Cinco

 

 

Uma mulher decidida, quando quer algo, é persistente e se faz presente. Yara é exatamente assim, pois naquela noite ela ainda me ligou, apresentando uma proposta...

 

Quando meu celular tocou naquela quinta a noite, estranhei, pois geralmente só quem me liga é a minha mãe e naquele horário, com certeza ela já estaria dormindo. Contudo, desta vez aquela ligação era totalmente inusitada, pois do outro lado quem ligava era a minha jovem paciente, que não saia mais do meu pensamento.

 

- Alô!

 

- Florência, boa noite!

 

- Yara? (Perguntei com um misto de felicidade e surpresa).

 

- Sim, você pode falar comigo agora?

 

- Posso sim, tudo bem?

 

- Sim! Como você esta?

 

- Tudo bem.

 

- Como foi seu dia?

 

- Foi bom e o seu?

 

- Também. Liguei para conversar um pouco, atrapalho?

 

- Não. Podemos conversar.

 

- Que bom!

 

- Tudo ok com seu braço?

 

- Tudo sim.

 

- Ótimo!

 

- Sua voz no celular nem muda.

 

- A sua é só um pouco diferente.

 

- Quais são seus planos para o final de semana? (Sempre muito direta).

 

- Nenhum e você o que vai fazer?

 

- Ainda não marquei nada.

 

- Você namora? (Perguntei do nada e com excessiva curiosidade).

 

- Não. Sou solteira e você?

 

- Também.

 

- Sendo assim, podemos sair para jantar amanhã?

 

- Então. Eu, bem...

 

- Ou outro dia que você puder.

 

- Eu posso amanhã (falei sem nem acreditar que eu tinha aceitado).

 

- Sério?

 

- É!

 

- Ai que bom. Fico feliz. Pode ser às 7h?

 

- Sim. Onde nos encontramos?

 

- Eu posso passar para te buscar.

 

- Não precisa. Só me passa o endereço.

 

- Te mando por mensagem.

 

- Ok!

 

- Vou escolher um bom restaurante e espero que você goste.

 

- Não se preocupe, sou bem tranquila e não tenho frescura com comidas.

 

- Que bom e já tenho um local em mente.

 

Ficamos alguns minutos em silêncio, pois eu não sabia o que dizer e ela notando isso, despediu-se.

 

- Então, boa noite e até amanhã!

 

- Até!

 

- Beijo!

 

- Outro.

 

Desliguei o celular e fiquei em choque por alguns minutos. Ela me chamou para jantar, aquilo era um encontro? E pior eu aceitei sair com a minha paciente. O que esta acontecendo comigo? Isso não vai dar certo, ela é tão jovem, bonita e sedutora. Ai e agora? Eu não deveria ter aceitado, vou passar vergonha e vou sofrer de novo. Será que é melhor desmarcar? Posso inventar uma indisposição ou como desculpa dizer que tenho um compromisso.

Fiquei um bom tempo em silêncio pensando e olhando para o nada. Até que lembrei do sorriso da Yara e me decidi. Quer saber, eu vou e seja o que Deus quiser. Deixa-me escolher o que usar. Experimentei uma dezena de roupas, até definir que usaria um vestido. Durante esta saga, Nina até desistiu de mim e dormiu. Enquanto eu, demorei muito para adormecer, pensando em como seria o jantar.

Na sexta, acordei, peguei meu celular e nenhuma mensagem dela. Tomei banho, olhei de novo e nada. Arrumei-me e conferi outra vez, mas nem sinal. Comecei a ficar inquieta. Depois de tomar café da manhã verifiquei novamente, porém ela não tinha mandado nada. Será que ela vai desistir do jantar? Quando cheguei ao consultório, a mensagem finalmente chegou e eu sorri.

 

Bom dia! Feliz sexta e até a noite! O restaurante fica na Avenida Tomé de Souza, 1413 e chama Cantinho Oriental.

Bom dia! Eu conheço e gosto de lá. Bom trabalho. Beijos!

Oba! Então mandei bem na escolha, que bom. Até mais, beijos!

 

A sexta-feira demorou muito para passar, de manhã pacientes faltaram e nem avisaram, com isso meu dia foi longo. Trabalhei e contei os minutos para o dia acabar, porém o relógio estava de mal de mim. Atendi ao último paciente e me aprontei rapidamente para sair.

 

- Bia, impressão minha ou o dia demorou a passar?

 

- Demorou um pouco sim.

 

- Eu já vou indo e vá também, bom final de semana!

 

- Obrigada e igualmente.

 

Nós duas nos despedimos, deixei o consultório, fui para casa tomei um banho, peguei meu carro e segui para o salão; aproveitei que meu expediente acabou mais cedo naquele dia, marquei horários para cabelo e unhas. Por lá fiquei por umas duas horas, escovei meu cabelo e para as unhas escolhi um esmalte vermelho. Voltei para casa e terminei de me arrumar, coloquei o vestido e uma maquiagem leve. Quando terminei, olhei no espelho e gostei do resultado. Ainda ouvi umas três músicas antes de sair e cheguei ao restaurante uns dez minutos antes do horário. Yara já estava parada em frente, me aguardando, acho que eu não era a única ansiosa. Ela também usava um vestido, o meu azul e o dela lilás. Em seus olhos claros, ela aplicou uma sombra bem clarinha e um delineador, que os deixavam ainda mais bonitos.

 

- Boa noite! Você esta linda (eu disse quando me aproximei).

 

- Boa noite! Agradeço e você, está maravilhosa!

 

- Obrigada! (Eu disse com certa timidez).

 

- Vamos entrar?

 

- Sim.

 

Nós nos sentamos e fizemos os pedidos.

 

- Você vem sempre aqui? (Questionei).

 

- Não, vim poucas vezes. Eu me mudei para Bertioga tem menos de um ano. Meu primo que você conheceu e que mora no Guarujá, que me trouxe aqui algumas vezes.

 

- Entendi e onde você morava?

 

- São Paulo, capital. Um amigo que tem um colégio aqui, me ofereceu sociedade para trabalhar com ele e eu topei. Queria ficar mais próxima do mar e ter mais sossego.

 

- Conseguiu?

 

- Sim e estou adorando (revelou sorrindo).

 

Nosso jantar chegou e estava delicioso.

 

- E você? É daqui mesmo?

 

- Eu nasci em São Paulo, já morei no interior, mas já tem anos que moro aqui em Bertioga.

 

- Bom, acho que você já percebeu que sou curiosa e um tanto direta (ela falou olhando nos meus olhos e fiquei apreensiva).

 

- Já sim (confirmei com receio do que eu ouviria na sequência).

 

- Você se separou tem quanto tempo?

 

- Como? (Perguntei e nem esperava esta pergunta dela).

 

- Sou observadora e você tem uma marca de quem usava aliança.

 

- Uau, observadora mesmo. Me separei tem uns seis meses.

 

- Tem volta? (Ela perguntou muito séria).

 

- Não. Ela me traiu.

 

- Gostei (falou sorrindo).

 

- Falo que fui traída e você diz que gostou (eu disse indignada).

 

- Calma! Deixa eu me explicar. Sobre a traição, que horrível, já passei por isso e sofri bastante. Eu disse que gostei por você ter dito ela, meu ‘lesbeep’ não falhou.

 

- ‘Lesbeep’? (Não fazia ideia sobre a existência daquela palavra).

 

- Sim, gaydar lésbisco (falou sorrindo e dei risada com ela).

 

- Você também é lésbica?

 

- Sou sim.

 

- E também já enfeitaram sua cabeça? (Perguntei com pesar).

 

- Infelizmente, terminei um namoro de dois anos por conta de uma traição e ela me traiu com um homem. Foi bem chato, era justo minha primeira namorada.

 

- Nossa que barra.

 

- Quanto tempo durou seu relacionamento?

 

- Uns dez anos.

 

- Meu Deus! Tudo isso?

 

- É.

 

- Não me diga que foi com um homem também.

 

- Não. Foi com mulher mesmo, ela se apaixonou por outra e pediu a separação.

 

- Você não entrou em depressão?

 

- Não, graças a Deus e aos meus pais que me apoiam muito.

 

- Nossa eu entraria viu, vocês ficaram muito tempo juntas. Quando meu namoro acabou eu entrei numa fossa, beirando a depressão, foi terrível. Ainda bem que superei.

 

- Pior é ver a pessoa que amávamos com outra, no começo dói.

 

- Nem me fale e eu que peguei a infeliz na cama com o cara.

 

- Sério? Misericórdia.

 

- Nunca vou esquecer aquela cena tenebrosa.

 

- Imagino, deve ter sido traumatizante.

 

- Eu já desconfiava sabe, a relação estava fria e ela nunca foi muito confiável. Uma amiga minha me revelou e ainda me passou o endereço do motel que eles estavam, acabei flagrando tudo.

 

- Nossa!

 

- Que tal, um passeio pela praia, à noite esta agradável.

 

- Eu topo (falei toda animada).

 

Ela não me deixou pagar a conta, disse que eu era convidada, combinamos que numa próxima eu que pagaria. Deixamos o restaurante e seguimos para a praia. O céu estava estrelado e a lua crescente.

 

- Ainda bem que não estamos de salto (ela comentou olhando para a minha sapatilha).

 

- Quer molhar os pés?

 

- Quero!

 

Caminhamos a beira mar e ficamos por um tempo em silêncio. Algo me dizia que apesar de nova, Yara já tinha passado por muita coisa e o relato dela naquela noite só confirmava a minha tese.

 

- O que você vai fazer amanhã à noite? (ela falou olhando para o mar).

 

- Nada e você?

 

- Vou querer te ver novamente (desta vez falou me olhando).

 

- Mas você não tem nenhum compromisso? (tentei desconversar).

 

- Isso é um fora? (ela perguntou firme).

 

- Não! (respondi rapidamente).

 

- Então tenho chances?

 

- Nossa! Você é bem direta.

 

- Sim, sou.

 

- Acho melhor voltarmos, vai ficar tarde.

 

- ok.

 

Demos meia volta e retornamos pelo mesmo percurso.

 

- Por que dermatologia?

 

- Fui numa feira de profissões, isso quando eu era adolescente, na época tinha só quinze anos, assisti a uma palestra e me apaixonei pela área. Cheguei contando para os meus pais, passei a pesquisar muito e no colegial me dediquei intensamente aos estudos. Prestei vestibular, ingressei na Unicamp e quando formada me encontrei ainda mais na profissão.

 

- Que bacana muito bom fazer o que amamos. Então você é cria da Unicamp.

 

- Sou sim.

 

- Estou querendo retomar ao assunto anterior, mas nem quero levar outro fora.

 

- A senhorita é toda direta, tenho até receio viu (brinquei sorrindo).

 

- Quando que nós vamos nos encontrar de novo?

 

- Na terça, já que você é minha paciente (falei sem titubear).

 

- Mais um fora para fechar a noite (reclamou).

 

Depois disso ela não disse mais nenhuma palavra e estava visivelmente chateada. Eu poderia ter sido mais gentil. Porém aquilo não iria dar certo, era melhor já cortar logo. Mas ao mesmo tempo eu queria tentar, mesmo sabendo de todos os empecilhos. Chegamos perto do restaurante e eu nem sabia o que dizer. Ela por sua vez estava muda. Aquele silêncio estava sendo doloroso. Então busquei amenizar o clima tenso.

 

- Adorei a noite, o jantar, a conversa e o passeio à beira mar.

 

- Mesmo? (perguntou ressabiada).

 

- Sim! (Afirmei sorrindo para ela).

 

- Que bom! Eu também adorei muito e você é uma ótima companhia.

 

- Bom, então até terça (eu respondi sem jeito).

 

- Até! (Ela concordou com certo desanimo).

 

Parabéns Florência, você conseguiu ser indelicada e deixa-la chateada (pensei me recriminando). Desta vez ela nem se aproximou para se despedir, apenas lançou um aceno e se afastou.

 

 

Fim do capítulo