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EM BUSCA DO TAO por Solitudine

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Palavras: 18101
Acessos: 10378   |  Postado em: 01/01/2018

TERRA DE SANTA CRUZ - 3

 

CAPÍTULO 10 – Nem Tudo É Como Parece

 

Clarice estava quase encerrando seu dia de trabalho quando recebe uma ligação inesperada. -- Alô? -- atendeu enquanto usava o computador

 

--Que saudade dessa sua voz mansinha... -- a morena respondeu com um sorriso bobo nos lábios -- Masaa Il-kheer! (Boa tarde!)

 

--Zinara?! -- arregalou os olhos e interrompeu o que fazia -- Você sumiu, criatura! Fiquei até preocupada! -- ralhou

 

--Fica não que tá tudo bem. -- tranquilizou-a -- É que me meti num bocado de lugar sem cobertura de celular ou acesso à internet e daí fiquei incomunicável. -- justificou-se -- Mas não te esqueci, não! -- continuava sorrindo -- Impossível seria!

 

--E como você está? -- sorriu também -- Tudo bem?

 

--Aqui é só alegria! Jayed jedan! (Muito bom!) -- mentiu falando com empolgação -- E você? Tudo bom?

 

--Graças a Deus... -- passou a mão nos cabelos -- Você não tá me enrolando, não, né? -- perguntou desconfiada -- Tenho tido uma certa apreensão quando penso em você...

 

A astrônoma pensou antes de responder. -- Tô mentindo, não. -- queria mudar de assunto -- "Só não me peça pra jurar!” -- pensou -- Olha, eu li seus e-mails e vou respondê-los, pode confiar. Fiquei super empolgada com os resultados de vocês e também tenho novidades pra te contar! Recebi um e-mail do meu contato lá do Observatório do Astro Rei; -- ajeitou-se na cama -- e os pesquisadores de Godwetrust tão dando o braço a torcer... As medições deles e demais institutos da rede têm confirmado a teoria que defendo: o sol tá caminhando pra um mínimo!

 

--E tudo isso se encaixa perfeitamente no contexto do trabalho de Chandra! -- Clarice respondeu animada -- Ela tá maluquinha! -- riu brevemente

 

--Também tenho outras novidades relacionadas à trabalho, mas te conto depois. Por agora eu só queria mesmo era ouvir sua voz. -- calou-se repentinamente -- "Zinara, ya hablaa’!! (Zinara, sua besta!) Parece até que tá cantando a mulher!” -- pensou se recriminando -- "Ou será que eu tô cantando mesmo?” -- perguntou-se -- "Olha a falta de ética, criatura! O que será que ela vai pensar de você, hein, bicha besta?”

 

“Só queria ouvir minha voz? Será que ela sentiu saudades de mim? Será que também sente um algo mais?” -- a outra pesquisadora pensou esperançosa -- Ah, eu também andava querendo falar com você... -- respondeu meio melosa -- Te liguei várias vezes...

 

--Por causa do trabalho da Chandra, eu sei. Pode deixar que vou ler tudo! -- garantiu

 

“Não é só por causa da Chandra, sua boba!” -- pensou sem coragem de dizer -- Será que... nessas suas férias alucinantes ou durante a licença... não haveria um tempinho pra passar aqui em São Sebastião? -- perguntou timidamente -- Não precisa esperar o congresso mundial chegar, né?

 

--Tá nos meus planos passar por aí, sim! -- pausou brevemente -- Sou louca pra te conhecer e... Sei lá, eu nunca te disse isso antes, mas me parece que quanto mais interagimos, mais eu sinto como se te conhecesse há séculos... -- pausou brevemente -- É até curioso... Nessa minha fase reflexiva tenho pensado...

 

--E eu sinto da mesma forma... -- brincava com um enfeite da mesa -- Mas percebi que tem se distanciado de mim...

 

--Não é isso, habibi, eu não me distanciei! É que muitas coisas foram acontecendo ao mesmo tempo e eu também tive que trabalhar como louca pra poder sair de férias e tirar a licença... -- justificou-se mais uma vez -- Não sabe o quanto cada vez mais desejo olhar nos seus olhos, conversar com você, sentir sua presença, tocar na sua... -- calou-se bruscamente -- "Na sua, o que??” -- pensou com os olhos arregalados -- Na sua mão!! -- esclareceu nervosamente -- Tocar na sua mão! Apertar, eu quero dizer! Afinal de contas eu tenho que me apresentar, né? -- disfarçava -- “Eu hein, Zinara, se segura aí! Parece até que ficou tarada!” -- repreendeu-se

 

--Pois eu também quero... tudo isso! -- corou

 

--Clarice, meu amor, vim te fazer uma surpresa! -- Cátia chegava de supetão na sala da outra, que levou um susto -- Hoje é sexta e vamos curtir a noite juntinhas! E não aceito um não como resposta! -- reparou que ela estava no telefone e pôs a mão sobre os lábios -- Ih, desculpa! -- ficou um pouco sem graça -- Nem reparei que você tava no telefone, meu bem!

 

A morena ouviu o que Cátia falou e ficou desconfiada. -- Acho que é melhor eu desligar... -- estava sem graça -- Seu expediente já tá no final e chegou uma pessoa aí querendo sair com você, né?

 

--Ah, eu... -- não sabia o que dizer. Estava totalmente desconcertada

 

--Te espero no corredor, linda! -- beijou o rosto de Clarice e saiu da sala

 

--Tá legal, Cátia. -- respondeu abobalhada

 

Zinara deduziu que aquela seria a nova namorada da paleoceanógrafa. -- Ah, eu... não vou mais tomar seu tempo... -- tentava disfarçar o desânimo -- Depois a gente conversa. Não quero atrapalhar você de sair.

 

--Não, você não tá me atrapalhando e... -- não conseguia articular os pensamentos a tempo -- Eu...

 

--Vai lá, garota. Deixa a namorada esperando, não. -- ajeitou-se na cama novamente -- Divirta-se, querida! Macasalaama! (Até logo!)

 

--Mas... -- ouviu o telefone sendo desligado -- Ela não é minha namorada... -- deu um soco na mesa -- Que droga, Clarice! Por que você nunca fala nada justo quando mais precisa? -- recriminou-se

 

A astrônoma estava sendo medicada com soro em uma clínica no Setor Central de Gyn, enquanto Najla cochilava sentada na poltrona da enfermaria. Esticou o braço e guardou o celular dentro da mochila, que repousava no chão.

 

Jamila sempre desconfiou que a ligação entre a ex namorada e a outra pesquisadora fosse motivada por algo mais que simplesmente trabalho, coisa que Zinara discordava. No entanto, progressivamente a morena reconhecia-se interessada por Clarice e isso a confundia. Não conseguia entender como justamente ela, uma mulher tão avessa à relacionamentos virtuais, poderia se sentir apaixonando-se por alguém que nunca nem viu pessoalmente.

 

“Tô me apaixonando?” -- questionava-se -- “Não é possível! Da noite pro dia me vi assim... Ezzai (Como pode)?” -- não conseguia compreender -- “E será que foi mesmo da noite pro dia ou eu é que não tava vendo? Que assanhamento foi aquele que me fez passar vergonha à toa?”

 

Às vezes pensava que a carência que sentia estava fazendo com que misturasse as coisas, em outras acreditava que realmente estava se apaixonando.

 

“Seja lá como for, é muita ilusão sua achar que uma mulher daquelas iria querer alguma coisa contigo!” -- pensava -- "Ela é de São Sebastião, toda chique, interessante, bonita, agradável... Deve chover pretendente!” -- olhou para o recipiente do soro -- "Cuida de tua vida e esquece! Além do mais você ainda nem se recuperou do ‘efeito Jamila’, tá com o pé na cova e não pode querer se envolver num outro relacionamento!” -- suspirou -- Outro relacionamento... -- resmungou sozinha -- Clarice não tem o menor interesse em você, pomba lesa! Baixa o fogo nessa rabichola e fica na tua!

 

***

 

Zinara apresentava o céu noturno para a tia através de seus binóculos.

 

--E então, camma Najla? Conseguiu localizar a constelação da qual lhe falei? -- perguntou curiosa

 

--Ai, eu tô vendo! Que linda!!! -- exclamou empolgada -- Gente, como Deus é grande! Akbar, akbar!! (Grande, grande!!) -- sorria -- Agora eu quero ver a Cynthia! -- pediu olhando para a astrônoma -- Será que nessa fase crescente dá pra ver alguma coisa ou tem que esperar ficar cheia?

 

--A melhor época pra olhar pra Cynthia é justamente nos crescentes ou minguantes, porque o contraste de sombra e luz evidencia o relevo. -- pegou os binóculos e gastou uns segundos para focalizar -- Veja, -- devolveu o instrumento a outra mulher -- repare bem perto da linha que separa a parte luminosa da escura no nosso satélite natural. O nome dessa linha é terminador.

 

--Ih, olha uma cratera grandona!!! -- parecia criança -- É igual um olhinho arregalado! E ao redor tem umas raias brancas! O que é isso?

 

--Material ejetado por causa da queda do meteorito que gerou a cratera. -- explicou -- Parece talco, né?

 

Após uns segundos de observação, Najla lembrou-se de um detalhe e novamente olhou para a morena. -- Habibi, será que não deveríamos descer? Nem sei há quanto tempo estamos escondidas nesse telhado de hotel e hoje você passou tão mal... -- estava preocupada -- É melhor voltar pro quarto e descansar, não acha? Já é noite alta...

 

--Macleech, camma! (Não se preocupe, tia!) -- respondeu sorridente -- Acessar esse telhado é tão fácil que é como se o hotel pedisse pra gente fazer isso, mas se prefere descer... yaalah (vamos lá)!

 

--Foi a minha primeira vez num telhado! -- Najla afirmou como quem conta um segredo

 

“Ela fala de um jeito que parece até que rolou um clima!” -- a professora pensou com vontade de rir

 

Em pouco tempo estavam de volta ao quarto.

 

--Filha, você precisa ver o que tá acontecendo com sua saúde! Já é a segunda vez que passa mal e foi assustador! -- comentou ao fechar a porta -- Pensei que teria de ficar internada!

 

--Deve ter sido alguma coisa que eu comi, camma Najla. Acho que tô estranhando a comida. -- mentiu enquanto guardava os binóculos -- É uma pena que não tem clube de astronomia em Gyn. Do contrário eu a levaria pra aprender a usar um telescópio. -- mudou o assunto

 

--Sabe, habibi... -- sentou-se na cama -- É melhor a gente desistir dessa busca por Aisha. -- olhava para a professora -- Já estamos na cidade há quatro dias, procuramos todas as pessoas que podiam nos ajudar, rodamos por todos os cantos e nada! Você tá perdendo tempo e dinheiro comigo...-- suspirou -- Ya wail... (Que pena...)

 

--Se não a encontramos, wana amil eh (fazer o que)? Mas não me arrependo de nada! -- respondeu com sinceridade -- Acho que valeu a pena! Afinal de contas, estamos nos conhecendo melhor, né? -- sorriu

 

--Ah, isso é! -- sorriu também -- Esses dias têm sido como um sopro de vida pra mim! -- moveu-se na cama para se encostar na parede -- Até aprendi a olhar o céu e reconhecer estrelas! -- afirmou toda prosa

 

--Vamos fazer assim: passamos mais um dia na cidade e depois de amanhã vamos embora pra casa de maama e baba, que tal? -- propôs -- Vou aproveitar pra trabalhar, até porque minha caixa de e-mails tá lotada e ainda não dei conta. -- sentou-se também -- E enquanto isso, descansamos o corpo.

 

--Mumtaz! (Excelente!) -- gastou uns segundos calada até que resolveu perguntar: -- Você... já tá com sono? Se não tiver, quer conversar? O que não falta é assunto! -- abraçou-se com o travesseiro -- Nos tempos da fazenda eu praticamente não conversava com vocês e disso muito me arrependo.

 

--Sou compulsoriamente insone. -- arrumou um travesseiro sobre o outro e deitou-se de lado sobre eles -- Vamos conversar.

 

--Quantos dos meus irmãos você chegou a conhecer? -- perguntou curiosa -- Nunca soube!

 

--camm Ibrahim, Amin, Xafiq e Rachid. -- olhava para a tia -- camm Chede e Fadel morreram lutando na muqaawama (resistência) quando eu era bebê.

 

Najla ficou pensativa. -- Você adoraria ter conhecido Chede. -- encostou a cabeça na parede -- Era um homem especial do mesmo jeito que baba... Filho mais velho, tinha grande autoridade moral sobre nós e era sempre muito justo... -- sorriu -- Apesar de ser dezenove anos mais velho que eu a gente se dava muito bem. -- pausou brevemente -- Fadel era químico e o mais inteligente dentre todos nós. Vocês teriam se entrosado perfeitamente! -- sorriu -- Ambos eram homens casados, tinham filhos... -- desmanchou o sorriso e fez uma cara triste -- Não deve ter sobrado ninguém... Coitados... -- gastou uns segundos calada -- E dos que conheceu? O que achava deles?

 

--Tive pouquíssimo contato com camm Xafiq e Rachid. Eles eram muito focados na luta e quase não ficavam conosco. -- lembrava -- Eram verdadeiros junuud (soldados)!

 

--Junuud? Ah, não... Xafiq tocava kamaan (violino) divinamente! Sabia que ele fazia parte da orquestra de Cedro? -- a morena ficou surpresa -- Rachid era brincalhão e animado. Ele sempre organizava os eventos de usritina (nossa família) e era muito criativo!

 

--Eu nem fazia idéia... -- comentou pensativa -- camm Ibrahim era bem mais presente e eu o achava uma boa pessoa. -- lembrava-se do pai de Zahirah -- Pena que a guerra e as perdas foram acabando com ele... Foi como uma planta que secasse dia a dia...

 

--Ibrahim era o segundo mais velho e, talvez por isso, meio tradicionalista, mas um excelente cavalheiro. -- a mulher mais velha comentou -- Ele gostava muito de Sanya. -- pausou brevemente -- O que aconteceu com ela?

 

Sentiu uma dor ao lembrar. -- Morreu louca. -- passou a mão sobre os olhos -- E faminta. Mas não me peça pra falar sobre isso, min fadlik (por favor)!

 

--Tudo bem... -- ajeitou-se na cama -- E quanto a Amin? Não falou dele. Dentre todos, era o mais sensível e carinhoso. -- sorriu

 

--Sensível e carinhoso??? -- arregalou os olhos -- Ave Maria, o que a guerra não faz!! -- exclamou surpresa

 

Imediatamente as lembranças invadiram sua mente.

 

“-- Zinara, ana mareed! (Zinara, estou passando mal!) -- Youssef aproximou-se pálido e trêmulo -- Eu estava com camm Amin quando encontramos el-maaghiz (uma cabra) que bebia um fio de maa’ (água). -- olhava para todos os lados para se certificar de que ninguém mais ouvia -- Ele pulou em cima do animal e matou o bicho com as mãos e os dentes!! -- contava horrorizado -- No final, sua boca estava toda suja de sangue e o que eu vi nos olhos dele... Parecia aš-šeiTaan (Satan)!

 

--Smallah! (interjeição de espanto) -- respondeu ao se benzer -- Baba diz que não devemos ficar sozinhos com ele, por que você desobedeceu? -- perguntou de cara feia

 

--Ele me chamou para caçar e eu tive medo de dizer de não! -- falava a verdade -- Sai fogo do olhar dele! -- abraçou-se consigo mesmo -- Ana xaafa! (Estou com medo!)

 

“camm Amin aš-šeiTaan? (Tio Amin é Satan?)” -- perguntou-se intrigada”

 

--Ele deve ter ficado muito abalado com a guerra e tudo que sofreu, habibi! -- Najla justificava -- Amin era um doce e adorava as crianças! Tinha um jeitinho todo especial com elas!

 

--Se tinha! -- novamente lembrou-se do passado

 

“Zinara enchia um galão.

 

--Foi buscar maa’ (água) sozinha, menina? -- Amin veio ao seu encontro sem que esperasse -- Sabe que é perigoso... Ghunf, safk ad-dimaa', wafaah... (Violência, derramamento de sangue, morte...) -- seu tom de voz era sinistro

 

--Zizizinara foi porque... -- olhava para o tio apavorada -- Faltava maa’...

 

--E se algum jundi (soldado) surpreendesse você? -- olhava nos olhos dela -- O que faria?

 

--Corria... -- não sabia o que dizer

 

--LAA!! (NÃO!!) -- gritou enfurecido -- Não é o suficiente! Você tem que saber atacar! -- sua expressão era assustadora

 

A garota estava paralisada de medo.

 

--Chute forte entre as pernas do ghaduuww (inimigo), fure os olhos dele com os dedos, -- fingia que agredia a si mesmo -- e se não adiantar, pegue-o pelo pescoço assim! -- rapidamente segurou a menina pelo pescoço -- Tem que apertar do jeito como estou fazendo agora! O segredo não é a força, mas o local onde se aperta, entendeu?

 

Zinara sentia uma dor excruciante e não conseguia falar ou se mover. Apenas emitia um grunhido agonizante.

 

--AMIN!!!! -- Raed gritou horrorizado -- Tire suas mãos de bintii (minha filha)!! -- o irmão obedeceu e a menina caiu no chão com falta de ar -- Ya majnum!! (Seu louco!!) -- correu até a garota e a levantou

 

--Você não prepara seus filhos para a vida, Raed! -- protestou de cara feia -- Ralã! (expressão de nojo)”

 

--Entendo o seu ceticismo. -- comentou compreensiva -- Mas a guerra e a violência extrema têm o poder de extrair das pessoas o seu pior... Sabe Deus como eu teria ficado! -- pensou um pouco antes de fazer outra pergunta -- E Raed? Que acha dele?

 

--A resposta é longa... Prefiro não responder, se não se incomoda.

 

--Baseeta! (Sem problema!) -- compreendeu -- Apesar de ser o mais novo dos irmãos, Raed sempre foi o mais tradicionalista. Sou um ano mais velha que ele, mas me sentia séculos mais jovem. -- achou graça -- Raed parecia um homem dos tempos de nossos avós! Até Ibrahim achava! -- balançou a cabeça -- Você acredita que ele foi viver no sul pra encontrar uma moça inocente e virgem pra casar? Na opinião dele, as mulheres de Berytus eram todas vadias!

 

--Ah, então foi por isso? -- ficou boquiaberta -- "Mas por que eu me espanto?” -- perguntou-se -- Giddu Raja e baba discutiam muito. -- comentou -- Ele não concordava com as atitudes do filho e antes de morrer fez com que prometesse que não iria me dar em casamento pra ninguém. -- riu

 

--Você ainda não me contou nada sobre baba. -- falou humildemente -- Espero ansiosa pra ouvir...

 

--Giddu Raja... -- deitou-se de barriga para cima e olhou para o teto -- Tenho apenas boas lembranças dele... -- sorriu e viajou no tempo

 

“--Escrevendo na areia, habibi? -- Raja perguntou ao se aproximar da neta

 

--Zahirah e Farida ensina Zinara! -- respondeu orgulhosa -- Zinara kataba (escreve)!

 

--Gamiil! (Bonito!) -- abaixou-se do lado dela e admirou a caligrafia -- Você sabia que nosso povo foi o primeiro a criar um alfabeit (alfabeto)? Apesar da escrita dos povos sumérios ser mais antiga, ela tinha muitos símbolos e era bastante complicada. -- explicava -- Em 1100 aC, nós criamos um grupo de símbolos em que cada um deles representava um som diferente da língua. Itneen wi cichriin saut (22 consoantes), que foram inventados primeiramente para facilitar o comércio. -- olhava para a menina -- Nós dominávamos a navegação do mar do Meio da Terra e, por conseqüência, al alfabeit espalhou-se para regiões distantes.

 

--Oh! -- exclamou impressionada

 

--Vários povos usaram variações da nossa escrita. Inspiramos aqueles que criaram a língua que falamos hoje. -- afirmou com propriedade -- Inspiramos também os helênicos, de cujas fontes os latiniuns tomaram emprestado waaHid wi cichriin (21) letras para representar o som de sua língua. E, por fim, uma vez que o Império Latinium durou muitos anos e dominou grande parte do continente Urubba, o idioma deles também serviu de base para as línguas germânicas e até para algumas eslavas! -- sorriu -- Influenciamos muitas e muitas línguas neste mundo!

 

--Zinara iftaxara Cedro! (Zinara está orgulhosa de Cedro!) -- respondeu sorrindo

 

--Cedro não é somente harb (guerra)! Nosso povo tem uma história rica! -- segurou uma das mãos dela -- Enti nabiih! (Você é inteligente!) Contribua para um mundo melhor com sua inteligência, use-a sempre para o bem e deixe que todos saibam que você é uma filha de Cedro! Faça com que o nome do nosso país volte a se associar com coisas boas! -- pediu

 

--Wallahi! (Eu juro!) -- prometeu”

 

--Você tem cumprido com essa promessa brilhantemente! -- Najla afirmou orgulhosa

 

Sorriu em resposta. -- Cumpri e cumpro com todas as promessas que fiz a giddu! -- respondeu pensativa -- Mesmo as que foram mais dolorosas...

 

“--Zinara, arraib layyi! (Zinara, venha para perto de mim!) -- Raja chamou e a menina veio, sentando-se em frente a ele -- Você já tem dez anos então podemos conversar sobre coisas bastante sérias. -- afirmou solene

 

--Choo, giddu? (O que é, vovô?) -- perguntou receosa

 

--Quero que você entenda algumas coisas. Você não pode pensar que a vida é só dor e tristezas. -- olhava para a neta -- Ana acdam sharegh feeki w entilik melli baleki! (Eu sou sua estrada mais antiga e você minha maior esperança!). Ouça-me com atenção! -- a menina ouvia -- Sua vida pode ser linda ou infeliz, habibi, e isso depende apenas de suas escolhas. -- ensinava -- Mesmo naquilo que você não possa interferir diretamente, o modo como reagirá diante de cada situação é sua decisão e de ninguém mais! -- pausou brevemente -- Quero que me prometa que jamais se entregará ao desespero, mesmo que tudo te pareça perdido! -- falava com sentimento -- Nunca se esqueça que nem sempre as coisas são como parecem ser, e aquilo que no primeiro momento é um fim, pode ser, na verdade, um novo começo!

 

--Wallahi! (Eu juro!) -- prometeu

 

--Tenha sempre orgulho de ser mulher e jamais se curve diante de um homem, seja ele quem for! -- aconselhou -- Obedeça abuuik (seu pai), mas isso não quer dizer que deva se curvar diante dele! Caminhe sempre ao lado dos homens, nem à frente e nem atrás!

 

--Aywah, giddu! (Sim, vovô!)

 

--Não se entregue à bebida, ao tabaco ou à qualquer outra droga em busca de um prazer imediato que terá um preço muito alto! “O camelo riu uma vez na vida e rasgou os lábios para sempre.” -- citou um provérbio de Cedro -- Não entregue seu corpo a pessoa alguma por necessidade ou por medo! Deixe que te toque apenas quem seu coração eleger! -- tocou a testa dela de leve -- Seu corpo é seu templo e o templo nós respeitamos!

 

--Aywah, giddu! (Sim, vovô!) -- balançava a cabeça

 

--Não engane ou iluda os outros! Minta apenas quando for absolutamente necessário, para se preservar de um mal ou preservar alguém que mereça sua ajuda! “Com a mentira se consegue o almoço, mas não o jantar!” -- citou outro provérbio de Cedro

 

--Zinara não mente! -- afirmou resoluta

 

--E por fim, não importa o que esteja fazendo, se me ouvir gritar “Corra, Zinara!”, você vai correr o mais rápido que possa e sem olhar para trás!

 

--Laa!! (Não!!) -- afirmou em desespero -- Zinara não deixa giddu Raja! -- protestou

 

--“Tudo tem seu tempo determinado e há tempo para todo propósito debaixo do céu.” -- citou o Eclesiastes 3:1 -- Quando meu tempo chegar, não será o seu! Eu vou gritar e você vai me obedecer, aconteça o que for! -- foi enfático -- Prometa! Osad ainy! (Em frente aos meus olhos!) -- exigiu

 

--Sa'ban ‘alay... (É difícil para mim...) -- objetou

 

--Prometa! -- insistiu contendo a vontade de chorar

 

Após alguns instantes de silêncio, prometeu com tristeza. -- Wallahi... (Eu juro...)”

 

--Baba sabia que era um alvo... Ele queria te preservar... -- Najla afirmou um pouco emocionada -- Você não vai me contar como ele se foi, não é, habibi? -- perguntou

 

--Ainda lembra de como se lê na nossa língua, camma? -- olhou para ela

 

--Creio que sim... Pelo menos a maioria das coisas. -- balançou a cabeça sem entender a pergunta

 

Zinara se levantou e tirou um livro de dentro da mochila. Foi até a tia e o entregou nas mãos dela. -- Este é o yoom kitaab (diário) de Zahirah. Tudo que quer saber está aí.

 

Najla segurou o volume. -- Zahirah... -- lembrou-se da jovem com carinho

 

--Ela escreveu a maior parte e eu só um pouquinho. -- sentou-se novamente -- Enquanto estivermos viajando juntas, pode ler à vontade. Acho que tem esse direito, camma Najla...

 

--Até quando escreveu aqui neste kitaab (livro), habibi? -- perguntou folheando com cuidado

 

--Até ar-rabiic (a primavera) terminar... -- passou a mão nos cabelos

 

Najla não entendeu ao certo, mas olhou para a morena com muita pena.

 

--Agora vamos dormir! -- não queria mais conversar -- Amanhã tenho muito trabalho a fazer e à noite uma exploração do céu. -- começou a se arrumar para dormir

 

--E como será essa tal exploração? -- ficou curiosa -- Igual a de hoje no telhado?

 

--Não... Essa vai ser mais radical, porque preciso de um lugar mais alto! -- sorriu -- camma Najla verá! Sei exatamente para onde iremos! Aba’ad... (longe...)

 

--Ave Maria! -- ficou com medo

 

***

 

--Mas minha filha, isso aqui é uma casa de show!! -- andavam na escuridão sob luzes de lanternas -- Você não pode simplesmente chegar e subir no telhado!! -- a mulher mais velha protestava -- E vai subir como?? AHHa! -- reclamou

 

--Calma, camma! Quando passamos de carro por aqui perto, eu reparei que fizeram umas obras no telhado e largaram umas escadas encostadas... -- caminhavam em direção aos fundos da casa de show -- bem aqui! -- apontou satisfeita

 

--Ô, meu Pai... -- cruzou os braços indignada -- Mas o que diabo você quer ver afinal?

 

--Um asteróide que vai passar pertinho de nós! -- pegou a escada com dificuldade -- Trem pesado que nem uma peste! -- reclamou

 

--E se te acontecer alguma coisa? Você pode cair, se machucar... Alguém pode aparecer e falar... Hoje é dia de show, tem gente aí!

 

--Eu só preciso que camma fique de olho! -- posicionou uma cadeira de plástico em um dado local -- Sente-se aqui e se alguma coisa acontecer, ou se quiser sair por alguma razão, faça barulho batendo na escada. -- sorriu para ela -- Wi trouk el baqi a’alateh! (E deixe o resto comigo!)

 

--E você vai demorar muito lá em cima? -- perguntou preocupada -- Criatura doida, pegou até uma cadeira do hotel! -- balançou a cabeça negativamente

 

--Eu não peguei, pedi emprestado! -- protestou -- E vou ficar lá em cima tempo suficiente. -- preparou-se para subir

 

--Que maluquice... -- cruzou os braços e se sentou -- Eu só sei que não vou pregar o olho enquanto você estiver lá em cima!

 

--Conto com isso! -- começou a subir -- Fui!

 

E do lado de dentro da casa de show...

 

--Como assim a cantora não vem? -- o dono do estabelecimento reclamava furioso -- Puta que pariu, eu vendi mais de duzentos ingressos pra hoje à noite e vocês me fodem desse jeito???

 

--Não é sacanagem, véi. -- um dos músicos argumentava -- Ela se acidentou ontem, não tem como cantar!

 

--E será possível que não tem uma substituta sequer? -- gesticulava nervosamente -- Meu Deus, o povo da cidade vai querer me matar! -- esfregou as mãos no rosto nervosamente -- Merda!

 

--A gente não ensaiou com ninguém, até porque ninguém imaginava que uma merd* dessa fosse acontecer, mas tem uma substituta à caminho! -- a backing vocal falou com segurança -- Daqui à pouco ela chega aí.

 

--Daqui à pouco ela chega? -- perguntou descrente olhando para o relógio -- Que não seja depois das onze, porque senão... -- ameaçou

 

--Ah, mas show começa com atraso em todo lugar, né? -- o músico tentou contemporizar

 

--Não na minha Vila do Rix! -- respondeu resoluto

 

--Pronto! -- Zinara achou o melhor lugar para ficar no telhado -- Agora é só esperar pelo asteróide ou pelo aviso de camma Najla! -- olhava para o céu

 

E Najla dormia pesadamente...

 

***

 

--E então? Cadê a puta da mulher que ia chegar rapidinho? -- o dono da casa show abordava a banda, que passava o som

 

--Daqui a pouco ela chega... -- responderam quase em coro

 

--Às onze em ponto vocês começam e se não vier cantora nenhuma, vai ser o fim de vocês! -- afastou-se revoltado

 

--Cadê essa desgraçada, Fabi? -- o tecladista perguntou com medo -- Porr*, num chega nunca!

 

--Calma! Ela disse que vai chegar e em grande estilo! -- respondeu tentando disfarçar o medo

 

O burburinho do povo que aguardava o show acordou a dorminhoca.

 

--O que é que tá...? -- olhava para todos os lados -- Uai? Cadê a escada?? -- arregalou os olhos e se levantou -- Ô meu Pai, Zinara... -- cobriu os lábios com as mãos -- Ai, eu acho que vou entrar e pedir ajuda! -- correu

 

--Ahá, olha só ele! -- a astrônoma acompanhava o asteróide com os binóculos -- Vamos nos preparar pra foto!

 

Najla tentava comover os seguranças com uma história. Não sabia o que fazer para ajudar a sobrinha, mas achava que dentro da casa de show poderia encontrar alguém que a esclarecesse. -- Por favor, minha filha é uma moça ingênua e se envolveu com um canalha! -- agarrou um dos homens pelo braço -- Sei que eles estão aí dentro! -- fazia cara de vítima -- Deixem eu entrar! Sou uma pobre mãe sofredora!! -- batia no peito -- Sofredora, sofredora!! AHAHAHAH!! -- gritou -- Oh, ya ana, ya ana!! (Oh, eu sou, eu sou!!)

 

--Calma, dona! -- um dos seguranças tentava tranqüilizá-la

 

--Ah, me deixem entrar, min fadlak (por favor)!! -- ameaçava chorar -- Sofro tanto, ai, ai, ai...

 

--Pode entrar, dona, tudo bem! -- desvencilhou-se dela -- Mas seja discreta!

 

--Oh, meu filho, obrigado! -- beijou a mão dele e entrou correndo -- Ainda bem que  na minha época, candidata a miss tinha que estudar artes cênicas... -- disse para si mesma

 

--Beleza! -- a professora guardou os binóculos, a máquina fotográfica e seu tripé na mochila -- Hora de ir embora! -- ligou a lanterna novamente e começou a retornar pelo caminho por onde veio

 

A casa de show estava cheia e as pessoas começavam a se alvoroçar cobrando pelo início da apresentação da banda. Uma enorme paisagem inflável compunha o fundo do palco e luzes coloridas e erráticas tornavam a visão um tanto conturbada.

 

--Eu já passei da idade de andar nesses ambientes... -- Najla reclamava esgueirando-se no meio do povo -- A quem eu peço ajuda? Ô, meu Pai, me dê uma luz! -- olhou para o alto

 

--Engraçado, esse telhado tá parecendo que tá estalando! -- a morena comentou desconfiada --Algo me diz que essa obra não foi bem feita... -- um grande estalado se fez ouvir -- Ohoh! -- exclamou apreensiva antes do chão sumir debaixo de seus pés

 

E de repente todos viram um buraco se abrir no telhado.

 

--AHAHAHAHAHAHAHAHAH!!!!!! -- alguém caía de mochila e tudo em cima da paisagem inflável, que explodiu fazendo grande barulho

 

--Zinara???? -- Najla arregalou os olhos e correu como podia em direção ao palco

 

E o povo gritou apavorado: -- AHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAH!!!!!!

 

Algumas luzes se apagaram e outras geraram faíscas.

 

--Mas o que diabo é isso??? -- o dono do estabelecimento surtou

 

--Socorro!!! -- alguns gritaram

 

--Ei, quem é você? -- o pessoal da banda correu até Zinara -- O que é que você fazia lá em cima? -- o tecladista perguntou de cara feia

 

--É... -- deu um sorriso amarelo -- Algum de vocês têm um pente? -- passou a mão nos cabelos

 

--Quem é essa louca? -- alguns seguranças vieram e levantaram a professora pelos braços -- Quem é você? O que quer? -- todos olhavam para ela -- Terrorista?

 

--Tem cara! -- um deles respondeu

 

--Zinara!!! -- Najla gritava tentando subir no palco -- Larguem minha sobrinha, seus malditos!! -- ordenou -- Ô diacho, alguém me ajuda a subir aqui! -- pediu

 

--Aquela ali não é a senhora que buscava a filha? -- um dos seguranças perguntou desconfiado

 

--Qual é a tua, mulher? O que é que tu quer? -- outro segurança insistiu com a astrônoma

 

--O que eu quero? -- olhou para todos os lados procurando uma saída, até que teve uma idéia -- Eu vou dizer! -- desvencilhou-se dos homens e foi até o microfone -- Povo de Gyn, não tema! -- disse para a multidão -- Tem gente aqui perguntando o que eu quero! Vou dizer e quero ouvir todo mundo comigo! -- tirou o microfone do suporte -- Eu quero tchu, -- cantou -- eu quero tcha, eu quero tchu tcha tcha tchu tchu tcha! -- requebrou-se toda -- Eu quero tchu, eu quero tcha... -- olhou para os membros da banda sinalizando para que tocassem -- Eu quero tchu tcha tcha tchu tchu tcha! Comigo, simbora! -- gritou

 

--Essa é a cantora que ia chegar em grande estilo? -- o tecladista perguntou abismado

 

--Ela mudou um tanto, mas vambora! -- a backing vocal respondeu correndo para sua posição

 

(Só para descontrair! kkk)

 

https://www.youtube.com/watch?v=TH39saQzlp8

 

--Tchu tcha tcha tchu tchu tcha!! -- Zinara cantava e dançava -- Tchu tcha tcha tchu tchu tcha!!

 

--Você é doida!!! -- Najla se aproximou dela e deu-lhe um tapa no braço

 

--Bate não, camma, dança! -- respondeu com o canto da boca -- Tchu tcha tcha tchu tchu tcha!! -- a banda começou a tocar -- Cheguei na balada, doidinha pra biritar, -- cantava -- a galera tá no clima, todo mundo quer dançar... -- agitava o pessoal -- O Raymar me chamou, e disse "faz um tchu tcha tcha"...

 

--"Perguntei o que é isso, ele disse vou te ensinar"... -- as backing vocals cantavam

 

--Hum... -- o dono da casa balançou a cabeça cruzando os braços -- Até que essa cantora tem personalidade!

 

--É uma dança sensual, em Gyn já pegou... -- olhava para a multidão -- Vambora, galera, que aqui é interativo! Cantando comigo! -- abaixou-se e apontou o microfone para as pessoas cantarem

 

--No verão vai pegar, então faz o tchu tcha tcha, Terra de Santa Cruz inteiro vai cantar. -- umas moças cantavam alto

 

Najla se empolgou e não parava de requebrar no palco.

 

--Valeu coroa!!!! -- alguém gritou

 

--Véia gostosa!!!

 

--E não é que ainda dou um caldo? -- ficou toda prosa

 

--Mas será que aquela é...? -- no meio da multidão uma mulher estava atônita -- E aquela ali...? Ah, não, eu tô ficando maluca! -- não acreditava

 

--Vambora, povo! Cantando comigo!! -- a professora agitava a multidão

 

Enquanto isso, bem longe dali Jamila reparava na mulher que dormia a seu lado. Era a primeira vez que efetivamente saía com alguém desde que terminou com Zinara e já estava arrependida. Levantou-se da cama e pegou o roupão para se vestir. Caminhou até a janela e ficou olhando para fora. Viu que na rua um casal discutia agressivamente.

 

--Hayati e eu nunca discutimos assim... -- falou para si mesma -- E quando nos desentendíamos a gente fazia as pazes de um jeito... -- sorriu ao se lembrar

 

“--Eu não sei porque você se aborreceu tanto, Zinara! Laa acrif... (Eu não sei...) -- entravam em casa em meio a uma discussão -- Era aquela mulher que dava em cima de mim e não o contrário!

 

--Jamila, min fadlik! (Jamila, por favor!) -- fechou a porta -- Eu não sou cega e nem idiota! -- falava de cara feia -- Você ficou cheia de amor pra dar pro lado dela!

 

--Ah, então você percebeu, ya hablaa’ (sua tola)? Resolveu prestar atenção em mim? -- provocou -- Você passou uma semana fora por causa de trabalho e quando volta ainda me arruma de se reunir com aquele monte de maluco dentro dessa casa! -- reclamou

 

--Eu tinha que apresentar os resultados o mais rápido, habibit, você sabia disso! -- argumentou -- E não haveria oportunidade melhor!

 

--É muito claro pra mim que seu trabalho vem sempre na minha frente! Ana a’arfa! (Eu sei!) -- respondeu decepcionada -- Você não me dá atenção! -- falou mais alto

 

--Não diga isso! -- protestou

 

--É mentira, por acaso? -- continuava falando alto -- Quer saber? -- passou a mão nos cabelos -- Eu vou é tomar um banho! -- encaminhou-se para sair da sala

 

A professora aproximou-se da amante e virou-a de frente para si, abraçando-a pela cintura com força. -- Ya-illi enti agmal hikaya! (Você é minha história mais bonita!) -- olhava-a nos olhos -- Sei que muitas vezes eu erro com você, mas tenha certeza de que te amo com todas as minhas forças e invisto tudo de mim nesse relacionamento! -- falava com muita verdade

 

--Ai, hayati, não me pega assim... -- fez um dengo

 

Sussurrou no ouvido da outra: -- Law caolak inni behebbik, el hobbi ishwaya ghalaik... (Se eu te disser que te amo, ainda assim é muito pouco...) -- mordeu-lhe a orelha de leve -- Law sanya ana babghaid ghannak bargagh moshtac li ghanaik... (Se fico longe de você por um segundo, retorno com desejo em meus olhos...) -- falava baixinho enquanto deslizava as mãos pelas costas da advogada -- Dhomni khaleek wayaya dawibny... (Abrace-me e fique comigo...) -- mordeu-lhe o queixo -- Nassini el-Dunia... (Faça-me esquecer o mundo...) -- beijou-a com paixão

 

--Ah! -- envolveu o pescoço da morena com os braços e gem*u excitada

 

Zinara imprensou a amante contra a parede e começou a despi-la com pressa sem parar de beijá-la.

 

--Ai, hayati... -- também cuidava de despir a parceira -- Meen habibi ana? (Quem é sua querida?)

 

--Você! -- seguia beijando e mordendo a pele da jovem -- Só você! -- cobriu o bico do seio da namorada com os lábios, sugando com relativa força, ao mesmo tempo em que penetrou seu sex* com os dedos

 

--Ahahah!!! -- gem*u fechando os olhos -- Meen habibi ana? Riddi a’aliyyi iw-oouli !! (Quem é sua querida? Responda e me diga!) -- pediu novamente

 

--Ya habibi... -- seguia beijando o corpo da amante com voracidade, sem deixar de penetrá-la -- Ya hayati... -- mergulhou entre as pernas dela, apoiando uma de suas coxas no ombro

 

--Ahahahah!!!!!!!! -- gem*u alto”

 

--Ai, ai... -- suspirou -- Ai, hayati, eu queria tanto falar com você... -- foi até a sala para telefonar -- E vai ser agora!

 

--É isso aí, quero ver raça!!! -- Zinara gritou enquanto dançava seguindo na direção da tia -- camma Njala! -- chamou com a boca torta -- Vem e me segue! -- caminhou novamente para a beira do palco -- Me segura, galera!!! -- pulou no meio do povo e as pessoas a seguraram -- Eu quero tchu, eu quero tcha, eu quero tchu tcha tcha tchu tchu tcha! -- cantava

 

--Segura eu também, ahahahahah!!! -- Najla pediu antes de se jogar e ser aparada pelo povo

 

Nisso, a astrônoma não ouviu que o celular tocava, mas o contato com as pessoas fez com que o viva voz fosse ativado sem que percebesse.

 

--Alô, hayati? -- Jamila falava do outro lado -- Alô?! -- achou estranho -- Gente, que barulheira é essa?!

 

--Vambora, mulherada, cantando! -- a morena entregou o microfone nas mãos de umas moças -- Eu quero tchu, eu quero tcha, eu quero tchu tcha tcha tchu tchu tcha... -- elas cantavam juntas -- É isso aí! Cantando e passando pro próximo! -- orientou

 

--Zinara, você tá fazendo show?! -- Jamila perguntou indignada -- E que mulherada é essa aí?!

 

A morena segurou a tia pelo braço. -- Vambora! -- cochichou

 

--Ah, mas logo agora que eu tava gostando? -- a outra lamentou

 

--Tchu tcha tcha tchu tchu tcha... -- e tome de cantoria

 

--Tá bom, Zinara, já entendi! -- a geógrafa respondeu desaforada -- Divirta-se!! -- desligou o telefone com raiva -- Sem vergonha! Não falou comigo mas fez questão de me mostrar que tava se divertindo e querendo tchu! -- gesticulou

 

Quando a professora e sua tia estavam quase chegando no carro, uma voz feminina se fez ouvir: -- Mamii???

 

--Meu Deus!! -- Najla parou e pôs a mão no peito sem olhar para trás -- Habibi... -- olhou para a astrônoma

 

Zinara parou também e olhou na direção da voz, sem acreditar no que pensava. Deu de cara com a mulher que vinha correndo para junto delas. -- Aisha?! -- chocou

 

--Entra nesse carro e voa! -- aproximou-se de ambas -- A gente chora e se abraça depois!

 

--Essa é al-seif (o verão)!! -- riu e destravou as portas -- Nunca vai deixar de ser! -- saíram quase cantando pneus

 

Enquanto isso, a verdadeira cantora chegava, acreditando que iria abalar vestida de mulher gata.

 

--O que foi, amore? -- a amante de Jamila apareceu na sala -- Que carinha é essa? Se zangou com alguma coisa? -- aproximou-se receosa

 

--Não. -- mentiu -- Eu não me zanguei com nada! -- foi até a outra e a agarrou pela cintura com força -- Fiquei foi cheia de vontade de fazer mais! Muito mais!

 

--Ave Maria! -- a mulher puxou-a para um beijo cheio de desejo

 

“Eu é que não vou ficar aqui com dor de corno por causa daquela astrônoma safada metida a cantora!” -- Jamila pensava enquanto se amassava com a outra


Capítulo 11 – Aisha

 

Estavam na casa de Aisha, que vivia em um bairro bem pobre da cidade com sua companheira, Janaína. Aos 41 anos, a prima da astrônoma se apresentava como uma mulher magra, alta, mal tratada e envelhecida para a idade. Os cabelos estavam curtos e pintados de ruivo, as roupas eram bem simples e as unhas eram pequenas, cortadas quase na raiz. Não lembrava mais a jovem chique e estilosa do passado.

 

Najla mantinha seus cabelos na altura dos ombros, porém os seus eram grisalhos. Gostava de usar lenço na cabeça e freqüentemente o fazia. Mãe e filha sempre foram muito parecidas fisicamente e assim continuavam. A beleza marcante que ambas possuíam, no entanto, se perdeu quase por completo.

 

Enquanto mãe e filha conversavam, Janaína preparava o almoço e Zinara pensava no passado. Lembrava-se que a prima passara seis meses viajando com amigas, sendo que o início daquela viagem quase coincidiu com a chegada de sua família na fazenda de Najla. Quando a jovem retornou, estava empolgada para conhecê-los. Naquela época, Aisha tinha 16 anos recém completos.

 

“--Mamii, conta tudo! -- Aisha vinha seguida pela mãe -- Papi disse que nossos parentes chegaram de Cedro há seis meses e eu quero saber de têúdêô: TU-DÔ! -- estava animada -- Quero conhecer esse pessoal!

 

--Eles não falam nossa língua, filha. -- explicou

 

--Ah, mas você vai ser minha intérprete, uai! Já que nunca quis me ensinar tua língua, vai ser minha chance de aprender alguma coisa! -- argumentou

 

--Quem será essa que fala com Najla? -- Raed perguntou desconfiado -- La itkarraib Haddi! (Que não se aproxime de mim!) -- espraguejou

 

--Oh, Allah! (Oh, Deus!) -- Amina teve medo

 

--Oi, gente!!! -- Aisha apareceu e saudou tirando os óculos escuros -- As-Salamu Alaikum! -- fez uma breve reverência -- E aí? -- sorriu

 

--Alaikum as-Salaam! -- responderam em coro

 

--Ai, que chique! -- bateu palminhas -- Ensina, mamii, como é que eu me apresento? -- olhava para a mãe -- Vai, me diz! -- insistiu

 

--Diga, “ana ismii Aisha” e depois “tacharafna” para dizer que é um prazer conhecê-los. -- respondeu com má vontade

 

--Gente, aqui, -- acenou para eles -- ana ismii Aisha, (meu nome é Aisha), eu sou filha dela! Najla’s bint! -- tentava se comunicar -- Tacharafna, everyone!

 

--Smalla'Alik! -- Raed e Amina saudaram juntos

 

--O que eles disseram, mamii?

 

--Que Deus proteja você.

 

--Ai, que coisa forte!! -- aproximou-se do tio -- Sejam bem vindos, viu? Sei que já chegaram, mas digo que são bem vindos! -- abraçou-o -- Welcome, my people!

 

Raed se encolheu receoso.

 

--Ela parece ser boa pessoa! -- Zinara cochichou para os irmãos

 

-- Inshallah! (Se Deus quiser!) -- Youssef respondeu esperançoso. Khaled só balançou a cabeça

 

--Oi, linda! -- abraçou Amina, que também se encolheu. Najla parecia contrariada

 

--Aisha, você não acha que deve chegar em casa primeiro, não? -- João Cezário perguntou chateado -- Cuide da vida primeiro e depois que vem falar com parente, uai!

 

--Ih, papi, pára com isso! Eu tô achando super chique essa coisa de ter parente estrangeiro em casa! Gente refugiada, parece até troço de filme! -- aproximou-se das crianças -- Ai, e esses bonitinhos aqui? -- abaixou-se para vê-los melhor -- Tão fofinhos! -- olhou para Zinara -- Nossa, você tem um olhar tão profundo!

 

--Eles não entendem, Aisha! -- o pai relembrou contrariado

 

--Mãe, ajuda aí! -- pediu sem desviar os olhos das crianças -- Pardonne-moi, mas eu não falo a língua de Cedro! -- reclamou com a mulher mais velha

 

--Je parle galio! -- a menina disse -- J'appelle Zinara. Et ce sont mes frères, Youssef et Khaled! (Eu me chamo Zinara. E estes são meus irmãos Youssef e Khaled !) -- apresentou

 

--Gente, a menina fala gálio, que têúdêô: TU-DÔ! -- exclamou admirada -- C'est un plaisir, mon cher! (É um prazer, minha querida!) -- fez um carinho no rosto da garota -- Vous ne parlez pas de ma langue ? (Vocês não falam minha língua?)

 

--C'est très difficile! Personne n'enseigne... (É difícil! Ninguém ensina...) -- respondeu olhando para a prima

 

Aisha levantou-se olhando para os pais. -- Papi, mamii, por que eles ainda não falam a língua daqui, hein? Depois de seis meses?!

 

--São imbecis! Mal aprendem a fazer o trabalho que têm de fazer! -- João foi logo dizendo

 

--Se fossem imbecis, nem teriam chegado aqui. -- discordou de cara feia -- Mamii, faz favor, é sangue do teu sangue! Tratem de arrumar alguém pra ensinar nossa língua pra eles! -- exigiu -- Só assim essas crianças vão poder frequentar uma escola!

 

--Que é isso, Aisha? -- Najla protestou -- Onde é que eu vou arrumar alguém pra ensinar a eles?

 

--Mamii, a gente é rico e quem é rico arruma têúdêô: TU-DÔ! -- gesticulava -- Se vira!"

 

“Que pena que Aisha passava pouco tempo na fazenda...” -- Zinara pensava -- "Quando ela chegava, começava al-seif (o verão)!” -- sorriu

 

E mais lembranças vieram.

 

“--Zinara, Youssef, Khaled, simbora comigo, vamos! -- Aisha apareceu no chiqueiro, que as crianças estavam limpando

 

--Aisha!!! -- exclamaram empolgados

 

--Larga dessa vida de limpar chiqueiro, que agora é hora da diversão! -- olhava para os três -- Vamos brincar na cachoeira!

 

--camma Najla briga com nóis! -- Khaled falou

 

--Ela quer chiqueiro limpo! -- Zinara disse

 

--Briga com nóis! -- Youssef argumentou

 

--Ih, mas vocês não são crianças, não, viu? Parece até um bando de velho! -- reclamou -- De hoje em diante vocês não fazem mais isso, tá decidido! Agora levantem daí vambora! -- ordenou -- Daqui a pouco os três vão fucinhar no chão e comer farelo. -- pôs as mãos na cintura -- E vamos à cavalo! -- enfatizou -- Khaled vem comigo e Zinara leva Youssef! -- deu tchauzinho -- Ó, tô indo! -- seguiu andando

 

--E agora, Ya aini (Meus olhos)? -- Youssef perguntou. Khaled também esperava a resposta

 

--E agora que a gente vai! -- sorriu e se levantou -- Yaalah! (Vamos lá!) -- decidiu"

 

“Pena que quando Aisha não tava na fazenda camma Najla cortava tudo que a filha estabelecia...” -- falava mentalmente

 

--Acorda, mulher! -- Janaína deu um tapão na coxa da morena -- Tá a fim? -- segurava um copo de suco

 

--Ah! -- despertou de seus pensamentos -- Obrigada. -- aceitou a bebida e esfregou a perna dolorida -- "Diacho de mão pesada, eu hein!”

 

Janaína aparentava a idade da astrônoma, era magra, quase sem busto e vestia-se como rapaz. Os cabelos curtos e o rosto de feições fortes faziam com que realmente parecesse um homem.

 

--Daqui a pouco o rango sai! -- voltou para a cozinha -- Segura o bucho!

 

--Aí eu descobri tudo, mamii. -- Aisha contava -- Papi morreu com uma galhada de fazer inveja aos alces mais respeitáveis de Godwetrust! Aquela maluca que ele arrumou pegava geral e pra completar rapou a grana toda. -- gesticulava -- Quando aproveitou tudo que tinha direito, deu-lhe um baita pontapé no rabo e parece que arrumou um gostosão aí e se mandou.

 

--Humpf! Gaatak niila, João Cezário! (Vá para o inferno, João Cezário!) -- fez cara feia -- E você não pôde recuperar nada? Mesmo sendo filha daquele ibn il-Homaar (filho de um burro!)?

 

--Nada mesmo! -- passou a mão nos cabelos -- Papi e a maluca saíram vendendo tudo e nos sacanearam bonitinho! -- suspirou -- Já era, mamii. Num demos conta!

 

--Miseráveis... -- a mulher mais velha resmungou entre dentes -- Mas, me diga, minha filha, por onde andou e o que fez durante estes anos? Eu já te contei tudo, agora fale de você! -- pediu

 

Zinara também queria saber.

 

--Ah, mamii... -- ficou meio sem graça -- Eu era muito porr* louca e irresponsável naquela época, você sabe... Passei por todas as faculdades, formei em nenhuma e ainda abandonei tudo quando a bomba explodiu. -- falou com tristeza -- Me meti com drogas e caí na estrada com um pessoal meio punk... Acabei com a vida de nômade ficando em Paulicéia... -- olhava para as próprias mãos -- Eu cheguei ao fundo do poço, pode acreditar... Vivi um tempo nas ruas, pedi esmolas, até me prostituí... E quando eu vi, nove anos já tinham se passado...

 

--Oh, habibi... -- a mãe lamentou com pena -- Aasif... (Sinto muito...)

 

--Mas foi lá que conheci Janaína e as coisas começaram a mudar pra mim. -- sorriu e ficou brincando com a costura da roupa -- Ela trabalhava como segurança e a gente se conheceu na noite, sabe? Me ajudou a sair das drogas e hoje em dia não consumo nada! Nem mesmo álcool! -- pausou brevemente -- Começamos um relacionamento, a coisa foi engrenando e viemos tentar a vida em Gyn, porque pintou um emprego pra ela por aqui e Janaína nasceu aqui, sabe? -- gastou uns segundos calada -- Disseram que pagavam bem, só que era mentira.

 

--E vocês fazem o que atualmente? -- Zinara perguntou interessada

 

--Janaína é segurança de um clube gay no Setor Marisa e eu faço salgado, doce e chocolate pra vender. -- olhou para a prima -- Aliás, eu vendo bombom na porta daquela casa de show, porque alguns dos seguranças de lá são amigos da Janaína e quebram meu galho. -- explicou -- Quando o tumulto começou, aproveitei que muitos deles entraram e entrei também pra fofocar! -- riu brevemente -- Não fosse meu gosto por uma boa fofoca não teríamos nos reencontrado!

 

--E nós já íamos desistir de tudo e ir embora hoje! -- Najla enfatizou -- Procuramos você por toda parte e nada!

 

--O que te levou a acreditar que eu vivia aqui na cidade?

 

--Sei lá! Intuição de mãe! -- respondeu de pronto -- Só que com certeza as maluquices de sua prima fizeram toda a diferença! -- acabou rindo -- Nunca vou esquecer aquilo...

 

--Foi inacreditável, né? -- a morena comentou sorridente -- Mas o importante é que nos encontramos, fotografei meu asteróide, ninguém se machucou e ainda fizemos um show!

 

Aisha riu. -- Você não deixou de ser maluquinha, né, Zinara? Lembro que sua mãe ficava louca porque você andava de cavalo sem sela, levava seus irmãos pra verdadeiras expedições pelo mato, saltava do alto das pedras mais altas pra dentro do rio e por aí vai!

 

--Agora outra coisa... -- Najla olhou na direção da cozinha e depois para a filha -- Desde quando você se descobriu lésbica? -- perguntou baixinho -- Foi com essa mulher?

 

--Com Janaína? -- riu e revirou os olhos -- Ih, mamii, faz é tempo que eu sei do que gosto, viu?

 

--Faz é tempo?? -- ficou surpresa -- E como foi que eu nunca notei nada??

 

--camma Najla é meio desantenada, né? -- a morena resmungou para si mesma

 

--Sei disso há muito tempo, mamii. -- olhou rapidamente para a professora -- Muito tempo...

 

Novamente Zinara viajou em suas memórias.

 

“--Você arrasou, Zinara! -- analisava o boletim da prima -- Agora é chegar no ginásio e arrebentar a boca do balão! -- sorriu olhando para ela

 

--O que é essa boca do ba...? -- não conhecia a expressão -- A’eedi min fadliki? -- pediu sem pensar mas se corrigiu -- Pode repetir, por favor? -- disse a mesma coisa no idioma local

 

--Arrebentar a boca do balão é uma expressão idiomática, my darling, quer dizer arrepiar, mandar ver, fazer sucesso e por aí vai.

 

--Ah! -- balançava a cabeça -- Arrebentar a boca do balão. Boca do balão... -- repetia para si mesma

 

--Você é muito inteligente... -- sentou-se na própria cama -- Os três são! Pena que Youssef seja cego e Khaled um garoto problema... -- lamentou -- Ahmed e Nagibe ainda não têm nem três anos, a gente não sabe como vão ser na escola! -- tirou os sapatos e se deitou de lado -- Aliás, esses seus pais, viu? Se reproduzem que é uma beleza! -- riu -- Enquanto isso os meus não conseguiram passar de uma Aisha!

 

--Reproduzem... -- repetiu -- "Esse verbo deve ser sinômino de procriar!” -- concluiu

 

--Falando em reproduzir, garota, vem cá! Você já tá com 13 anos e a gente tem que falar sobre sacanagem! -- bateu na cama -- Vem aqui! -- chamou

 

--Sacanagem? -- ficou intrigada -- Isso não quer dizer... o indecência? -- perguntou com receio -- "Ma esmoho bel cedrah?” (Como será essa palavra na língua de Cedro?) -- pensou ao se sentar

 

--Tudo depende do referencial, baby! -- sorriu -- Deita aqui do meu ladinho e vamos conversar! -- a morena obedeceu e deitou de lado, olhando para a outra -- Diz pra mim, você gosta de alguém? Eu digo, pra namorar? -- perguntou toda assanhada -- Pra ficar, pra beijar na boca! -- beijou a própria mão mais de uma vez

 

--Ah... -- ficou totalmente sem graça -- Laa...

 

--Então ainda não beijou na boca?

 

--Laa... -- não conseguia olhar para a prima

 

--Você gosta de meninos ou de meninas? -- segurou o rosto da morena para que a olhasse

 

Zinara não teve coragem de responder. Sentia o rosto queimar.

 

--Eu gosto das meninas... -- deslizou o dedo sobre a sobrancelha da prima -- Meninas assim... -- sorria maliciosa -- talvez até como você!

 

A morena teve vontade de se esconder debaixo da terra.”

 

--Mas você não era assim na adolescência, né? -- Najla não se conformava -- Eu nunca notei nada suspeito!

 

“Tem mãe que é cega...” -- a professora revirou os olhos

 

“Aisha promovia uma festa na fazenda. Vários jovens bebiam e dançavam do lado de fora do casarão, perto de uma imensa fogueira.

 

Youssef dormia, enquanto que Zinara e Khaled espionavam escondidos.

 

--Festa estranha! -- o garoto disse -- Todo povo se agarra e se esfrega! Aisha dá bousa ala shafayef (beijo na boca) em todas sabiyya (garota). AHHa! -- fez cara feia

 

--Deve ser costume do povo daqui... -- a irmã concluiu -- Uai? -- reparou numa cena inusitada

 

--Ela mete mão dentro de roupa da sabiyya (garota)? -- Khaled arregalou os olhos -- Pra que?

 

--Vai ver procura alguma coisa!

 

--Agora botou mão na boca! Ralã! (Expressão de nojo)

 

--Khaled, -- olhou para o irmão -- vambora! -- não queria que o garoto visse aquelas cenas”

 

--Tô pasma! -- Najla exclamou boquiaberta -- Qual daquelas moças que iam na fazenda que você namorava? -- olhou para a filha -- Tem que saber!

 

--Ah, mamii... -- coçou a cabeça desconcertada

 

“Todas!” -- Zinara respondeu mentalmente com vontade de rir

 

--Você sabia disso? -- questionou a astrônoma com olhos inquisitores

 

--Ah... -- ficou sem graça

 

“--Zi, você já tá com 15 anos, será possível que tua boca ainda é virgem? -- Aisha provocou

 

--Ai... -- sentiu o rosto queimar

 

--Hum... -- fez um biquinho -- Você é muito fofinha, sabia? -- segurou o outra pelo casaco -- Um verdadeiro tesouro que os idiotas não conseguem apreciar! -- sorria sensualmente

 

A morena mexia com os lábios sem conseguir responder.

 

--Vamos ver se você tem futuro! -- mordeu o lábio inferior da morena que rapidamente se afastou, caindo sentada no chão -- Tem medo não, boba! -- pediu achando graça -- Não acredito que você não tenha vontade de me beijar! -- sorriu

 

Zinara olhou para prima. Com o tempo, aprendera a gostar dela de um jeito especial.

 

--Por que não me diz nada? -- aproximou-se -- Hum?

 

--We att sharad wayah Il afkar! (Meu cérebro é incapaz de se concentrar!) -- respondeu

 

--Eu não entendo nada, mas acho essa língua o must! -- novamente segurou-a pelo casaco -- Vem? -- puxou-a devagar

 

A morena levantou-se e beijou a prima sem pensar em nada. Abraçou-a pela cintura com força e ouviu seu gemido abafado pelo beijo. Sentiu a língua dela pedindo espaço e abriu a boca disposta a experimentar cada vez mais aquela sensação de calor que lhe invadia o corpo da cabeça aos pés.

 

Aisha envolveu-lhe o pescoço com os braços e parecia hipnotizá-la naquele beijo intenso no qual as línguas dançavam com cumplicidade.

 

Zinara sentiu as mãos da outra tocando seu rosto e se surpreendeu com a sensação bem vinda de tê-la mordendo e sugando seus lábios alternadamente à medida que o beijo evoluía cada vez mais quente. Não saberia dizer por quanto tempo permaneceram daquele jeito.

 

--Uau! -- sorriu olhando para a morena -- Você me enganou, danadinha... -- novamente enroscou os braços ao redor do pescoço dela -- Com certeza já andou por aí beijando outras meninas...

 

--Laa! -- negou -- Eu... nunca! -- dizia a verdade

 

--Hum, então parabéns! -- beijou-a -- You are a very good kisser... -- beijou-a mais uma vez”

 

--Digamos que... -- Zinara olhou para a tia -- eu desconfiava...

 

Aisha abaixou a cabeça com vontade de rir.

 

***

 

--Reconheço que esse barraco aqui é humilde, minha sogra, e mãe nenhuma gosta de ver a filha morando mal. -- Janaína dizia durante o almoço -- Aisha e eu só tamo junta há três anos e viemo morar na cidade em 2011. O orçamento é limitado mas a gente batalha pra comprar um cantinho nosso e bem melhor que esse aqui. Tem que perseverar na fé! -- deu um tapão na coxa de Zinara -- Tô certa ou não tô, comadre? -- olhou para ela

 

--Tá! -- respondeu de cara feia, esfregando a região do tapa

 

--Então essa casa não é própria, filha? -- perguntou mal disfarçando a tristeza -- Ya wail... (Que pena...)

 

--Não, mamii... -- respondeu meio sem graça -- Só que nós temos juntado um dinheiro pra ir morar num cantinho melhor. E também nos inscrevemos no programa das casas populares... -- bebeu um gole de suco -- Mas a procura é grande!

 

Janaína apontou para o telhado. -- Isso aí é um problema quando chove e as instalações elétricas vivem se danando. -- novamente segurou os talheres e voltou a comer -- O espaço da casa é apertado e morar nesse bairro não é fácil! -- falou com a boca meio cheia -- Mas isso vai mudar! -- deu um tapão no braço da morena -- Vai não, mulher?

 

--Vai! -- respondeu fazendo um bico

 

--Tem uma casa que a gente paquera e que fica num bairro melhorzinho. Ela tem dois quartinhos, cozinha boa, banheiro, sala e um quintal bonitinho com roseiras. São 45 metros quadrados, sabe? -- Aisha comentou sonhadora -- Tá pra vender porque a dona ficou viúva e quer se mudar pro interior... Pena que nossa grana não dê pra comprar...

 

--Não dá ainda! -- Janaína complementou -- Aqui a gente faz uma economia danada e ninguém tem vício! Com isso já temo cinco mil reales no banco! -- afirmou toda prosa -- É pouco não, né, nêga? -- deu um tapão na coxa da astrônoma mais uma vez

 

A professora respirou fundo e olhou para a outra controlando a fúria.

 

--Quanto custa essa tal casa, filha? -- perguntou curiosa

 

--Ah... -- sorriu -- Noventa e cinco mil reales...

 

--Eu digo pra ela, cinco a gente já tem! Só falta noventa! -- bebeu um gole de suco -- Daqui a pouco a gente consegue, é só a coroa lá ter paciência! -- olhou para Zinara -- É ou não é, prima? -- e tome de tapão no braço dela

 

--É. -- estalou o pescoço com raiva -- AHHa! -- reclamou

 

--Eu não posso ajudar vocês, habibi... -- Najla afirmou com pesar -- Como contei, moro num asilo e dependo da boa vontade de estranhos... -- terminou de comer e limpou os lábios com guardanapo -- Mas vou orar muito pra que Deus ajude vocês!

 

Zinara ficou olhando pensativamente para aquelas mulheres. Quem poderia imaginar que duas pessoas que haviam sido tão ricas, hoje viveriam daquela maneira? Uma passando seus dias de velhice recém chegada em um asilo e a outra morando em um barraco triste, tendo por sonho de consumo uma casa de 45 metros quadrados. Caberiam mais de cem destas dentro da fazenda que possuíram. No passado, a astrônoma era uma pobre miserável que possuía apenas as roupas do corpo, o diário de Zahirah e poucas bugigangas, hoje, diante de Najla, Aisha e Janaína, era a rica da situação.

 

--Se vocês tivessem dinheiro suficiente, não gostariam de morar em outro lugar? -- a professora perguntou curiosa -- Digo, outra casa além dessa que comentam.

 

--Sinceramente? -- Aisha limpou os lábios -- Hoje em dia eu não ligo mais pra grandeza e luxo. Levei tanta porr*da nessa vida, por minha própria culpa, que aprendi a dar valor ao que interessa. Aquela casinha já me bastaria! Pra que mais?

 

--Eu nunca fui rica que nem minha gata e minha sogra, -- Janaína dizia -- mas nunca tive vontade de ser. Rico tem problema demais com negócio de ladrão, não sabe quem é amigo e quem não é e pode morrer aí de bobeira por causa da ganância de alguém. -- pausou brevemente -- Tô certa ou não tô? -- levantou a mão para bater mas foi surpreendida levando um tremendo tapão de Zinara -- Eita! -- desequilibrou-se da cadeira e caiu no chão

 

--Ai, amor! -- Aisha levantou-se para ajudar

 

--Que é isso, gente? -- Najla arregalou os olhos

 

--Acho que tá! -- sorriu sarcástica -- Nêga! -- jogou os cabelinhos

 

***

 

--Foi muito bom tê-las aqui! -- Aisha abraçava a mãe com força -- Sei que não tiveram conforto pra passar a noite mas eu fiquei muito feliz! Muito mesmo! -- sorria

 

--Eu também, habibi! -- segurou o rosto da filha -- Não sabe o quanto fiquei feliz em te rever! -- sorriu emocionada

 

--Esquece isso de conforto, mulher! -- Zinara fez um carinho rápido nos cabelos da prima -- Foi muito, muito bom te rever! -- sorriu também

 

Asiha olhava embevecida para a mãe e a morena.

 

--Também foi um prazer conhecer minha sogra e a prima de minha mulher! -- Janaína afirmou sorridente -- Mas você é meio bruta! -- deu um soquinho no braço da professora

 

--E você não, né? -- deu outro soquinho da mesma forma

 

--Vem morar com a gente, mamii? -- pediu de supetão -- Eu sei que a casa não é boa, mas sempre cabe mais uma, né, amor? -- perguntou sem olhar para Janaína

 

--Ah, é... -- respondeu sem gostar muito da idéia. Najla percebeu

 

--Não, meu bem. -- agradeceu com delicadeza -- Você tem o seu relacionamento, a sua vida e eu aqui só iria atrapalhar. -- acariciou o rosto da outra -- Além disso, não me acostumo mais com cidade grande... Há quantos anos vivo no interior? Gyn cresceu demais e eu não dou conta, não! -- riu brevemente -- O importante é que a gente se reencontrou!

 

--E nunca mais vamos nos perder novamente! -- afirmou segurando as lágrimas -- Mamii, olha, eu não sei se terei outra oportunidade de dizer isso, então... -- respirou fundo -- Eu me arrependo muito por tudo e peço o seu perdão! Me arrependo por ter sido uma filha respondona, por não ter me importado com as coisas realmente interessantes, por não ter dado valor aos estudos quando tive chance, por bater muito de frente com você... -- começou a chorar -- Eu era uma jovem desmiolada, só fazia besteira e se tivesse adotado um outro comportamento, quem sabe papi não teria conseguido fazer o que fez com a gente? -- lágrimas rolavam-lhe pelo rosto -- Hoje eu teria uma profissão e quem sabe poderia te ajudar...? -- tentava controlar a emoção -- Eu abandonei você... -- não conseguiu mais falar

 

--Eu criei você sem te dar valores, habibi... aasif... (sinto muito...) -- chorava também -- E seu pai mal te dava atenção... -- passou a mão nos olhos -- Tampouco fui boa mãe e era uma pessoa amarga e negativa! Você tinha razão em quase todas as vezes que bateu de frente comigo, porque eu era horrível! -- assumiu -- Colhi o que plantei...

 

Janaína abraçou Zinara pelos ombros. -- Essas coisas me emocionam, comadre! -- seus olhos estava marejados

 

--A mim também... -- concordou -- Mas vamos nos emocionar individualmente! -- tentava se desvencilhar da outra

 

--Perdoa, mamii? -- pediu com humildade

 

--Oh, bintii... (Oh, minha filha...) Perdoei desde que te vi correndo na direção da gente, perto daquela casa de show maluca! -- abraçaram-se mais uma vez -- Eu te amo, meu bebê!

 

--Também te amo, mãe!! -- fechou os olhos

 

--Ai, que coisa lindaaa!!! -- Janaína continuava abraçada com Zinara, que desistiu de se desvencilhar -- Muito lindo, gente! Num dou conta de tanta emoção...

 

--Também não tô dando conta, não! -- fez cara feia quando Janaína esfregou o nariz no ombro dela -- Ô diacho! -- revirou os olhos

 

--Ai... -- mãe e filha deram-se as mãos -- Você tem o telefone do asilo e o de sua prima e eu tenho os números de vocês. -- pausou brevemente -- Ah, eu não gosto de despedidas... -- soltou as mãos da mulher mais jovem e secou os olhos com um lenço – Habibi, -- olhou para a sobrinha -- yaalah? (vamos?)

 

--É... -- a astrônoma começou a falar -- Como eu também não sei se haverá momento melhor... -- olhou para Aisha -- Será que a gente podia conversar um pouquinho em particular?

 

--Ei! -- Janaína largou a morena e deu um soco no ombro dela -- Quer o que com ela, malandra? -- perguntou de cara feia

 

--Não se preocupe, filha, Zinara é hetero! E muito! -- Najla afirmou convicta. A morena teve vontade de rir

 

--Hum... -- resmungou desconfiada

 

--Amor, -- passou a mão sobre os olhos -- será que podia acompanhar mamii até o carro? -- pediu cheia de dengo -- Deixa eu conversar a sós com a Zi, vai? -- piscou -- Não há porque ficar cismada! -- sorriu cheia de charme

 

Janaína aceitou e se afastou com a sogra.

 

--Tamintanii! (Que alívio!) -- acompanhou com o olhar as duas que se afastavam -- Vejo que você não perdeu seu charme! -- a professora comentou ao olhar para a prima -- Incrível como sempre se faz o que você quer. -- sorriu

 

--Não... só dá certo com algumas pessoas... -- fez um carinho rápido no braço da outra -- Sabe, Zi? Gostei de ver o quanto você evoluiu. -- afirmou com sinceridade -- Mas eu nunca duvidei que você fosse prosperar. Nunca tinha conhecido alguém tão inteligente! -- elogiou -- Se eu não fosse casada e não amasse a minha segurança casca grossa... acho que daria em cima de você de novo!

 

--Pra me beijar, me deixar apaixonada e depois me dispensar? -- brincou -- De novo não, Aisha! Agora eu já tô escolada! -- piscou para ela

 

--Você só tinha quinze anos, amor! Eu já tava com vinte, era experiente e só queria farra! -- justificou-se -- Jamais teria me aproveitado de seus sentimentos... Quando percebi que você gostava de mim, não levei adiante o que comecei irresponsavelmente. -- pausou brevemente -- Mesmo que aquele beijo tenha sido uma delícia...

 

--Eu entendi que você pensou assim. Você foi bem honesta comigo. -- passou a mão nos cabelos -- Não me fez mal, embora eu tivesse ficado com a maior vontade de te namorar.

 

--E quantas foram, hein, good kisser? -- perguntou interessada -- Quantas mulheres teve? -- sorria

 

--Dayman betkhaleeeni… (Você sempre me deixa…) -- interrompeu o que dizia -- Você sempre me deixa sem graça, Aisha... -- abaixou a cabeça

 

--Fala, vai? -- insistiu -- Quero saber se te ensinei direitinho! -- brincou

 

--Oito... -- respondeu em voz baixa

 

--Hum, que diabinha! -- deu um tapinha no ombro da professora -- Não foi nem de longe tanto quanto eu, mas você aproveitou, viu? Eu diria que provou com a moderação ideal!

 

--Não aproveitei, eu tava tentando de verdade! -- protestou olhando para a prima -- Mas não deu certo... -- tirou um pedaço de papel do bolso da mochila -- Agora me aposentei. -- sorriu -- Mas, não era sobre isso que eu queria conversar contigo. -- estendeu o papel para a outra -- Por favor!

 

Aisha notou que era uma folha de cheque dobrada no meio e recebeu com estranheza. -- Que é isso, Zinara? -- não estava entendendo

 

--É pra ajudar na compra da sua casa. -- respondeu com delicadeza -- Seja feliz com a mulher que escolheu. Ela pode ter a mão pesada mas é boa pessoa. -- brincou -- Só o fato de ter tirado você da escuridão já valeu demais da conta!

 

--Zinara... -- estava sem graça

 

--Aceite, min fadlik (por favor)! -- insistiu

 

A mulher abriu o cheque e leu o valor. Ficou em choque. -- Mas...? -- levou uma das mãos aos lábios -- Criatura, é muito dinheiro!!!

 

--O que faltava! -- sorriu -- Janaína tinha razão o tempo todo. A tal da casa era pra ser de vocês.

 

--Meu Deus! -- começou a chorar novamente -- Mas... esse dinheiro vai te fazer falta e...

 

--Devo muito a você! -- interrompeu-a gentilmente -- O que você me deu não tem preço! -- emocionou-se -- Você me deu liberdade, me deu oportunidade! Graças a você comecei a estudar, freqüentei escolas... Você não me deu o peixe, Aisha, mas me ensinou a pescar e isso me libertou e mudou tudo na minha vida! -- lembrava -- Você era boa comigo, com maama e baba e com Youssef, Khaled e todas awlaad (crianças)... Como costumava a dizer, você era têúdêô: TU-DÔ!

 

--Zinara... -- não sabia o que dizer -- Ah, minha linda! -- abraçou-a emocionada -- Eu te amo, my good kisser! -- fechou os olhos

 

--Também te amo, al-seifii (meu verão)! -- fechou os olhos igualmente

 

--Ei, que merd* é essa aí?? Larga minha mulher!!! -- Janaína gritou -- Além de bruta é tarada! -- reclamou

 

***

 

Clarice lia o artigo que Zinara lhe enviou por e-mail.

 

“Três cientistas especialistas no estudo sobre o sol apresentaram ontem, em Godwetrust, dados muito recentes sobre o enfraquecimento da atividade solar. Os resultados das pesquisas mostram que a atividade solar, medida pela formação de manchas solares e pelas explosões massivas na superfície do sol, têm diminuído continuamente desde meados da década de 40.”

 

--Então eles estão dando o braço a torcer... -- sorriu enquanto lia

 

“As previsões sugeriam que a média mensal de manchas solares deveria situar-se entre 90 e 140, mas de fato, a média mensal é de apenas 67. “Estamos no ciclo solar de número 24, que está apresentando atividade de cerca da metade do ciclo 23, mas o ciclo 25 será ainda menos ativo, devido às mudanças observadas no fluxo magnético na superfície solar.” Afirmou um dos pesquisadores. “Houve uma época entre 1645 e 1725 que a atividade solar foi extremamente baixa ou não existente, e tal situação causou a mini idade do gelo.””

 

--Eu diria que o período foi entre 1550 e 1850, mas pelo menos fizemos a mesma observação. -- Clarice falava sozinha

 

“Os cientistas afirmam que tudo isso evidencia que caminhamos para outra pequena idade do gelo, e que eles não têm ainda como predizer o que isso poderá significar no futuro.”

 

--Vou passar esse artigo pra Chandra. Mais evidências pra enriquecer as conclusões dela e dar mais relevo ao paradoxo global, aquecimento versus resfriamento.

 

(Nota da autora: baseado no artigo apresentado em http://www.irishtimes.com/news/science/sun-s-bizarre-activity-may-trigger-another-ice-age-1.1460937)

 

--Oi, filha! -- sua mãe chegava batendo na porta -- Hora de almoçar, não acha? Já até passou da hora! -- olhava para a paleoceanógrafa -- Aliás, hoje você nem deveria trabalhar!

 

--Ah, mamãe é que tem muita coisa pra fazer e eu fico agoniada de deixar acumular. -- olhou para o relógio e se levantou -- Mas a senhora tem razão, é hora de almoçar. -- sorriu

 

--Vá lavar as mãos e venha pra cozinha. -- ordenou -- Além mais quero ter uma conversa séria com você sobre aquela uma.

 

--Que uma? -- não entendeu

 

--Aquela que te trouxe pra casa na sexta à noite. -- foi para a sala -- Quer dizer, ontem de madrugada!

 

“Hum... Sinto que vem chumbo grosso por aí...” -- pensou preocupada

 

***

 

--Filha, eu tenho que te dizer! Não simpatizei com aquela tal de Cátia! -- deu uma garfada

 

--Mas, mãe, a senhora nem conversou com ela! -- argumentou achando graça -- Se estiveram juntas por dois minutos foi muito!

 

--Eu não preciso de mais tempo que isso! -- respondeu com decisão -- Ela tem cara de safada e me parece ser do tipo bem saliente!

 

--Ai, mãe, coitada! -- deu uma garfada

 

Clarice havia se assumido para a mãe há alguns anos e estava acostumada com o fato de Leda sempre implicar com suas pretendentes.

 

--Você tem que arrumar uma mulher mansa, minha filha! Parar com esse negócio de só querer as malvada! -- aconselhou

 

--Ah, essa é boa! -- acabou rindo -- Ai, ai... -- balançou a cabeça negativamente

 

--Ouve meus conselhos que você se dá bem! -- olhou para a filha -- Por que não namora aquela estrangeira com quem você vive de conversa na internet? Com ela eu simpatizo!

 

A paleoceanógrafa ficou boquiaberta. -- Eu ouvi direito?! Dona Leda me dando força pra ficar com alguém?? Ah, não, vai chover! Mais que isso, vai nevar em São Sebastião! -- brincou

 

--Ah, menina, deixe de ser besta! -- fez cara feia -- Eu nasci primeiro, sei mais que você! E já percebi que você fica toda melosa quando fala com ela. Pelo menos quando fala daqui de casa, você fica!

 

“Gente, mas será possível que todo mundo nota, menos a tonta da Zinara?” -- Clarice pensou -- Eu não sei, mãe... -- soltou os talheres e ficou pensando -- Eu gosto muito daquela maluquinha e me identifico com ela, mas não sei... Ela me passa mensagens contraditórias e agora pensa que tô namorando Cátia...

 

--E namora ou não? -- queria saber -- Ou isso aí é só pegação sem compromisso? -- cruzou os braços

 

--Pegação sem compromisso?! -- riu -- Ai, mamãe, a senhora tá muito moderninha ultimamente, viu? -- acariciou o rosto dela -- Nem uma coisa e nem outra! Nós só saímos pra conversar, dançar e não passou disso.

 

--Menos mal! -- voltou a comer

 

--Outra coisa também... -- segurou o garfo -- é que desconfio que Zinara mente pra mim... Acho que ela tá mal de saúde...

 

--Como assim? Acha que ela tá pra bater as botas?

 

--Ô, mãe, isso é jeito de falar? -- ralhou e deu uma garfada. Depois de uns segundos continuou -- Às vezes acho que ela tá muito doente...

 

--Ah, então se é assim, eu mudo meu voto! -- Leda respondeu de pronto -- Deixe ela pra lá, que não quero saber de filha viúva!

 

--Eu posso com isso? -- achou graça

 

Capítulo 12 – Seguindo em Frente

 

--Zinara, o que você deu a minha filha que a emocionou tanto? -- perguntou de supetão -- Até Janaína, que saiu correndo pra te pegar no tapa, acabou chorando!

 

--Nada de mais, camma. Só um presentinho. -- mentiu -- É que com o tempo Aisha ficou muito emotiva e a mulher dela é uma manteiga derretida, embora tire onda de kick boxer.

 

A morena dirigia rumo a casa de seus pais.

 

--Tem base? E que presente foi? Te vi sem nada na mão além de seu mochilão. -- insistiu desconfiada

 

--camma Najla, escute, -- mudou de assunto -- vamos parar pra pernoitar em algum hotel daqui a uma hora, mais ou menos. Amanhã a gente acorda cedo e pega a estrada, então chegaremos lá por volta das nove. Podíamos ir direto agora, mas chegaríamos de noite e não acho conveniente. -- explicava -- Tenha certeza de que será bem recebida por maama e baba, mas me deixe entrar primeiro pra fazer uma diplomacia. -- advertiu -- Afinal de contas, temos uma história que não terminou muito bem naquela época.

 

--Eu sei... Você tem razão... -- respondeu ao suspirar -- Se eles não me quiserem lá eu vou entender.

 

--Macleech! (Não se preocupe!) Eles vão querer, pode ter certeza. -- garantiu -- Apenas faça o que eu lhe pedir.

 

Balançou a cabeça e gastou uns segundos calada. -- Raed ainda é muito durão? -- perguntou olhando para a sobrinha -- Apesar de não olhar pra outras mulheres ou se engraçar querendo amantes, meu irmão era muito duro com Amina. Lembro que ela morria de medo dele...

 

--Ih, camma... -- sorriu -- a coisa mudou por demais da conta, viu? -- achou graça -- Acho que vai se surpreender...

 

***

 

Milagrosamente Zinara dormia e Najla estava acordada. Fez uma oração para a sobrinha e para a filha, também orando a Deus que Raed e Amina a recebessem em sua casa. Desejava muito pedir perdão a eles.

 

Totalmente insone, decidiu ler o diário de Zahirah, pois ainda não tinha feito isso.

 

--Vamos ver se me lembro de como se lê. -- falou para si mesma -- Da direita pra esquerda... -- abriu o livro e passou os olhos sobre aqueles saudosos caracteres -- Que caligrafia linda minha sobrinha tinha... -- sorriu

 

“Yoom Kitaabii,

 

A vida está ainda mais dura e tenho lutado bastante para permanecer firme. Estamos todos gripados e minha tosse voltou furiosa. Às vezes me parece que meus pulmões se romperão e a falta de ar me fará fechar os olhos do corpo para abrir os da alma... no fundo gostaria que assim acontecesse, mas ainda tenho motivos para permanecer viva. Sinto-me no limite de minhas forças e penso que quase todos estão em igual condição. Se gidda não tivesse me aparecido em sonho, creio que não conseguiria continuar...

 

Adquiri o hábito de convocar as pessoas para a oração sempre que paramos para dormir e no início de cada novo dia. Incrível como todos têm respeitado isso, mesmo sendo eu uma mulher e solteira. O que a necessidade faz, não é, Kitaabii? Joga preconceitos e arrogâncias pelo esgoto... A’aleem Ilaah... (Só Deus sabe...)

 

Ainda seguimos para o norte em nossa caravana e ontem encontramos com alguns veteranos amigos de Giddu Raja. Eles disseram que muitos ortodoxos estão sendo expulsos do país e aportando em campos de refugiados. De acordo com estes anciãos, fugir espontaneamente para Al Maghrib seria nossa melhor opção e parece que há grupos da Gália ajudando os interessados em partir. Dizem que existe um acampamento montado por eles a três dias de viagem daqui e para lá nos dirigimos. Tenho medo, Kitaabii, muito medo, mas confio em Deus e confio nas palavras do Rabi.

 

Continuamos rumando pelo interior, pois as cidades do litoral estão um verdadeiro caos. Seja como for, começamos a ingressar em locais que são grandes campos minados e seis pessoas de nosso grande grupo estão mortas por causa disso. Graças a Deus não vi acontecer, pois eram os que seguiam à frente, uma hora adiantados em relação aos demais. Depois disso, decidiu-se que permaneceremos sempre todos juntos.

 

Zinara descobriu que os ímãs naturais que Khaled achou podem ajudar a localizar as minas rasas. Amarrou duas pedras entre si e depois em uma vara, e esse é o nosso detector. Yatamanna (A esperança)...

 

Youssef está cego por conta de al-qunbula (uma granada) que explodiu perto dele e também parece que ouve um pouco pior. Penso que Khaled se sente culpado por isso, pois desde o ocorrido o menino parece perdido. Há momentos em que fica agressivo, chora e se comporta como louco. Somente Zinara consegue acalmá-lo...

 

Penso em Farida todos os dias... Haad yensa alboo, Kitaabii? (Alguém poderia esquecer seu próprio coração, Meu Livro?) Não, não poderia...”

 

--Zahirah, por que giddu Raja não ficou nesse acampamento? -- perguntou afita -- La afham... ( Não entende...) -- olhava para a ruiva -- Aqui é tão bom que tem até taghaam (comida), maa’ (água) umalaabis (e roupas)! Por que giddu ficou lá fora?

 

--Porque ele se sente um alvo, habibi. E agora que chegamos aqui, não quer que nenhum mal nos aconteça por causa dele. -- respondeu com tristeza -- Esta região está cheia de aghdaa’ (inimigos)...

 

--E quem vai cuidar dele? -- estava preocupada

 

--Vamos nos revezar e dará tudo certo. -- acariciou o rosto da menina -- Ele não está tão longe e seja como for, Deus há de protegê-lo, habibi. -- sorriu -- Assim como protegerá a todos nós. -- tentava tranqüilizá-la -- Tenha fé! -- teve um repentino acesso de tosse

 

A menina olhou penalizada para a pessoa que mais amava na vida. -- Inshallah (Se Deus quiser), você cura... -- desejou -- Se acontecer alguma coisa com giddu Raja e com Zahirah... Zinara morre...

 

--Não diga isso!! -- ralhou enquanto recuperava o fôlego -- Não diga isso e nem fique pensando no pior! -- gastou uns segundos calada -- Seu futuro é belo, Yatamanna, e você tem muita coisa para viver ainda! -- olhou para sua trouxa de pertences -- Min fadlik, habibi, pegue as cartas ali. -- pediu e a menina obedeceu -- Vou jogar para você e mostrar como seu destino é especial!

 

--Aywah! (Sim!) -- ficou ansiosa para ouvir

 

A ruiva concentrou-se, misturou as cartas e pediu para a morena dividir o baralho. Em seguida misturou mais uma vez e começou a posicionar uma pequena sequência diante da menina, que prestava atenção.

 

--Hum... -- estudava as cartas -- Vejo uma longa viagem... Você vai para bem longe...

 

--Al Maghrib? -- concluiu

 

--Laa... (Não...) -- balançou a cabeça negativamente -- É um lugar bem diferente... Laa acrif... (Eu não sei...) Não sei onde é... -- sorriu para a garota -- Mas é o paraíso!

 

--Zahirah não vai? -- perguntou preocupada

 

--Não dá para saber, habibi... Acho que sim... -- mentiu para não entristecê-la -- Aqui também diz, que você vai estudar muito e conhecer muitas pessoas e muitos lugares...

 

--Ana cawza!! (Eu quero!!) -- exclamou empolgada -- E quero ser mudarris (professora) e quero ser cantora!

 

A ruiva achou engraçadinho. -- Você vai ajudar muitas pessoas, habibi, e quando mais precisar, será ajudada por elas. -- posicionou mais uma sequência de cartas -- Você vai se envolver com coisas... não sei se é trabalho, não sei o que é... -- pensava -- Mas são coisas que lhe farão ter muitos aghdaa’ (inimigos)... gente interesseira e com maldade no coração... -- olhou para Zinara -- Mas no final, ficará certo que a razão está com você.

 

--La afham... ( Não entende...)

 

--Vai entender... No momento certo você vai. -- olhou novamente para as cartas -- Mais momentos difíceis virão e muita coisa vai acontecer... inclusive coisas que afetarão sua saúde, mas eu sinto que... -- novamente se concentrou para receber inspiração -- se você limpar seu coração, tudo dará certo.

 

--Limpar albii (meu coração)?! -- continuava sem entender

 

--O que não é claro agora, será depois, habibi. -- garantiu -- Vamos embaralhar novamente. -- recolheu as cartas e repetiu todo o processo -- Hã... Você encontrará um grande amor... amor de outras vidas, de outras eras... mas vai demorar a percebir isso. -- analisava o que via e sentia -- Muitas frustações te deixarão descrente, mas você vai conhecer essa pessoa. -- olhou para a menina -- Precisa nunca perder a esperança, pois do contrário deixará seu amor partir. -- sorriu antes de ter mais um acesso de tosse

 

“Zinara ama Zahirah, não quer outra pessoa...” -- pensava

 

Após se recuperar, a ruiva continuou. -- Uma grande mudança vai acontecer e quando todos perceberem isso, vão te procurar e você vai guiar muitas pessoas... -- gastou uns segundos calada -- Eu sinto... -- fechou os olhos e depois de mais algum tempo olhou para a menina e falou solenemente: -- Zinara, habibi, Yatamanna... -- sorria -- preste muita atenção e jamais esqueça das palavras que ouvirá agora! -- aconselhou -- Você não deve desistir, não pense nisso em hipótese alguma. Acredite, lute e mantenha seu coração limpo que tudo dará certo! Você tem uma missão muito importante a cumprir, pois no passado, usou sua inteligência para o mal, tornou a guerra mais perigosa e foi a responsável por muita dor e muito sofrimento. Agora é o momento de mostrar que essa mesma inteligência pode trabalhar pela vida e não mais pela morte! -- segurou as mãos da menina -- Quando você for chamada para liderar as pessoas, alguém muito importante estará do seu lado! -- falava com propriedade -- E nesse momento, você irá cumprir o papel que lhe cabe de cabeça erguida, mas sem arrogância e sem alimentar em seu peito qualquer ilusão. Estamos todos interligados e ninguém faz coisa alguma sozinho! -- a morena parecia enfeitiçada ouvindo a outra -- E daí, você vai se lembrar de todos aqueles que lhe ajudaram a chegar lá e será grata por tudo que recebeu. Dedicará cada fruto de seu trabalho ao povo que é o seu e ao povo que lhe acolherá como filha. -- pôs uma das mãos sobre a cabeça dela -- Smalla'Alik! (Deus proteja você!)

 

***

 

“Yoom Kitaabii,

 

Zinara escreve porque Zahirah disse que de agora em diante nós duas escreveremos. Ela também tem falado somente em gálio quando conversa com Zinara, porque diz que aqueles que nos ajudarão falam em gálio e que em Al Maghrib as pessoas falam em gálio também. Zinara sabe falar assim porque Zahirah e Farida ensinaram por muitos anos. E Zinara acha bonito, embora a língua de Cedro seja ainda mais.

 

Maama tem orado todos os dias para que o melhor aconteça, mas ela não sabe o que tem que acontecer. Baba vive reunido com os homens e eles falam muita coisa. Youssef mudou muito depois do que aconteceu. É um menino sério, fala pouco e nunca sai de perto de Zinara; também nunca reclama. Khaled mudou da mesma forma. Agora é violento. Acho que os dois querem ir embora de Cedro o quanto antes. Oh, Aba, ala dalouna, ala dalouna... (Oh, Meu Pai, nos ajude, nos ajude...)

 

Zahirah está muito fraca. Ela tosse tanto que me dá medo! Mihtagalik, ar-rabiic, mihtagalik ...(Eu preciso de você, primavera, eu preciso de você...) Não vá embora!

 

Giddu Raja também está fraco e não ajuda nada ele ficar escondido em um buraco talhado na parede da montanha. É longe de ir e longe de voltar. Ontem ninguém pôde levar taghaam (comida) para ele, porque os chefes do acampamento não deixaram. Falaram que era perigoso. São homens da Gália, Kitaabii, e esse povo de lá não é como nós: eles não valorizam os mais velhos.”

 

Zinara seguia escondida para levar comida e água para o avô. Sonhou que ele estava sofrendo com fome e sede, e isso a deixou muito agoniada. Ninguém sabia que ela havia fugido, nem mesmo a ruiva.

 

--Giddu? -- aproximou-se do esconderijo do avô -- Giddu? -- chamava por ele

 

--Menina, o que faz aqui? -- Raja perguntou ao mesmo tempo feliz e preocupado -- Veio sozinha? -- olhava para todos os lados -- Venha, entre! E me dê isso! -- segurou o que ela carregava e entraram -- Você poderia ter sido, oh, Aba, yijrahouhoh el-mazaleem! (oh, Meu Pai, ferida pelos opressores!) Nem quero pensar! -- fez sinal para que se sentassem e ambos o fizeram

 

--Zinara fez ‘ala mawa’idi! (Zinara cumpre com promessas!) Não deixa giddu Raja com fome e sede! -- afirmou balançando a cabeça

 

--Oh, habibi... -- olhou para ela comovido -- Seu coração é de ouro! -- abriu a trouxa de pano e viu que havia dois pedaços de pão, queijo de cabra, um frasquinho de azeite, duas laranjas e um cantil cheio de água -- Por isso estava pesado, você trouxe muitas coisas! -- sorriu -- Chukran! (Obrigada!) -- agradeceu emocionado e começou a comer como um faminto

 

“Sabia que giddu estava com fome!” -- pensou -- Carrega peso desde pequena!

 

--Você ainda é pequena, habibi! -- acariciou o rosto dela com carinho e voltou a comer -- Por que veio sozinha? Foi muito perigoso!

 

--Zahirah estava dormindo porque tossiu demais à noite e os outros estão ocupados... -- respondeu com uma meia verdade

 

--Zinara, -- ficou desconfiado -- você veio escondida?

 

A menina abaixou a cabeça sem responder.

 

--Mas que coisa feia! -- ralhou -- Isso não se faz! -- franziu o cenho -- Venha, vou levá-la de volta e vai ser agora! -- levantou-se -- Eu já ia levar, mas sabendo disso nem espero um segundo sequer! AHHa! -- reclamou

 

--Laa! (Não!) -- levantou-se também -- Zinara vai sozinha! Giddu não pode...

 

--Eu sei o que posso e o que não posso fazer, menina! -- interrompeu-a -- Se digo que te levo, eu te levo! -- protestou

 

--Coma tudo primeiro, giddu? -- pediu humildemente -- Min fadlak? (Por favor?)

 

Raja teve pena da criança e do esforço que ela fez em lhe trazer mantimentos. -- Está certo, Zinara. -- concordou ao se sentar novamente -- E de fato, ana jai’ (estou com fome). -- a menina se sentou também -- Mas quero que saiba que me decepcionei com você! Isso não foi uma atitude correta! -- voltou a comer

 

--Zinara ama giddu... -- justificou-se envergonhada

 

--E giddu ama Zinara, mas não quer que se arrisque e nem que deixe seus pais preocupados. -- respondeu com carinho antes de beber água

 

--Baba umaama não se importam com Zinara... Só Zahirah e o giddu!

 

--Ei! -- olhou para ela -- Não quero que pense assim! Ommik (sua mãe) ama você e abuuik (seu pai) também! -- afirmou convicto -- Não ouse duvidar disso! Amaldiçoados sejam os pais que não amam seus filhos e os filhos que não amam seus pais! -- mordeu o pão

 

“De tudo que um dia giddu Raja falou, Kitaabii, aquelas foram as únicas palavras que Zinara não acreditou.”

 

--Oh, Aba, pobre da minha sobrinha... -- Najla secava as lágrimas com as mãos -- E pobres de todos eles que viveram daquele jeito tão infeliz! -- fechou o livro emocionada -- Baba... Imagino o quanto deve ter sofrido ao ver os filhos e netos morrendo um a um... Que dor maior pra um pai? -- colocou o livro sobre a mesinha de cabeceira e se ajoelhou no chão para orar mais uma vez -- "Aba, Pai Amado, lendo estas memórias tristes cada vez mais me conscientizo de que passei a vida comentendo erros imperdoáveis!” -- começou a chorar -- "Eu era rica, tinha tantos recursos, podia ter pressionado João Cezário a trazer todos eles pra Guaiás e nunca movi uma palha...” -- fechou os olhos -- "Mas também eu tinha tanto medo que ele me deixasse, que não quis incomodá-lo com o drama de usritii (minha família)... No entanto, veja no que deu: fui trocada por uma garota e fiquei miserável! De que me valeu tanto egoísmo?” -- sentia muita dor em seu coração -- "Fui tão cruel com Raed, Amina e as crianças... me desfiz tanto deles... Por que eu era tão cega, meu Pai, por que? Nem minha filha eu soube criar e olha como Aisha vive hoje! Num barraco horroso que nem dela é!” -- controlava-se para não chorar compulsivamente -- "Imploro pra que maama, baba, meus irmãos e meus sobrinhos que já se foram, seja onde estiverem, estejam bem e sob Tua sagrada proteção divina! Imploro pra que minha filha tenha uma vida melhor e não passe necessidade nunca mais! Imploro pra que Raed e Amina possam me perdoar e que eu saiba o que fazer pra recompensá-los pelo mal que lhes causei!” -- respirou fundo -- "E quanto a Zinara, imploro pra que também me perdoe e que, mesmo sendo velha e pobre, eu possa dar alguma alegria ao coração dessa menina! Que ela acredite, Pai Bondoso, que é amada, muito amada, e que sem ela nossas vidas seriam sem cor; a minha pelo menos, continuaria como sempre foi: vazia!”

 

***

 

--Até que enfim, Jamila! -- Leonor comentava empolgada -- Agora sim você arrumou uma mulher do nosso nível! Aquela astrônoma doida não era pra você, ah, isso não! -- afirmou enfaticamente -- Bicha fuleira!

 

--Eu não tô namorando, irmãzinha, e você mal trocou duas palavras com Helena pra ter uma impressão tão boa assim! -- passou a mão nos cabelos -- Aliás, vocês se esbarraram lá em casa por sorte!

 

--Sei reconhecer uma mulher que vale a pena quando vejo uma. -- objetou -- E aquela roceira metida a intelectual nunca me enganou!

 

--Dah mumill (Isso é um saco), pare de falar mal de hayati! -- fez cara feia -- Eu nem penso mais nela e você fica aí falando! -- mentiu

 

--Não pensa mais? -- perguntou com descrença -- Pra cima de mim, não, né, maninha? Tá na cara que isso é mentira! -- riu brevemente -- Você ontem à noite tava tão careta que ficou bebendo suquinho! -- criticou -- Influências da outra lá, que não bebia, não fumava, não fazia porr* nenhuma interessante!

 

--Leonor, eu não bebi ontem pra não acordar mal hoje, que é dia de batente! E Zinara fazia muita coisa interessante, sim! -- argumentou -- Ao contrário do seu namorado, que quando não tá enchendo o saco na tua casa, tá jogando futebol! Maama diz que não agüenta mais ele por lá! Baba também tá de saco cheio!

 

--Oxi, deixe meu bebê fora disso, tá? -- ficou revoltada

 

--Então pare de se meter na minha vida amorosa, pode ser? -- respondeu no mesmo tom -- Eu hein? -- olhou para o relógio -- E você não acha muito cedo pra me ligar em plena segunda-feira com essa conversa? Eu tô trabalhando, filha!

 

--Tá bom, vamos mudar de assunto. E pare de falar palavras na língua de Cedro, tá legal? -- pausou brevemente -- Na verdade eu te liguei pra fazer uma proposta: vamos passar as férias juntas esse ano? Tava a fim de ir pra São Sebastião, que acha? Praia, balada, tudo que a gente gosta!

 

--Ué? E o seu bebê?

 

--Só pode tirar férias em dezembro! Já eu, posso e devo dividir as minhas em metades! -- explicou -- Passo uma metade contigo e a outra com ele!

 

--É, pode ser... Tô precisando espairecer mesmo e esse escritório aqui acaba comigo! É uma competitividade estressante! AHHa! -- reclamou falando baixo

 

--Então vá se arrumando porque penso em sair em meados de fevereiro. Daqui a pouco janeiro acaba!

 

--Tudo bem. Depois me passa os dias direitinho. -- concordou -- Mas agora eu tenho que desligar, porque daqui a pouco vai chegar um cliente aqui pra uma consulta e só cheguei tão cedo no escritório por causa dele.

 

--Tá certo... Então, beijos, maninha! -- despediu-se

 

--Beijo, tchau. -- desligou o telefone -- Ai, ai... -- suspirou

 

--Doutora Jamila, -- a secretária apareceu na porta -- o senhor Eduardo Hamatsu acaba de chegar.

 

--Bem na hora! -- exclamou impressionada -- Peça pra ele entrar, por gentileza! -- a secretária se retirou

 

***

 

--Doutora, preciso que a senhora preste muita atenção no que vou lhe explicar, pra que entenda a gravidade do problema! Vou entender se não quiser pegar o caso. -- falava com muita seriedade -- Corro risco de vida e vim pra Cidade Restinga acreditando que conseguiria um pouco de paz, só que me enganei. -- secou o rosto com um lenço -- Há quatro dias atrás sofri uma tentativa de homicídio! Sorte a minha que nada me aconteceu além de ter machucado o braço. -- mostrou o curativo

 

--Meu Deus! -- exclamou horrorizada -- E o senhor já prestou queixa à polícia?

 

--Sim, mas preciso de amparo legal! A coisa é complicada e eu vim lhe procurar porque me falaram muito bem de seu trabalho.

 

--Presumo que o senhor saiba quem está querendo lhe matar. -- concluiu

 

--Não é uma pessoa, mas uma organização. -- pausou brevemente -- Uma ou mais.

 

--Explique-se, por favor. -- queria entender

 

--A história é longa, mas vou resumir ao máximo. -- bebeu um gole de café -- Por sete anos chefiei em um grupo de trabalho que se dedicou a estudar o Aqüífero Tupi. -- explicava -- O que começou como ciência, terminou como uma verdadeira crise internacional e é por isso que me perseguem. Quatro de meus colegas já estão mortos!

 

“Zinara também sofreu perseguição por causa de seu trabalho...” -- Jamila se lembrou -- Sim, continue. -- já estava interessada no caso

 

--Como a senhora deve saber, as regiões do aquífero Tupi foram um deserto pré-histórico, que com o passar do tempo transformaram-se num extenso campo de dunas recoberto por lava solidificada, que vem a ser uma capa protetora do aquífero. Esses mecanismos geológicos originaram rochas porosas que armazenaram tanta água entre seus grãos de areia, a ponto de termos uma reserva de 50 bilhões de metros cúbicos! Isso é o suficiente pra abastecer a população de nosso país por 2500 anos!

 

--Nossa! -- arregalou os olhos

 

--O Tupi é um dos maiores aquíferos do mundo, cobrindo uma superfície de quase 1,2 milhões de quilômetros quadrados. Abrange uma parte do sul-sudeste de Terra de Santa Cruz e mais três países vizinhos, constituindo a principal reserva de água subterrânea do continente. Em tamanho, equivale aos territórios da Gália, Saxônia e Castelhana, todos juntos. -- Jamila ouvia impressionada -- Nossos estudos começaram porque o aqüífero, sendo constituído por arenitos relativamente permeáveis, apresenta na sua zona de recarga a maior vulnerabilidade à contaminação. Um dos principais problemas existentes com relação à exploração das águas do Tupi é o risco de deterioração do aquífero, em decorrência do aumento dos volumes explorados e do crescimento das fontes de poluição pontuais e difusas.

 

--Imagino que a exploração não se dê como deveria.

 

--Posso lhe dizer que o aqüífero está ameaçado por herbicidas! -- afirmou categoricamente -- Em algumas regiões, encontramos traços de diurom e haxazinona, componentes de defensivo utilizado na cultura da cana-de-açúcar. O índice fica muito abaixo do considerado perigoso pro consumo humano, mas ainda assim preocupa! -- explicava -- Não significa que a água está completamente contaminada, mas é preciso evitar a aplicação de herbicidas e pesticidas em áreas de recarga do aqüífero! É um processo de muitos anos, mas esses defensivos fatalmente chegarão ao reservatório, o que poderá inviabilizar o consumo da água se nada for feito!

 

--E aí, os trabalhos de seu grupo de pesquisa geraram relatórios que desafiam os interesses de grandes latifundiários. -- concluiu debruçando-se sobre a mesa -- Deduzo que muitos donos de terras são grupos estrangeiros ao invés de nacionais!

 

--Exatamente! Só que além da exploração mal conduzida temos um problema ainda pior: perda de soberania! -- colocou a xícara de café sobre a mesa -- Diversos países considerados desenvolvidos pesquisam há décadas as águas subterrâneas do Tupi, pois não possuem reservas próprias suficientes, além de conhecerem a importância da água num panorama econômico futuro. -- suspirou com desgosto -- Infelizmente nossos governantes nunca deram muita importância à água subterrânea! E o povo muito menos porque ninguém se preocupa em esclarecer as pessoas sobre o que realmente interessa!

 

--Ah, é, mas aquela tristeza de gente confinada numa casa, falando abobrinha e fazendo baixaria a TV adora mostrar! Ô programinha ridículo! -- passou a mão pelos cabelos -- Eu lembro que houve uma época em que os ambientalistas temiam por uma invasão militar em nosso país em busca de água. Algo do tipo que já fazem pra explorar petróleo na região dos meus ancestrais. -- olhava preocupada para o homem -- O senhor vê risco de acontecer isso aqui por causa das águas?

 

--Creio que nenhum, porque aqui a estratégia é outra! A exportação de água do Sistema Aqüífero Tupi ocorrerá, e já ocorre, de outra maneira, que é através da exportação de alimentos e de produtos industrializados que utilizem água em seu processo produtivo! -- esclareceu -- É muito improvável que o domínio sobre o sistema do aqüífero se dê através de guerras ou de instalações de bases militares, mas sim através da aquisição de terras, empresas e concessões por multinacionais. Pelo que se viu nos últimos encontros comerciais, principalmente na área do etanol, Terra de Santa Cruz já está “hipnotizada” -- fez aspas com os dedos -- pelas pretensas vantagens com vendas e concessões. -- riu brevemente -- Em matéria ambiental e de soberania nacional, o poder econômico tem falado cada vez mais forte, como se vê pela expansão das plantações de soja, dos transgênicos e da exploração de madeira e agropecuária no norte do país, por exemplo.

 

--Entendi. -- encostou-se na cadeira novamente e cruzou os braços -- Posso concluir que a importação de alimentos é a maneira mais eficiente pros países ricos importarem água. -- constatou com pesar -- Ou seja, não é necessário que nosso país exporte água mineral em garrafinhas, mas que se exporte grãos ou carne em um comércio internacional lícito. Nossas águas, ao contrário do que a gente imagina, já são exportadas, inclusive as do Sistema Aqüífero Tupi. -- balançou a cabeça contrariada -- O trabalho de vocês acabou batendo de frente com essa estratégia ardilosa!

 

--E nós nos envolvemos com política! Denunciamos essa pouca vergonha em artigos científicos, em congressos, em palestras promovidas por ONGs sérias e por aí vai! -- secou o rosto novamente -- Grandes grupos estão adquirindo terras pra plantação de cana-de-açúcar e construindo usinas! Denunciamos que os estrangeiros e suas ONGs vêm pesquisar aqui porque os dados do Sistema Aqüífero Tupi são de suma importância pra que se conheça as melhores áreas de cultivo, que são aquelas conhecidas como de terra roxa. -- sorriu sarcástico -- E adivinhe: estas terras coincidentemente são extremamente férteis por serem áreas de afloramento do aquífero.

 

--Quanto de água é necessário pra se produzir uma tonelada de cana-de-açúcar? -- perguntou curiosa

 

--Simplesmente 600 toneladas de água! -- a advogada ficou boquiaberta -- Eles vêm pra cá pra poupar a água deles em seus respectivos países. -- esclareceu -- Há dois anos atrás, em um painel internacional sobre sustentabilidade, apresentamos tudo o que lhe contei e ainda mostramos os seguintes números: são necessários 1.650 litros de água para produzir 1kg de soja, 1.900 litros para 1kg de arroz, 3.500 litros para 1kg de carne de aves e, pasme, 15.000 litros de água para produzir 1kg de carne bovina! -- pausou brevemente -- Eu deixei de comer carne depois de saber disso.

 

--Parece que o fator água nunca é lembrado quando se fala de aumentar as exportações de alimentos, não é isso?

 

--Pois é, doutora. -- concordou -- E o fato é que nós fizemos muito barulho e agora querem nos calar!

 

--Quando a perseguição começou?

 

--Depois desse tal painel que acabo de comentar. Há dois anos vivo num inferno!

 

--Olha, doutor Eduardo, eu não sei no que vai dar tudo isso, mas... -- olhava firmemente para ele -- acho que encontrou uma advogada pra lhe ajudar a fazer mais barulho ainda! -- sorriu

 

--Então, sigamos em frente! -- sorriu também

 

(Nota da autora: baseado nas informações contidas em http://www.pucsp.br/ponto-e-virgula/n1/artigos/pdf/09-LuizGuimaraes.pdf, http://geoconceicao.blogspot.com.br/2011/04/aquifero-guarani-e-alter-do-chao.html e na reportagem do DCI, socializada pelo MST em EcoDebate de 19/05/2011. A parte da perseguição do pesquisador é a ficção)

 

***

 

--Maama!! -- Zinara pulou para dentro da cozinha com os braços abertos -- Saudades!

 

--Fia!!! -- Amina sorriu feliz

 

--A bênção, maama! -- pediu respeitosa

 

--Smalla'Alik! (Deus proteja você!) -- beijou a palma da própria mão e benzeu a filha -- Agora abrace aqui! -- pediu e Zinara abraçou-a com empolgação -- Qui sardade, minina... -- olhou para a morena -- Ocê tá cada vez mais magra, qui diacho é isso, hein? -- fez cara feia -- Entrô nessas moda di regime, é? Num dou conta, não! -- bateu no braço dela

 

--Que nada, maama! -- beijou-lhe a testa -- Ya sayyida (a senhora) cisma com essa tal magreza, mas eu continuo, como sempre, comendo com fé! -- brincou

 

--Quem tá aí, muié? -- Raed chegava na cozinha

 

--Tua fia, homi! -- respondeu ainda olhando para a professora

 

--A bênção, baba! -- pediu da mesma forma

 

--Smalla'Alik! -- pôs uma das mãos rapidamente sobre a cabeça da astrônoma -- Veio di féria? -- perguntou

 

--Aywah! (Sim!) -- balançou a cabeça -- Mas, não foi só por isso. -- olhava para os pais -- Trouxe uma pessoa que deseja imensamente lhes falar. E acreditem, ela mudou tanto que mal a reconhecerão! Está outra mulher! Uma pessoa maravilhosa!

 

--Uai? -- Raed olhou desconfiado para a esposa -- Quem é essa?

 

--O qui é qui ocê tá tramando, minina ? -- Amina cruzou os braços intrigada

 

--Pode entrar! -- virou o rosto na direção da porta -- Tacaalii? (Vem?)

 

A mulher apareceu receosa e olhou humildemente para o casal. -- As-Salamu Alaikum! (Que a paz esteja convosco!) -- saudou

 

--Najla?! -- Amina e Raed perguntaram ao mesmo tempo com os olhos arregalados

 

A professora foi até a tia e a segurou delicadamente pela mão. -- Tacaalii? (Vem?) -- falou baixinho

 

Najla entrou timidamente na cozinha e falou olhando para o irmão e a cunhada. -- Desculpem chegar assim, mas eu precisava muito falar com os dois... -- olhou rapidamente para a sobrinha -- Muito mesmo...

 

--E mais essa... -- Raed resmungou

 

--Pé di pato mangalô três veiz! -- Amina esconjurou -- Ave Maria!

 

Fim do capítulo

Notas finais:

Música do Capítulo:

Zinara canta:

 

[a] Eu Quero Tchu, Eu Quero Tcha. Intérpretes: João Lucas & Marcelo. Compositor: Shylton Fernandes. In: Avenida Brasil Nacional 2. Intérpretes: João Lucas & Marcelo. Som Livre, 2012. 1 CD, faixa 2 (2min55)

 


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Comentários para 5 - TERRA DE SANTA CRUZ - 3:
Samirao
Samirao

Em: 07/10/2023

Quando eu lembro desa Clarice...


Solitudine

Solitudine Em: 11/11/2023 Autora da história
kkkkkkkkkkkkkk


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Femines666
Femines666

Em: 15/03/2023

Essa história é bem diferente da outra. Um diário de uma mulher marcada pela violência em todas as suas formas e que tá buscando acertar a vida antes de morrer? Tô achando triste e linda! Mas já dei risadas. Você é dimais! Favoritei e vamos nessa!


Resposta do autor:

Esse veio repetido.

Beijos em dobro!

Sol

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Femines666
Femines666

Em: 15/03/2023

Essa história é bem diferente da outra. Um diário de uma mulher marcada pela violência em todas as suas formas e que tá buscando acertar a vida antes de morrer? Tô achando triste e linda! Mas já dei risadas. Você é dimais! Favoritei e vamos nessa!


Resposta do autor:

Olá querida!

Que bom vê-la aqui!

Sim, cada história tento fazer bem diferente (e bem igual) às outras.

Você traduziu perfeitamente a trajetória de Zinara. 

Obrigada por estar lendo e ter favoritado!

Beijos,

Sol

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Alexape
Alexape

Em: 25/12/2022

Essa história é simplesmente arrebatadora!


Resposta do autor:

Obrigada!!!!!!!!!!!!

Beijos,

Sol

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Seyyed
Seyyed

Em: 17/09/2022

Duvidazinha tu estudou pratrazer esses momentos ciência mas é a língua de Cedro? Tu fala, habbla sei lá como diz hehe


Resposta do autor:

Sim, a gente tem que estudar. Faz parte do processo. rs

kkk A língua de Cedro? Bem, o país é ficcional e na ficção o que não é possível? rs

Beijos,

Sol

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Seyyed
Seyyed

Em: 17/09/2022

Cararra, já não sei se a minha preferida é SEM. São obras primas que tu faz. Adorei o momento fofo Zi e Clarice  adoro os flashes do passado embora doídos e a conversa com s Najla. Eu simpatizo com ela. Ri muito da casa de show e amei a nova personagem Aisha. Porra louca que nem tu hehe Janaína é meio sem noçãozinha. Sinto que vai ser tenso na casa da mama. Aliás, tu caracteriza cada personagem muito bem


Resposta do autor:

Obras primas? Como diria Lady: Nossa, que coisa forte! rs Fico lisonjeada!

O encontro das duas (finalmente) tão esperado foi a cara delas. 

Esse capítulo apresenta novas personagens, traz um monte de novidades para quem está lendo. É a saga de Zinara!

Eu sou porra louca? kkk Sou apenas caipira, uai!

A casa de maama... Bem, vamos às cenas dos próximos capítulos!

Beijos,

Sol

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Cristina
Cristina

Em: 20/05/2021

Oiê !!!

Esqueci de um detalhe!

Bjim.


Resposta do autor:

Quando Samira leu, ela  gritou: Estrelinhaaaaa!!!! Só podia ser a Fá! kkk 

Ela gosta muito de você. E eu também. Mas não por causa das estrelas. 

Beijos,

Sol

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Cristina
Cristina

Em: 20/05/2021

As-Salamu Alaikum!

Boa noite Sol! Tudo bemcom você?

Relendo este capítulo, me chamou a atenção o diálogo de Zinara, ainda criança, e seu avô Raja. Sábios conselhos!! Aqui podemos observar que os mais velhos são respeitaddos e seus conhecimentos respeitados.

Assisti uma live no instagram com 3 amigas, descendentes de palestinos, onde elas explicam, de maneira bem clara, o conflito entre Israel e a  Palestina. Achei muito ditático e nos mostra o quanto desconhecemos o lado palestino neste conflito e o tanto que nossas mídias só nos informam sobre o lado judaico desta questão.

Gostei tanto da live que a indiquei e passei a seguí-las para obter mais informações.

Tem uma postagemquee me chocou bastante, onde um pai palestino comenta que,  em Gaza, as famílias  estão trocando suas crianças, para que se houver um bombardeio as famílias não percam todos os seus membros. Achei muito triste e, até então, não imaginava uma situação destas!

Que a paz seja estabelecida! Que a Palestina seja livre e reconhecida como nação para que seu território seja preservado!

Um grande abraço!!! 


Resposta do autor:

Oi querida, tudo bem?

Fico feliz que esteja relendo. Obrigada. 

A Palestina é mais uma dívida histórica nas mãos dos "donos do mundo". No pós guerra o trato era a criação do estado de Israel e da Palestina. Só criou-se o primeiro... 

Espero que estejam todos bem  por aí e você totalmente recuperada. 

Beijos,

Sol

 

 

 

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