MARCAS DE CEDRO - 2
--Eu tenho que te dizer... você teve muita coragem para apresentar uma palestra daquelas em um auditório cheio de autoridades estrangeiras, empresários e... cientistas patrocinados, digamos assim. -- Nicolle comentou sorridente
--Tenho medo de poucas coisas na vida, Nicolle. Falar a verdade não é uma delas! -- sorriu também -- Mas agora acho que só em 2020 eles vão me convidar de novo para esse congresso! -- brincou
Nicolle e Zinara já conversavam por algumas horas em um barzinho na cidade de São Sebastião, que sediava o evento. Falavam a língua da Gália.
--Você fala minha língua muito bem. Achei muito gentil de sua parte me dar tamanha atenção, inclusive no idioma. -- bebeu um gole de caipirinha -- Très aimable! (Muito amável!)
--Eu prefiro falar em gálio do que em saxão. -- bebeu um gole de suco -- E o seu país interferiu sobre o meu por muito tempo. Gálio foi a primeira língua estrangeira que aprendi.
--Você é nascida em Cedro, não é? -- perguntou interessada
--Sim, mas vivo aqui na Terra de Santa Cruz há muitos anos. Sou até naturalizada! -- afirmou orgulhosa
--Em que local vive?
--Não sei se conhece, mas moro em Cidade Restinga. Um lugar muito belo, devo salientar.
--Infelizmente não conheço. É minha segunda visita à Terra de Santa Cruz, e sempre na cidade de São Sebastião, que também é adorável!
--Verdade. Eu fiz minha graduação na Universidade Federal daqui.
Nicolle ficou olhando para a astrônoma por uns segundos e falou: -- Obrigada por ter aceitado meu convite para uma conversa e por ter pacientemente me esperado trocar de roupa. Sei que demorei... -- piscou
--Não me agradeça, é um prazer! E esperá-la não foi um problema. Além do mais também troquei de roupas. -- apontou para a blusa e calça esportiva que usava
--Mas você foi bem mais rápida que eu, com toda certeza! -- passou a mão nos cabelos curtos -- Eu li aquele seu artigo polêmico sobre a verticalização do eixo do planeta. -- comentou ao se debruçar sobre a mesa -- É uma teoria forte, contundente e confesso que mexeu muito comigo. Mas... também me parece ter custado um pouco do seu prestígio na comunidade científica. -- pausou brevemente -- Dizem que você parece ter transformado em ciência os livros espíritas que gosta de ler.
--Mas espiritismo é ciência! -- respondeu convicta -- E a teoria que apresentei, como todas as que apresento, foge do viés da religião e se baseia sempre nos princípios que a ciência entende como válidos. -- explicava -- Posso estimar algumas coisas, inferir outras, mas é bem verdade que o imenso avanço tecnológico da atualidade parece ocultar o fato de que a ciência utiliza elementos que não possuem nada de racional. -- olhava para a loura -- A astronomia tem muitos exemplos importantes sobre isso. Há vários pontos a se refletir sobre a envolvente relação entre os seres humanos e a natureza.
--Falando em relação entre os seres humanos... -- reclinou-se mais na direção da astrônoma -- vamos falar de vida! Você é casada, tem filhos...? Fale de você, Zinara Raed! -- apoiou o queixo sobre a mão -- Gostaria de saber... -- jogou um charme
“Uai, será que essa Nicolle tá dando em cima de mim?” -- pensou intrigada -- Bem... -- ficou encabulada e desviou o olhar -- eu não sou casada e nem tenho filhos. -- brincava com o canudo -- Vivi um relacionamento sério com uma pessoa por um tempo mas acabou neste ano. -- pausou brevemente -- No mais, sou uma pessoa que gosta de filosofar, de conversar... que gosta da natureza, da ciência, de esportes... -- olhou novamente para a outra -- É isso! -- sorriu -- Nada de mais.
--Eu fui casada por cinco anos e tive uma filha, que hoje tem dez anos. Fiz tudo muito cedo, sabe? -- sorriu -- Mas, um dia eu decidi parar de me esconder e mostrar o meu... -- cruzou as pernas lenta e sensualmente -- verdadeiro eu!
“Ave Maria!” -- Zinara pensou arregalando os olhos
Nicolle vestia uma saia justa e relativamente curta. Na cruzada de pernas, ficou evidente que usava uma minúscula calcinha; ou quase não usava.
--Hoje não tenho a menor vergonha de nada! Principalmente de mostrar o meu eu! -- caprichou nos olhares
“E que eu mais danado!” -- pensou
--Será que você... -- deslizou discretamente o pé ao longo da canela da morena -- não gostaria de... ir para o meu quarto, conversar um pouco e... -- aproximou-se mais -- ver esse meu verdadeiro eu?
A professora engoliu em seco. “Eita, pau!” -- pensou -- Nicolle, eu... -- não sabia o que dizer -- Eu não sou o tipo de pessoa que vai ver o... “eu” -- fez aspas com os dedos -- dos outros assim tão rápido... -- estava sem graça
--Sou muito discreta! Ninguém no meu trabalho sabe...
--É... -- continuava constrangida
--Ah, mas pelo menos uma vez na vida uma mulher deve fazer uma loucura, você não acha? -- continuava caprichando na sedução -- Tenho certeza de que você tem sido uma boa menina até então, mas... que tal experimentar algo diferente? -- deslizou uma das mãos pelos longos cabelos da outra -- Eu adoraria saber se a ousadia toda que você apresenta nas palestras também acontece... -- sorriu provocante -- na cama!
“Eu acho que já tô pra morrer mesmo!” -- Zinara pensou ao se sentir excitada -- "Tô largada, com a saúde danada, sem verba na faculdade e com uma lista de inimigos no meio científico, então...” -- balançava a cabeça positivamente -- Yaalah! (Vamos lá!) -- decidiu batendo na mesa -- "É hoje que a curnicha pia!” -- pensou com o coração acelerado
***
Entraram aos beijos no quarto de Nicolle.
--Ui, vem!! -- a loura pedia mordendo os lábios da parceira -- Eu quero fazer sex* a noite toda! -- pulou sobre a outra enlaçando as pernas na cintura dela
A astrônoma caminhou lentamente até a cama, deslizando suas mãos pelas costas e nádegas de Nicolle. Os beijos não paravam e prosseguiam quentes.
--Na cama! -- a loura pedia -- Na cama!
Zinara deitou a ambas na cama, ficando por cima da outra. Uma parte de si estava muito excitada com tudo aquilo, mas sabia que sua alma não se agradava pelo que acontecia. Não tinha sentido, não havia amor, cumplicidade ou amizade. Era apenas desejo e nada mais.
Enquanto os amassos prosseguiam, sentia-se um pouco incomodada pelo cheiro enjoativo da pele da parceira, que parecia um misto de perfume fino e suor.
--Vamos... tomar um... banho? -- perguntou entre beijos
--Que nada! Eu quero mais é calor! -- empurrou a morena pelos ombros e reverteu as posições sentando-se sobre ela -- Só aceito se quiser me dar um banho de gato! -- começou a desabotoar a própria blusa sensualmente
--É que um banho pode ser bem gostoso! -- tentava convencê-la -- Posso te dar uma massagem estimulante... Garanto que vai gostar! -- sentou-se e segurou-a pela cintura -- Vamos? -- insistiu mordendo a orelha dela -- Yaalah? -- mordeu-lhe o pescoço
--Hum... -- empurrou a professora para que se deitasse novamente -- só se for depois... Agora não! -- tirou a blusa -- Agora eu quero goz*r! -- sorriu
“Ô raio de mulher pra não gostar de água!” -- pensou contrariada
--Que tal dar um pouco de atenção... -- desabotoava o próprio sutiã -- aos meus seios? -- jogou a roupa íntima para o alto
Nesse momento Zinara reparou na marca deixada pelo sutiã na pele da mulher. Não era um bronzeado, mas sujeira típica da falta de banho. Sem saber o que fazer, a professora arregalou os olhos e congelou.
“Jayed jedan! (Muito bom!)” -- pensou apavorada -- "E agora? Ô meu Pai, sinto que me dei mal!”
--Meu Deus, ela congelou de desejo! -- falou empolgada -- Imagine quando te mostrar o meu eu! -- ajoelhou-se e começou a tirar a saia
--Espere! -- sentou-se de um pulo e ficou de joelhos também -- Esses quartos daqui têm banheira e eu posso preparar um banho de espuma incrível para nós! Vai ser maravilhoso! -- beijou-a rapidamente -- O seu eu vai se sentir como novo!
--Mas que tanta vontade de banho é essa, minha querida? -- continuou a puxar a saia para baixo -- Tenho certeza que um banho de gato será muito melhor! -- sorriu provocante -- Prefiro sua língua selvagem à uma banheira tosca!
--Ah, mas a língua selvagem rende muito mais na banheira tosca! -- argumentava enquanto a outra se libertava da saia
--Você falou da questão das águas, lembra? -- rebol*va enquanto tirava a calcinha lentamente -- Vamos economizar! -- mordeu os lábios
“Minha Nossa Senhora!” -- não sabia mais o que dizer
--Tira roupa e vem! -- deitou-se na cama e jogou a calcinha no colo de Zinara -- Vem e me lambe toda! -- abriu bem as pernas -- Meu eu é todo seu!
A professora entrou em desespero ao sentir um odor nada agradável. “Ô meu Pai, me defenda!” -- pensou engolindo em seco -- Olha, eu... eu acho que ainda não estou pronta para investir em um novo relacionamento e... -- tentou se levantar
--Ah, mas não seja tão tímida! -- sentou-se rapidamente e pulou no colo da astrônoma -- Notei que seu desejo por mim é tanto que você ficou atônita! -- beijou-a -- Vamos tirar essas roupas e deixar o fogo nos queimar! -- tentou tirar a blusa da outra
--É que... eu não tenho preparo para conhecer esse seu eu! -- buscava se desvencilhar
--Certo que tem! -- mordeu a orelha da morena -- Estávamos derretendo os lençóis há segundos atrás! -- sorriu -- Vem, minha feroz! -- meteu a mão por dentro das calças da outra
--Calma, garota! -- deu um pulo e se desvencilhou -- Acho que hoje não vai ser possível! -- tentou se levantar mas foi retida pelas mãos da loura. Acabou se desequilibrando e caindo de bruços com metade do corpo sobre a cama e a outra metade, da cintura para cima, em direção ao chão. Teve que se apoiar nas mãos para não bater de rosto -- Ô pistinga dos infernos! -- reclamou na língua de Santa Cruz
--Você quer começar assim? -- Nicolle perguntou empolgada -- Por trás e com a bunda arrebitada? Hum, que indecente! -- puxou as calças da outra para baixo e mordeu-lhe as nádegas com força
--Ai!!! -- reclamou -- Ah, mas eu tenho que fugir daqui e vai ser agora! -- continuava falando consigo mesma -- Sinto muito, Nicolle, mas hoje não tem eu, nem tu e nem nós! -- voltou a falar em gálio -- Hora de ir! -- fez força com os braços e deslizou para cair no chão
--Mas o que há de errado com você? -- a loura perguntou aborrecida ao se sentar
--Comigo nada! -- levantou-se rapidamente e puxou as calças para cima -- Mas ouça um conselho: -- correu até a porta e abriu -- tome um banho! -- olhou para a outra -- Passar bem! -- fechou a porta e saiu correndo
***
--Ah, meu Deus! -- Graziela ria com vontade -- Então quer dizer que você foi se arriscar a uma noite de sex* sem compromisso mas a mulher tinha uma catinga dos diabos? -- riu novamente -- Ai, Zinara, só podia ser com você uma coisa dessas! -- balançou a cabeça achando graça
--E eu ia adivinhar? Por cima da roupa não se notava! Depois que foi se mostrando é que eu senti cheiro de problemas! -- justificava
--O eu dela era de matar! -- riu mais uma vez
--Se era, Ave Maria! -- lembrava do cheiro -- Coisa como nunca vi! -- pausou brevemente -- Ou senti!
--Claro, né? Sem tomar banho, qualquer pessoa ficaria assim! -- secou as lágrimas dos olhos -- E sabe Deus há quantos dias aquela criatura não via água! -- sorriu -- Nossa, eu ri de chorar!
--Mas foi muito bem feito pra mim, sabe? Nunca fui mulher de nik nik (fazer sex* vulgarmente), sempre fiz por amor e aquela noite seria um grande erro na minha vida. -- reconhecia -- Sexo não é coisa pra se brincar, mesmo quando se está pela bola sete...
Graziela repentinamente ficou séria. -- Me explique essa história, hein, Zinara? -- estava preocupada -- Como é que tá essa coisa dos nódulos no pâncreas?
--Dah mumill!! (Isso é um saco!!) -- fez cara feia -- Eu fiz a biópsia que a Claudinha mandou e a coisa tava sob controle. Fiquei tomando uns remédios e a vida seguia normalmente. Agora, cinco meses depois dessa coisa toda, comecei a sentir um mal estar sem nexo e antecipamos os exames que deveriam ser feitos em dezembro. -- contava o caso -- Esperei o congresso terminar pra correr atrás disso, já fiz o que tinha que fazer e todos os resultados saem em duas semanas.
--E por que falou isso de bola sete, então? Você é super otimista e nunca te vi sofrendo por antecedência. -- não entendia
--Não é pessimismo, é que... -- passou a mão nos cabelos -- Há algo estranho acontecendo comigo, Grazi. Não sei te explicar, mas acho que dessa vez os resultados dirão tudo que eu não queria!
--Mas não é possível, Zinara! É muito pouco tempo pra que os nódulos tenham se transformado em... em... -- não queria dizer
--Em câncer? -- a morena completou -- Não sei, Grazi. Há momentos em que as coisas não acontecem como se imagina que aconteceriam... -- pausou brevemente -- Mas deixemos que o dia de amanhã cuide de si mesmo. Vamos mudar de assunto. -- propôs sorrindo
Graziela gastou uns segundos pensando. -- Já que você está pra loucuras, que tal irmos na festa de aniversário da minha sobrinha no sábado? -- sorriu também -- Eu não tava a fim de ir, mas tanto você quanto eu estamos amargando um pé na bunda, então acho que vai ser uma higiene mental!
Achou graça. -- Eu tenho um monte de coisa pra fazer mas vou me dar um refresco e ir na tal festa contigo. Quer que eu te dê carona? -- ofereceu
--Ai, eu quero! -- estava animada -- Passa na minha casa às dez e eu te guio no caminho!
--E a moça gosta de que? Qual presente eu compro pra ela?
--A coisa mais louca que você encontrar numa loja sem sentido! -- riu
--Ajudou muito, Grazi! -- riu também
***
“Faz retangulim, faz retangulim, faz retangulim dos nove,
Faz retangulim, faz retangulim, faz retangulim dos nove...”
--Retangulim dos nove?! -- Zinara perguntou intrigada -- Mas que diabo de geometria é essa? Nem no espaço hiperbólico tem isso!
--E esse povo lá entende de matemática, mulher? -- Graziela perguntou dando um tapinha no braço da outra -- Eles querem é a bagunça dessa dança! -- olhava para as jovens dançando
--E que dança mais desgraçada! -- a professora comentou -- Faz mal à coluna isso, não?
“Faz retangulim, faz retangulim, faz retangulim dos nove,
Faz retangulim, faz retangulim, faz retangulim dos nove...”
--Sei lá! -- achou graça -- Só sei que essa coisa veio direto de São Sebastião e virou uma febre na cidade. -- olhou para a amiga -- Acredita que até a chefe do meu departamento foi dançar isso aí e deu um jeito no pescoço? Agora tá de licença em casa!
--Eu, hein? -- acabou rindo -- Vai entender! -- balançou a cabeça -- Eu não sei o que é pior: São Sebastião exportar esses trem ou Cidade Restinga ir na onda! -- olhou para Graziela -- Quando eu morava lá e gostava desse ritmo, todo mundo me criticava. Mas eu gostava de coisa leve e dançante, sabe? Tipo assim, Huguinho e Ameixa?
--Ah, mas eu também gostava deles! Cheguei a chorar quando o Huguinho morreu. -- lembrou -- Hoje em dia é que tá difícil, porque só cantam sacanagem ou essas tranqueira como o retangulim dos nove! -- riu
“Faz retangulim, faz retangulim, faz retangulim dos nove,
Faz retangulim, faz retangulim, faz retangulim dos nove...”
--Servido, senhoritas? -- um garçom chegou com bebidas
--Ah, por favor. -- Zinara pegou dois copos de coquetel -- Obrigado!
--Oba, vai de coquetel, hoje? -- Graziela perguntou empolgada ao receber seu copo -- É isso aí, vamos falar mal de nossas ex e beber até danar!
--Esse é o sem álcool, habibi! -- piscou para a outra -- Lembre-se que você ainda não pode beber! -- advertiu -- E eu não tô disposta a ficar aqui falando mal de Jamila! -- sorriu -- Muito menos quero te ouvir falando mal de Andressa.
--Maldita hora que te contei que não posso encher a cara, viu? -- fez um bico e bebeu um gole -- Hum... até que tá gostoso!
--Eu já tinha tomado um copo desse coquetel assim que a gente chegou. -- sorriu e bebeu um gole -- Jayed! (É bom!)
“Aaaaaaaaah, trequim, trequim, trequim, trequim, trequim, trequim,
Aaaaaaaaah , trequim, trequim, trequim, trequim, trequim, trequim,
Rodando, rodando, rodando prum lado,
Rodando, rodando, rodando pro outro...”
--Essa é a dança de quem não tem labirintite! -- Graziela comentou zombando
--Ô Grazi, eu não entendi o estilo dessa festa, não! Um lugar chique desse, cheio de garçom engomado, mas só toca troço ruim?
--Olá, meninas!!! -- Gabriela se aproxima para saudar as duas -- Zinara, que prazer ter você aqui! -- sorriu -- É bom ter uma autoridade científica pra abrilhantar a festa de Valentina Maria!
“Abrilhantar!” -- achou graça -- Oi, Gabi, como vai? -- levantou-se para dar beijos de comadre na mãe da aniversariante
--Ótima! -- jogou os cabelinhos -- E você? -- virou o rosto para olhar maldosamente para a irmã -- As duas aqui sozinhas nessa mesa, conversando face to face... -- olhou novamente para a morena e deu um tapinha no braço dela -- É um revival e eu não sei? -- piscou
--Revival? -- perguntou surpresa
--Ai, Gabi, não racha minha cara! -- Graziela pediu encabulada
--Você sabe que Grazi e eu somos apenas boas amigas, não tem isso. -- Zinara respondeu sorrindo -- Mas e então? Orgulhosa pelos 13 anos da filha? -- mudou de assunto
--Ah, mulher, nem te conto! É muita emoção prum peito de mãe! -- olhou na direção da jovem -- Espia como dança, a danadinha! É o retangulim dos nove, é a dança do trequim... Só coreografia elaborada!
--Elaborada na sacanagem! -- a irmã resmungou baixinho
--Valentina Maria é meu orgulho! -- sorriu orgulhosa -- É uma artista, essa menina, Ave Maria!
“Ah, é!” -- Zinara pensou achando graça -- Foi você que organizou a festa, Gabi?
“Aaaaaaaaah, trequim, trequim, trequim, trequim, trequim, trequim,
Aaaaaaaaah , trequim, trequim, trequim, trequim, trequim, trequim,
Rodando, rodando, rodando prum lado,
Rodando, rodando, rodando pro outro...”
--Eu e Valentina Maria! -- respondeu olhando para a professora -- Você sabe que minha família não gosta de exibição, mas treze anos é uma idade cabalística, né? -- ajeitou os cabelos -- A menina não queria luxo, ela gosta é de se expressar com dança, mas eu insisti por uma festinha mais incrementada e deu nisso que você vê: -- apontou para o salão -- descontração com classe. -- sorriu
“Vem, gostusoda,
Balança o teu rabão,
Rebola gostoso,
Me deixa malucão...”
Moças rebol*vam e se esfregavam com vontade. Alguns rapazes dançavam junto na mesma esfregação, enquanto outros observavam as garotas e apertavam os próprios sex*s de modo vulgar.
--E que classe mais fuleira! -- Graziela continuava resmungando
--Já provou do caviar, querida? -- a mãe da jovem perguntou a professora -- Ovas de esturjão da melhor qualidade! -- gesticulava -- Coisa importada,viu?
--Ainda não passou por aqui. -- respondeu sorrindo -- Mas quando passar, eu provo.
--Sei que nem todo mundo gosta de caviar e tive a preocupação de também servir pasta de queijo brie com presunto de Parma pra compensar. -- exibia-se -- Agora se nem isso agradar, fazer o que, né, Zi? Paladar tem que ser treinado na finesse, porque senão... Só vai gostar de tapioca! -- riu brevemente
--Uai, mas eu adoro tapioca! -- protestou
--Eu também, Zi, mas só tapioca com caviar, filé mignon ou doce de mangostins d’Austria com cassis! -- sorriu em uma pose ensaiada -- Bem, deixem-me ir que tenho mais convidados a cumprimentar. -- fez um gesto com a cabeça -- Até mais! -- afastou-se
--O que seriam mangostins d’Austria? -- sentou-se novamente -- Pensei que mangostim só nascia em país tropical.
--Ai, Zinara, você vai levar a sério os devaneios de minha irmã? Tapioca com caviar, faça-me o favor! -- achou graça -- Ih, lá vem o garçom. -- observou -- Prepara o coração que pode ser o caviar ou o presunto de Parma! -- zombava da irmã
--Ai, ai... -- balançou a cabeça -- Vamos nos servir que a hora é essa! -- pegou dois pratos de salgados para ambas -- Seja lá o que for, a cara tá boa!
--Você, como sempre, comilona! É magra de ruim! -- comeu um salgado e ficou uns instantes calada -- Mas... sabe, Zinara? Às vezes eu me pego pensando na gente... -- olhava para a outra -- Sinto saudades de deitar na grama com você, uma carta celeste e a lanterna de luz vermelha... Perdidas na noite e você me mostrando os planetas, as constelações... -- lembrava saudosa -- Penso em quando a gente saía de carro pelas praias, só nós duas, e das conversas sobre religião, política, ciência... -- sorriu -- De nossos momentos românticos, das suas massagens maravilhosas... -- suspirou -- Por que não deu certo, hein? -- perguntou com voz melosa
--Do que eu me lembro, foi porque você terminou comigo pra voltar pra Andressa, que te procurou pedindo uma chance, tava mudada e linda com farda de oficial da Aeronáutica. -- respondeu calmamente antes de beber um gole do coquetel
“Bota na boca, bota nas fuças, bota onde quiser,
Bota na boca, bota nas coisa, bota nas mulé...”
--Ô música do Bicho Ruim, disconjuro! -- reclamou -- Ai, amiga, morri de vergonha, viu? -- cobriu o rosto -- Que bola fora!
--Baseeta (sem problemas), Grazi! -- fez um carinho rápido no braço dela -- Isso é passado e a gente é amiga, lembra? -- sorriu -- Além do mais eu devo muito a você. A força que me deu quando vim morar aqui e era nova na cidade... Foi bacana aquele tempo, mas já passou. E sem ressentimentos! -- falava a verdade
--Nem dá mais pra eu tentar te seduzir, né? -- destampou um olho-- Nem perfumada e de banho tomado? -- brincou
Achou graça. -- Não...
--Ai, amiga, se arrependimento matasse... -- descobriu o rosto e fez cara de tristeza -- Eu te magoei muito, né?
--Um tanto, não vou negar. -- respondeu com sinceridade -- Mas você sempre foi amiga quando eu precisei e foi sincera o suficiente pra assumir que ficou balançada com a proposta da outra. -- pausou brevemente -- Sem ter me traído por causa disso.
--Juro que nunca te traí! -- cruzou os braços -- Caí no velho truque da Madalena arrependida, voltei pra Andressa e ela me sacaneou... Tô mais cheia de chifre que um alce da velha guarda!
“Senta, senta, senta no negoço,
Senta, senta, tu vai ter um troço...”
--Bela melodia essa aí! -- Zinara brincou
--Que diacho de música dos infernos! -- fez um bico -- Mas... falando de amor... -- passou a mão nos cabelos -- Será que meu destino é amar as canalhas? Tô aqui pensando, sabe...? Meu primeiro amor foi a garota mais safada da rua! -- comeu um bolinho
--Fazer o que? -- comeu outro salgado
--E você? -- perguntou curiosa -- Quem foi seu primeiro amor? Nunca te fiz essa pergunta!
--Meu primeiro amor? -- debruçou-se sobre a mesa e mirou um ponto no infinito -- Eu era criança...
--Começou cedo, hein? -- brincou
--Não, é sério! -- sorriu -- Foi o amor mais puro e mais inocente que já experimentei na vida! -- gastou uns segundos calada -- Eu não desejava tê-la como mulher, até porque nem sabia como era isso, apenas queria que ela ficasse por perto e que gostasse de mim... -- visualizava a imagem da jovem em sua mente -- Ela era ruiva, cabelos cacheados, pele branca e leves sardas no rosto. Tinha uma voz bonita, delicada e me parecia uma alma cheia de luz... Ela era a minha manhã de primavera... mentalmente eu a chamava de ar-rabiic, que quer dizer primavera. Ela era a paz em meio à guerra que acabava comigo... A única pessoa que acalmava meu espírito inquieto...
--Então ela era de Cedro? -- perguntou com delicadeza -- Não pensei que houvessem ruivas por lá.
--Gidditna (nossa avó) era cigana, descendia dos povos mais ao norte e jogava cartas. Eu não a conheci, apenas por histórias que me foram contadas... E ela era ruiva. -- sorriu novamente -- Inclusive, a única pessoa pra quem ela ensinou a arte das cartas foi pra minha ar-rabiic.
--E qual era o nome dessa moça? Do seu primeiro amor?
--Zahirah... -- seus pensamentos viajaram no tempo
CAPÍTULO 4 – Harb Ahliyya (Guerra Civil)
(Às vítimas de todas as guerras...)
https://www.youtube.com/watch?v=Ml6MaJiD6C4
“Yoom Kitaabii,
Parece que foi ontem que comecei a escrever aqui, mas cinco anos já se passaram e estamos em 1980. Tanta coisa mudou, Kitaabii, só que apenas para pior...
Trinta por cento da população de Cedro foi evacuada e mais de trezentos mil de nossos compatriotas escolheram viver no exílio a ter de conviver com a esta terrível harb ahliyya que nos despedaça a alma dia após dia.
Suriyyah rompeu sua aliança com a Organização dos Filastinos e resolveu intervir no siraagh (conflito) ao lado daqueles de nossa religião. No entanto, a presença do exército deles em Cedro causou protestos tão violentos, que resultou na intervenção direta de Godwetrust, da Gália e da União Comunista. Estes países forçaram negociações para obrigar Suriyyah a se reconciliar com os filastinos e retirar suas tropas daqui. Cheguei a acreditar que a guerra chegaria ao final, mas não... As coisas ficaram mais tensas!
Quando menos se esperava, o assassinato de um líder guerreiro desencadeou uma nova e terrível onda de violência no país, e Dar-ulharb, mais uma vez, nos invadiu para expulsar a Organização dos Filastinos daqui. E este é o momento em que vivemos: soldados de vários países, inclusive do nosso, estão matando, agredindo e violentando a nós para nos salvar... Salvar de que, Kitaabii? Salvar de que?
E aqui em Jasin, tudo mudou por causa disso! Tivemos de deixar aquela casa, que nem existe mais, e agora moramos em um galpão abandonado. Somos nove famílias vivendo juntas e não é nada fácil. Imagine só, quase sessenta pessoas dividindo o mesmo espaço, sem privacidade, sem maa’ (água), sem eletricidade ou o menor conforto que se possa pensar. Vivemos à luz de samgha (velas), precisamos buscar maa’ no poço mais próximo, que fica a uma hora daqui, e nem sempre podemos ir, pois é perigoso... Sonho com o dia em que, tal qual foi com a samaritana, encontrarei o bondoso Rabi da Galiléia e ele me dirá que veio para me dar a água viva que sacia toda a sede eternamente... “Eu vim para que todos tenham vida!”, desejaria ouvi-lo dizer! Mas isso não vai acontecer, Kitaabii... o profeta já veio e nós o matamos... Oh, khaayen, oh, khaayen... (Oh, traição, oh traição...)
Não há mais subaak (janelas), porque o forte estrondo das bombas quebram todos os vidros. Elas vivem permanentemente cobertas com tapetes e lonas pretas, de modo que a luz do sol quase nunca consegue penetrar. De dia, o calor é insuportável e de noite o frio quase nos congela. Não temos kursi (cadeiras), taawula (mesas), talheres ou coisas do gênero. Nem sempre temos taghaam (comida), mas quando temos, comemos com as mãos sobre pedras lisas. Viramos animais, Kitaabii... Acuados, famintos e miseráveis... Às vezes temos de beber urina para não morrer de sede. E eu que nunca pensei...
Giddu Raja lidera os homens na muqaawama (resistência), mas penso que eles nem sabem mais contra quem lutam. Todos são inimigos de todos... Akhuuya (meu irmão) Adel lutava na muqaawama do centro-norte e foi pego pelos soldados de Dar-ulharb há três meses atrás. Ele foi torturado com ferros e cortaram sua língua, olhos, nariz e até o p*nis. Abuuya (meu pai) está velho e acabado e ommii (minha mãe) dá sinais de loucura. Já não fala mais com coerência. Isso me dói como nem sei dizer. Sofro como nunca imaginei ser possível tamanho sofrimento. Parece que minha família acabou, Kitaabii; uns morreram pelo corpo e os que vivem, são apenas zumbis.
Farida vive tensa e apreensiva. Nem lembro da última vez em que a vi sorrir. Desde que ela voltou para meu convívio, nunca tivemos um momento nosso, um simples booseh (beijo), um carinho ou um aconchego nos braços uma da outra. Só podemos tocar as mãos de leve de quando em vez, trocar olhares e sonhar. Ana mutafaa'il... (Eu sou otimista...). Um dia, quem sabe, nosso amor poderá ser!
As crianças são as que mais sofrem e choram noite e dia; menos Zinara. Ela nunca chora... Já está com cinco anos e trabalha como gente grande! Acho uma tristeza, porque a menina é totalmente desprezada por camm Raed; especialmente agora que ya Amina conseguiu dar a ele mais dois awlaad; ambos varões: um tem três anos, Youssef, e o outro apenas um, o pequeno Khaled. Nem sei como conseguiram, diante do modo como vivemos. Giddu já brigou bastante com camm Raed por causa disso…
Farida e eu gostamos de ensinar à Zinara, e fazemos isso todos os dias, do jeito como é possível. Ela é uma menina muito inteligente e interessada, aprende rápido e está sempre nos surpreendendo. Em seus primeiros anos ficou muito doente e todos acreditaram que fosse morrer; menos eu. Zinara tem sido nosso consolo nestes tempos de completa escuridão e, talvez por ela, Farida e eu não tenhamos enlouquecido ainda. No meu coração, eu a chamo de Yatamanna (A esperança)...”
--Por que fazemos o caminho mais longo? -- Warda reclamava -- Já não sou moça e carregar maa’ (água) debaixo de sol forte acaba com minhas poucas forças! Ana mutghab! (Estou cansada!)
--É necessário, khaala Warda! -- Farida esclareceu -- Não podemos deixar que o caminho até nossa casa seja óbvio. O poço agora é vigiado por talaata junuud (três soldados) e eu não confio neles!
--Nem eu! -- Zahirah complementou -- Não sabemos se algum deles será ya zaalem (o opressor).
--Mas cansa muito! -- Leila retrucou -- Sinto dores pelo corpo todo! Zahrii (minhas costas), rijlii (minha perna) udiraaghii (e meu braço) estão como podres!
--Precisamos de maa’, Leila! É isso ou morrer de sede! -- Miriam respondeu
--Warana ay? ( Que mais se pode fazer?) Zinara leva o balde na cabeça! -- a menina falou -- E quando cai maa’ molha Zinara e Zinara gosta!
--Por que fala de si mesma como se fosse outra pessoa? -- Farida se intrigava com isso, mas Zinara não entendeu a pergunta
--Quando cai maa’ me molha, habibi. -- Zahirah corrigiu delicadamente -- É assim que se fala.
--Me molha, me molha. -- a criança ficou repetindo para fixar
Todas as mulheres da casa, com exceção de Amina, Sanya e das meninas com menos de três anos, voltavam do poço carregando pesados baldes. Usavam o fustan (vestido típico) e mantinham os cabelos escondidos pelo hijab (lenço), o que causava mais desconforto e calor. Era dia e elas buscavam se apressar para chegar antes das dez da manhã. Caminhado sob sol forte, as projeções das treze sombras tremulavam no chão seco e arenoso da cidade de Jasin.
--Vamos parar um pouco? -- Elmira pediu -- Já não agüento! Ana haamil... (Estou grávida...) -- colocou os dois baldes no chão -- Não aguento! -- sentia-se muito mal
--Sem demora heek al junuud (por causa dos soldados)! -- Farida salientou ao colocar seus baldes sobre uma pedra -- É perigoso !
Todas as outras aproveitaram para descansar um pouco e Zinara ficou observando o grupo. Não entendia como certas coisas podiam ser.
--Zahirah, -- olhou para a ruiva -- os homens fala que são al-jins al-xašin (o sex* forte), então por que eles não vai buscar maa’? Só mulheres vai!
--Hablaa’ sabiyya! (Garota tola!) -- Miriam exclamou revoltada -- Porque é assim que tem que ser! -- respondeu secamente -- Pergunta tola!
--Laa! (Não!) -- a criança discordou -- Homem come primeiro, bebe maa’ primeiro, toma banho primeiro e descansa. Mulher faz tudo depois e trabalha mais. Zinara não aceita!
--Nem eu! -- Farida disse fazendo cara feia
--Não é que tenha que ser assim, habibi. -- Zahirah sentou-se ao lado da menina -- É que deixamos que seja assim. -- acariciava a cabeça dela -- Nós deixamos.
--E quando mulher muda o mundo?
--Nunca! -- Simara respondeu desanimada
--Quando quiser, albii (meu coração). -- beijou a testa dela -- Mas tenha paciência. As verdadeiras transformações não acontecem bruscamente na Natureza.
--Não ensine essas bobagens de sua cabeça à menina, Zahirah! -- Warda advertiu -- Ela é mulher, oprimida e sofredora como nós, e a vida que vai ter será como a de todas as demais: abaixo de um homem! Maktub! (Já estava escrito!)
--Com Zinara será diferente... -- sorriu para a criança -- "Eu sei, eu sinto!” -- pensou
--Eu ouvi dizer que a milícia de extrema direita vai distribuir xubz (pão), haliib (leite), zeit zeituum (azeite) uburtuqaal (e laranja) para nós na Igreja da cidade. -- Simara mudou de assunto
--Cuidado, Simara! Muito cuidado com essa bondade toda! -- Farida advertiu -- Também fizeram isso em Smiro, só que o preço era alto! -- pensava em como dizer -- Eles davam comida em troca de... coisas com as mulheres. -- olhou rapidamente para a outra -- Acho que entendeu!
--Que coisas, Farida? -- Zinara perguntou curiosa
--Coisas que uma mulher só pode compartilhar com alguém de muita confiança e que se ame. -- Zahirah respondeu carinhosa -- Um dia você vai entender isso!
“Hum... essas coisas devem ser al malaabis (as roupas)!” -- a menina concluiu
--A única baqaraat (vaca) que ainda vive não dura muito tempo! -- Warda falou -- Não aparece mais um taa’ir (pássaro) que possamos matar e comer. Já comemos cada al kalb (cachorro) uqitta (e gato) da vila. Não sei o que faremos... -- suspirou com os olhos marejados -- Eu não me importaria em ceder aos caprichos da milícia por comida. O que tenho a perder? -- seu tom era melancólico -- Não sei por onde andam awlaadii (meus filhos), Mustafá está obcecado com a guerra e sei que vou perdê-lo para ela...
--Khaala! (Tia!) -- Farida olhou para a tia emocionada -- Não pense nisso, pelo amor de Deus! Isso não!
--A guerra vai acabar ya Warda! -- Zinara respondeu -- E toda gente vai viver em um lugar bonito e cheio de taghaam (comida) e cheio de maa’ (água)! -- afirmou convicta
--Como sabe disso, menina? -- Miriam perguntou desconfiada
--Eu vi no sonho! Uma moça me mostrava um lugar muito bonito! -- respondeu sorridente -- Jayed! (Bom!)
--Sonhos... Não há mais espaço para isso, Zinara! -- Elmira repreendeu -- Yaalah! (Vamos!) -- levantou-se e pegou seus baldes
--Deixe-a sonhar! -- Zahirah discordou -- Yatamanna... -- disse em voz baixa
“Como uma pessoa reage quando está em guerra, Kitaabii? Às vezes de um jeito desumano, frio, cruel. Quando ya Warda falou daquele jeito, com tamanha dor, tudo que me veio à cabeça foi desejar a castração à sangue frio e a morte agonizante dos milicianos. Quando Zinara afirmou, tão confiante, que a guerra iria acabar, tive medo do que pensei e me envergonhei. Você perde sua humanidade, Kitaabii... e eu não queria isso..."
Após mais meia hora de caminhada, as mulheres avistaram seu refúgio e se surpreenderam com a intensa movimentação nas redondezas.
--Ma hatha?! (O que é isso?!) -- Leila perguntou apavorada -- O que está acontecendo, meu Deus!? -- parecia pensar no pior
--Calma, Leila, dughr! (pânico desnecessário!) -- Farida tentava acalmá-la -- Continuemos andando!
--Os homens estão em casa! -- Warda começou a chorar -- Cheiro de morte! Cheiro de morte! -- queria correr mas não tinha forças
--Por favor, ya Warda! -- Zahirah tentava consolar -- Yahda’u! (Fique calma!) -- também queria correr mas não tinha forças
De longe Zinara reconheceu a mãe com Khaled no colo, andando desnorteada ao redor do galpão e visivelmente nervosa, mas a menina não entendia porque. Seu pai percebeu que elas estavam chegando com a água e veio correndo na direção delas ao lado de Ibrahim. Sanya e os dois pequeninos filhos de Leila vinham correndo na frente.
--Warda!!! -- Sanya gritava como louca -- Mustafá! Mustafá! -- chorava descontrolada -- Warda!
--Zogii!! (Meu marido!!) -- Warda deduziu o que aconteceu e largou os baldes no chão -- AHAHAHAHAHAHAHAHAH!!!!!!!!!!!!!!! -- berrou
--Al Maa’!!! (A água!!!) -- Simara advertiu desesperada -- Laa!! (Não!!)
--O que está acontecendo?? -- Farida estava tremendo
Sanya e Warda abraçaram-se chorando. Os meninos choravam também e correram ao encontro da mãe; Leila não sabia o que fazer.
--O que acontece, Zahirah? -- Zinara estava confusa e nervosa, quase derrubando seu balde
--A'teni hatheh! (Dê-me isso!) -- Raed se aproximou e puxou o balde da filha com raiva -- Vai derrubar no chão! -- ralhou
--Baba está ferido! -- Ibrahim falava ofegante ao se aproximar das mulheres -- Mustafá está morto! -- Rachid... Akhuuya... (Meu irmão...) -- caminhava de encontro a filha -- Bintii (minha filha), sadik Mustafá está morto... Rachid está morto... -- chorava -- Deus já me levou Adel, zogitii majnum (minha mulher está louca)... -- segurou Zahirah pelos braços -- Me ajuda, bintii, já não sei mais o que fazer!
--Baba... -- abraçou o pai com o coração destroçado
--Meu Rachid!!!!! -- Elmira gritava ajoelhando-se no chão -- Zogii!!! (Meu marido!!) Que desgraça, meu Deus, que desgraça!!! AHAHAHAH!!!!!!!!!! -- berrou
--Matha? Ayn? (O que? Onde?) -- Farida colocou os baldes no chão e começou a gaguejar -- Kha... kha... -- tremia nervosamente
Parecia que todos estavam fora de si.
--La afham... ( Não entende...) -- Zinara sentia-se perdida
--Não entende? -- Raed segurou-a pelo braço -- Quer entender? Vai entender agora! Yaalah!
Raed seguiu arrastando a filha por um braço, enquanto segurava o balde que ela trouxe com a outra mão. Chegaram a uma pequena vala recém cavada no chão e pararam sobre um monte de terra.
--Onzori, Zinara! (Veja, Zinara!) Se não entende, é isso aí! -- apontou para baixo -- Estão mortos! Isso é a guerra: dor, sofrimento e morte! Isso é a guerra! -- estava descontrolado -- Gaatak niila, Dar-ulharb!! (Vá para o inferno, Dar-ulharb!!) -- gritava como se estivesse possuído -- Gaatak niila!! Gaatak niila!!
A criança olhou para baixo e viu os cadáveres em estado deplorável. Sem que pudesse pensar, ajoelhou-se no chão e vomitou.
“Eu sabia que baba precisava de conforto, Kitaabii, mas ele era adulto, um homem vivido. Zinara, não. Ela era awlaad (criança) e eu não imaginava como seria ter uma infância despedaçada daquela forma tão cruel.
Beijei a testa de abuuya (meu pai) com muito carinho, crendo que ele me entenderia, e corri até a menina para tomá-la em meus braços. Ela chorava um choro sentido, maduro e tocante demais. Algo me dizia, Kitaabii, que a criança havia morrido ali, e isso me doeu mais que tudo. Mais do que ver maama (mamãe) chorando em desespero naquele momento, mais do que ver baba (papai) perdido como nunca vi. Foi pior que testemunhar a dor furiosa de ya Warda, a revolta insana de Farida, a violência de camm Raed e a histeria de Elmira. Ver Zinara daquele jeito, representava o que eu mais temia: a própria morte da esperança...
Oh, Deus, tire tudo de mim mas não deixe Yatamanna morrer! Não daquela morte triste em que o corpo respira mas a alma não vive.”
“Naquele dia eu entendi o que a guerra significava e o que a morte representava. Naquele dia eu cresci e o mundo perdeu a cor; tudo ficou cinza.... Demorou muito tempo para que, aos poucos, as cores fossem surgindo outra vez. Passei longos anos sem sorrir e quase desaprendi como fazê-lo. Só sei que se Zahirah não existisse e não tivesse me tomado nos braços exatamente como fez, nem cinza o mundo seria. Minha alma teria sido totalmente invadida pelas trevas e tudo teria se acabado ali.
Queria com todas as minhas forças que as pessoas do Ocidente entendessem que muitos dos chamados assassinos terroristas nascem desse jeito. Queria ardentemente que nunca mais houvesse guerra em lugar algum deste planeta! Queria que o ser humano entendesse e aprendesse pelo amor, não pela dor.
Mas, apesar de tudo, creio nas promessas do Rabi da Galiléia!”
“Bem aventurados os que sofrem, porque serão consolados.” (Mateus, 5:5)
Beati qui lugent quoniam ipsi consolabuntur.
CAPÍTULO 5 – Ontem e Hoje
Zinara conversava pelo Skype com Clarice, a paleoceanógrafa com a qual trabalhava há um tempo mas ainda não conhecia pessoalmente.
--E como vão os resultados da sua pesquisa ao sul do Oceano de Atlas, Clarice? -- perguntou interessada -- Tô curiosa pra ver se os resultados batem com aqueles da variação da irradiação solar.
--Minha querida, acho que sua teoria tem tudo pra estar corretíssima! -- respondeu empolgada -- Os períodos mais quentes e mais carbônicos do nosso planeta coincidiram com os períodos que você me passou como sendo aqueles com o maior número de manchas no sol.
--Smallah!! (expressão de admiração) -- socou a mesa empolgada -- Maravilha!
--Uma de minhas doutorandas também está concluindo seus estudos junto com a equipe da Ganarajya e tudo indica que a concentração de CO2 atmosférico exibe variações idênticas às da circulação oceânica. A avaliação considerou um período de 100 mil anos.
--Conto nos dedos o dia em que iremos naquele evento mundial do ano que vem pra provar de uma vez por todas que essa história de efeito estufa por causa do ser humano é a maior balela que há! -- pausou brevemente -- Junto com o buraco do ozônio, claro! -- considerou sorrindo -- Sua equipe, os pesquisadores de Ganarajya e o pessoal daqui somos um time daqueles! -- brincou
--Gosto de trabalhar com você! E também fico ansiosa pelo congresso pra poder te conhecer pessoalmente! -- sorriu -- Sua empolgação no que faz é contagiante! Também confesso que admiro sua coragem de encarar as conseqüências de tudo e me sinto honrada com a confiança que vem depositando em mim, uma pesquisadora com menos tempo de estrada que você.
--Já vivi tempo suficiente pra reconhecer um talento quando vejo um. E você, com certeza, é uma profissional que veio pra abalar! -- sorriu também
--Hum... porque será que percebo uma diferença em você apesar de estar com o bom humor de sempre, hein, Zinara? -- perguntou com jeito -- Sei que não nos conhecemos bem, mas... Acho que já sei ler alguns dos seus sinais do mesma forma como você interpreta os astros que escondem segredos. -- brincou
--Ah, é que... -- abaixou a cabeça e ficou mexendo na costura da calça -- eu fiz uns exames chatos, perderam os resultados e tive que rodar uma baiana poderosa na clínica pra refazer tudo de graça. -- olhou para a tela do computador -- Senão eles conheceriam minha fúria maldita! -- sorriu
--Que chato! Onde já se viu, perder os exames dos outros? -- ficou revoltada
--Eles vão dar uma priorizada e os resultados vão sair mais rápido que o normal. -- passou a mão nos cabelos -- Galho fraco!
--Eu sei que já é motivo suficiente, mas é só isso que chateia você, não é? Não seria algo mais? -- arrependeu-se por perguntar -- Desculpe, eu não devia ser tão invasiva.
--Invasão nenhuma, você não me incomoda! -- tranquilizou-a -- É que... é muita coisa acontecendo na minha vida ao mesmo tempo, sabe? -- decidiu desabafar -- Tô com risco de estar com problemas sérios e... -- gastou uns segundos calada -- Eu investi muito num relacionamento que não deu certo... às vezes dói muito... Tenho andado meio nostálgica e relembrando coisas... Acho que estou repensando minha vida... Entende isso?
--Entendo! -- respondeu compreensiva -- Quanto a sua saúde, à partir de hoje vou orar pra que se fortaleça e levarei seu nome pra irradiação no meu centro.
--Obrigada, habibi! -- agradeceu
--E quanto aos assuntos do coração... eu também já sofri muito por amor. Saí de um relacionamento há pouco tempo e... sei como é. -- pausou brevemente -- Minha ex namorada não foi o que se possa chamar de uma pessoa muito companheira. -- assumiu que era lésbica -- Mas relevo porque ela vivia conflitos internos demais.
“Então Jamila tinha razão!” -- constatou surpresa -- "Clarice é mesmo lésbica!” -- pensou -- Minha ex... -- assumiu também -- foi companheira em um momento muito delicado de minha vida, mas depois... Sei lá, acho que ela endoidou! Ou fui eu quem a deixou de saco cheio!
Clarice achou graça. -- Se um dia estiver aqui em São Sebatião e quiser marcar de me encontrar pra desabafar, falar de ciência, jogar conversa fora ou simplesmente admirar o céu, sabe como me contatar. -- ofereceu
--Será um prazer! -- agradeceu -- Não vejo a hora de conhecê-la!
--Ih, minha mãe me chama. -- pausou brevemente -- Tenho que ir, Zinara.
--Vai lá. Macasalaama! (Até logo!)
--Macasalaama!
--Ahá, falou bonitinho! Pronúncia impecável! -- brincou
--Já aprendi um bocado de coisas na língua de Cedro. -- respondeu orgulhosa -- Uma certa astrônoma me ensinou!
--Mabrook! (Está de parabéns!) -- balançou a cabeça
--Ala halik! (Cuide-se!) -- falou confiante
--Eita, que ela tá demais! -- sentiu-se lisonjeada -- Mas, vá lá que eu não quero te atrapalhar. Rahimaka Allah!
--Aí não vale! -- riu brevemente
--Eu disse “Deus te abençoe”!
--Agora sim! -- balançou a cabeça -- Obrigada, querida! -- pausou brevemente -- Tchau! E fique com Deus! -- desligou
--Tchau, -- suspirou e se levantou -- Clarice... -- foi até a cozinha para beber água -- Eu gosto dela... É uma mulher interessante, agradável, inteligente, simpática... -- sorriu -- Será que ela...? -- balançou a cabeça -- Não, Zinara, não fique aí sonhando! -- repreendeu-se -- Uma mulher dessas não quer nada contigo! -- pegou um copo e encheu de água -- Você tem mais é que se aposentar, porque essa tua carreira lésbica dava uma novela cafona pra ninguém botar defeito! -- bebeu de um gole só -- Ave Maria!
De repente ouve o som de batidas na porta.
--Nossa, quem será que bate com tamanha raça? -- foi atender curiosa -- Calma, minha gente! -- abriu a porta -- Oi, dona Julieta. -- respondeu educadamente
--Zinara, meu anjo, abre as alas que eu quero passar! -- foi entrando -- Vim trazendo comigo irmã Creuza e irmã Odiléia! -- olhou para as mulheres -- Vem, gente, à vontade! -- acenou
--Entrem. -- a professora deu passagem às outras senhoras que entraram com as Bíblias debaixo do braço -- "Sinto que terei problemas!” -- pensou
--Minha querida Zinara, nós viemos em missão de fé! -- Julieta sentou-se -- Sentem-se todas porque o assunto é sério. -- as outras mulheres se sentaram desconfiadas
--E que missão de fé seria essa? -- a morena perguntou sem entender
--Desembucha irmã Creuza! Mostra nossa causa! -- Julieta pediu
“Ela fala de um jeito!” -- Zinara teve vontade de rir
--Bem, -- Creuza ajeitou os óculos -- nós estamos aqui atendendo a um apelo do nosso homem querido e santo, Caio Cesar Otaviano!
--Aleluia! -- Julieta e Odiléia ergueram as mãos rapidamente
--Esse homem não é aquele deputado religioso que vem causando tumulto com suas idéias e propostas de lei desde que assumiu a presidência da Comissão de Igualdade das Minorias?
--O próprio! -- as três responderam em coro -- Mas o tumulto é porque o Bicho Ruim anda à solta e o povo de Deus tem sofrido perseguição! -- Creuza explicou
--Queima! -- Odiléia gritou
--Repreende! -- Julieta apoiou
--O nosso líder Otaviano pediu pra que toda gente de religião saísse às ruas pra lutar em nome da família, da moral e dos bons costumes! -- Creuza continuava -- Então nós atendemos ao chamado.
--Compramos o livro da mulher de religião -- Julieta mostrou um volume de autoria de Otaviano -- e estamos vendendo outros tantos pra toda mulher que aceita o Rabi da Galiléia no coração. -- pôs a mão no peito -- Eu sou a líder desta falange que se apresenta diante de ti!
Zinara fez um bico discreto.
--Além disso, estamos correndo um abaixo assinado a favor do projeto da cura gay! -- Odiléia mostrou o papel -- Já conseguimos milhares de assinaturas a favor.
--Milhares? -- perguntou descrente reparando no papel -- Eu só vejo o nome das três aí!
--Ah, mas é porque as folhas cheias a gente deixa guardadas na bolsa! -- Odiléia respondeu sem graça
--Como uma mulher séria e de bom coração, creio que você não vai se recusar a assinar! -- Julieta falou -- E também tenho certeza de que vai comprar o livro! -- sorriu
--Vamos, irmãzinha, -- Creuza pedia como quem discursa -- ouça a voz de Julieta, liberte-se dessa calceta e fique aberta, completamente aberta com sua...
--Eita, que conversa é essa? -- Zinara interrompeu a fala da outra -- Sinto muito, mas eu não vou fazer nem uma coisa e nem outra! Não tem compra de livro e nem assinatura em lista!
--Como não?! -- Creuza levantou-se de um pulo -- É tanto homem fêmea, é tanta mulher macho que isso está destruindo as famílias! -- gesticulava -- O Senhor abomina essa pouca vergonha que se vê por aí!
--“Abrindo Pedro a boca, disse: Reconheço por verdade que Deus não faz acepção de pessoas.” -- Zinara citou calmamente os Atos dos Apóstolos, 10:34
--O Bicho Ruim está debochando de nós e contaminando as mentes de todos! -- Odiléia também se levantou -- O Rabi falou que...
--“Não julgueis, para que não sejais julgados” -- interrompeu-a calmamente -- Está bem claro em Mateus 7:1.
--Mas o julgamento não é nosso! Está na Palavra Sagrada! É o julgamento de Deus! -- Julieta protestou
--O que eu vejo é a distorção da Palavra de Deus, sem qualquer análise de época e situação. -- objetou ao se levantar -- O Rabi não julgou nem quando incitado a isso. Acho incrível como que pessoas que julgam representá-lo se dêem ao direito de fazê-lo.
--Zinara, de que lado você está? Sempre pensei que fosse uma mulher de Deus! -- Julieta retrucou indignada -- A menos que... -- levou a mão aos lábios -- Oh, meu Pai! -- exclamou apavorada -- Irmãs, -- levantou os braços -- estou cheia de santidade, -- fechou os olhos -- vamos expulsar o Bicho Ruim do corpo dessa mulher perdida! Aleluia, aleluia!
--Aleluia, meu Pai! -- as outras gritaram
--Mulher perdida? -- cruzou os braços -- Ô, dona Julieta, até bem pouco tempo sua vida era dividida entre o forró do Cachorrão e o terreiro de Mãe Gizá! Desde quando ya sayyida (a senhora) começou com isso de mulher de religião?
--O que?! -- Creuza e Odiléia olharam escandalizadas para a outra
Julieta arregalou os olhos e tossiu engasgada. -- Consolida, meu Pai! -- bateu no peito -- É que... -- não sabia o que dizer -- Eu vi a Luz e tudo mudou! Acabou-se a vida de terreiro! -- gesticulou novamente
--Então viu a Luz há bem pouco tempo, porque na semana passada ya sayyida se requebrava como doida no forró! -- relembrou -- Vi isso porque eu também tava lá! Era aniversário de uma ex aluna minha!
--Ah, mas... -- pensou -- aquele era um forró ungido!! -- olhou para cima -- Aleluia!
--Ungido? -- perguntou descrente -- E aquele negão que ya sayyida (a senhora) dava umas chamada, era ungido também?
--Negão??? -- as mulheres estavam atônitas
--Irmãs, vamos embora desta casa! -- Julieta pediu -- Aqui, as sementes da Palavra não darão frutos e é vã nossa tentativa! -- tentava se recompor -- Vamos embora!
--Vão sim! -- Zinara foi até a porta e ficou esperando por elas -- Espero que descubram coisas mais úteis pra ocupar o tempo!
As mulheres saíram rapidamente e com a cara feia.
--Dona Julieta! -- chamou e a mulher se virou para vê-la --Mãe Gizá disse que a festa da cigana desse ano promete! -- piscou -- Passa lá que vai ser massa!
--Incendeia, meu Pai! -- fez um gesto de desagrado e seguiu para o elevador
--É cada coisa, viu? -- fechou a porta contrariada -- Eu aqui pensando em me aposentar na carreira solo e o povo vai mais longe; querem me curar de ser lésbica! -- acabou rindo -- Ai, ai, será que se pedisse uma licença gay na faculdade eles me dariam, hein? Ficar em casa, ganhando um dinheirinho do Governo sem fazer nada... Deve tá sobrando, né? -- falava sozinha -- Afinal de contas eu tô duplamente doente: é bolota no pâncreas e gayzisse na alma! -- coçou a cabeça -- Até que não seria uma idéia tão ruim...
***
Zinara estava sentada junto à janela, seguindo em um vôo direto para Godwetrust. Não gostava daquele país, mas tinha muitos amigos lá e fora convidada para uma reunião no Observatório do Astro Rei. Seu modelo sobre a atividade solar caracterizou perfeitamente as explosões solares registradas em agosto de 2011. Com a proximidade do ano de 2013, os pesquisadores queriam discutir com ela sobre as explosões previstas para maio daquele ano.
Estranhamente ela não fazia coisa alguma durante o vôo. Estava completamente ociosa e apenas relembrando fatos dispersos em sua vida. Sem que pudesse controlar, viu a imagem de Jamila em sua mente e reviveu um dos momentos que lhe tocaram fundo na alma.
“-- Eu adorei a surpresa que você bolou pro meu aniversário, habibit! -- comentava ao entrar em casa -- Fiquei muito feliz em rever os amigos da faculdade e tanta gente com quem eu não conversava há tempos! -- parou diante da namorada e sorriu -- Dayman betkhaleeeni mebtsmeh! (Você sempre me faz sorrir!) -- puxou-a pela cintura para um beijo
--Al’afw! (Não há porque agradecer!) -- beijou-a mais uma vez -- Quando você me disse que novamente se desentendeu com abuuik (seu pai) e não poderia ir ter com usritik (sua família), -- envolveu o pescoço da morena com os braços -- eu me senti na obrigação de não deixar uma data tão importante passar em branco! -- sorriu
--E me fez muito feliz! -- respondeu emocionada -- Ana mabsoutah, wallahi! (Estou feliz, eu juro!)
--Mas espere um pouco, hayati! -- mordeu o lábio inferior da amante -- Ainda não acabou!
--Não? -- beijou-a
--Não! -- afastou-se dengosamente -- Tome seu banho enquanto eu preparo as coisas.
--Por que não toma banho comigo? -- pediu -- Hein?
--Eu vou tomar banho no outro hammaam. -- piscou -- Sem você pra me desconcentrar! -- foi andando na direção do banheiro social -- Quero que use aquele perfume que eu gosto e me espere na cama do jeito como gosta de dormir.
--Sabe que durmo nua, habibit!
--Eu disse que não sabia, hayati? -- soprou um beijo e sumiu no corredor
--Eita, que essa mulher me mata! -- correu empolgada para o quarto
Minutos depois Jamila aparecia usando uma camisola sexy. Trazia consigo um pequeno pote com cubos de gelo artificiais e um grande copo com chá quente.
--Koulli sana wi enti tayyed ya habibi! (Feliz aniversário minha querida!) -- caminhava sensualmente em direção à cama -- Seu presente chegou! -- sorriu
--Walaw! (O prazer é meu!) -- sentou-se excitada na beirada da cama
--Vamos viver uma experiência sensorial, hayati! -- colocou as coisas sobre a mesinha e olhou para a amante -- Você não vai me agarrar! E nem fazer nada! -- deslizava o dedo pelo rosto dela -- Se falar, será só a língua de Santa Cruz! -- arranhou-lhe o pescoço de leve -- Hoje quem dá as cartas aqui sou eu!
--Você manda! -- respondeu babando
--Sente-se no meio da cama, vai? -- pediu fazendo charme
--Já tô! -- obedeceu imediatamente
Jamila achou graça. -- Você parece um animalzinho safado, sabia? -- bebeu um gole de chá e se ajoelhou sobre a cama -- Bem safado... -- aproximou-se para beijá-la -- Do jeito como eu amo! -- beijou-a -- Amo! -- posicionou-se entre suas pernas
--Beijo quente... -- lutava para não agarrar a namorada e beijá-la inteira
--Viu nada... -- bebeu mais um gole e seguiu beijando o corpo da professora
--Ah!!! Jamila... -- fechou os olhos e entregou-se à sensação agradável de ter aqueles lábios quentes percorrendo seu corpo
Jamila tinha um toque delicado, sensual e envolvente. Ela sabia provocar e ameaçava tomar a amante com intensidade, mas não o fazia. Prolongava sensações deliciosas que não satisfazia de todo, como em uma doce tortura.
--Quente -- mordia-lhe a coxa -- ou frio pra começar? -- olhou para ela
--Você manda... -- respondeu excitadíssima
--Se é assim... -- pegou um cubo de gelo e pôs na boca, sugando-o sensualmente. Em seguida, mergulhou entre as pernas da amante
--Ah!!! -- gem*u em surpresa. Lábios e língua gelados provocaram-lhe um arrepio inesperado pelo corpo inteiro
Enquanto deleitava-se com o sex* da parceira, a jovem deslizava o gelo lentamente por seu abdômen, seguindo em direção aos seios.
“Minha nossa, o que é isso?” -- Zinara pensava incapaz de falar
--Vamos... -- voltou a morder a coxa da astrônoma -- variar? -- pegou o copo com as duas mãos e bebeu mais um gole -- Quente na medida certa... -- mergulhou entre as pernas da mulher mais velha
--Ai!! -- a língua quente da jovem parecia deixá-la em brasa
Mãos aquecidas provocavam os seios da professora, que sabia não estar longe de explodir em um orgasmo delicioso.”
--Ai, ai, Jamila... -- encostou a cabeça na janela do avião e murmurou para si mesma -- Por que? -- sentia a dor da saudade -- Por que? -- respirou fundo -- Você é uma pessoa muito complicada, Zinara... Tem a alma pesada e cheia de manchas... -- concluía -- Jamila e Clarice... elas são pessoas leves... Ambas merecem coisas que você ainda não pode dar...
***
Horas mais tarde, a professora encarava uma desconfortável viagem, em algo que deveria ser um micro ônibus, para a cidade que sediava o Observatório.
“E depois dizem que só em Terra de Santa Cruz é que tem o tal do transporte alternativo!” -- Zinara pensava enquanto viajava esmagada pelos passageiros a seu lado -- "Só falta o trocador!”
Correndo alucinadamente por uma estrada estreita, o motorista parecia não se importar com o risco de acidentes.
--Excuse me! (Com licença!) -- pediu com educação -- Could you not drive so fast? (Poderia não dirigir tão rápido?)
--Time is money! (Tempo é dinheiro!) -- respondeu com seu sotaque arrastado -- Fasten your seat belts because now we have to get hurry! (Afivelem os cintos de segurança porque agora nós temos que correr!) -- advertiu a todos
--Is it a joke? (É uma piada?) -- perguntou descrente -- "Como se tivesse cinto de segurança nessa fumbica!” -- pensou
--Oh, my God! -- um homem se benzeu
O motorista acelerou com vontade para vencer a subida íngreme que se aproximava, fazendo com que todos os passageiros fossem projetados para trás. O veículo margeava a estrada mal tratada, parecendo que estava prestes a despencar ribanceira abaixo.
--Más despacio, señor! (Mais devagar, senhor!) -- a mulher ao lado de Zinara pediu apavorada -- Más despacio!! -- agarrou o braço da morena com força
--Be careful, man, please! (Cuidado, homem, por favor!) -- a astrônoma pediu enquanto tentava se libertar da mulher que lhe agarrava
Chegando na primeira curva o motorista virou bruscamente fazendo com que os pneus quase saíssem da estrada, derrubando pedras e levantando poeira.
--AHAHAHAHAHAHAH!!!!!!!!! -- todos gritaram
--Oh, shit, what a hell! (Oh, merd*, que inferno!) -- um homem gritou
--Más despacio, señior!! -- a mulher gritou apavorada antes de morder o ombro de Zinara
--Ai!! -- reclamou de cara feia -- Não me morde, bicha! -- não conseguiu responder na língua dos castilhos
--Tengo miedo!!! Tengo miedo!! -- e tome de morder
--Mas que diabo!! -- deu um tapa na mão da outra -- No me muerda! (Não me morda!)
--No puedo!! (Não consigo!!) -- olhou para Zinara em desespero
Mais uma curva se aproximava e o motorista manobrou da mesma forma.
--AHAHAHAHAHAHAHAHAH!!! -- o povo gritou em coro
--I will kill you jackass!! (Eu vou te matar idiota!!) -- um homem berrou para o motorista
--Tengo miedo!!! -- e tome de morder
--Ô meu Pai, dai-me forças!! -- a morena reclamou em voz alta -- Tiizak Hamra, majnum!! (Seu rabo é vermelho, seu louco!) -- a astrônoma disse para o motorista, sem saber mais em que língua falar
(Nota da autora: essa é uma expressão ofensiva cuja tradução literal não diz muita coisa)
Chegando na parte mais alta da estrada, o homem seguiu por uma trilha em zigue zague até descambar em uma assustadora descida.
--Oh, my, God, please, stop it!!!! (Oh, meu Deus por favor, pare!!) -- uma mulher pediu histérica -- AHAHAHAHAH!!!!
Zinara arregalou os olhos temendo pelo pior. “Minha Nossa Senhora, o que é aquilo ali no meio do caminho???” -- pensou aflita
--AHAHAHAHAH!!!! -- e novamente a professora foi mordida
Sem saber o que fazer, a professora agarrou a mulher e a mordeu também. “Se vou morrer agora, vai ser elas por elas!” -- pensou antes de morder a outra novamente
***
Quando Zinara chegou na rodoviária, dois pesquisadores do Observatório do Astro Rei a aguardavam. Um deles era seu colega Michael e o outro era o novo diretor da instituição que ainda não a conhecia.
A professora aproximou-se dos dois homens causando uma impressão arrasadora.
--Pensei que tivesse dito que ela era muito apresentável! -- o diretor sussurrou para o outro com a boca torta
--Sempre foi, mas algo errado deve ter acontecido. -- respondeu aos sussurros -- Zinara! -- saudou abrindo os braços -- Bom vê-la novamente!
Falavam na língua dos saxões.
A morena vinha mancando com apenas um pé de sapato, as pernas sujas de lama, blusa manchada, unhas sujas de terra, cabelos desgrenhados e o mais terrível olhar assassino.
--Olá, Michael. -- respondeu secamente -- Boa tarde, senhor MacNaph! -- cumprimentou o diretor com educação
--Meu Deus, mas o que houve? -- MacNaph perguntou preocupado -- O que fizeram com você?
--Não fez o que recomendei, Zinara? -- Michael não entendia -- Não usou o transporte rápido?
--Com certeza rápido ele era! -- respondeu controlando a fúria -- Tão rápido que nem teve tempo de desviar de um charco podre que havia no caminho! E que caminho!
--Você recomendou que ela viesse com os Coyotes? -- olhou indignado para Michael -- Homem, será que não sabe que nove em cada dez veículos se acidentam naqueles caminhos perigosos que eles pegam? Por que não marcou um carro especial para buscá-la?
--Estamos em contenção de verbas... -- Michael coçou a cabeça constrangido -- Sabe como é... -- olhou para a mulher -- Cortes de orçamento, disciplina de capital... Não sei se vocês passam por isso em Terra de Santa Cruz, mas aqui não tem dinheiro pra...
--Michael! -- Zinara o interrompeu -- Não fale mais nada! -- pediu antes de entregar sua mala nas mãos dele -- Nada! -- passou a mão nos cabelos endurecidos e seguiu mancando -- "Eu agüento muita coisa, mas ouvir um pesquisador de Godwetrust chorando miséria é pedir demais!” -- pensou revoltada
***
Jamila estava sozinha. Havia procurado pela professora em seu departamento e ficou sabendo que ela estava fora do país à serviço. Voltou para casa desanimada.
Durante o tempo em que manteve consigo o Yoom Kitaab de Zahirah, havia tirado para si uma cópia do diário. Zinara não sabia disso.
Nos últimos dias lia aquelas páginas com muita atenção. Era uma leitura dolorosa, mas através dela sentia-se descortinando a alma da ex amante sob uma ótica que lhe era desconhecida. Não sabia porque fazia aquilo, mas sentia necessidade.
Olhou para a cópia encadernada em suas mãos e pensou no encontro desagradável que tivera com Cláudia, médica e amiga da astrônoma, no shopping central da cidade.
“--Nunca imaginei que você fosse uma canalha tão grande!” -- Cláudia falou magoada -- "Não tem idéia do que fez!”
A jovem não se sentia uma mulher de mau caráter. Ela acreditava que tomou a decisão correta e que fez o que deveria fazer. Não sabia lidar com Zinara e nem com seus próprios sentimentos. Não compreendia como que uma alma tão bela e intensa parecia ser tão insensível e dura em certos momentos, como se fosse incapaz de enxergar a outra pessoa e perceber os efeitos de suas atitudes sobre ela. No entanto, agora que o diário de Zahirah contava-lhe coisas que até então desconhecia, tudo começava a fazer total sentido. Aquele relato triste, de uma realidade que Jamila sequer poderia imaginar, emocionava-lhe pesadamente e fazia-lhe admirar a mulher que julgava ser o próprio mistério.
Passou a mão pelos cabelos e abriu o diário. Queria sentir-se perto da ex, queria mergulhar no passado dela de alguma forma.
CAPÍTULO 6 – Arba’a ‘ashara (Quatorze)
“Estamos em 1982, Kitaabii.
Como as coisas em Cedro continuam fora de controle, Godwetrust mandou tropas para ajudar o exército de Dar-ulharb. Com isso, a população se revoltou ainda mais e um sangrento atentado matou muitos soldados inimigos de Cedro. A onda de violência e a pressão internacional fazem com que Godwetrust pense em retirar suas tropas daqui, mas isso ainda não aconteceu... Sejamos realistas, eles não estão aqui para ajudar um lado ou outro; eles querem simplesmente o controle. Cedro tem ouro, Kitaabii, ouro negro da melhor espécie e é isso que todos querem! Inacreditável que com tanta riqueza nos falte de tudo.
Estou diferente, Kitaabii, e às vezes me pergunto quem sou. Não falo em termos de aparência somente, já que envelheci mais do que o tempo passado, mas do que me vai na alma, do que me vai no coração. Tenho sentimentos de ódio e rancor a ponto de ter medo de mim mesma. Ya tayyib algalb weinak? (Coração doce e meigo onde está você agora?)
No começo deste ano uma bomba explodiu perto do nosso galpão e foi suficiente para que metade dele desabasse. Aconteceu rápido demais... em um minuto todos dormiam, no instante seguinte muitos morreram. Hoje, dentre os quase sessenta, somos quatorze sobreviventes. Sim Kitaabii, não somos outra coisa senão sobreviventes que se abrigam em um buraco naturalmente cavado nas rochas!
Baba (papai) está morto e ommii (minha mãe) se perde na loucura que a leva para longe de mim a cada dia. Talvez seja uma fuga, talvez ela tenha mais paz vivendo sem razão. Cuido dela, tenho paciência mas entenderia se Deus a levasse. É sofrimento demais...
Ya Warda morreu ontem e creio que foi mais por desgosto que por qualquer outra razão. Tristeza também mata e é pior que qualquer doença. Ela começa por aniquilar a alma até que o corpo tombe cansado sentido o peso de uma velhice que não consegue chegar.
Farida parece alguém à beira do abismo, incerta na decisão de saltar ou não. Tento ser o refúgio de seu espírito revoltado e inquieto, mas não consigo. Eu mesma estou em pedaços. Tenho tossido muito, às vezes de modo incontrolável. Desconfio que tenha quebrado uma costela de tanto tossir. Farida enrolou um hijab com ervas ao redor do meu tórax na esperança de que faça passar. Sei que ela tem pedido a Deus por mim.
Leila é uma mulher nervosa que sofre com seus dois awlaad (filhos), desnutridos e traumatizados, os quais choram por qualquer coisa. Aba (Meu Pai), são apenas crianças em um mundo cruel... O que é ser criança em tempos de guerra?
Giddu Raja, camm Raed e camm Amin são os únicos homens adultos que permaneceram vivos. O primeiro está muito mal, sendo cuidado por Zinara, Farida e eu. O segundo é o homem mais estranho que conheci na vida e o terceiro ficou viúvo e sem filhos. camm Amin quase não fala mais e é de extrema crueldade com os que considera inimigos; não tenho coragem de ficar perto dele.
Ya Amina vive para cuidar de camm Raed, Khaled e Youssef. Os garotos são frágeis, adoecem com muita facilidade e ela por si mesma não goz* de boa saúde. Noto que muito se ressente por não dar a Zinara a atenção que gostaria, mas tem medo da fúria do marido que a proíbe de muitas coisas; talvez até de amar a própria filha. Mas, não, Kitaabii, homem algum pode dominar o coração de uma mulher!
Zinara é a pessoa que mais me surpreende. Ela parece que não se abala com nada mais, seja lá o que aconteça. Não a vejo chorar, não a ouço reclamar e dorme pouquíssimo desde a tragédia no galpão. Talvez pense que se dormir nunca mais acordará. Ela cuida do que lhe ordenam, trabalha mais pesado que nunca e se perde admirando o céu. Presta atenção nas estrelas, no sol e nos planetas. Vive perto de mim e sei que me ama com todas as forças. Da mesma forma eu a amo e por causa dela me sinto útil.
Youssef e Khaled têm em Zinara seu modelo, para desespero de camm Raed. É esdrúxulo, mas às vezes me parece que o homem compete com a menina e sempre perde. Ele tenta anulá-la, mas não consegue.”
Zahirah, Leila e Zinara retornavam do poço carregando baldes cheios de água barrenta. Raed veio correndo na direção delas.
--Onde está Farida heek la a’ref (porque eu não sei)? -- perguntou mau humorado
--Quando saímos para ir ao poço ela cuidava de ya Raja e por isso não foi conosco. -- Leila respondeu desconfiada
--Amina está com abuuya, Sanya uawlaad (meu pai, Sanya e as crianças)! -- garantiu -- Farida não!
--Meu Deus, Farida! -- Zahirah se desesperou -- Inshallah nada de mal tenha lhe acontecido!
--Ela volta, Zahirah! -- Zinara tentava consolar a ruiva
--Onzor, baba! Onzor! (Veja, papai! Veja!) -- Youssef apareceu gritando e apontando para trás
--Junuud? (Soldados?) -- Raed perguntou sem entender -- Corram para dentro, mulheres, alaan (agora)! -- ordenou preocupado -- Youssef! -- chamou o filho para junto de si
As mulheres se esconderam tentando não desperdiçar uma gota d’água sequer. Zahirah e Zinara ficaram escondidas atrás de uma pedra observando o que se passava. Raed segurou o filho no colo e permaneceu firme esperando pela aproximação dos milicianos.
--As-Salamu Alaikum! (Que a paz esteja convosco!) -- um dos homens saudou ao descer do jipe
--Alaikum as-Salaam! (E a paz também convosco!) -- respondeu desconfiado
--Farida?! -- Zahirah constatou preocupada ao ver a amada descendo do jipe dos milicianos
--Ma hatha? (O que é isso?) -- Raed não estava entendendo aquilo
--Esta jovem foi nos procurar na igreja e disse que vocês precisavam de taghaam (comida). -- outro homem respondeu ao descer do carro -- Viemos ajudá-la a trazer. -- sorriu
--Mumtaz! (Excelente!) -- Raed exclamou satisfeito ao ver as caixas de mantimentos que tinham trazido -- Youssef, -- colocou o menino no chão -- vá chamar a maama! Temos taghaam! -- o menino sorriu para ele e correu para ver a mãe
Os dois homens deixaram as caixas no chão ao lado de Raed e foram embora rapidamente. Farida não disse coisa alguma e pegou uma das caixas com dificuldade. Zahirah olhava para ela com os olhos marejados.
--O que foi? -- Zinara perguntou aos cochichos -- Não é bom ganhar taghaam?
--O preço é caro demais, habibi... -- uma lágrima escorreu-lhe pelo rosto -- Caro demais...
***
Naquela noite Farida acordou passando mal e correu para fora para vomitar. Não conseguiu fazê-lo e quando se acalmou um pouco mais sentou-se no chão. A náusea aos poucos dava-lhe tréguas.
--Hayati? -- ouviu Zahirah chamar com carinho
--Deveria estar dormindo, Zahi. -- respondeu de cabeça baixa -- El layali (as noites) são frias demais! Não deveria estar aqui! -- ralhou com a ruiva
--Impossível! -- sentou-se do lado da outra e tossiu -- Acho que precisamos conversar... Ana laka. (Estou aqui para você.)
--Não há sobre o que! -- respondeu virando o rosto -- Eina Ellayali? (Para onde foram as boas noites?) -- não sabia o que dizer
--Você... -- não sabia como perguntar -- esteve com aqueles homens, não foi? -- tentou acariciá-la, mas Farida não deixou
--Não me julgue! -- abraçou-se às próprias pernas
--Nunca faria isso! -- respondeu delicada -- Queria apenas entender...
--Entender o que?? -- respondeu nervosamente ao se levantar -- Ana baddi gheish! (Eu quero viver!) -- olhou com tristeza para a outra -- Eu quero que VOCÊ viva! -- seus olhos marejaram -- Sei que se não tivermos taghaam você vai morrer! -- derramou uma lágrima -- Enti omri! (Você é minha vida!) -- respirou fundo -- Lamma Shoufak qalbi byouqaa’... (Quando te vejo,meu coração se derrete...) Eu não podia ver você passando fome e ficar sem fazer nada! -- passou a mão no rosto -- Temos crianças aqui! -- apontou para o lugar onde se escondiam -- Temos um idoso doente e sua mãe enlouquecendo! -- sentia muita dor -- Eu não podia ficar assistindo isso!
Zahirah se levantou com dificuldade. -- Habibi... -- chorava também
--Eu não tenho mais nada a perder, Zahi! -- seu olhar cortava o coração da ruiva -- Não tenho família, não tenho posses, não tenho nada...
--Tem a mim!
--E foi por você que fiz o que fiz! -- pausou brevemente -- Principalmente por você! -- virou-se de costas para a amada -- Quando aqueles homens... -- esforçava-se para não chorar sem controle -- e eles eram seis, sete, não sei... Quando eles me possuíram, um a um, eu fechei os olhos... -- olhou para o chão -- Para que... enti arraib layyi (você ficasse perto de mim)...
--Batwannes beek! (Você está sempre comigo!) -- foi até ela e parou diante da amada -- Eu sempre te amei, Farida! Esperei e espero por você desde o dia em que meus olhos pousaram nos seus. -- segurou o rosto da outra -- Não a julgo, sei que o que fez é prova de amor como ninguém saberia me dar, mas eu não queria que você se sacrificasse desse jeito! Eu não queria que você se submetesse a nada disso! -- falava com muito sentimento -- Creio em Deus que um dia tudo isso vai acabar e nosso amor será! -- chorava -- Creio em Deus que seremos felizes!
--Deus nos abandonou, Zahi!
--Não diga isso! -- pediu com tristeza -- Não diga isso! -- abraçou-a com força -- Eu queria que meu amor por você fosse suficiente para te manter inteira.
--E ele é! -- abraçou-a também -- Não fosse por você, teria partido junto com khaala Warda.
--Farida! -- novamente segurou o rosto da mulher que amava -- Preciso beijá-la! -- pediu
--Habibi, não... é arriscado e... eu... sabe que... -- chorava -- Sabe o que aconteceu, estou nojenta, impura e...
--Não está! -- pôs uma das mãos sobre os lábios dela -- Nunca estará! -- tossiu -- A menos que tenha medo de adoecer como eu e... -- foi interrompida pelos lábios da amada que cobriram os seus com ansiedade
“Aquele beijo foi intenso, Kitaabii. Carregado de amor, paixão, desejo, frustração, expectativas e sonhos não realizados. Esquecemos de tudo, desprezamos as conseqüências de sermos surpreendidas por alguém e deixamos que nossos lábios e línguas falassem como só os que se amam conseguem compreender. Perdemo-nos em um abraço que parecia nos unir além da vida física.
Sentia um gosto amargo em seus lábios mas ao mesmo tempo era como se fosse o mais doce mel que poderia provar. Sentia a angústia que lhe ia na alma e a dor que minava a força da mulher por quem me apaixonei desde sempre.
Aquele beijo, Kitaabii, era a “canção da despedida”. Foi a última vez que tive Farida em meus braços...
Dias depois, aqueles mesmos milicianos voltaram, arrancaram Farida de nossas mãos e a levaram no mesmo jipe que nos trouxe taghaam (comida). Nunca mais a vimos...
Não vou lhe contar como foi isso, Kitaabii. Seria o mesmo que descrever minha própria morte.”
--Meus Deus! -- Jamila fechou o livro com os olhos marejados -- Que vida infeliz! -- não conteve as lágrimas -- Nunca imaginei que ela tivesse vivido... -- balançou a cabeça indignada com as tristezas do mundo -- Isso explica muito! A insônia, as reações exageradas com certas coisas... -- suspirou -- Se eu soubesse de tudo isso antes... -- murmurou pensativa -- As coisas poderiam ter sido bem diferentes...
***
FLASH!
--Eita, pau! -- Zinara sentiu um incômodo nos olhos
--Nós estamos muito honrados por a senhora ter aceito nosso convite, doutora Zinara! -- Ieda agradeceu sorridente
--Não é toda pessoa do seu gabarito que aceita dar entrevista a uma TV universitária. -- Diego sorria também
--A partir do momento que o trabalho é sério eu não vejo problema algum! -- respondeu com sinceridade -- Do contrário, eu que agradeço o convite e gosto de ver a informação sendo corretamente veiculada para as pessoas interessadas na verdade.
--Então vamos começar doutora Zinara! Vamos conversando aqui e gravando tudo pra depois editar. -- Ieda pegou seu roteiro de perguntas -- A senhora afirma que o alarde que se faz sobre o aquecimento global na verdade é uma distorção dos fatos, não é isso?
--O aquecimento global não seria causado pela atuação dos seres humanos? -- Diego complementou
--Exatamente! -- respondeu convicta -- O clima do nosso planeta é marcado por glaciações e períodos interglaciais dentro de uma sazonalidade, quer dizer, de forma cíclica. -- explicava -- Dentro do Holoceno, período geológico que teve início há 10 mil anos e ainda não terminou, é possível perceber que períodos frios sempre foram antecedidos por períodos quentes. Esses períodos quentes, de acordo com os estudos do paleoclima, sempre se caracterizaram por um aumento do CO2 atmosférico, independentemente da ação humana. -- sorriu -- Lembrem-se que a nossa capacidade de contribuir pesadamente na geração de gás carbônico é um fenômeno recente e que começa com a Revolução Industrial. -- olhava para os jovens repórteres -- Podemos até afetar a cinética do aquecimento, mas ele aconteceria de uma forma ou de outra.
FLASH!
--Ô diabo! -- reclamou da luz forte em seu rosto -- Ya aini! (Meus olhos!)
--Por que as condições climáticas são cíclicas? -- Diego estava curioso
--Por fatores astronômicos. -- respondeu enfática -- Basicamente três deles: mudanças na inclinação do eixo do planeta, variações no formato da órbita planetária ao redor do sol e a precessão dos equinócios, ou seja, mudanças em como a inclinação do eixo está orientada em relação à órbita. -- explicava -- O astrônomo Milutin Milankovitch foi um pioneiro no estudo destas mudanças cíclicas e suas interações agindo sobre as variações climáticas à longo prazo.
--E outrossim, quão longos são esses prazos?
--“Outrossim quão longos são esses prazos”, qual é Ieda, que forma de falar é essa? -- reclamou
--Diego, quer deixar eu falar difícil? -- fez cara feia para o colega
A professora achou graça e respondeu: -- Os períodos são de 100, 20 e 10 mil anos e, como eu falei, acontecem por fatores astronômicos. -- cruzou as pernas -- Nos últimos 500 mil anos, condições estáveis como a que temos atualmente, com pouca ocorrência de gelo continental e temperaturas amenas são características de períodos interglaciais, os quais prevaleceram por apenas 15% do tempo. -- salientou -- Concluindo, vivemos um período interglacial.
--Então quer dizer que entraremos numa era glacial? -- arregalou os olhos -- Gente, como vai ser isso?
--Calma, Ieda. Estamos falando aqui numa escala de tempo geológica, ou seja, muuuuitos e muuuuitos e muuuuitos anos. -- tranquilizou-a -- Nem seus netos verão essa glaciação!
--Uff! -- Diego respirou aliviado -- E como se modifica a temperatura média climática global? A gente entendeu que a astronomia dá o gatilho, mas o que acontece no planeta? A senhora poderia explicar, doutora Zinara? -- perguntou empolgado por estar conhecendo a verdade
FLASH!!
--Ê lasqueira! -- reclamou de cara feia -- Aqui, -- olhou para o fotógrafo -- chegou de foto, não, meu filho? Karaahiyya! (Que ódio!)
--Ah, doutora, é que a gente tira um monte de foto pra depois selecionar as mais bonitas... -- Ieda respondeu sem graça
--E já tá de bom tamanho de tanta foto! -- decidiu -- E não se atrevam a passar Photoshop na minha cara, porque uma criatura que não mostra o verdadeiro fucinho que tem não pode ser levada a sério quando o assunto é ciência! -- endireitou a roupa e olhou para os repórteres -- E chega desse negócio de senhora que isso é muito fim de carreira, viu? Além do mais esse papo de doutora fica um troço meio esnobe!
--Mas é que as pessoas fazem questão de ser reconhecidas por seus títulos e...
--Comigo tem frescura, não, Diego! -- Zinara o interrompeu sem rispidez -- Sou partidária da informalidade respeitosa. Me chama de você que tá tudo certo! -- pediu
--Vamos fazer como ela pede! -- Ieda concordou -- Vitor, chega de foto, tá?
--Senão daqui a pouco eu vou ter que fazer um cursinho de braile! -- a professora comentou e eles riram
O rapaz guardou a câmera na bolsa. -- Mas eu posso ficar aqui e escutar? -- perguntou receoso
--Pode e deve, mas se sacar esse trem de novo eu te mato! -- brincou e eles riram novamente -- Mas, enfim, respondendo a sua pergunta, Diego, existem apenas três maneiras de modificar a média climática global, sendo duas internas e uma externa. As internas são a variação dos gases de efeito estufa e a variação do albedo planetário, que é o índice de reflexão da luz que chega no planeta. -- decidiu explicar isso melhor -- O albedo é assim: quanto mais geleira tiver no planeta, menos luz do sol é absorvida, é isso! -- pausou brevemente -- E a causa externa é a variação na irradiação solar. -- pausou brevemente -- Só não dizem que a gente afeta o sol porque seria dar bandeira demais! -- brincou
--E em termos da variação dos gases de efeito estufa, da onde vem o CO2 que causa o aquecimento planetário se as emissões humanas não são a fonte mais importante?
--Ieda, por incrível que te pareça, as concentrações desses gases depende muito dos oceanos, que são os grandes reservatórios de tais gases. Eles contêm cerca de 60 vezes mais CO2 que a atmosfera! -- explicou -- Quando os oceanos estão quentes, a absorção dos gases diminui e quando eles estão frios a absorção dos gases aumenta. Qualquer pequeno resfriamento ou pequeno aumento na temperatura dos oceanos pode jogar por terra as projeções mais complexas e seguras que a gente faça sobre o aquecimento global. -- descruzou as pernas e apoiou os cotovelos sobre os joelhos -- Eu não quero que pensem que acho a poluição atmosférica uma bobagem, porque isso não é verdade. Nós temos, sim, que cuidar da qualidade do nosso ar, mas a minha luta é contra as mentiras que imperam quando o assunto é clima! -- olhava para os jovens -- Clima virou comércio e gasta-se dinheiro demais no combate ao CO2 como se nossa prioridade fosse essa. No entanto, as questões cruciais desse planeta são: -- começou a enumerar nos dedos -- água potável, alimentos, energia, lixo e transporte de massa, especialmente a água. -- tinha vontade de falar ao mundo -- Que também fique claro que os oceanos acertam o clima de diversas maneiras, pois recebem a energia solar e têm o papel de armazenar e distribuir esse calor. Nós estamos poluindo os oceanos, alterando a circulação das águas, esgotando as fontes de água potável e fazendo praticamente nada pra mudar esse quadro! ISSO é preocupante!
(Nota da autora: baseado nos trabalhos dos professores doutores Felipe Toledo da USP (Paleoceanografia do Atlântico Sul), Luiz Carlos Baldicero Molion da UFAL (A Contra-Tese do CFC) e Milutin Milankovitch (New Results of the Astronomic Theory of Climate Changes), dentre outros)
--“A terça parte das águas tornou-se em absinto, e muitos homens morreram das águas, que se tornaram amargas”, diz o Apocalipse. -- Vitor recitou temeroso -- Acho que se relaciona com o que a senho... com o que você disse pra nós.
--A profecia não é fatalista, rapaz, ela é um alerta! -- a astrônoma respondeu -- A humanidade pode mudar seu destino, basta que cada um de nós mude por dentro e comece a agir como ser humano! Se conhecemos a verdade, temos que divulgá-la! E temos que lutar pra que as verdadeiras prioridades imperem nas agendas de todos os países!
--Conte com a gente, professora! -- Ieda falou confiante -- Existe uma imprensa honesta, consciente de seu papel, e garanto que você acaba de conhecer alguns representantes dela!
--Não tenho dúvidas! -- sorriu para eles
--Quem é Zinara Raed? -- Diego perguntou interessado
--Uma mulher de 37 anos, astrônoma e astrofísica, solteira e sem filhos, nascida em Cedro, que vive em Terra de Santa Cruz desde 1986 e que conheceu os horrores humanos desde o nascimento. -- respondeu segurando a emoção -- Uma pessoa que não se seduz pelo dinheiro, que acredita em Deus, acredita que viver vale a pena e que o amor é a única força capaz de vencer todas as guerras, dentro e fora do coração de um ser humano.
--Ai, que lindo! -- Ieda exclamou comovida
--E essa mulher deve ganhar bem, cara! -- Vitor sussurrou para o colega
--Você... -- Diego pensava em como dizer -- tem programa pra essa noite? Conheço um pagodinho espetacular! -- convidou -- Chama-se 14 Bis Pagode Voador! Que acha?
“Ih, eu hein?” -- pensou desconfiada -- "Pagode e homem, tô fora!”
***
--Mas Zinara, você tem titica na cabeça ou o que? -- Cláudia reclamava enfurecida -- Deixar passar quatorze dias pra ir buscar o resultado dos seus exames? -- olhava para a amiga -- Isso aqui é coisa séria, sabia? -- sacudia os envelopes dos exames -- É a sua saúde, a sua vida!!
--Eu sei... -- respondeu tranquilamente -- Mas eu tinha algumas coisas a fazer e já sabia qual seria o diagnóstico. -- olhava para a médica -- Nós sabíamos, não é?
Cláudia não respondeu e abriu os envelopes para analisar. Sua expressão mudou quando começou a ler os laudos. Parecia ter ficado triste e muito mais preocupada.
--Os três nódulos cresceram inexplicavelmente e se transformaram em câncer. -- a professora afirmou com naturalidade -- E já é consideravelmente preocupante.
--Sem mais conversas, Zinara. -- pegou o telefone -- Vamos cuidar de tudo porque você vai ser operada o mais rápido!
--Cláudia... -- pôs a mão sobre o telefone e impediu a ligação -- por favor, gostaria que me ouvisse. -- falava com delicadeza -- Min fadlik? (Por favor?)
--O que é, hein? -- pôs o telefone no lugar -- Fala, Zinara! -- estava nervosa
--Eu venho pensando na minha vida não é de hoje. -- pausou brevemente -- Sempre fui muito reflexiva, mas acho que desde que Jamila e eu terminamos, e uma verdadeira avalanche de coisas foi acontecendo, passei a revisitar fatos passados e analisar melhor algumas coisas... -- explicava-se -- Pensei que já tivesse exorcizado todos os meus demônios, mas não... -- deu um sorriso pensativo -- Ainda falta...
--E o que isso quer dizer? -- temia pela resposta
--Que não vou operar! -- afirmou tacitamente
--O que?? -- levantou-se indignada -- Você tem noção da idiotice que tá me dizendo? -- perguntou rispidamente -- Você quer se martirizar pra expurgar os pecados, quer esperar por uma cura espiritual, quer se matar ou que??
--Nada disso, porque não penso em me martirizar e nem pedirei a Deus por uma cura espiritual que não julgo merecer. -- continuava calma -- Tampouco sou suicida. Eu simplesmente quero aproveitar meu tempo ao máximo.
--Isso é piada? -- cruzou os braços -- Deu pra se emaconhar agora, Zinara? -- estava furiosa
--Sejamos realistas, Cláudia. -- levantou-se também -- Sabemos que a operação é arriscada, complicada e longa! -- argumentava -- Sabemos que se eu sobreviver a ela, terei de me submeter a longas e excruciantes sessões de quimioterapia! Sabemos que vou ter náuseas insuportáveis, diarréia, dores de cabeça e problemas renais; e o detalhe é que eu só tenho um rim! -- apoiou-se na mesa da outra -- Sabemos que tenho grandes chances de morrer nesse período e que pra completar, ainda vou perder meus cabelinhos, que tanto prezo. -- sorriu -- A única coisa em mim que sempre gostei!
--Zinara, está sendo radical!
--Diz se eu tô mentindo? -- desafiou -- Nega que essa seja a realidade! Nega?
--Zinara... -- não sabia o que dizer
--Eu quero viver! -- olhava nos olhos da amiga -- Ana baddi gheish! -- repetiu a mesma coisa em seu idioma -- Quero aproveitar ao máximo o tempo que me resta e sei exatamente o que vou fazer! Termino o ano normalmente, peço uma licença não remunerada e vou cuidar de coisas que ficaram mal resolvidas. Sei quem vai me substituir no trabalho, vou continuar orientando meus alunos via internet, vou continuar denunciando o ‘mercado do clima’ e é vida que segue até onde Deus me permitir!
--Vai viver de que, hein? -- controlava-se para não chorar
--Tenho dinheiro no banco e preciso de pouco.
--E os remédios? Quando as dores começarem pra valer você vai comprar remédios com que dinheiro?
--Não vou tomar drogas industrializadas. São caras demais, não curam e têm milhares de contra indicações.
--Zinara, pelo amor de Deus! -- foi até a outra e a segurou pelos braços -- Se não pensa em você, pense pelo menos nas pessoas que te amam! -- tentava fazê-la mudar de idéia -- Pense na sua mãe, no seu pai, nos seus irmãos, nos seus amigos... -- seus olhos marejaram -- em mim!
--“Todas as coisas surgem e vão embora.” -- citou
--Pára com isso, merd*! -- sacudiu a morena com força -- Você não pensa? Zinara, você serve de exemplo pra muita gente! Não pensa no exemplo que tá dando pras pessoas? Não pode induzir os outros a desistirem da medicina dessa forma! Pessoas vão morrer e você será culpada! -- acusou
--Não vou, porque minha decisão é pessoal e ninguém vai saber da verdade. -- desvencilhou-se da médica -- Eu não vou contar pra ninguém e nem você vai!
--Está me pedindo demais! -- afastou-se da outra e caminhou até a janela
--Nunca te pedi nada! -- argumentou
--Você espera o que? -- virou-se de frente para a professora. Estava chorando -- Quer que eu te veja morrer e não faça nada? Que fique calada? -- balançou a cabeça negativamente -- Quando eu tentei me matar você estava lá e não me deixou fazer aquela idiotice! Agora quer que eu te veja morrer e fique quieta?
--Não é a mesma coisa. -- aproximou-se e tocou o rosto da amiga -- Quando você estiver menos emocionada e pensar com a razão, verá que nada do que te disse é absurdo. -- acariciava os cabelos de Cláudia -- Por favor, habibi, faça isso por mim. Deixe-me viver o tempo que me sobra como acho que tem que ser e respeite meu silêncio quanto a isso. Por favor?
--Eu te odeio, Zinara! -- chorava
--Behebbik ia, Cláudia! (Eu te amo, Cláudia!) -- abraçaram-se emocionadas
***
--Mas que diabo de licença não remunerada é essa que você vai tirar, Zinara? -- Werneck perguntou intrigado -- O que é que tá acontecendo?
--Assuntos de família, meu caro! -- arrumava suas coisas -- Daqui a pouco é dezembro, daqui a pouco o recesso de final de ano começa e eu vou aproveitar o embalo pra emendar a licença logo depois das minhas férias de janeiro. -- reparava nos livros
--E como é que vai ser com suas pesquisas? E seus alunos? -- acompanhava os movimentos da colega com o olhar
--Vou continuar orientando eles via internet, mas tem quem me substitua. -- olhou rapidamente para ele -- Inclusive nas aulas. -- mexia na estante -- Quanto aos projetos de pesquisa, Virgínia, Ribeiro e Marcel podem tocar o barco. Ninguém é insubstituível, Werneck.
--Mas você não pode ir! -- objetou -- Ninguém aqui tem a sua força pra lutar por recursos, batalhar intercâmbios, publicar nas melhores revistas da área! Seu networking é maior do que o de todos que conheço. Maior que o meu, sei que é!
--Agradeço por suas palavras, mas o departamento já existia sem mim e continuará existindo depois de mim. -- pegou provas de alunos e colocou sobre a mesa -- Eita, quanta coisa pra corrigir! -- falou para si mesma
--E os observatórios virtuais? Quem implantou isso aqui foi você!
--Bernadete vai defender o doutorado agora e fica como professora convidada. Ela vai assumir. -- respondeu tranquilamente -- Estamos batalhando um pós doc pra ela, então não vai morrer de fome.
--Sabe o que me ocorreu? -- cruzou os braços -- Que você preparava tudo isso não era de hoje. Tá tudo muito arrumadinho!
--Uma pessoa que quase morreu tantas vezes, sabe viver honrando seus dias. -- sorriu para ele -- Sempre trabalhei pensando em continuidade. Sempre formei sucessores.
--E o departamento? Quem vai ficar de chefe no teu lugar? -- estava curioso
--Quem vai ficar não sei, mas indiquei seu nome. -- mexia nas gavetas
--Meu nome?? -- levantou-se com os olhos arregalados
--Nunca reparou que toda vez que eu não podia atender algum compromisso delegava pra você? -- parou de mexer nas coisas e ficou olhando para ele -- Você é maluco mas manda bem no trabalho. -- brincou
--Sim, mas... -- passou a mão na cabeça calva -- Nossa, fiquei até emocionado! -- sorriu
--Emociona, não, meu filho! -- achou graça -- Fica esperto que Matias vai querer o teu lugar e ele não tem nem metade da tua competência!
--Muito menos da boa pinta! -- empinou-se todo -- Chefe de departamento tem que ter estampa! -- fez pose de galã
--Ah, é. -- riu e voltou a examinar as gavetas
--Zinara, precisamos conversar! -- Matias chegava entrando na sala da colega como um foguete -- Fiquei sabendo que você vai pedir demissão e indicou... -- deu de cara com Werneck e ficou sem graça
--Werneck como novo chefe do departamento. -- a professora completou a frase -- E, à propósito, eu não vou pedir demissão, não, uai, vou é pedir licença! -- olhou para Matias com seriedade -- Se Deus quiser, volto pra cá!
--Acho que nós temos que discutir isso melhor. -- olhou para o outro -- Nada pessoal, colega, mas você não tem condições de assumir essa chefia!
--E por que não? -- estufou o peito
--Porque eu fiz doutorado no Mana Yie, de Godwetrust, enquanto que você nunca saiu de Terra de Santa Cruz! -- parou diante do outro
--Grandes coisas! -- olhava nos olhos do outro -- Tenho mais orientados, mais produtividade e um currículo Cattes maior do que o teu!
--Ninguém tem um maior que o meu!
--Ih, eu hein, que papo brabo na minha sala, viu? -- a astrônoma pôs as mãos na cintura indignada -- O nome dele já foi lançado, meu filho, agora é esperar a deliberação do colegiado!
--Eu não aceito! -- olhou para a morena de cara feia -- Você fez isso por razões pessoais, por não gostar de mim!
--Fiz isso porque não acho que você tenha perfil de chefia! -- respondeu prontamente
--E esse maluco, tem? -- apontou para o outro
--Olha lá o que fala, seu invejoso! -- deu-lhe um tapa no dedo -- Bicho fuleiro!
--Chega dessa baixaria aqui! -- pegou Matias pelo braço -- E você também! -- puxou Werneck pelo pulso -- Se querem cair no pau, que briguem lá fora! -- encaminhou-se com os dois para fora da sala
--Foi ele que começou, você viu! Eu tava quieto aqui!
--Foi você quem começou, Zinara! Gosta de trazer discórdia pro ambiente de trabalho!
--Ah, vá se danar! -- deixou os homens no corredor -- Tenho mais o que fazer, viu? Diacho! -- voltou para dentro da sala
--Zinara! -- Emerson apareceu na porta -- Fiquei sabendo que você vai ser exonerada e... Será que podia colocar meu nome nos próximos artigos sobre sua pesquisa sobre o sol? Alguém tem que manter o contato interessante que você tem com o Observatório do Astro Rei! -- sorriu interesseiro
--Oxi!! -- pôs as mãos na cintura -- Exonerada uma pinóia, eu vou é tirar uma licença! – falou de cara feia -- E pra ter nome em artigo comigo tem que trabalhar no tema, coisa que você não faz!
--Ah, mas eu tava pensando, sabe? -- encostou-se no portal -- Queria fazer uma visitinha lá no Observatório do Astro Rei e ir formando meu network... Você tem contatos importantes, podia me colocar no circuito! -- pediu
Achou graça. -- Coloco! -- voltou a arrumar suas coisas -- A viagem é até muito interessante, especialmente a parte terrestre! -- deu um sorriso malicioso -- "Tomara que encontre alguém pra te morder do início ao fim do caminho!” -- desejou em pensamento
--Vamos vendo isso aí! -- deu uma batidinha na porta -- Tchau! -- foi embora
--Tchau! -- respondeu fazendo um bico -- É cada coisa...
--Zinara! -- Raul apareceu na porta
--Ô meu Pai, dai-me forças! -- resmungou
--Estão dizendo que você tá muito mal de saúde e vai sair pra se internar por quatorze dias. Espero de verdade que Deus te ajude nessa! -- balançou a cabeça compreensivo -- Já ouvi cada história de gente que foi e não voltou...
--Choo?? (O que???) -- ficou boba -- Que conversa é essa?
--Será que me daria sua cadeira e a mesa? Acho que ficariam perfeitas na minha sala! -- pediu sorrindo
--Mas agora veja só isso! -- fez cara feia -- Diacho de gente fofoqueira e abutre, viu? -- pôs as mãos na cintura
--Calma, querida, só repeti o que andam dizendo e...
--Raul! -- interrompeu-o -- Será que poderia me dar licença que eu tô ocupada? -- pediu controlando a raiva
--Tá bom. -- respondeu sem graça -- Mas se puder deixar a mesa vazia facilita. -- sorriu e foi embora
--Gaatak niila, Raul! (Vá para o inferno, Raul!) -- balançou a cabeça contrariada -- Depois os machistas de plantão dizem que trabalhar com mulher é que é complicado! Que só em ambiente feminino é que tem fofoca! -- fez um bico -- Vem pra cá pra ver o que é bom!
CAPÍTULO 7 – Yatamanna (Esperança)
--Já me despedi da ya Zezé e faltava ya sayyida (a senhora). -- segurava as duas mãos da idosa -- O recesso de final de ano já começou na faculdade, minhas férias vêm aí e depois tô de licença. Viajo em breve e ainda não tenho data pra voltar.
--É uma pena! Vou sentir muito a sua falta e Adamastor também! -- lamentou
--Ah! -- achou graça da referência a Adamastor -- Também vou sentir. -- olhava para a mulher com muita ternura -- Olha, um segredo nosso: depositei um dinheirinho na sua conta pra qualquer emergência. Não deixe ninguém saber e gaste só se for necessário! -- advertiu
--Filha! -- respondeu emocionada -- Não gosto que fique me dando dinheiro! Nem sua parenta eu sou!
--Não pelo sangue, mas pelo coração! -- beijou a testa da velhinha
--Também te sinto como se fosse parenta! -- sorriu -- Minha neta! -- pausou brevemente -- É por isso que eu faço tanto gosto de você com meu Adamastor!
“Ô, meu Pai, me defenda!” -- revirou os olhos -- Vamos deixar pra pensar nisso depois, não é mesmo?
--Por que não passa o natal aqui comigo? Eu chamo Adamastor e ele vem com o peru! Tenho certeza que você iria adorar o peru dele e...
--Ya Ritinha! -- interrompeu-a com jeito -- Eu não sou muito chegada a peru!
--Ah, é, você é vegetariana! Por isso não gosta de um bom peru!
“A razão não é bem essa!” -- pensou maldosamente -- Eu agradeço o convite, mas... vou passar o natal trabalhando no asilo do centro espírita.
--Que lindo, filha! -- segurou os braços da astrônoma -- Você é uma pessoa especial, viu? Não desapareça, por favor! Volte pra suas velhas, porque sem você a gente lembra da idade que tem! -- pediu com muito sentimento
Beijou as duas mãos de Ritinha. -- Se Deus me permitir, eu volto! -- sorriu emocionada -- Posso abraçá-la?
--Ah, minha menina! -- abraçou-a com força -- Cuide da vida, tá?
--Pode confiar! Eu vou cuidar, wallahi (prometo)! -- abraçava-a com carinho
--Mas quando souber que vai voltar, telefona antes! -- pediu -- Tenho que ter margem de manobra pra contatar Adamastor e ele ter tempo de ir no aeroporto te pegar com suas coisas!
“Humpf!” -- fez um bico -- "Esse Adamastor não vai pegar nas minhas coisas é nunca!” -- pensou
***
--E aí a safada da mulher me mordeu tanto que eu fiquei cheia das marcas dos dentinhos da desgraçada! Mas também não fiz por menos! Mordi ela toda!! -- Zinara contava para os idosos a história de sua ida ao Observatório do Astro Rei -- Quando cheguei no lugar que tinha que ir, tava parecendo até a esposa do Bicho Ruim!
--Ai... -- uma idosa ria -- você quer matar a gente de tanto rir! -- balançou a cabeça -- É tanta história que essa menina tem!
--Fazer o que, ya Severina? Uma roceira que se meteu a rodar por esse mundo velho sem porteira dá nisso! -- brincou
--Fico muito feliz que tenha vindo passar o natal com a gente! -- Paula, a diretora do asilo falou -- Toda vez que você vem, alegra a casa! -- sorria
--O prazer é meu! -- respondeu com sinceridade
--E esse ano, você vai cantar pra gente? -- um idoso perguntou animado
--Não sei, ya João... -- passou a mão nos cabelos -- Só consigo cantar de acordo com o que me vai na alma e nesse ano não tô muito pra músicas alegres... -- sorriu meio encabulada -- Tô mais pra uma coisa saudosista, aí não queria trazer nostalgia pra vida de vocês.
--Acha que não sentimos saudades, filha? -- Mirtes perguntou -- Depois de uma idade, penso que é só o que fica, não sabe?
--Cante, Zinara! -- Paula pediu -- Eles gostam de te ouvir!
--Pode ser naquela língua bonita que você fala! -- Severina pediu -- Eu não entendo nada, mas tem coisas que você não precisa entender. Tocam a gente por dentro!
Pensou um pouco se deveria, mas decidiu fazer o que lhe pediam. Levantou-se e foi para perto da mesa onde haviam acabado de ceiar. Fechou os olhos e pensou em uma canção que marcou muitos de seus dias passados. Era capaz de ver a silhueta da ruiva e o suave balançar de seu vestido ao sabor do vento. Podia ouvir Zahirah cantar:
“Aaaaaaaayaaaah! Aaaaaayaaah!”
--Vem, Senhor, me enxuga o pranto! -- cantava na língua de Cedro -- Eu me ajoelho a ti! -- entregava-se naquele momento -- Minha vida é um desencanto, -- pausa breve -- salva-me Rabi...
Em sua mente, Zahirah cantava: --Vem, Senhor, me enxuga o pranto! -- olhava para o céu -- Eu me ajoelho a ti! Minha vida é um desencanto, -- pausa breve -- salva-me Rabi...”
--Quero viver, quero sonhar, venha, meu Pai, me esteeende a mão! -- soltou a voz -- Não vou morrer, eu vou lutar, ouça essa minha canção!
“--Então, não vou ceder, quero amar, creio que nada é eeem vão! -- a voz de Zahirah ecoava no passado -- Junto a meu Pai, guerra não há, toca o meu coração!”
--Então, não vou ceder, quero amar, creio que nada é eeem vão! -- Zinara derramava algumas lágrimas -- Junto a meu Pai, guerra não há... -- abriu os olhos e pôs a mão sobre o peito -- toca o meu coração... -- respirou fundo e olhou para todos -- Não importa o que aconteça, -- falava na língua dos demais -- mesmo que os problemas sejam aparentemente sem solução, mesmo que o momento que se viva nos seja insuportável... Não podemos esquecer que essas coisas passam e tudo muda! -- estava emocionada -- Mas enquanto permanecem, devem nos deixar um ensinamento. A gente pode escolher entre a derrota e a força de vontade, entre o amor e o ódio, entre a loucura e a redenção. -- pausou brevemente -- Deus nunca abandona, ainda que pareça o contrário. Ele sempre abre portas quando outras se fecham, mas a luz ofusca os olhos acostumados à escuridão e nem sempre a gente enxerga... -- passou as mãos sobre os olhos -- Creio que o destino do planeta Água é belo e que haverá um tempo em que as lembranças dessa nossa realidade dura parecerão uma história contada em outro lugar... Mas enquanto esse dia não chega, vamos nos esforçar para entregar ao mundo aquilo que nós gostaríamos de receber dele. -- sorriu -- A esperança não pode morrer!
--Senão o que fica? -- Paula perguntou emocionada
--O que fica? -- repetiu a pergunta sorrindo
“Guarda n’alma a alegria inefável que se expressará num amanhã ridente e belo que te espera, após o triunfo sobre as vicissitudes.
Não te desesperes ante o desespero, não te aflijas junto à aflição, não te inquietes ao lado da inquietude, não te atormentes sob tormentos…
A planta que cresce é atraída pela luz, embora repouse sua sustentação na lama das raízes. O alimento que nutre traz lodo no cerne e o corpo que sustentas é feito de lama.
Mas é com esse material que a alma faz o vasilhame para, realizando a obra do bem, sobreviver.
Não chores, não sofras! Mantém elevado o pensamento ao Senhor sem te envergonhares. Alça-te à luz, mesmo que nada representes…
Além da ponte há muitas venturas aguardando por ti. Além do abismo há luz esfuziante esperando pelo triunfo. Luta, agora, vence logo. Não dês tréguas ao mal, mesmo que ele seja partícula ínfima a toldar a visão do teu espírito. Combate-o, sem lhe dares alimento mental.
Afugente a nostalgia, espanca a tristeza, surra a melancolia com as mãos ativas do trabalho edificante. Lutar contra tentações não é somente uma atuação mental; é atividade produtiva na realização do bem.
Realiza tua obra em paz, certo de que estás em Jesus, e seguro de que Jesus está contigo.
E quando tudo parecer esmagar as tuas aspirações e os fardos do mundo pesarem demais sobre os teus ombros lembra-te d’Ele, na manjedoura humilde de desdenhada, para renovar a Humanidade inteira com a claridade inapagável do Seu infinito amor.”
(Nota da autora: da obra “Espírito e Vida”, de Divaldo Pereira Franco, pelo Espírito Joanna de Angelis)
--Laa astati' an afqid al'amal, hatta law mittu... (Eu não poderia perder a esperança, mesmo se eu morresse...) -- Zahirah murmurava nas lembranças de Zinara
Fim do capítulo
Músicas do Capítulo:
Na Festa de Valentina Maria:
Adaptação de Quadradinho de 8. Intérprete: Bonde das Maravilhas. Compositora: Thayza;
Um funk que não entendi (mas parece que havia um trem de Lekin que eu adaptei). Não sei de quem é a música - falha caipiresca;
Demais músicas – invencionices caipirescas
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jake
Em: 18/06/2024
Bom oque dizer Zinara .Não sei oque dizer ela representa a superação desde o nascimento,traumas. guerra....enfim amo tbm as mulheres que entram
Na vida dela ....(vamos economizar água...rsrsrs) rsrs que ???? chata que rolava na festa ficou na minhas cabeça....rsrsrs
Amei as irmãs kkkk
Zi colocou a irmã no lugar dela .
Não gosto de Jamile
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PaudaFome
Em: 18/05/2024
Que história linda e tocante! Eu choro com Zahirah e com Zinara e também dou risada com Zinara. Lindo! Jamila não gostei
Solitudine
Em: 20/05/2024
Autora da história
Olá querida,
O Tao tem seus momentos de besteirol mas é uma história muito densa. Espero que goste e continue dando uma chance ao conto.
Jamila ainda não amadureceu, mas isso não vai durar a vida inteira.
Beijos,
Sol
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Samirao
Em: 07/10/2023
To aqui garibando e ajustando. Detonei no Lesword.
Quando eu acabar habibem reposta lá huahuahua
Solitudine
Em: 11/11/2023
Autora da história
Estou sabendo! kkkkk
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Samirao
Em: 23/03/2023
Eu vou trazer de volta TODOS os números ao menos! Trust me! Huahuahua
Solitudine
Em: 26/03/2023
Autora da história
Ai, meu Deus!! E tome de responder! kkk
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Seyyed
Em: 17/09/2022
Morri de rir da porcona e da festa da Valentina hahaha aí vem a guerra civil e tu chora que nem guria. Que trauma que Zinara sofreu!! Tu retrata de um jeito que a gente sente. Dói... Clarice parece ser uma graça. Talvez, né Zi? Puta merda que sempre tem uma síndica endiabrada! Coitada que a Zi é cercada de louco! Hehe Essa história é densa de verdade, emocionante demais. Choro quase toda hora porra! E esse câncer aí... haja coração!
Mas tô amando. Olha como escrevo hehe
Resposta do autor:
Bas noiti! Ou bas drugada!
Voltei para responder aos seus comentários. Espero que esteja bem e com saúde.
Que bom que a história consegue fazê-la rir apesar dos momentos de dor. Confesso que eu mesma senti muita dor nesse processo. O Tao cobrou um preço mas valeu a pena!
Clarice é graça!! Concordo! rs
Sim, estas síndicas... Quem viveu sabe! kkk
Felícissima que você esteja amando!
Beijos,
Sol
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Jamilinha
Em: 26/05/2021
Não somente com uma de suas amiguinhas habibi mas vc sempre defende... desisti mas vc bem que podia falar! E agora joga a outra?
Bjuuus amore fujona!
Resposta do autor:
Você me arrumou um problema desnecessário com esses comentários, não é, habibit? Ave Maria!
Agora chega disso, por favor.
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Gabi2020
Em: 03/05/2020
Olá Solzinha!
Nicolle não está pra brincadeira e deixou bem claro que não queria ficar no zero a zero! Kkkkkkkkkk... Nãp lembrava que Nicolle não era adepta do banho, que nojo!! Kkkkkk... Que situação!"--Meu Deus, ela congelou de desejo! -- falou empolgada -- Imagine quando te mostrar o meu eu! -- ajoelhou-se e começou a tirar a saia"... Meu que situação exdrúxula, eu já estaria na rua uma hora dessas... Kkkkkkkk...
Não lembrava que Zahirah era ruiva.
Desde o começo sentia um clima de flerte entre Zinara e Clarice... O engraçado é que são mulheres, adultas, independentes, inteligentes, bem sucedidas... Mas na vida pessoal, ô fiasco! Duas lerdas que não enxergavam o óbvio... KKkkkk... Lerdas adoráveis, diga-se de passagem!
Jamila foi por muito tempo um ponto de interrogação, ao mesmo tempo que gostava eu odiava...Louco né?
Triste demais o fim de Farida, infelizmente a guerra faz isso...
Beijos!
Resposta do autor:
Gabinha, encarar uma Nicolle pela proa só inspira uma coisa numa hora dessas: fugir!
Sim, Zahirah era ruivíssima!
Zinara e Clarice são duas meninas grandes!kkk
Jamila demorou a aprender, mas você lembrará. Ela aprendeu.
E existem muitas e muitas Faridas por este mundo.
Beijos,
Sol
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Solitudine Em: 20/06/2024 Autora da história
Olá querida!
Está gostando deste início de conto? Muita coisa mais vai acontecer. Tenha paciência, pois talvez o Tao te enrede.
Talvez até Jamila! rs
Beijos,
Sol