Tá...me apresentar pra alguém que talvez me conhecesse melhor do que qualquer pessoa nessa vida não tenha sido a melhor estratégia. Mas quantos segundos eu tive pra pensar entre ouvir aquela voz que me fez tanta falta e nossos olhares se cruzarem.

Senti um choque com o encontro de nossas mãos, um arrepio e as mãos frias dela me denunciaram que ela estava tão surpresa quanto eu. Sempre me preparo e muito bem para todas as minhas reuniões, ainda mais com os acionistas, ah e nunca me atraso. Hoje de fato realmente foi um dia fora do comum. Sempre tenho o material impresso, na verdade o que apresentaria a Bárbara estava feito há semanas, mas sou ruim com essas tecnologias e só tinha salvo no note e não nessa tal de nuvem.

A Bah ficou mega incomodada com a minha abordagem inicial e isso fez com que eu perdesse totalmente o controle da situação. Ela se recusou a se apresentar e depois de ter apresentado somente 3/5 do que ela precisava ver ela me soltou algumas palavras bem ríspidas e partiu.

Minha vontade era jogar o computador e toda aquela papelada no chão, socar a mesa e sair gritando. Mentira! Minha vontade era chamar a Bah de volta e lhe contar sobre meu dia de merd*, e com um toque de mágica que só ela possuía minimizar todos os meus problemas e me fazer derreter a cada sorriso. E o que eu fiz afinal? Deixei cair algumas lágrimas, pedi desculpas pelo meu descontrole a Beth, afinal eu nunca tinha gritado com ela e finalmente fui pra casa, sem celular, sem documentos, e de Uber. Oh diazinho de merd*.

Pouco mais de uma semana se passou e as coisas estavam se ajeitando. Eu já tinha providenciado um novo celular, meus documentos foram encontrados numa agência bancária no centro, onde sou correntista e eles entraram em contato comigo e estou usando o carro que o seguro me dispõe em caso de roubo.

Por uma graça divina a maioria dos meus arquivos da empresa estavam na tal nuvem, eu que não soube acessá-los na reunião com a Bárbara. Isso era ótimo pois precisaria dele para a reunião da semana seguinte com todos os acionistas. A ideia era apresentar todos os rendimentos do último mês e buscar alternativas para diversificar os investimentos. Todo aquele blá blá blá empresarial e eu só pensava em estar perto da Bárbara de novo. Nosso reencontro não saia da minha cabeça, eu queria tanto ter feito diferente.

Não que eu tivesse segundas intenções, como disse "perdi o pique" de relacionamentos. Mas tê-la por perto me fazia tão bem, ela me fez tanta falta. Queria tanto saber o que ela fez nos últimos anos, queria tanto contar a ela que finalmente estava tomando as rédeas da minha vida.

Pedi pra Beth entrar em contato com ela e solicitar que ela ficasse mais um pouco após a reunião para que lhe mostrasse os documentos que ficaram faltando da reunião anterior. Segundo a secretária, a sra. Pacheco foi super gentil e disse que ficaria com prazer desde que não tivessem novos atrasos.

Rs...aquela cabeça dura não mudou nada, nem parece que eu sou a mais velha. Quando éramos amigas chegamos a sair pra tomar chopp umas 2 ou 3 vezes. Numa delas eu penei para encontrar vaga pra estacionar e me atrasei 15 minutos. Pensa num chilique? Ah...eu adorava os chiliques dela, as vezes eu a provocava só pra ver o bico que ela fazia. Nossa...ter a Bah por perto é tão...não sei...presente de Natal no mês de março. Algo assim.

Dia da reunião, fui mega arrumada, o Juninho até perguntou se eu ia para um casamento. Saia e terninho azul marinho, camisa branca de botões, cabelo solto. Toda apresentação na ponta da língua e eu louca para que aquele circo todo acabasse logo pra ter a minha reunião particular. Tudo correu bem, os acionistas pareciam satisfeitos com a nossa administração. Todos fizeram perguntas, deram sugestões, menos a Bárbara que evitou me olhar diretamente, parecia menos incomodada que no outro dia. Mesmo assim ainda estava muito distante.

Terminada a reunião, todos saíram e ficamos apenas nós duas naquela sala gigante. Todo o nervosismo que eu deveria ter tido na reunião de mais cedo, afinal meu futuro profissional dependia dela, havia estourado agora que preciso falar somente com uma acionista.

– Bah, quer dizer, sra. Bárbara, os documentos do outro dia – tentei entregar a pasta a ela. – Queria me desculpar pela falta de jeito, eu não estava nos meus melhores dias.

Ela parecia uma rocha olhando para a foto de uma bela moça no celular, parecia muito jovem. No mínimo mais uma da sua coleção. Acho que o lance de estar apaixonada por mim foi carência de momento. Sei lá porque mas fiquei com um pouquinho de raiva da tal menina com sorriso angelical, essa minha mente que viaja sem a minha permissão, droga.

– São só alguns instantes e terminamos. Pode ser? – tentei chamar a atenção dela mais uma vez.

– Desculpa, é minha... – ela me pegou olhando a foto, que era de perfil do WhatsApp da tal moça.

– Não se incomode... – não deixei ela terminar, não queria saber quem era a piriguete da vez. – Podemos fazer um intervalo ou remarcar caso esteja muito ocupada.

Ela respirou fundo, como se buscasse forças e me olhou.

– Parabéns pela apresentação foi impressionante.

Ela disse e finalmente sorriu, ah...me derreteu inteira também.

– Obrigada. Levo muito a sério a confiança que vocês depositaram em mim. Depositaram mais ou menos, né?

– Como assim? – ela puxou a cadeira pra eu sentar.

– Você ficou tão surpresa quanto eu não foi, Bah? – me sentei e olhei nos olhos dela. – Você não sabia que eu era a presidente e nem eu que você era acionista.

– Eu, eu não fazia ideia. Quando você se apresentou eu...Você me afastou, sabe... – ela se perdeu toda na frase.

– Foi o susto, Bah em te ver, depois de sei lá 5, 6 anos? Lembrei de tanta coisa. Puxa.

– Meu susto foi o mesmo e já estava puta por ter me feito esperar tanto. Como sabe voltei a pouco tempo para o Brasil e minha vida anda bem conturbada ainda. Ela realmente parecia afetada por algo, por mais que estivesse mais relaxada, era nítida pra mim a tristeza naquele olhar.

– Acabou que foi mais um desencontro né, Bah? Como o lance do e-mail – me segurei pra não dizer mas não resisti.

– Você ainda lembra daquilo – ela desviou o olhar constrangida. – Sei lá o que deu em mim.

– Se eu lembro? A pouco tempo atrás eu sabia ele quase de cor. Foi a coisa mais linda que me escreveram, sabia? – segurei com ternura o queixo dela e fiz ela me olhar.

Ela suspirou, estava claramente incomodada. Com certeza não esperava aquela abordagem num segundo encontro.

– Cleo, desculpa ter ignorado seu e-mail é que... 

Ela foi interrompida pelo toque do celular, como estava perto pude ver que era a tal "novinha", Aninha, pelo que pude ler. Era uma chamada de vídeo e a Bárbara pediu licença para atender.

Jura? Justamente nesse momento? De fato, essa menina era importante pra ela e muita coisa entre nós duas tinha mudado para sempre.

Fim do capítulo