta

 

--Como é?? -- perguntou sem entender

 

--Cátia, onde é o banheiro? -- queria fugir -- De repente me deu uma vontade louca de... -- não sabia o que dizer -- De retocar a maquiagam!

 

--Ah... -- achou estranho -- É ali! -- indicou

 

--Obrigada! -- foi quase correndo, levando mala e tudo

 

--Que mulher esquisita essa Clarice! -- disse para si mesma -- Deve ser timidez...

 

Entrando no banheiro, a paleoceanógrafa reparou na grande quantidade de toalhas de rosto sobre um armário de madeira.

 

“--Muita toalha de rosto à disposição é sinal de que faz bacanal, hein! Escuta o que eu tô te dizendo!” -- lembrou da mãe mais uma vez -- Será? -- perguntou-se intrigada

 

***

 

Zinara estava na Capital. Já havia devolvido o carro à locadora e acabava de entrar no quarto da pensão onde decidiu se hospedar. Procurou pelo médico amigo de Claudia mas ele só atenderia no hospital no dia seguinte, que era domingo.

 

Tomou um banho e lanchou no próprio quarto. Escovou os dentes e deitou-se na cama. Sentia-se muito só e triste. Desejava desesperadamente que Jamila estivesse do seu lado. Fechando os olhos, relembrou certos momentos.

 

“Voltava de uma escalada. Abriu a porta de casa, jogou a mochila no chão e tirou as botas.

 

--Você tá mancando, hayati? -- perguntou preocupada

 

--Jamila! -- exclamou empolgada ao vê-la. O coração acelerou imediatamente -- Você veio! -- sorria feliz -- Pensei que tinha ficado zangada comigo!

 

--Mas eu fiquei mesmo. -- caminhou até a namorada -- Só que também reflito sobre as coisas e mudo de opinião. -- parou bem perto dela -- Você tava praticando uma boa ação ajundando ya Zezé, então eu relevei sua ausência na festa da minha amiga. -- reparava na outra -- Por que tá mancando, hein? -- olhou para os braços dela -- Tá toda arranhada!

 

--É que a escalada foi punk! -- não deixava de sorrir -- Sabia que eu adorei por demais da conta ter você de volta? -- abraçou-a fortemente pela cintura

 

--Ai, hayati, você tá toda suada! -- fez um charminho

 

--Vem tomar um banho comigo, vem? -- mordeu-lhe a orelha -- Tacaalii ? (Vem ?)

 

--Ai, pára! -- falava dengosamente -- Ai... -- gem*u

 

--Ana min doonak anaa... (Eu sem você...) -- sussurrava no ouvido enquanto tirava a blusa da jovem -- a'ayn iw ma feeha nazar... (sou um olho sem visão...) -- delizava as mãos pelas costas dela

 

--Ya habibi... -- gemia

 

--Ana min doonak anaa... (Eu sem você...) -- desabotava o jeans da advogada -- ghaymaih ma ibtohmol... (sou uma nuvem que não carrega chuva...) -- ajoelhou-se para tirar as calças da amante

 

--Ai, albii (meu coração)... -- sorriu ao sentir os lábios da morena beijando e lambendo suas coxas

 

--Ana min doonak anaa... (Eu sem você...) -- retirava-lhe a calcinha devagar -- aalb iw ma a’ando da-aat... (sou um coração sem batimentos...) -- seguiu uma trilha com a língua desde os joelhos até a base dos seios de Jamila, enquanto levantava-se devagar

 

--Ya hayati... -- segurou-a pelos cabelos

 

--Ana min doonak anaa... (Eu sem você...) -- abriu o fecho frontal do sutiã da outra com os dentes -- dinyaih iw ma feeha bashar... (sou um mundo sem gente...) -- imprensou-a contra a parede e mordeu-lhe um mamilo

 

--Ah!! -- gem*u alto -- Ai! -- arranhou os braços da professora

 

--Ai, habibit! -- interrompeu o que fazia -- Tá ardendo! Ai! -- gem*u esfregando a pele

 

--Aasif... (Sinto muito...) -- desculpou-se envergonhada -- Desculpa! -- cobriu os lábios com as mãos -- Eu não queria cortar o clima... -- lamentou

 

--Baseeta, habibit! (Sem problemas, querida!) -- beijou-a -- Sem problemas... -- pressionou seu corpo contra o dela e beijou-a de novo

 

--Tira... essa... roupa! -- ordenou entre beijos -- Agora!

 

--Agora! -- afastou-se um pouco e despiu-se com pressa

 

--Que hematomas são esses? -- perguntou intrigada

 

--Culpa da escalada punk! -- sorriu e puxou-a para que enlaçasse as pernas em sua cintura -- Vamos pro banho? -- beijou-a -- Hum?

 

--Vai me levar assim? -- envolveu o pescoço da parceira com os braços -- Mancando ?

 

--Eu vou devagar... -- seguiu caminhando -- e me distraindo! -- beijou-a e apertou-lhe as nádegas

 

--Indecente! -- mordeu o lábio inferior da morena

 

--E você adora assim... -- beijou-a novamente

 

--Você... me... ama... hayati? -- perguntou entre beijos

 

--Min aabl iwjood ilhob... (Antes que o amor existisse...) -- sussurrava no ouvido -- min aalbi habaytak... (eu amava você do fundo do meu coração...) -- mordeu a orelha dela

 

--Hum... -- segurou o rosto da professora e beijou-a languidamente

 

--Acho que eu não agüento chegar até o banheiro. -- colocou-a de pé e parou de andar

 

--Tá doendo muito? -- perguntou preocupada

 

Rapidamente a astrônoma virou a namorada de costas para si e sussurrou no ouvido dela. -- Eu não disse que era por sentir dor. -- deslizou uma das mãos para o sex* da jovem e outra para o seio -- Não mesmo! -- falava com voz rouca

 

--Ah! -- gem*u apoiando os antebraços contra a parede -- Você tá com o corpo tão quente, tão suado...

 

--E você nunca reclamou disso! -- afastou uma das coxas da outra com a própria perna, mantendo-a um pouco levantada -- Sei do que gosta! -- penetrou-a com os dedos -- E como gosta!

 

--Ai, hayati... -- gemia com os olhos fechados -- Vem!

 

Zinara pressionava a amante com força, penetrava rapidamente, mordia seu pescoço e apertava-lhe o seio como se estivesse com fome. De fato estava, não somente de prazer, mas da necessidade em se sentir fazendo parte da vida de alguém.”

 

--Droga! -- sentou-se na cama e pegou o celular. Decidiu ligar para a ex -- Eu não deveria fazer isso! -- repreendia-se -- Não depois de tudo!

 

--Alô? -- Jamila atendeu entre risos. Estava na cama com Helena, pois haviam acabado de fazer sex* -- Oi? -- esperava uma resposta

 

--Oi... -- respondeu decepcionada -- Liguei em hora ruim, né? -- percebeu o que acontecia -- Você tá muito ocupada! -- afirmou sarcasticamente

 

A advogada desmanchou o sorriso. -- Zinara?! -- surpreendeu-se. O coração acelerou

 

--Quem é essa? -- Helena perguntou desconfiada

 

Sentiu uma dor no peito. -- Desculpa, Jamila, eu não devia ter te procurado. Isso não vai acontecer de novo!

 

--Ah, você... -- não sabia o que dizer -- É, não devia mesmo! -- queria dar o troco do dia do show -- Cada uma segue um caminho, né, Zinara? Umas vão à luta e cuidam da própria vida e outras fogem, desaparecem, e entram numas de fazer showzinho pra mulherada!

 

--Hã? -- não entendeu

 

--Ainda tá querendo tchu? Eu não só quero como consigo! -- falou desaforada -- Tô noutra, sim! -- desligou o telefone na cara da ex

 

--Ezzai...? (Como pode...?) -- ficou pensando intrigada -- Ah, que me importa? -- jogou o celular na cama e levantou-se agoniada -- Ela não quer você, sua imbecil! Ela não pensa mais em você! -- dizia para si mesma -- Tire Jamila do seu coração, porque ela não quer estar aí! -- circulava pelo quarto sem rumo -- Esqueça! -- seus olhos marejaram -- Esqueça! -- saiu do quarto

 

--Quem é essa tal de Zinara, Jamila? -- Helena insistia

 

--Minha ex! -- levantou-se da cama com vontade de chorar

 

--Você nunca me falou dela! -- sentou-se

 

--E nem vou falar! -- respondeu impaciente -- "Ai, hayati.. eu não falei aquilo de coração! Behebbik ia we baghar! (Eu te amo e fico com ciúmes!)” -- pensou com arrependimento -- Merda! -- foi até o telefone e ligou de volta para a astrônoma

 

--Tá ligando pra ela? -- perguntou indignada

 

--Helena, cala a boca e vá se ferrar? -- retrucou com rispidez

 

--Eu vou é ir embora! -- levantou-se com raiva e foi pegar suas roupas

 

--Já vai tarde! -- resmungou mal humorada -- Atende, hayati!

 

A professora subia as escadas tentando alcançar o telhado, mas não havia acesso. -- AHHa! -- reclamou contrariada -- AHHa! -- encostou a cabeça na parede e derramou algumas lágrimas

 

--Não espere me ver de novo! -- Helena anunciou antes de sair

 

--Não quero te ver de novo! -- a advogada devolveu de imediato

 

--Você é uma babaca, Jamila! -- saiu batendo a porta

 

--Não mais que você! -- desligou o telefone -- Merda, que merd*! Agora ela não atende mais! -- buscou a camisola para se vestir

 

A morena voltou para quarto e pegou o celular novamente. -- Ligou de volta? -- lia as mensagens no visor -- Eu já entendi, Jamila, não precisa me esclarecer mais! -- desligou o telefone

 

***

 

--O jantar estava maravilhoso. -- Clarice limpou os lábios com o guardanapo -- Você é uma excelente gourmet! -- elogiou sorrindo

 

--Obrigada! -- sorriu também -- E será que hoje você perdeu o medo, querida? -- Cátia perguntou sensualmente

 

--De que? -- ficou sem graça

 

--De mim! -- limpou os lábios também -- Ontem você chegou aqui tão bem e de repente parece que se apavorou não sei com o que. -- lembrava -- Eu ainda não aprendi a tática pra conquistar as mulheres da família Lima Verrier, porque... -- debruçou-se na mesa -- a mãe me recebeu com um olhar terrível e a filha ficou em pânico ao se ver a sós comigo nessa casa.

 

--Não é isso... -- corou -- É que eu fiquei meio... -- não conseguia se explicar -- Eu não sou uma mulher rápida, Cátia, se é que me entende... Não no que diz respeito a... relacionamentos. -- pausou brevemente -- E quanto à mamãe, é que você chegou na hora da luta!

 

--Luta? -- riu brevemente -- Ai, ai... -- balançou a cabeça -- Eu não quero que você seja rápida, meu bem. Só gostaria que me desse uma chance. -- apoiou o queixo sobre as mãos entrelaçadas -- Eu sou uma boa menina, meu bem, só gosto de morder um pouquinho... -- piscou

 

“E ela tem cara de que é capaz de arrancar as coisa da outra com os dentes, então fique de olho!” -- novamente lembrou-se do que Leda lhe falou

 

--Levo uma namorada a sério, pode acreditar... -- olhava nos olhos da outra -- Gosto de deixar minha mulher bem amarradinha...

 

“Se ela te pedir pra te amarrar na cama, não aceita!” -- Clarice pensava nos conselhos maternos -- Você tem algum pato de borracha? -- perguntou à queima roupa

 

--Na banheira da suíte, por que? -- não entendeu

 

“Meu Deus!” -- arregalou os olhos -- Escuta, Cátia, eu tenho que deixar as coisas claras aqui! -- foi logo dizendo -- Dar um peteleco nem pensar, viu?

 

--Dar um peteleco, mas que conversa é essa, menina? -- cruzou os braços -- Você tem falado umas coisas tão esquisitas!

 

--Olha, Cátia, isso pode ser decepcionante pra você mas eu ainda não tô preparada pra... certas coisas! -- levantou-se nervosamente -- Você tá acostumada com mulheres mais diretas e decididas, só que, definitivamente, eu não sou assim! -- pausou brevemente -- Só no trabalho!

 

--Ei, calma aí, baby! -- levantou-se também -- Eu não sei o que se passa nessa sua cabecinha, mas eu não sou uma tarada louca que vai te pegar à força! -- aproximou-se da outra -- Desestressa, meu bem, não há razão pra ter medo! -- acariciou o rosto dela -- Por que não começamos gradativamente? -- propôs -- Olha, a gente podia tomar um banho, fazer uma gostosa massagem relaxante, se curtir um pouco... -- aproximou-se ainda mais -- Não me faltam idéias quanto ao que fazer com você... -- sorria -- Adoraria te torturar de prazer... -- tentou beijá-la

 

“O chicote! Ela deve ter um!” -- pensou ao se esquivar -- Melhor não... -- sentia-se perturbada com aquela proximidade -- Eu... eu vou no banheiro escovar os dentes! -- saiu quase correndo

 

--Gente, isso tá perdendo a graça! -- a geofísica reclamou consigo mesma

 

--Meu Deus! -- Clarice trancou a porta do banheiro e se encostou nela -- Mas que inferno, por que eu tô fazendo esse papel de besta diante de Cátia, hein? -- questionava-se -- Se bem que mamãe acertou em cheio!

 

Zinara sentia dores abdominais e desejou conversar com alguém. Pegou o celular e ligou para Clarice.

 

--Humpf! Ela saiu correndo tanto que largou o celular aqui! -- Cátia olhou para o telefone da outra e viu o nome de Zinara aparecer no visor -- Ela conhece essa astrônoma? -- perguntou-se intrigada -- Será que é dela que Clarice gosta? -- resolveu atender -- Alô!

 

--Alô. -- respondeu desconfiada -- A Clarice... ela se encontra? -- perguntou receosa

 

--Tomando banho. -- mentiu -- Mas eu sou a namorada dela, você pode deixar seu recado comigo! -- queria despachá-la

 

--Ah, eu... -- levou uma das mãos à barriga -- Nada de mais, depois eu ligo. Desculpe e boa noite. -- desligou o telefone -- Eu sou mesmo uma idiota! -- novamente sentia-se abandonada e solitária

 

Poucas horas depois, Zinara dava entrada no hospital onde o amigo de Cláudia trabalhava. Era madrugada.

 

--Liga pra Cláudia! -- não sabia com quem falava -- Cláudia, minha doktuur... Cláudia...

 

Enfermeiros apressados conduziam a professora em sua maca pelo corredor.

 

***

 

Clarice acordou tensa às quatro horas da manhã. -- Nossa, mas que angústia! -- falou para si mesma -- Será que aconteceu alguma coisa com mamãe? -- levantou-se, pegou o celular e foi para a varanda, onde o sinal era melhor -- Tomara que minha velhinha esteja bem. -- esperava atender

 

Após alguma insistência da filha, a voz mal humorada respondeu do outro lado: -- Seja lá você quem for, espero que tenha um motivo sério pra me acordar a essa hora! -- resmungou revoltada -- Saiba que eu sei rogar cada praga medonha! E elas pegam!

 

--Ai, graças a Deus! -- respirou aliviada -- Sou eu, mamãe! Acordei agoniada e decidi ligar pra saber da senhora! -- justificou-se

 

--Humpf! -- fez um bico -- Se acordou agoniada saia daí da casa dessa tarada! -- ordenou -- Mas espere dar umas seis horas porque por agora é perigoso!

 

Achou graça. -- Calma, dona Leda, na hora certa eu volto. -- sorriu -- Agora vá dormir.

 

--E você também! Mas não esquece de trancar a porta praquela safada não ir te tarar! -- pausou brevemente -- Ou o pior já aconteceu? -- perguntou desconfiada

 

--Nem o pior, nem o melhor. Agora vá dormir de novo. -- não conseguia não se divertir com a mãe -- Tchau!

 

--Tchau! E não esquece: qualquer coisa grita! -- desligou

 

--Ai, ai... -- balançava a cabeça -- Mas o que será que aconteceu que eu acordei assim, hein?

 

--Assim como? -- ouviu uma voz atrás de si

 

--AH!!! -- Clarice gritou e deu um pulo -- Cruzes, Cátia, que susto! -- pôs a mão no peito

 

--Calma, mulher! -- não entendeu aquela reação -- Me diz o que eu fiz de errado que você passou o tempo quase todo como se tivesse medo de mim! -- prestava atenção na outra -- O que tanto te incomoda, querida?

 

“É verdade! Você tem se comportado como a mais brocoió das mulheres!” -- pensou se recriminando -- Eu... -- estava constrangida -- Ai, Cátia, eu não tô me sentindo à vontade... -- passou a mão nos cabelos -- Acho que não deveria ter vindo. Eu sabia que você planejava um final de semana romântico mas não consegui entrar no clima.

 

--Percebi. -- sorriu e segurou uma das mãos da paleoceanógrafa -- Acho que tenho insistido muito e você é uma garota das antigas, não é? -- piscou para ela

 

--Eu, não! -- protestou e ficou uns segundos calada -- Eu... -- sentiu o rosto arder -- Eu, sim... -- acabou assumindo

 

--Ah, que fofa! -- beijou o rosto dela -- Tudo bem, eu vou mais devagar. -- prometeu -- Nosso domingo mal começou e podemos fazer muita coisa, como voltar pra cama e deitar abraçadinhas. -- convidou

 

--Não dormimos juntas, Cátia. -- respondeu desconfiada

 

--Podemos começar este hábito saudável hoje, o que acha? -- aproximou-se mais -- Só dormir, nada de... de nada!

 

--Ai, Cátia, eu acho que vou te decepcionar mais uma vez. -- recolheu a mão -- Queria ir embora...

 

--O que? -- não acreditava -- Agora?!

 

--Umas seis, sete, por aí. Acordei angustiada e não quero mais ficar aqui.

 

--Você só pode tá de sacanagem! -- pôs as mãos na cintura -- Eu não entendo isso, por que se comporta como se fosse uma virgem? -- perguntou com um pouco de rispidez -- Você já foi casada, já esteve com mulheres, nada justifica essa bobeirada toda!

 

--Uma mulher só tem o direito de dizer não quando é virgem? -- retrucou -- Eu não prometi nada a você quando aceitei vir! -- respondeu de cara feia -- Quer saber? Eu vou arrumar as minhas coisas e ir pra rodoviária pegar um ônibus! -- foi para o quarto

 

--Mas que merd*! -- resmungou antes de ir correndo atrás da outra -- Calma. Clarice, não faz isso! -- pedia -- Eu te levo, não há necessidade disso!

 

--Não se preocupe! -- abriu a malinha e foi até o armário -- Logo você vai se ver livre da minha bobeirada! -- pegou as roupas e começou a arrumá-las na bolsa

 

--Tá, desculpa, foi mal! -- parou diante da mala -- Por favor, me desculpa! -- pediu

 

--Deixa eu terminar de arrumar minhas coisas, por favor? -- segurava umas peças de roupa -- Não tem mais clima nenhum, é bobagem insistir. -- olhava para a dona da casa -- “Se é que em algum momento rolou clima!” -- pensou

 

--Descansa um pouco, vai? -- insistiu -- Mais tarde a gente toma café e vai embora. Relaxa que eu vou dormir no meu quarto. -- tentava convencê-la a esperar mais -- Por favor, sem desavença entre nós!

 

--Tá bom. -- concordou -- Me desculpe também.

 

Cátia saiu do quarto de Clarice sem saber o que mais dizer ou fazer. A paleoceanógrafa arrumou as últimas peças de roupa na mala e voltou para a cama. Estava ainda angustiada e ao mesmo tempo se sentindo péssima por aquela situação.

 

“Eu nunca paguei tanto mico em um intervalo de tempo tão curto! Mas, também, ela insiste tanto e mamãe fica falando tanta coisa que me deixa cismada...” -- pensava -- "E afinal de contas, o que terá acontecido que me deixou assim tão agoniada?” -- não conseguia chegar a uma conclusão

 

***

 

--Amina, -- Najla abordava a cunhada -- quantas vezes você disse a Zinara que a amava? -- perguntou enquanto faziam o café da manhã

 

--Nunca, uai! Pur que? -- não entendia o propósito daquela pergunta -- Ela sabi dus meus sentimentu! Sabi que amu!

 

--Não sei... Às vezes a pessoa precisa ouvir, você não acha?

 

--Minha fia é uma muié forti e sigura de si. Ela num pricisa dessas coisa, não. -- afirmou convicta

 

--Me perdoe, Amina, mas sua filha é uma pessoa muito carente, embora seja forte e decidida. -- colocava as louças na mesa -- Eu não preciso te lembrar o que ela passou na vida, desde que nasceu. -- pausou brevemente -- Não querendo desmerecer o seu próprio sofrimento, é claro.

 

--Ela ti disse arguma coisa? -- perguntou desconfiada ao acender o fogo

 

--Não precisa dizer; os dias em que convivemos me mostraram muito sobre ela. -- continuava arrumando a mesa -- E vai ver eu percebo certas coisas melhor por estar de fora. Acho que entende o que quero dizer.

 

--Podi sê! -- colocou o bule no fogo

 

--Raed tampouco disse alguma coisa, né? Ele não é nada carinhoso.

 

--Humpf! -- fez um bico

 

--Pois é... -- pegou um pano de prato

 

--Eu vô tê uma cunversa cum minha fia quando ela vortá! -- decidiu

 

--Vai fazer bem às duas! -- garantiu sorrindo

 

--Ocê si importa com isso, muié? -- parou de trabalhar e ficou olhando para a cunhada

 

--Muito! -- respondeu com sinceridade -- Eu amo e me importo com todos vocês! Essa é a família que tenho e pra ela desejo o melhor!

 

Amina ficou analisando o rosto da ex fazendeira.

 

***

 

Jamila havia acabado de voltar de sua caminhada matinal quando decide ligar novamente para Zinara. Quem sabe ela atenderia?

 

--Vamos lá, hayati... -- esperava ansiosamente -- Atende, min fadlik (por favor)!

 

--Alô? -- uma voz masculina respondeu

 

--Alô... -- ficou desconfiada -- Este não é o celular de Zinara Raed?

 

--É sim. -- respondeu educadamente -- Aqui é o doutor Rodrigo, do Hospital Suriyyah-Cedro da Capital Federal, e a doutora Zinara foi internada hoje de madrugada. -- informou -- A senhora é da família?

 

--Choo??? (O que???) -- ficou tensa -- Internada?! -- começou a tremer -- Capital Federal, meu Deus do céu, o que ela faz aí? O que houve??

 

--Ela chegou com fortes dores abdominais e febre alta. Nem sei como conseguiu chegar, pois estava quase delirando. -- contava a história -- Eu sou amigo da doutora Cláudia e não tô conseguindo entrar em contato com ela. Também não tenho idéia de como contactar a família porque o celular da doutora Zinara é todo na língua de Cedro e eu não sei ler.

 

--Ai, hayati, tanto que eu te falava! -- começou a chorar -- A família dela é muito humilde, mora no interior, eles vão se apavorar e não vão resolver é nada! -- passou as mãos nos olhos -- Eu sou uma grande amiga dela e conheço Cláudia. Pode deixar que entro em contato!

 

--Eu vou ficar com o celular dela, pode me ligar pra qualquer coisa. -- respondeu solícito -- Conheço a doutora Zinara e sou um fã. Aliás, meus avós são de Cedro e... a gente tem que cuidar dos nossos, né?

 

--Eu vou tentar ir aí. -- estava nervosa -- Vou dar meu jeito. -- tentava se controlar -- Mas, me diz, como vai ela?

 

--Ela... -- pensava em como dizer -- acaba de dar entrada no CTI.

 

Jamila caiu sentada no sofá. Não conseguia dizer nada mais.

 

***

 

--Eu nem acredito que a gente já tá aqui, amor! -- Janaína comentava empolgada -- Nossa casinha! -- sorria olhando para a mulher -- Vida nova!! -- abriu os braços -- Parece até que foi combinado, ainda consegui um emprego melhor! De agora em diante, tudo vai ser bom pra gente!

 

--Eu tô super feliz e sinto que uma nova fase começa pra gente, só que dessa vez eu quero recomeçar sob todos os aspectos! -- olhava nos olhos da amante -- Vou voltar a estudar! -- decidiu

 

--Que maravilha! -- abraçou a esposa -- Isso mesmo! -- beijou-a -- Estude, se forme e as coisas vão ficar ainda melhores! -- sorria -- Depois que a gente já tiver devidamente assentada aqui, com a casa bonita e bem arrumada, vamo convidar minha sogra e Zinara pra um almoção! Vou fazer uma comida que elas jamais vão esquecer!

 

--Vamos sim! -- beijou-a envolvendo o pescoço dela com os braços. Depois de uns segundos calada, comentou: -- Sabe, habibi, acordei de madrugada pensando em Zinara. Será que aconteceu alguma coisa com ela?

 

--Que nada! Ela tá com tua mãe e se tivesse acontecido qualquer coisa a gente ia saber. Notícia ruim corre rápido! -- beijou-a de novo -- Você pensou nela porque se sentiu ainda mais grata sabendo que a gente ia se mudar hoje pela manhã.

 

--Tá certo... -- balançou a cabeça concordando -- Tem outra coisa que quero te falar... preciso de você! Preciso de sua ajuda!

 

--O que foi, meu bem? -- segurou o rosto da outra -- O que foi? O que é que te incomoda? -- perguntou preocupada

 

--Eu preciso deixar o papi saber... -- emocionou-se -- que eu quero perdoar! Eu quero esquecer tudo que ele fez com a gente! -- mordeu os lábios -- Chega de viver assistindo um filme que já passou! Quero tocar minha vida pra frente sem ranço nenhum no meu coração! Tudo isso que de bom nos aconteceu me deixou muita coisa pra pensar e eu cheguei à conclusão de que já é hora de perdoar!

 

--Claro, amor, claro! -- sorriu -- Você tá certa, é isso mesmo!

 

--Mamii me perdoou e isso me fez muito bem. Acho que devo agir da mesma forma, e deixar o passado pra trás. -- brincava com a gola da blusa de Janaína -- Quero fazer uma oração e dizer pro papi que agora é vida nova pra todo mundo! -- sorriu -- Pra nós aqui e pra ele lá, onde quer que esteja! Você faria comigo?

 

--Pode contar comigo, minha linda! -- acariciava o rosto da amada

 

--Vamos orar por Zinara também. Acho que não faz mal algum, né? -- propôs

 

--Faço tudo que você quiser, porque você pra mim é simplesmente têúdêô: TU-DÔ! -- sorriram

 

***

 

Najla acabava de orar com Amina e Raed. Havia pensado muito na sobrinha durante a noite e disse aos pais dela que a professora era uma pessoa muito invejada, por isso mesmo precisando de oração. Não queria alarmá-los com o que sabia, além de ter prometido que guardaria o segredo. Também orou para que eles a perdoassem.

 

--E quando será qui essa minina vorta, hein? -- Raed perguntou -- Quanto tempo qui ocê podi ficá longi do asilo? -- olhou para a irmã

 

--Não sei. -- respondeu sem graça -- Mas não se preocupe porque logo vou embora. -- entendeu que o homem queria que ela não demorasse a partir

 

--Eu perdôo ocê, muié! -- Amina afirmou repentinamente -- E quero ocê morando aqui mais nóis.

 

--O que?? -- sentiu o coração disparar

 

--O que??? -- o marido arregalou os olhos -- Tá doida, Amina? Qui diacho é isso??

 

--Num quero ocê di empregada e nem penso em vingança. -- ignorou o protesto do marido -- Eu só quero qui o passado passe e nada mais.

 

--Eu... -- os olhos da ex fazendeira marejaram -- eu adoraria, amaria viver aqui! -- sorriu -- É muito triste viver em asilo...

 

--E ocê nem tem idade pra asilo! -- a outra mulher respondeu -- Fiquei reparando nus teus modo pur esses dia e ocê mudô pur dimais da conta! É otra muié! Si importa cum nóis, com meus fio, meus neto... -- constatava -- Ommii (minha mãe) sempre mi disse qui gratidão era a maior virtudi qui si pudia tê. Eu ti sô grata! Num posso num sê!

 

--Amina, mas ocê num pode dicidí isso assim! -- protestou -- E eu já disse qui pru qui ela fez num tem perdão!

 

--Tem perdão, sim! Ela errô muito cum nóis, mas o que deu pra nóis mudô tudo! -- seus olhos marejaram também -- Ela nus deu Terra di Santa Cruz! Tisoro maió num há!

 

O homem ficou sem saber o que dizer. Najla desejava desesperadamente que ele aceitasse a proposta da esposa. Desejava ficar, ansiava por um lar e uma família.

 

--Vá lá e dê um abraço na tua irmã, homi! -- ordenou -- Quisera eu, qui quarqué um di meus irmão tivesse vivo modi eu abraçá! -- olhou para ele -- Abraci ela e dexi o passado nu canto dele! Ocê sabi qui nóis deve a ela apesar di tudo!

 

Raed respirou fundo e se aproximou da irmã como se cada passo lhe custasse muito. Olhou nos olhos dela e perguntou com seriedade: -- Lisah faker albi yeddillik aman? (Você pensa que meu coração ainda confiará em você?) -- derramou uma lágrima -- Wallah faker kilmah hateid eli can? (Ou que uma palavra fará como que tudo volte a ser como era antes?)

 

--Mihtagalak... Fouk ma yitsawar khayalak... (Eu preciso de você... Muito mais do que imagina...) -- respondeu com muito sentimento -- Behebbak ya, ya aini, mahma lamooni! (Eu amo você, meus olhos, não importa o quanto eles me critiquem!)

 

Aquelas palavras tinham um significado subentendido que somente os dois conheciam e foram suficientes para que Raed vencesse as próprias barreiras e abraçasse a irmã com intensidade. Eles choravam e Amina chorava também, só que ela parecia mais leve que os outros dois. Ela nunca julgou, então na verdade nunca teve o que perdoar.

 

Isso é extremamente difícil para muitos de nós, mas totalmente necessário para que se possa ser feliz de verdade.

 

***

 

Clarice estava em casa e já preparava as coisas para mais uma semana de trabalho. A angústia que lhe despertou durante a madrugada ainda não havia passado. Sem mais saber o que poderia estar causando tais sensações em seu espírito, resolveu ligar para Zinara.

 

--Alô? -- Rodrigo atendeu

 

--Alô, boa noite. -- ficou desconfiada -- Por favor, a Zinara se encontra?

 

--Boa noite. Aqui é o doutor Rodrigo, do Hospital Suriyyah-Cedro da Capital Federal. -- informou -- Presumo que a senhora seja amiga da doutora Zinara.

 

Sentiu o coração acelerar. -- Sim, eu sou... Meu nome é Clarice e sou professora também. Trabalhamos juntas... Mais ou menos juntas... -- pôs a mão no peito -- Por favor, como é que ela tá?

 

--Ela foi encaminhada pro CTI hoje cedo. -- respondeu com cuidado -- Eu fiquei com o celular dela caso alguém entrasse em contato.

 

--Eu... -- sentou-se na cama agoniada -- Tem alguém com ela? -- perguntou aflita -- Quem tá cuidando de tudo?

 

--Não tem ninguém. -- respondeu de imediato -- Somente uma outra amiga dela e a doutora Cláudia entraram em contato hoje, e acho que uma das duas virá, não sei o que vai ser.

 

--O estado dela é grave? -- lutava para não chorar

 

--Inspira cuidados. -- pausou brevemente -- Perdoe, mas agora preciso desligar. Se puder ligar amanhã por volta das sete eu lhe atendo melhor.

 

--Oh, sim, desculpe. Eu ligo depois, sim. -- ouviu o homem se despedir -- Tchau. -- desligou -- Mamãe! -- levantou-se e foi para a sala -- Mamãe, a senhora não sabe! -- olhava para Leda com tristeza -- Zinara foi internada na Capital e tá no CTI!

 

--Ih, vai morrer, coitada! -- lamentou -- Hospital de hoje em dia é assim: a pessoa se interna com uma doença e morre com dez!

 

--Ai, não diz isso! -- ajoelhou-se diante dela -- Desliga essa televisão e vamos rezar? -- pediu -- Fiquei tão triste com isso, mamãe!

 

--Você gosta mesmo é dessa, né? -- segurou as mãos da filha -- Vamos rezar, sim! Quero mais é que ela viva pra fazer frente àquela tarada que vive te cercando!

 

Balançou a cabeça achando graça. -- Só a senhora pra me fazer rir numa hora dessas!

 

--E isso tem graça? Engraçado é mulher velha mijando na parede! -- fechou os olhos -- Vamos pedir a Deus pra que dê tudo certo!

 

--Vamos! -- fechou os olhos também

 

***

 

--Mas e agora?? -- Jamila estava na casa da médica -- Como é que vai ser aquela criatura sozinha no hospital e tão longe de casa? -- andava de um lado para outro -- Eu tô com a agenda lotada e não posso adiar nada! -- passou a mão nos cabelos

 

--Se Zinara não morrer pela doença, ela vai morrer pelas minhas próprias mãos quando sair daquele CTI! -- Claudia respondeu de cara feia -- Ah, se vai!

 

--Ainda fui pegar um caso de um pesquisador que corre risco de vida e tô batalhando proteção judicial pra ele! -- parou de andar e olhou para a outra -- Você não pode ir pra Capital cuidar dela? -- perguntou aflita

 

--Que nada, mulher! -- levantou-se do sofá -- Também tô com a agenda lotada e minha filha tá com dengue! -- andou até a janela -- Não tenho nem idéia de quando posso me ausentar de Cidade Restinga por um dia que seja! -- olhou para a rua

 

--Ai, meu Deus, dii al-jaHiim (é o próprio inferno)! -- cruzou os braços contrariada -- Tenho medo que eles matem hayati! Eu não confio em médico, ah, eu não!

 

--Engraçado! Eu não confio em advogado? -- debochou olhando para Jamila

 

--Sem agressões, pode ser? -- reclamou -- A gente tem que se unir e buscar uma solução!

 

--A solução é rezar e ficar ligando pra Rodrigo até ele se encher e não atender mais! -- cruzou os dedos por detrás da cabeça -- Que merd*, Zinara só faz merd*, nunca vi! -- pôs as mãos na cintura -- Não me admira que tenha se pegado justo contigo!

 

--Eu vou ignorar suas agressões gratuitas porque é por uma boa causa! -- olhava para a médica de cara feia -- Mas não abusa da minha paciência, não, tá?

 

--Humpf! -- fez um bico -- Você é outra, que só faz merd*! Aí agora fica assim: -- apontou para ela -- toda nervosa e com a maior dor na consciência!

 

--Pára de me acusar! -- pediu revoltada -- Você não tem condições de falar nada a meu respeito, uma vez que é por sua culpa que Zinara tá lá!

 

--Por minha culpa?? -- perguntou indignada

 

--Que espécie de médica é você que deixou sua paciente e amiga, -- gesticulava -- fazer essa loucura de sair solta por aí sem rumo ao invés de baixar o fogo aqui e se tratar?

 

--Ah, mas você é uma bicha muito descarada, viu? -- foi até a advogada -- Zinara é adulta e faz o que bem entende! Eu não podia impedi-la de usar o próprio direito de não se tratar e sair por aí! Não trabalho em manicômio, filha! Nesses lugares é que as pessoas são internadas contra a vontade!

 

--Você é uma médica muito da fuleira!

 

--Espie pra isso! -- encarou com a outra -- Fuleira é você, que deixou uma pessoa ótima sem motivo nenhum pra agora viver nessa agonia com medo que ela morra! -- olhavam-se nos olhos -- Você não passa de uma mulher imatura e metida a gostosa, que não tá é com nada!

 

--Eu não sei nem porque eu vim aqui, sabia? Não vou perder meu tempo com essa conversa fiada! -- pegou a bolsa -- Tava contando que você fosse fazer alguma coisa, mas que nada! -- foi até a porta -- Médica de merd*! -- abriu e foi embora

 

--E você, advogadazinha de porta de cadeia? -- gritou -- Vai embora, bicha besta! Safada, sem noção, palhaça! -- fechou porta -- É mole? -- cruzou os braços -- Faz as merd*s e depois vem na minha casa pra me desacatar! -- respirou fundo -- Mas você também, hein, Zinara? -- balançou a cabeça contrariada -- Só faz merd*!!! Dá vontade de dar tanta palmada no teu rabo! -- gesticulava -- Ah, meu Pai, o que é que eu vou fazer com essa mulher?

 

***

 

Zinara se via caminhando em uma estrada longa de terra vermelha. Não avistava pessoa alguma ou qualquer movimento. A paisagem era plana, árida, cheia de pedras; no horizonte, uma cadeia de montanhas se apresentava.

 

--Estou em Cedro? -- perguntou-se espantada -- Mas como? -- olhou para si mesma e viu que trajava um fustan de tecido branco -- Smallah!! (expressão de admiração)

 

--Habibi? -- ouviu uma doce voz feminina

 

--Aywah? (Sim?) -- virou-se na direção da voz e surpreendeu-se com a imagem de uma bela senhora que usava uma djalaba branca e reluzente -- "Meu Deus, eu desencarnei!” -- pensou -- A sua bênção, ya sayyida (senhora)! -- ajoelhou-se em respeito

 

--Smalla'Alik, Zinara! (Deus proteja você, Zinara!) -- Selima abençoou a neta -- As-Salamu Alaikum! (Que a paz esteja convosco!) -- tocou o rosto dela -- Não se ajoelhe diante de mim, habibi! -- pediu com carinho -- Gidda não quer isso!

 

--Gidda?? (Vovó??) -- arregalou os olhos emocionada -- Alaikum as-Salaam! (E a paz também convosco!) -- beijou a mão da avó -- É uma honra conhecê-la! -- sorriu

 

--Levante-se, habibi! -- pediu novamente e ela obedeceu -- É uma felicidade revê-la. -- sorria

 

--Ya sayyida veio me buscar? Eu desencarnei? -- perguntou curiosa

 

--Laa. (Não.) Você não desencarnou. -- respondeu calmamente -- Najla pediu a Aba (Meu Pai) que me deixasse cuidar de você e Ele assim o permitu. -- acariciou os cabelos da morena -- Muitas pessoas oram por você e seu corpo receberá atendimento adequado pela medicina dos encarnados. Há irmãos valorosos orientando os médicos nesse momento.

 

A astrônoma ficou boquiaberta. Não imaginava que alguém orasse por ela.

 

--Eu também tive câncer no pâncreas. -- lembrava -- Sei o que sente e sei o que esta doença representa. -- segurou a mão da neta -- Vamos tratar da alma e resolver algumas questões que você ainda não superou.

 

--Como? -- não sabia

 

--Macleech! (Não se preocupe!) As respostas virão. -- pôs a outra mão sobre a fronte da professora -- Temos uma viagem a fazer. -- irradiava o chakra frontal -- Lembre-se, habibi: quem não provou o amargo não sabe apreciar o doce! -- citou um provérbio de Cedro

 

Zinara sentiu um leve torpor e transcendeu o espaço-tempo com a ajuda da avó.

 

Fim do capítulo


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Comentários para 6 - GUFRAAN:
PaudaFome
PaudaFome

Em: 23/05/2024

Capítulo muito emocionante e também divertido. Najla parece que veio pra somar e Aisha também é top. Jamila amargando mó dor de corno. 

Clarice e Zinara ia bem. Leda é figuraça! kkkk


Solitudine

Solitudine Em: 14/06/2024 Autora da história
Olá querida!

Você verá o quanto Najla veio para somar e Aisha é um amorzinho.

Jamila está no processo dela.
Ya Leda ninguém segura! Aakkkk

Beijos,
Sol


Responder

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Samirao
Samirao

Em: 07/10/2023

Quando vc escreveu esse CAPS ficou me devendo um conto. Quero pra esse ano!


Solitudine

Solitudine Em: 11/11/2023 Autora da história
Bem... você vai ver...


Responder

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Samirao
Samirao

Em: 23/03/2023

Rumos aos 550!


Solitudine

Solitudine Em: 26/03/2023 Autora da história
Ai, meu Pai!!


Responder

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Alexape
Alexape

Em: 28/12/2022

Muito emocionante muito lindo! Quanto de você existe em Zinara?


Resposta do autor:

Veio repetido.

Beijos,

Sol

Responder

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Alexape
Alexape

Em: 28/12/2022

Muito emocionante muito lindo! Quanto de você existe em Zinara?


Resposta do autor:

Obrigada, querida!

Existe muito.

Beijos,

Sol

Responder

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Seyyed
Seyyed

Em: 17/09/2022

É muita mágoa muito rancor mas com motivo justo. A real foi muito dura, eu entendo. Mas a Amina é dois degraus acima né? Uma Olga caipira. 

Essa Cátia tem todo jeito de cafa. Leda é show, velhinha foda! Hehe Estou cada vez mais fã da Najla. Ela traz a verdade nua e crua que todo mundo tem que ver.

Zi é um amorzinho. Ela é toda coração, lembranças e um altruísmo incrível. Além de ultra cabeçuda . Tinha que ficar com Clarice. Jamila tem sua delícia mas já deu. Foi


Resposta do autor:

Este veio repetido. Às vezes acontece.

Beijos,

Sol

Responder

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Seyyed
Seyyed

Em: 17/09/2022

É muita mágoa muito rancor mas com motivo justo. A real foi muito dura, eu entendo. Mas a Amina é dois degraus acima né? Uma Olga caipira. 

Essa Cátia tem todo jeito de cafa. Leda é show, velhinha foda! Hehe Estou cada vez mais fã da Najla. Ela traz a verdade nua e crua que todo mundo tem que ver.

Zi é um amorzinho. Ela é toda coração, lembranças e um altruísmo incrível. Além de ultra cabeçuda . Tinha que ficar com Clarice. Jamila tem sua delícia mas já deu. Foi


Resposta do autor:

Com certeza maama está muito acima! E você tem razão, pois a trajetória foi dura. Mas deixar passar é necessário para viver melhor.

Cátia, você vai ver! rs

Já vi que camma Najla, maama Amina e ya Leda são suas preferidas nesse trem! Excelentes escolhas! rs

Zinara e Clarice têm tudo a ver! Impossível discordar! rs Não é, Samirão? kkk

Beijos,

Sol

Responder

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Cristina
Cristina

Em: 03/01/2022

Olá Sol!

Tudo bem com você? Espero que esteja melhor!

Enviei um e-mail pra você, mas lendo os comentários, percebi que seu e-mail foi clonado. Que pena!

Tem algumas coisas que não gosto muito de expor. Sou tímida!!!!kkkkk

"Bom dia Sol!

Como você está?

Espero que esteja bem! Sei que andou passando por momentos difíceis, desejo que você não esteja se sentindo só  e tenha perança e fé neste momento!

Sinto sua falta! e Sinto também uma tristeza em não ter como retribuir o carinho que você nos deu!

Mas você está sempre nos meus pensamentos e nas minhas preces!!! Desejo que tenha um bom Natal e uma ano novo melhor!!

Um grande abraço!!!"

Este foi e-mail  que lhe enviei no dia 22/12/2021. 

Que bom que vai fazer um pós. Sei que é pedir muito, mas saiba que gostaria muito de ler seus artigos acadêmicos.  Quem sabe um dia!!!!kkkkk

Fiquei sem estudar nestes tempos de Covid, só no começo deste ano que fiz algumas matérias EaD. Depois achei melhor  dar um tempo porque ficou difícil estudar. Pretendo voltar semestre que vem. Farei poucas matérias, tenho que fazer estágio e por enquanto não acho bom porque ainda farei uma cirurgia neste semestre, uma adequação apenas, mas terei que fazer repouso e complica casa-trabalho-faculdade-estagio.

Os trabalhos no Centro Espírita continuam, com um rítmo menor . Hoje retornamos depois do recesso das festividades do final de ano. Espero que possamos voltar com mais atividades neste próximo ano!!

Estou com esperança que este ano seja um ano bom , apesar de momentos difíceis que ainda virão!!!

Meu mantra é: Tudo vai dar certo!!!!

Um grande abraço  e um ano com saúde e paz pra você!!!

Beijim!!

 


Resposta do autor:

 

 

 

Bom dia!!!!!

Que maravilha receber um comentário seu!!! Como você está? Já se sente mais revigorada? E a maama?

Meu e-mail de autora foi clonado (Gmail) e depois criei outro (Outlook) mas deu uma zica e daí deixei de mão essa coisa de criar e-mail para perfil de fake. Não é por falta de consideração, mas, enfim, mil fatores. Futuramente vejo uma solução e aviso.

Entendo que não dá mesmo para expor tudo aqui. Perde-se a privacidade e tem certos assuntos que não podem ser tratados publicamente. 

Obrigada pelo seu carinho. Você é a meiguice em pessoa. Também está nas minhas orações. Desejo que seja natal no seu coração durante todos os dias e que em 2022 aconteçam coisas que te engrandeçam ainda mais como ser humano. 

Que volte logo a estudar, pois faz muito bem. Estou na pós e gostando por demais. 

Desejo e oro para que dê tudo certo na sua cirurgia e que a recuperação seja rápida e tranquila. Que os trabalhos no Centro voltem de forma cuidadosa e sábia, trazendo os melhores fluidos edificantes para todos vocês. 

Beijos carinhosos,

Sol

 

Responder

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Gabi2020
Gabi2020

Em: 06/05/2020

Olá minha querida como vai?

 

Sabe aquela história, quem bate esquece, mas quem levou o tapa não? É bem isso o sentimento de Raed, perdoar não é fácil.

Amina mostrou de fato quem manda na casa, gostei disso! Girl power.

 

 

Clarice cheia de dúvidas em entrar em um relacionamento, então que seja racional e não entre, simples assim! Kkkkk... Não é tão fácil assim... Essa indiazinha é cheio de medos, conflitos... Enquanto não resolver isso, se aceitar vai viver desse jeito. Zinara vem aqui ajudar mulher!!!

 

 

Najla muito perspicaz, em uma tacada só descobriu a doença de Zinara e ainda que a sobrinha é lésbica. Quem diria que um dia Zinara estaria conversando sobre esses assuntos com a dia.Zinara além da doença física, é doente na alma... E enquanto ela não expurgar isso, vai continuar sofrendo.

 

 

Essa mãe da Clarice é muito engraçada, cada conselho que tá louco.

 

Como Zinara e Jamila se machucavam o tempo todo... Havia ruído na comunicação... 

 

 

Clarice levou a mãe para casa da Cátia... Misericórdia... Kkkkkkk....

 

 

Zinara e Clarice tem uma conexão impressionante.

 

 

"--Mihtagalak... Fouk ma yitsawar khayalak... (Eu preciso de você... Muito mais do que imagina...) -- respondeu com muito sentimento -- Behebbak ya, ya aini, mahma lamooni! (Eu amo você, meus olhos, não importa o quanto eles me critiquem!)" Uau... Fica difícil comentar...

 

 

"-- Vai embora, bicha besta! Safada, sem noção, palhaça!" Mas gente... Kkkkkk... Claudia desceu do salto!

 

 

Zinara, Zinara... Que longo caminho a percorrer...

 

 

 

 

Lindo demais Sol!

 

 

Beijos

 

 

 

 


Resposta do autor:

Gabinha!!!

Tudo bem? Espero que sim!

A relação de Zinara com o baba dela é muito complicada. Um homem rude e embrutecido pela guerra numa cultura conservadora. E ela uma criança em tempos de guerra que demorou a conhecer a paz. Amina de todos é a mais sábia, apesar de seus anos de omissão. Mas ela também teve suas amarras a se desvencilhar e soube fazer isso a seu modo.

Clarice quis se refugiar do amor platônico por Zinara no relacionamento com Cátia. Mas tinha medo porque a loura não inspirava confiança. E com os conselhos de ya Leda! kkkk

Najla observou a família e percebeu o que saltava aos olhos.

Acho que este sempre foi o problema de Zinara e Jamila: comunicação!

"Zinara, Zinara... Que longo caminho a percorrer.." No fundo, todos nós temos este longo caminho. Cada um numa estrada. Bom que elas se cruzam...

Obrigada pelo lindo demais. Garanto que o que foi escrito foi sentido de várias formas.

Beijos,

Sol

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