Capítulo 5
Minha sorte é que mamãe saiu para receber a pensão e fazer compras para a casa. No meu quarto, me deixei abandonar a toda emoção sentida e ressentida.
Aquela cena... Mesmo de olhos abertos, podia ver, nitidamente, seu pai puxando a mãe pelos cabelos a dar-lhe murros em todo o canto. As palavras ainda ecoavam em meus ouvidos, e o medo me paralisava. Não conseguia me mover e assistia a tudo calada, em transe. Eu deveria ter ajudado, deveria ter interferido, mas vinha-me a mente as palavras que minha mãe me dizia todos os dias... “Fique quieta”! “Não fale com ninguém, tá me ouvindo”! “Nada de fofoca, dona Guilhermina”! “Se comporte e fique longe de problemas”! E o filme de horror ao qual me obriguei a ver terminou com minha mãe no chão ensanguentada e meu pai sendo levado pela polícia.
Ao abrir os olhos, toda aquela imagem da manhã que passou veio à tona e, junto com ela, a acidez frequente de meu estômago, quase insuportável. Não tinha comido... Não tinha tomado os remédios. Uma náusea poderosa se apoderava de mim. A cabeça explodia em espasmos contínuos. Ao me levantar, a pontada aguda no ventre quase me fazendo voltar atrás no propósito. A luz do dia se extinguindo me dava ideia da hora. Ouvi as batidas na porta.
-- Filha, posso entrar?
-- Entra, mãe...
Ela veio até mim. Sentou-se ao meu lado na cama.
-- Um daqueles dias ruins? -- falava ao me acariciar os cabelos e afagar com carinho a minha mão.
O que podia dizer-lhe? Sim, era um daqueles dias ruins em que eu pensava na morte com muito afinco. Mas ela estava ali, se propondo a não permitir que eu sofresse. Um peixe querendo sobreviver fora d’água.
-- Não se preocupa, mãe... Vou ficar bem... Só quero descansar um pouco...
-- Minha filha, nunca peça pra uma mãe não se preocupar com um filho. Ainda mais quando ela sabe que ele sofre, que não almoçou, nem tomou o remédio. Além, é claro, da dor incomensurável que vê nos olhos dele.
Ela me abraçou bem apertado, enquanto me beijava a testa e, entendendo que não adiantaria falar mais nada, saiu. Vi-me novamente deitada. No criado mudo, alcancei a pastilha antiácida colocando uma na boca e me dediquei a explanar todo o episódio drástico em que minha vida se tornara. O que fizera pela manhã lhe era inédito. Com certeza, se fosse outro casal, não se intrometeria como fez. Mas era ela... Sua Lílian, a quem não queria ver sofrer... A quem amava, mesmo não sabendo como. Não podia fazer como com sua mãe. Tinha que defendê-la, protegê-la da dor. Sim, eu amava, mas não sabia, só sentia aquela angústia de quem vê o ser amado sendo maltratado.
Enquanto olhava para a parede, vendo o dia escurecer de vez, as lágrimas ensopavam meu travesseiro. Eu parecia moída... Estraçalhada... Esmigalhada. Nem força para mover as pernas, quase que dormentes pela mesma posição, eu tinha. Novas batidas na porta. Pedi, sem ânimo, que mamãe entrasse e, ao ouvir a porta se abrir, voltei meu rosto para a mesma, vendo surgir de lá uma bandeja. Encarei a parede desolada.
-- Não tô com fome, mãe.
-- Mas precisa comer, moça.
A voz... Lílian... Não tive forças para responder nem me mover, apenas aguardei que se aproximasse. Pôs a bandeja numa mesinha que ficava ao lado de minha cama. O coração chegando à boca.
-- Guilhermina... Olha pra mim...
Quando a mão dela apertou a minha, não resisti e agarrei a dela com desespero, levando-a até minha boca e devolvendo-a logo depois. Deixando lágrimas profusas caírem sem barreiras, voltei-me à parede.
-- Vá embora, professora... Já tem problemas demais para se entreter.
Não me virei... Nem me movi.
-- Você não é um problema, Guilhermina... Talvez eu seja... -- a voz saiu tremida no final o que fez com que eu me acomodasse na cama, recostando-me na cabeceira para vê-la melhor.
Eu não falava de mim, falava do panaca que a agredia de manhã. Imediatamente me levantei.
-- Você está bem, professora? Aquele... Ele... Te machucou de novo? -- eu o mataria! Eu o mataria! Era a bravura louca em minha cabeça.
Ela fechou os olhos e um fio líquido se fez ver. Procurei por marcas de violência por seu rosto e corpo, mas o que vi naqueles olhos foi muito pior.
-- Quando te falei daquele jeito hoje de manhã, não te recriminava, só queria te proteger da merd* em que me envolvi durante esses últimos três anos. -- mirou os olhos nos meus e mergulhei de cabeça na sua verdade. -- Falei um pouco com sua mãe antes de subir. Ela me contou sobre sua infância.
-- Ela não sabe de nada, Lílian. Só o que os policiais lhe contaram... Que eu estava presente quando... Quando... -- não consegui terminar e senti sua mão sobre a minha mais uma vez.
-- Pode comer um pouco? Por favor?
Ela estava querendo fugir do assunto que lhe afligia e me afligia, era certo. Por enquanto eu faria sua vontade, mas agora que ela estava ali, e por mim, não permitiria que o fizesse por muito tempo.
Fiz que sim com a cabeça, e ela pegou o prato de canja na iniciativa de me dar na boca.
-- Por favor, professora, eu posso comer sozinha. -- não me deu ouvidos e pôs a colher em minha boca.
Suas mãos tremiam. Tomei a sopa sem recusa. No término, limpou meus lábios com o guardanapo. Segurei sua mão fitando-a intensamente. Ela se livrou do contato com delicadeza e devolveu o prato à bandeja. Pegou minha mão grande, deixando que a sua se perdesse dentro dela. Depois a levou até a face molhada pedindo carinho. Aquele gesto me encheu de uma força que não sabia ter, mas por ela era capaz de enfrentar o mundo.
-- Estou tão cansada, menina. -- sussurrou, ainda acariciando minha mão cujo polegar imitava o gesto.
Munida de uma coragem inexistente até então, e de uma intimidade surgida do sentimento forte que se alastrava em mim, fiz o convite.
-- Vem cá. -- eu disse puxando-a para a cama e envolvendo o corpo pequeno em meus braços, fazendo com que sua cabeça recostasse em meu ombro.
Ela mostrou receio por minha mãe e expliquei-lhe que ela jamais entraria sem a minha permissão. Fazia aquilo tudo tendo a sensação maravilhosa de seu perfume e seu calor junto ao meu corpo e um único pensamento: fazê-la feliz como eu nunca havia sido até agora.
-- Não pensa em nada, Lílian. Só fica aqui sentindo minha respiração... A sua... Pensa em coisas muito boas. -- apertei mais o abraço ao que ela se encaixou perfeitamente. -- Aqui comigo, nada pode te atingir. Está segura.
Eu não percebia a minha própria incredulidade. Onde arranjei tanta força para ajudá-la se para mim nunca restou nenhuma? Seria isso o amor? Essa renúncia? Essa abdicação? E essa proximidade? Essa intimidade que nunca permiti a ninguém? Estava eu modificando o grande roteiro traçado para minha vida? Estava improvisando? Só queria que as lágrimas dela cessassem. Uma mão segurava a dela, a outra afagava os fios cheirosos do cabelo solto. Um carinho tão leve eletrizando todo meu corpo que reagia automaticamente ao contato. Ouvi ainda um último suspiro antes de perceber que ela dormia profundamente como se não o tivesse feito há muito tempo e, na paz daquele corpo sobre o meu, também me deixei levar pela música suave de Morfeu.
Acordei com ela grudada em mim. Que sensação maravilhosa. Era estranho, eu jamais quis dormir sequer no mesmo ambiente que alguém, mas com ela era tão natural, como se eu tivesse feito isso minha vida inteira. Poderia passar o resto da minha existência nesta posição. Estava sem relógio, mas acho que dormimos muito. Por incrível que pareça, a primeira coisa que notei foi que a bandeja não estava mais ali. Dona Margarida tinha entrado em meu quarto. Acho que bateu e não ouviu resposta. Absurdamente eu não estava preocupada com isso. Minha atenção toda estava voltada para um narizinho que se instalara em meu pescoço e mudava de respiração a cada movimento meu. Vi a mão que repousava em meu estômago me envolver num abraço.
-- Que horas são? -- a voz de sono me soou mais que agradável.
-- Não sei.
Ela se ergueu rápido demais e sentiu uma tontura. Pegou a bolsa que deixou caída no chão e olhou o celular.
-- Nossa! Meia-noite! -- quis sair da cama, mas impedi.
-- Amanhã é sábado, Lílian. Fica comigo, pelo menos até amanhecer. Não volta pra casa agora, tenho medo de que ele... - não consegui transmitir o pensamento.
O brilho naqueles olhos me deixou intimidada. Fixaram-se nos meus, me devorando, me desvendando, e me senti nua.
-- Tenho tanta vontade de te beijar, menina...
Estávamos sentadas no meio da cama grande por causa de meu tamanho. Meu rosto era emoldurado por dedos finos e leves.
-- Vai ser meu primeiro beijo. Nunca alguém me atraiu sexualmente, Lílian. E acho que é porque ninguém conseguiu entrar tão profundamente dentro de mim como você fez. Me perdi dentro dessa cor em seus olhos. Não me reconheço, mas tenho certeza de que sempre fui assim. -- aproximei o rosto dela do meu, até sentir o hálito quente embriagando-me. -- Me beija... -- minha boca já roçava os lábios tépidos.
Os lábios unidos apenas se conhecendo. A língua dela encostando-se a meus dentes ainda fechados.
-- Abre... -- a voz rouca ordenando taxativa.
Acatei, saboreando aquele doce mais doce que era sua saliva e a serpente enroscou-se na minha, num balé lascivo, envolvente, me levando de volta para casa depois de milênios longe.
Separamo-nos depois de infindáveis e prazerosos minutos.
-- Tem certeza de que nunca beijou antes? -- perguntou ofegante, mantendo nossas testas apoiadas uma na outra.
-- Sim... -- puxei-a mais pra junto, fazendo com que sentasse em minhas pernas. -- Fui tão ruim assim?
Ela riu baixinho fechando os olhos. -- Está brincando? Nunca me senti tão maravilhosamente beijada, Gui... E você é apenas uma...
-- Não, não diga isso. Não diga que sou uma menina. Eu sou sua mulher e quero ser tratada como tal. Sua mulher... Faça-me sua mulher, Li... Abra as portas de meu ser verdadeiro. Me liberte. Devolva-me a vida que me tiraram desde pequena. Eu quero viver, Li... Me ensine a viver.
Ia dizendo tudo isto enquanto sentia os lábios quentes percorrerem meu pescoço e mãos ávidas alcançarem meus seios por baixo da blusa fina do pijama que usava. Imitei-a causando-lhe um gemido longo e agoniado.
-- Então vamos ter que aprender juntas, meu amor. Eu também pouco sei do que estamos prestes a fazer, só sei que quero muito. Quero tanto que chega a doer.
Levei a boca até onde só meus dedos estavam. -- Meu amor? -- perguntei com a língua rodeando-lhe a auréola rosa e rígida de seu seio. -- Sou seu amor, minha Lílian? -- continuei no trabalho árduo de lhe fazer gem*r mais e mais.
-- Sim... ahh... Sim... Meu único... ahhh... Único amor...
Algo tomou conta de mim naquele momento em que recebia a declaração mais linda de toda a minha vida. Recebi em meu corpo uma divindade de nome paixão que tomou conta de todo meu ser e, autodidata que sempre fui, assumi as rédeas loucas e desenfreadas do sex* para levar-lhe comigo ao olimpo onde nossos corações se encontrariam definitivamente.
Despi-lhe sem cerimônia como que acostumada a fazê-lo desde sempre. Despi-me também e cobri o corpo frágil com o meu, enorme e quente, fazendo com que nossas vagin*s se beijassem de maneira altamente sensual.
-- Está gostando, minha pequena? Diga-me... Diga o que quer e te darei tudo... Tudo o que quiser... -- rebolei com cuidado ganhando mais um gemido de presente.
--- Assim... oh... Assim, minha aluna prodígio... Tira dez... Tira dez, por favor... aii...aiii...
Quase gritou quando sentiu meus dedos alargarem seus pequenos lábios aumentando a fricção e o contato de nossos sex*s. Íamos num galope certo à loucura. Assustada, também ouvi meus próprios urros de prazer, fazendo com que eu a levantasse num abraço forte e desesperado.
-- Não para, meu amor... Estou quase... aii... Ahhh... Minha linda... Abre mais... Entra mais... Gruda mais um pouco... Assim... ahh...
Com a mão livre ela guiava a minha, numa pressa doida de fazer a fricção ficar mais intensa e mais rápida. Por mais que nos engalfinhássemos e rebolássemos, o momento do ápice parecia muito perto e, ao mesmo tempo, muito longe de chegar. Era uma verdadeira tortura que eu descobria ser a maior maravilha do mundo.
-- Não tô mais aguentando!... Vou morrer... ahhh... Guilhermina... Guilhermina!! Aaaaahhhh!!!
Ela pareceu desmaiar em meus braços, e apreciei, em cada milímetro de minha vagin*, o líquido quente do nosso gozo nos unindo ainda mais. Sim, eu também havia chegado lá quando escutei meu nome ser gritado daquela maneira tão primitiva.
O suor nos besuntava em nossa proximidade latente. Pude ter a sensação do seu coração batendo acelerado e a respiração entrecortada irem se acalmando devagar. Ah, os segundos após a quase morte na hora do êxtase eram divinos. Uma vida inteira se faria dali, daquele parco tempo. Daquele ínfimo de existência após termos tido um universo inteiro explorado num ato vigoroso e cheio de significados. Era isso o amor?
Não queríamos nos mexer. Apenas minhas mãos passeavam por suas costas molhadas.
-- Você está bem, professora?
Nada ouvi, mas o corpo pequeno, convulsionado num pranto incontido, me fez querer protegê-la de tudo. Balancei-a como que ninando, dizendo-lhe de tudo que era bom para nós. O cansaço nos colocou de volta a maciez da cama. Chumbadas uma na outra, nunca deveríamos estar separadas. Queria lhe dar o mundo. Dentro de mim, uma ideia simples me marcou: daria a ela o melhor de tudo. Não tentativas... A certeza. Sabia como fazer e, se ela estivesse ao meu lado, conseguiria mais rápido que imaginava. Ela tinha me dado todas as armas.
Meu relógio biológico era perfeito, mas naquele dia, respeitosamente ao meu momento de máxima felicidade, falhou. E falhou muito. Ela tinha largado o celular no criado mudo. Não deveria, mas queria saber das horas pela primeira vez na vida. Queria saber quanto tempo eu ainda tinha com ela perto de mim. Muitas chamadas não atendidas e, no canto do visor, estava marcado dez horas da manhã.
Nossos corpos nus, descobertos, à mercê de tudo. Quem era eu agora? Quem era ela? Sem largá-la, trouxe o conforto do edredom por sobre nós. O ser pequenino se aconchegou mais, se é que era possível, resmungando como um bebê que não quer acordar, mas sabia que era tarde demais.
-- Não me deixa sair daqui... -- foram suas palavras.
-- Nunca... -- minha resposta.
Fim do capítulo
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