--Ei, pensei que nunca mais fosses aparecer à minha porta. - Susan abraçou Catherine enchendo-a de beijos para deleite da amiga que acabara de chegar.

 

--Saudades...tantas Sue...

 

O abraço prolongou-se por alguns minutos acompanhado de silêncio.

 

--Passei em casa para tomar um banho, ver se tudo estava no lugar.

 

Risos.

 

--O velho e bom exagero de sempre...

 

Susan não conseguiu concluir a frase porque Scoutie invadiu o ambiente e pulou em Catherine que quase esmagou o animal, tamanha era a saudade. Desenvolveram um diálogo que ninguém mais entendia e Susan sorriu feliz. Era muito bom ter Cathe por perto.

 

********************

--Meu Deus que aventura no paraíso...

 

--A palavra certa é essa mesmo, paraíso...ninguém consegue ficar indiferente num lugar assim, ninguém regressa igual...

 

--Preciso arrastar a Ciara para uma aventura nas ilhas maravilhosas.

 

--Sim, serão muito bem recebidas e provavelmente ao final das férias terão a mesma opinião...lá é o paraíso na terra.

Risos e afagos. Susan percebia claramente o desconforto no olhar da amiga mas conheci-a bem e sabia que não podia entrar no tema sem preâmbulos.

--O que foi? Esse olhar terno...profundo e inquisidor...

Risos cúmplices.

--Hmmm...e mais? O que aconteceu no paraíso que deixou minha amiga pensativa?

--Pensativa? Tu és mesmo minha amiga, pensativa é a palavra mais branda possível e só poderia vir de ti...estou um bocado perdida Susan...

--O que aconteceu?

-- Acho que fui atropelada por uma tonelada de amor...inundada talvez seja a palavra mais adequada. - Disse pensativa.

--E isso não é bom?

--Não sei ao certo...estou pensativa, quero tanta coisa que há um tempo atrás não passava pela minha cabeça e não sei muito bem como agir...

--Que tal começares do início?

Susan sentou-se no chão e convidou a amiga a fazer o mesmo. Seguiu-se um período de silêncio acompanhado de alguns suspiros.

--Susan...

--Hmmm...sou toda ouvidos...

--Eu sei...não ligue para o que vou dizer porque provavelmente não parecerá lógico...

--Esquece a lógica...essa coisa muitas vezes chata que nos tolhe...

--Sim...esqueci...completamente. Eu quero algo que há um tempo atrás não passava pela minha cabeça...e não quero pouco, aliás não há nada que queira mais nessa altura da minha vida...

Susan não disse nada, apenas a encarou com aquele olhar doce que tirava qualquer receio da alma da amiga. E ela falou...

--Eu quero a Skya. - Suspirou e olhou para longe como uma tentativa de encadear melhor os pensamentos, sentimentos. - Eu quero a Skya como nunca pensei que fosse possível. Sabes os clichés todos que eu sempre desprezei? Quero todos, quero agora....quero com ela.

Susan sorriu e Catherine ganhou mais força para falar.

--Eu vivi os melhores dias da minha vida com essa mulher e ao pisar aqui, de volta à minha realidade, tudo o que queria era permanecer naquela energia, uma cumplicidade que preenche tudo, uma entrega que transforma...tudo é leve, tudo flui...e ela foi embora...

--Hmmm? - Susan empertigou-se em cima da almofada no chão.

--Calma Sue, não fiz nenhuma das minhas asneiras. Ela apenas teve que seguir a sua rotina e precisou correr do aeroporto para um ensaio.

A expressão de Susan suavizou e Cathe sorriu sentindo-se mais calma.

--Eu sei que ela é musicista, que precisa da sua arte como do ar que respira, mas ficar sozinha naquele aeroporto depois de semanas de amor pareceu-se doloroso demais, a ponto de vagar sem destino por vários terminais por horas...pode parecer coisa de gente desequilibrada e talvez até seja, por isso só tenho coragem de desabafar contigo...minha irmã de alma...

--Fale Cathe...apenas fale.

--Passamos dias tão perfeitos, senti-me viva...queria que ela ficasse comigo...sempre.

--Então diga mas de uma forma linda, surpreende-a com um gesto de amor, eu sei que tu és capaz...

-- Eu não tenho mais dúvidas de que ela é importante, muito importante...minha vida faz mais sentido com Skya por perto... Nunca pensei que alguém pudesse significar tanto, tudo tem mais sentido quando Skya está por perto, pequenas coisas ganham um significado tão grande, eu me pego querendo tanto o bem dela, querendo tanto que ela seja feliz...eu não quero ser chata Susan, não quero parecer...sei lá, não quero que ela pense em mim como um fardo...

Susan riu com gosto, era tão bom ver a amiga assim, sem travas, sem escudos.

-- Nunca Cathe, jamais...presta atenção na Skya...

-- É só o que faço mas tenho alguma dificuldade em decifrá-la...

-- Mas é ai que reside parte do encanto, o inesperado...muitas vezes eu não sei o que a Ciara vai fazer e isso dá uma adrenalina, no meu caso me une mais a ela.

-- Sue, acreditas que eu quero muito ter a Skya na minha vida?

--Claro que sim, eu sempre soube Cathe...sempre soube.

-- Não estas a entender...eu quero morar com ela, mas não como temos vivido nos últimos tempos, em que minha casa ou a dela funcionam como uma espécie de casa de veraneio...quero que ela fique comigo, quero chegar em casa e ela estar lá, quero esperá-la quando viaja com o melhor de mim, quero poder falar qualquer coisa olhando para aqueles olhos que me penetram e me desnudam, me deixando livre para me abrir, quero voltar das minhas inúmeras viagens e encontrar as coisas dela pela casa, ouvir o som do violino, a risada...dormir com ela, acordar com beijos, risinhos nos meus ouvidos...ela já me acordou ao som do violino, acreditas?

Susan sorriu emocionada e abraçou a amiga enchendo-a de carinho. Scoutie pareceu entender muito bem o que aquele desabafo todo significava e aninhou-se nas pernas da dona ronronado sem parar. Seguiu-se mais um momento de silêncio.

-- Essa viagem fez-te ver além do óbvio.

--Como assim?

--Abriste os sentidos, deixaste cair o véu do medo, ou do "deixa andar"...viste com os olhos e coração abertos...no fundo eu sabia que alguma coisa aconteceria e bem lá no fundo eu sabia que depois de todo o caminho percorrido, o que eu veria após essas férias, seria exatamente isso, minha amiga, minha mais que amiga, com mais certezas do que dúvidas.

--Mas tenho tantas dúvidas...

--Eu sei, mas elas não são tuas...

--Não entendi...

-- Não duvidas de ti, sabes o que sentes, sabes o que queres, não sabes Cathe?

--Eu sei. - Respondeu com veemência.

--Então não existem mais dúvidas. Quanto à Skya, há-de ser sempre assim, nós nunca sabemos, nunca nada é garantido, mas é tão estimulante o desenvolver das coisas, o desabrochar do sentimento, é tão gratificante nos vermos aos olhos de quem amámos. Cathe...talvez ames a Skya...talvez estejas a amar alguém pela primeira vez...- Ela não tinha a menor sombra de dúvida que aquilo era amor, mas em se tratando de Cathe era sempre bom manter alguma cautela ou ela poderia reagir em negação.

--E o que é o amor?

--Descobre por ti mesma... não tem definição exata, é o que nos faz bem, é o que nos faz querer ficar mesmo nas adversidades, que nos faz querer voltar com um sorriso no rosto, que nos acalma em meio a tempestades....amor é isso e muito mais.

-- Voltei dessa viagem embriagada de amor, entendi o significado dessa palavra em cada momento vivido naquelas ilhas. Eu não quero nada abaixo daquilo para a minha vida...tanto amor Susan, tanta entrega, tanto bem-querer ao próximo...precisava mesmo desse momento para valorizar pequenas coisas e não querer abrir mão delas...pequenas coisas que fazem do meu mundo um lugar muito melhor.

--Eu te amo Cathe...amo essa pessoa maravilhosa que és minha amiga, tens tanto aí dentro moça, mas tanto...obrigada.

--Ei, obrigada? Quem precisa sempre agradecer por ter-te na minha vida sou eu...

Catherine não conseguiu concluir o raciocínio pois foi arrebatada num abraço fraterno que dispensava qualquer palavra.

********************

A cena que decorria dentro do apartamento de Catherine poderia facilmente entrar para uma peça de comédia das mais hilariantes. Ela corria atrás de um gato que na realidade era mais que um amigo, pedindo a opinião do animal sobre temas que ele seguramente não entendia.

--Scoutie...pelo amor dos Deuses dos animais, me ajude...pare de ronronar...

O animal a encarou de uma forma que ela entendeu como sendo uma severa repreensão...e não era para menos.

--Mas Scoutie tu sempre me ajudaste...estou completamente perdida, não sei o que fazer e sei que preciso agir...a Susan disse que preciso surpreender a Skya, mas como?

Scoutie fez uma cara de enfado deixando a dona ainda mais irritada.

--Eu descubro ah se descubro...desde quando dependi de um gato para tomar as minhas decisões.

Scoutie a encarou mais uma vez com uma expressão que deixava claro que ela dependia sim dele e para muita coisa.

--Abusado...mas claro que tens razão. Scoutie, e o que achas que ela vai dizer quando eu sugerir que moremos juntas? Aqui...

O animal levantou uma das orelhas e seguiu para a sala. Catherine foi logo atrás falando sem parar.

--Será que ela vai entender as minhas manias? Eu sou meio doida, tenho a mania da limpeza, da arrumação embora muitas vezes me perca no meu excesso de controlo e acabo perdendo o bom senso. E essa minha mania de esquecer das coisas? Sair de casa com pantufas para uma reunião de negócios...para de rir oh coisa insuportável.

Catherine caiu pesadamente no sofá passando a mão pelo cabelo tentando clarificar as ideias e acalmar o redemoinho que lhe ia na alma.

--Scoutie...ei chato...será que consigo? Mas se eu não tentar como saberei? Eu quero...quero muito. Só de imaginar já tenho uma vontade quase incontrolável de sorrir...sei que é bobagem mas é isso mesmo que acontece...

Catherine estava quase nas nuvens e levou um susto quando Scoutie pulou nas suas pernas aninhando-se confortavelmente.

--Que bom Scoutie, ainda bem que acreditas que tudo dará certo.

A forma como ele ronronou era o código que ela precisava para ter a certeza de que tudo daria certo.

--E o presente Mr Scout? O que devo fazer? Ajuda-me pelo amor de Deus...

O gato pulou para o chão e correu literalmente para parte incerta da casa.

Cathe abraçou as pernas e sorriu de forma sonhadora.

********************

Karen olhava para a chefe há algum tempo sem que ela sequer percebesse a sua presença. Ela parecia estar em outra galáxia e não parecia disposta a descer para a terra. Entretanto, elas precisavam conversar, ou melhor Karen precisava pedir um favor à amiga e comadre mas como sempre tinha alguma dificuldade em misturar a vida pessoal com trabalho.

--Catherine...Cathe...

E ela continuava fora de orbita e com um sorriso iluminando o rosto.

--CHEFE. - Karen quase gritou sabendo que ela reagiria já que detestava ser chamada de chefe.

--Oi...desculpa. Estás aí há muito tempo?

--Umhum...

--Hmmm e eu no mundo da lua...belo exemplo de liderança.

Gargalhadas das duas.

--Senta um pouco, estamos com algum tempo até a próxima reunião...

Karen sentou-se e olhou a amiga dentro dos olhos.

--Hmmm e esse olhar?

--Tu que vais dizer-me...

--Estava ao telefone com a Skya...

--Umhum...parece-me óbvio...

Risos.

--Sim...óbvio que essa minha cara de boba tem nome e endereço.

Gargalhadas.

--E como ela está?

--Bem...chegou na madrugada de viagem e já amanhã tem um concerto para alguém importante...não entendi muito bem essa parte. Só sei que ela está nervosa e precisando ensaiar muito...

--Hmmm...depois da vossa viagem ela nunca mais parou...é, vida de musicista não é fácil...

--E de namorada de musicista então?

Risos altos.

--Chefe...

--Hmmm...

--Ok, comadre...

Gargalhadas.

--Alguma coisa sem nexo vai sair dessa boca que antes vivia calada e agora solta cada pérola...

Risos.

--Eu sei...eu te conheço há algum tempo...

Karen parou de falar por não saber como Catherine reagiria.

--Sim...acho que me conheces como poucas pessoas...o que tens para mim?

--Pode parecer loucura, às vezes não é fácil...eu sei que és uma mulher muito forte e de convicções mas...

--Karen?

--Porque não moram juntas?

Karen quase mordeu a própria língua.

Catherine a olhou de forma diferente. Pareceu beber a frase, palavra por palavra. Surpreendentemente deixou a sua cadeira, deu a volta à secretária, pegou Karen nas mãos e ambas se acomodaram no sofá do escritório.

--Karen, tu que me conheces como ninguém, que já me viste meter os pés pelas mãos inúmeras vezes, que sabes que sou uma doida, intempestiva, incoerente...

--Eu que te conheço há algum tempo, que sei o ser humano grandioso que és, que convivo com a pessoa maravilhosa que não tem medo de viver, que se atira à vida sem ressalvas, que tem um coração imenso, que é linda no sentido mais amplo da palavra e que graças a Deus é parte da minha família...

--Ah para Karen...

--Cathe...tu és especial e não é de hoje que penso assim. Mesmo nos tempos de quase escuridão, ou se preferirmos, nos tempos de vida no automático, eu já percebia a tua grandeza, a grandeza da tua alma...és especial.

Catherine sorriu emocionada e Karen segurou-lhe a mão.

--Especial a ponto de convencer alguém a viver comigo? A Skya?

A insegurança nos seus olhos apenas a transformava num ser mais especial ainda.

--Mas já não vivem juntas?

--Não...não da forma como pretendo que seja, como gostaria que fosse...eu quero dividir tudo com ela, não quero que minha casa seja apenas um lugar onde ela passe alguns momentos...quero morar com ela.

Karen sorriu feliz.

--Muita loucura?

--Não...muita sensatez e amadurecimento.

--Sim? Eu me sinto uma boba...romântica...logo eu...

--As pessoas mudam, ou a essência aflora quando bem estimulada...

--Quero tanto Karen, mas morro de medo que ela não queira nada disso...

--Só vais descobrir se perguntares...

--Sim...a Sue disse a mesma coisa.

--Umhum...

--Tenho medo de estar sendo muito...tenho medo de tanta coisa Karen...

--Eu entendo e saiba que ter medo é normal...medo quando gostamos de alguém então é natural, faz parte...

--Eu sei que ela gosta de mim, mas será que gosta a ponto de querer viver comigo? E eu me sinto quase uma alienígena por de repente querer esse tipo de coisa...

--Esse tipo de coisa não acontece sempre...só estás a responder a estímulos, internos e externos...

Cathe olhou para a amiga sem entender quase nada.

--Sim, estímulos. Interno, porque é uma vontade que vem de dentro, gostas dela, gostas de estar ao lado dela, gostas do que têm juntas, então nada mais logico do que ficarem juntas...sempre que possível. Externo, ela te leva a querer isso tudo...sua energia, a entrega, o prazer que demonstra quando estão juntas...

--Então ela quer a mesma coisa?

--Só vais descobrir perguntando...as pessoas são surpreendentes Cathe. Olha a Kika...quem diria?

--Sim...e ela está feliz.

--Muito feliz. Percebe-se pela alegria na voz, pelo entusiasmo...ela está muito feliz e numa situação completamente diferente de tudo que já viveu. Minha sobrinha é aventureira mas sempre com os pés assentes no chão e agora ela mergulhou numa história completamente nova, numa terra distante, com alguém que conheceu de forma inusitada...surpreendente.

--Ela é corajosa...

--Tu também és, jamais duvide disso. Só chegaste até aqui por ser muito corajosa.

--Eu tenho as melhores amigas do mundo...pessoas que me vêm melhor do que sou...

--Não, nós te vemos como és, linda.

--Estou nervosa Karen...com saudade...com vontade de olhar para Skya e me perder em certezas...saudade da voz dela, saudade de estar com ela sem dizer uma única palavra...saudade de vê-la tocar para uma plateia e para mim...saudade...saudade...gosto dela...gosto de gostar dela, ela me faz bem...tão bem...

Ela falava olhando para a janela e a amiga sorria feliz. De repente um filme passou-lhe pela cabeça...o título seria a evolução de Catherine, ou então, o amor e sua magia. Sua chefe e amiga era agora um ser humano muito melhor.

--Vou correr todos os riscos.

--Aleluia!

Risos.

--É isso que se espera de uma mulher maravilhosa e que não tem medo da vida.

--Ah a maravilhosa morre de medo da vida, que fique bem claro...mas ela é doida, então...

Gargalhadas.

--Ela esta cá, certo?

--Sim, chegou na madrugada e vai passar a tarde trabalhando.

--Surpreende-a à noite. Leve um presente, convide-a para morar contigo de uma forma única...eu sei que criatividade não te falta chefe.

Risos.

--Quando o assunto é Skya eu me sinto uma menina boba...meu coração baralha minha cabeça...

--Eu sei que consegues...és a minha Cathe.

Risos felizes.

--Ah chefe...ou seria comadre?

Gargalhadas.

--O que queres senhora? Eu conheço esse olhar...

--A Kika está longe, vivendo a história dela...

--Umhum...e?

--Ai daqui a pouco temos a reunião...

--Ah Karen para com isso, a reunião já está muito bem preparada. O que a Kika tem a ver com esse drama todo?

Risos.

--Ela viajou...

--Ahhh... - Catherine fingiu impaciência.

--O Juan ganhou três dias nas Bahamas, próximo fim-de-semana e minha mãe não consegue nos acudir porque está na europa com a chefe...

--Precisas de alguém para cuidar da minha princesa e ninguém melhor do que a madrinha maravilhosa...claro que sim, com o maior prazer.

Catherine sorriu com os lábios e com a alma.

Karen a abraçou com amor.

--Obrigada. Às vezes fico com receio de extrapolar...és minha chefe...

--Somos amigas e se alguém já extrapolou nessa relação, sabemos muito bem que não foste tu...então, sim, fico com a Esperanza por três dias com o maior prazer.

--Segunda é feriado...vamos na sexta à noite e voltamos na segunda ao final da tarde. Obrigada.

--Sabes que eu e a Esperanza nos damos muito bem e por ela faço coisas inimagináveis para uma senhora da minha categoria.

Risos felizes.

--Como acordar de madrugada e ficar brincando com uma menina sorridente e quase desdentada.

--Maior alegria da minha vida...

--Eu sei...não poderia escolher melhor madrinha para a minha filha.

--O Juan escolheu-me.

--Ordens minhas.

Gargalhadas felizes.

--Vamos deixar de tretas porque temos uma reunião importante dentro de 10 minutos e eu depois preciso vagar por essa cidade à procura do melhor presente para a minha Skya.

--Aceitas sugestão?

--Claro!

--Embrulhe-se para presente.

Gargalhadas altíssimas.

--Pateta. Vamos ser despedidas e por justa causa.

--Nada...o povo precisa aprender a ser feliz.

Risos.

********************

--Kika, consegues ouvir-me? Kika...ai que porcaria.

Skya tentava conversar com a amiga mas as novas tecnologias não queriam cooperar.

--Espera, vou ligar da forma convencional.

Rebeka ainda tentou argumentar que era muito caro mas ela nem quis ouvir.

--Ah, o bom e velho telefone...Rebeka que falta que me fazes. Eu sei que estás bem mas eu preciso de ti...

Rebeka riu com gosto do outro lado da linha.

--E a Ciara?

--Muito ocupada e sem tempo para se ocupar com neuroses de uma menina com medo de uma mulher maravilhosa.

Risos.

--Skya...já sabes o que penso...

--Eu sei, que vou acabar perdendo a Cathe por ser tão idiota.

--Eu não seria tão severa no julgamento, mas acho que esse teu medo ou insegurança ainda vai cansá-la...e sabemos que a Cathe é imprevisível...

--Ai...eu nunca me senti assim Kika, é um turbilhão aqui dentro...o que será que ela quer? Jantar num restaurante maravilhoso...

--Dizer algo maravilhoso, ou apenas estar contigo. Se eu bem entendi, desde que voltaram da viagem, mal têm estado juntas...

--Sim...e um bocado por culpa minha...

--Pois...criancice.

--Eu sei, nunca disse que era perfeita e nesse caso em particular eu sou a imagem da dúvida...medo...

--Calma...calma, não quis ofender-te...

--Eu sei Kika, tu só queres o meu bem...o meu pai quase se materializou aqui para me dar umas palmadas. Ele perguntou se tudo o que já vivi para ter essa mulher seria em vão por culpa de um medo idiota...

--Pois, concordo com ele...

--O que será que ela quer comigo nesse restaurante maravilhoso? Rooftop, wow!

--Quero saber de tudo, com detalhes...todos.

--Sim, claro. E tu, quando voltas?

--Nem tão cedo...estou vivendo coisas tão boas. Skya, estou no céu e literalmente perto dele. Neste momento, estamos em Ribeirão e há bocado o Carlos levou-me para conhecer uma montanha colossal, faltou-me o ar, fiquei sem palavras...

--E o resto do pessoal?

--Na mesma alegria de sempre, eles são genuinamente felizes. A Nina e a Cassandra, depois da vossa intervenção quase divina, estão espalhando amor. Elas são lindas, inspiradoras...as crianças maravilhosas, o Zé e a Nenê, um encanto a parte...ah eu nem sei quando volto. Tenho saudades dos meus que ficaram lá, saudades tuas, do nosso mundinho da música mas agora quero viver essa experiência...esse amor...

--Amor?

--Sim, amor...lindo e sublime amor. O Carlos é um homem como poucos, se é que alguma vez conheci alguém assim...meu tio Juan, talvez...ele é doce e ao mesmo tempo viril, aprendo tanto com ele, temos gostos semelhantes...

--Sax...

--E não só, temos valores idênticos. Ele é parecido comigo em muitas coisas, não se esmorece diante de uma luta...estou apaixonada, mais do que isso, é...ah nem sei dizer com palavras...

--Kika...quem diria, tão cética e foi descobrir o amor lá longe, numa ilha quase de sonho de tão linda que é, parece um conto de fadas...

Gargalhadas dos dois lados.

--Que seja meu conto de fadas, e garanto-te que ainda mal saímos do prólogo...

Risos felizes.

--Kika...

--Hmmm...

--Posso ligar mais tarde?

--Mais tarde para ti será no mínimo início da manha aqui...a tua sorte é que acordo com as galinhas, literalmente.

Gargalhadas.

--Saudades do galo do Zé cantando as cinco da manhã, aliás para ser muito franca eu tenho saudades de tudo, até de mim...

--De ti?

--Da minha leveza naquela terra, do meu estado de espirito sempre exultante, feliz...repleta de amor...

--E se eu te disser que tudo, o que viveste aqui, foi apenas um despertar?

--Como assim?

--Vais descobrir...agora corra e fique muito mais linda do que já és porque vais jantar no topo do Madison Blue Star e isso não é para qualquer um.

Risos.

--Tomara que seja apenas um jantar e não...

--Hã? Como assim apenas um jantar? Ninguém é convidado para o rooftop mais famoso da cidade por nada.

--Estou nervosa, mais nervosa do que quando vou estrelar um solo...

--Provavelmente porque vaias estrelar a tua vida...

--Ai hoje estás muito enigmática.

--E tu muito burra.

Gargalhadas altas.

--Vou desligar. Dê abraço em todos e diga que estou com muita saudade...

--Ok. E prepare-se para no mínimo ser pedida em casamento.

Rebeka desligou antes de ouvir o sermão da amiga. Ela ficou parada com um sorriso no rosto e o coração batendo descompassado.

********************

Skya olhou para as luzes da cidade, piscou algumas vezes para logo em seguida e calmamente pousar os olhos sobre Catherine que sorria.

--Nem sei o que dizer...tudo tão perfeito...tudo tão único...

--Só para nós...--Catherine sorriu mais uma vez e de forma sensual.

O cenário perfeito tinha uma música de fundo que era quase impercetível mas algo mudou e Skya sorriu dando a impressão que levitaria da cadeira. Catherine sorriu também...tudo parecia conspirar para que o jantar fosse inesquecível.

Tocava Reserva para dois de Mayra Andrade e Branko e a música, que antes era mera coadjuvante, passou a embalar sonhos, certezas...invadiu duas almas que se desnudaram uma ante a outra.

--Cathe...estou tão feliz. Consegues sentir o pulsar do meu coração?

Catherine sorriu de uma forma que deixou Skya completamente sem ar e hipnotizada.

--Objetivo alcançado. Eu só quero que sejas feliz...

--Ao teu lado...sempre.

--Meu bem, amanhã...

--Sei...tenho um concerto e preciso estar descansada, mas eu não quero sair daqui...eu quero voar...eu quero te abraçar até fundir-me em ti...quero beijar essa boca vermelha linda, sexy, perfeita...posso beijar-te meu amor?

Catherine mordeu os lábios sensualmente e sorriu. Skya sentiu seu corpo sendo dragado para dentro da cadeira...sentiu tremores em várias partes do corpo...a boa e velha loucura de sempre.

--Claro que sim...reserva para dois no rooftop desse restaurante deve dar direito a alguma coisa...muita coisa...

Ela não conseguiu concluir a frase pois teve os lábios invadidos por outros que adorava. Beijo sensual, carregado de segundas intenções...carregado de muita coisa...

--Eu morro de saudades tuas Cathe...é impressionante, mal nos separamos eu já quero correr de volta para isso tudo...--E os beijos ganhavam maior intensidade.

--Meu caso é mais grave ainda...

--Hmmm...

--Às vezes...quase sempre...eu tenho saudades tuas quando ainda estamos juntas...

Skya mordeu-lhe o pescoço devagar e Catherine gem*u estreitando ainda mais o abraço. Ela não teve mais dúvidas, receios, queria aquela mulher na sua vida, queria viver aquele amor enquanto ele fosse pulsante.

--Hmmm, o que foi? Porque me olhas assim?

Skya sorriu e beijou levemente os lábios de Catherine que fechou os olhos.

--Skya...minha Skya...

--Adoro quando falas assim...

--Minha menina...tenho um presente para ti...

--Mais? Estou a sentir-me a mulher mais especial do mundo por estar nesse lugar maravilhoso com a melhor companhia...mais?

--Sim...

--Não precisa...já estou transbordando de felicidade.

Cada palavra era acompanhada de beijos, caricias, gemidos, suspiros...amor.

Catherine entregou-lhe uma sacola que sempre esteve pousada aos seus pés. A atitude quase tímida fez o coração de Skya inundar-se de amor, mais amor. Ela sorriu e Catherine sentiu um alvoroço percorrer-lhe da espinha à ponta dos pés.

Skya abraçou a sacola fechando os olhos...Catherine sentiu lágrimas quentes inundarem-lhe os olhos...lágrimas de felicidade.

Ela abriu a caixa que continha várias coletâneas das melhores orquestras do mundo. Tocava cada CD com amor, brilho nos olhos e sorria. Olhava para Catherine e ria de felicidade.

--Eu sempre quis ter esta caixa...sempre.

--E eu tinha absoluta certeza que já tinhas e que seria um presente quase inútil...

--Teu? Nunca. Ainda que tivesse mil caixas iguais a essa, o teu presente seria sempre único. Já tive vontade de comprar essa maravilha para mim inúmeras vezes mas sempre protelei e também acho que é algo que deve ser dado por alguém. Com certeza todos acreditam que sendo eu essa aficionada por música clássica, é praticamente impossível não ter pelo menos umas três caixas iguais...mas não tinha. Obrigada meu amor...e tem um bilhete...

Skya encontrou um pequeno envelope debaixo do último CD que compunha a sua caixa.

Catherine experimentou uma sensação de ansiedade que não conhecia, mordeu o lábio, esfregou as mãos e olhou para o lado.

" Minha violinista linda, dás-me o prazer de ouvir essa obra de arte contigo? Um CD a cada dia...não consigo vislumbrar prazer maior, pelo menos não para os meus ouvidos..."

Skya levantou o olhar e sorriu, um sorriso enigmático, elevando os níveis de ansiedade de Catherine para patamares quase insuportáveis.

--São 10 Cd's...

--Umhum...

--Isso implica...

--Vem morar comigo. - Catherine quase gritou tamanha era a ansiedade.

--Morar? Como?

--Viver comigo na minha casa ou noutra qualquer desde que juntas. Eu quero tentar...eu acho que podemos...acho que sim...

Catherine, tomada pelo nervosismo perdia-se nas palavras e Skya não parava de sorrir.

--Cathe...

--Hmmm...

--Tens a certeza? Eu sou muito chata, infantil, não sou organizada como tu, estudo demais, viajo muito...

--Adoro estar contigo, delicio-me quando tocas, estudas, brigas com o violino ou com o contrabaixo...adoro a tua presença, adoro conversar contigo. Fico extasiada quando olhas para mim, meus sentidos entram em ebulição quando me tocas...adoro descobrir-te, adoro o teu mundo, admiro a tua sensatez, gosto de ver o mundo com os teus olhos...adoro partilhar silêncios contigo, adoro quando me abraças e dizes que tudo vai ficar bem, adoro quando deitas nas minhas pernas e ficas com a cabeça aninhada na minha barriga...teu beijo é meu vício, tua pele meu balsamo...vamos experimentar...eu quero muito Skya...muito...

Catherine segurava as mãos de Skya que tremia. A ansiedade mudara de lado...

--Mas Cathe eu...eu tenho medo de não corresponder às tuas expectativas, medo de desiludir-te...depois dos nossos dias em Cabo Verde eu percebi que és muito melhor do que eu já achava, tu és uma mulher como poucas...apaixonante...mulher e eu me sinto quase uma menina...eu tive medo que o paraíso tivesse ficado para trás...

--O paraíso somos nós aqui, conversando, acreditando no nosso potencial...juntas.

--Tens a certeza Cathe? Meu Deus eu não sei se me aguentas...e as viagens?

Catherine sorriu e brincou com uma mecha de cabelo de Skya.

--Eu também viajo bastante, jamais teremos monotonia.

Skya soltou uma gargalhada profunda.

--Monotonia? Contigo? Nem em sonhos...nem em sonhos...ai meu Deus, e agora?

--Vamos morar juntas.

Gargalhadas felizes.

--Achei a ideia completamente louca, estou morrendo de medo, minha barriga está em alvoroço, mas eu não resisto...eu quero sim, eu quero tentar, experimentar...quero fazer-te feliz todos os dias possíveis...eu quero Cathe...quero sim...

Catherine saltou do seu lugar e arrebatou Skya num beijo capaz de apagar qualquer dúvida.

********************

--Só mais um beijinho...prometo.

Usando de alguma flexibilidade, Skya sentou-se nas pernas de Catherine e perdeu-se nos seus lábios. Beijos cada vez mais quentes e exigentes, deixando-as quase sem folego.

--Skya...para...

Catherine sentiu lábios quentes devorando-lhe o pescoço enquanto mãos hábeis tentavam abrir-lhe a blusa.

--Skya... - Catherine fingiu gritar com ela mas tudo não passava de auto proteção, não podia sucumbir ao desejo, não no carro e muito menos com Skya precisando praticar para o concerto importante do dia seguinte.

--Ai esse concerto e eu ainda invento de namorar uma mulher sensata e controlada.

--Quem é essa?

Risos com beijos.

--Eu quero fazer amor...

--Aqui?

--O que tens contra carros?

--Nada...mas não agora. Quero calma, comodidade...quero devorar-te e aqui não dá...

Catherine pegou Skya com força deixando claro que não estava a brincar. Ela gem*u alto e mordeu-lhe o ombro contorcendo-se com volúpia.

--Sobe comigo...vamos subir...poucos minutos...vamos...por favor...

Catherine beijou-a como se aquele beijo fosse vital para manter-se viva. Skya percebeu e quase entrou nela deixando claro que estavam mais do que sintonizadas. Aquele beijo soube a amor feito, a êxtase, entrega...amor.

Catherine empurrou Skya para dentro do elevador e correu em direção ao carro que ficara a poucos metros. Ainda teve tempo de ouvir...

--Te amo minha sensata deliciosa...te amo muito.

Seus pés saíram do chão, a alma expandiu-se e o sorriso que se formou no seu rosto iluminaria uma cidade inteira.

********************

Dois meses. Sorri feliz. Não, preciso ser mais clara, sorri muito feliz com o olhar distante e o pensamento num único foco...minha vida com a Skya.

Já dividíamos a mesma casa há dois meses e eu não poderia estar mais feliz, plena, realizada, consciente de que tomara a melhor decisão da minha vida.

Vez ou outra faço retrospetiva do que era e do que sou depois de me descobrir completamente apaixonada por essa mulher. Sou muito melhor, conheço mais de mim, sou mais tolerante, mais consciente do que me faz bem e do que não quero na minha vida, mas com certeza o que está claro na minha cabeça é que não quero outra vida.

Nunca pensei ansiar por alguém, pela sua presença...nunca pensei que fosse possível ficar feliz, radiante, apenas ao lembrar que alguém existe...nunca quis tanto que meu dia no trabalho chegasse ao fim para voltar para casa...nunca a palavra casa significou tanto para mim...

A Skya já viajou algumas vezes nesses dois meses mas em momento algum me senti sozinha, ela não permite. Mesmo quando não conseguimos falar porque nossos horários não se ajustam, eu a sinto e ela diz a mesma coisa...nunca fui de agradecer nada a Deus e nem sei se acredito nessa tal força, mas eu agradeço todos os dias da minha vida pela viagem que me permitiu esse encontro...sinto-me abençoada, especial...

Ela é linda...não apenas fisicamente, ela é perfeita para mim. Ela é perfeita porque consegue extrair o meu melhor, consegue deixar-me vulnerável, o que antes era encarado como fraqueza, agora sei que é apenas consequência de confiança...entrega...amor.

Não preciso mais ter controle de tudo...aliás não tenho controle de quase nada...nunca pensei dizer isso, mas não ter controle das coisas, não controlar os sentimentos, é o melhor dos mundos.

Já não tenho mais reuniões por hoje, só estou à espera de um relatório importante. Olho para o computador a cada segundo à espera desse bendito email...quero voar para casa.
Tenho muitos motivos para estar ansiosa...Skya regressou de viagem na madrugada, mal pude estar com ela...saudade avassaladora. Ela me ligou há pouco dizendo que me espera com um jantar maravilhoso...fecho os olhos e sinto o cheiro dela, o gosto do beijo...ouço a risada...o olhar brilhante...o desejo...estou cansada mas sei que mal chegue a casa me sentirei revitalizada...quero ir para casa...quero a minha Skya.

--Cathe...Catherine.

--Hmmm?

Karen sorriu mas algo no olhar dela fez-me ficar desperta.

********************

--Estou tão feliz pai, nunca pensei que pudesse ser assim...

Skya conversava com o pai enquanto deixava tudo pronto para o jantar com Catherine.

--Vejo que minha filha está mais prendada.

Risos.

--Sim...tentando pelo menos. Ainda não consigo fazer um banquete digno da minha namorada mas já sei deixar uma mesa perfeita...herança da minha mãe.

Risos.

--O que vale é a intenção, o empenho, a vontade de fazer as coisas darem certo...

--Essa é a minha maior vontade...cada vez mais...

--Que bom filha, nem imaginas como fico feliz.

--Imagino sim, por isso partilho contigo cada minuto da minha felicidade.

--Qual é o cardápio? A Cathe parece ser muito sofisticada...paladar apurado.

Skya riu com vontade lembrando da voracidade com que Catherine devorara uma simples omelete que ela fizera numa noite depois de muito amor e consequentemente de muita fome.

--Ela é flexível pai...gosta de caviar e de ovo estrelado. Come as duas coisas com a mesma boa disposição.

O pai de Skya sorriu feliz ao perceber claramente a felicidade da filha que cantarolava enquanto colocava taças na mesa...sempre sorrindo.

--Pai, vou sair agora, preciso de um banho e ainda vou tocar um pouco antes do meu jantar maravilhoso. A Cathe chega lá pelas sete e já não tenho muito tempo...beijo, eu te amo.

--Eu também minha filha. Bom jantar, dê um beijo na Cathe e não se esqueça nunca de ser feliz.

--Cada dia um pouco mais pai...estou muito feliz.

********************

Minha frustração era visível até de marte. Quando Karen entrou na minha sala avisando da reunião de última hora, jamais pensei que pudesse demorar tanto. Mas com o presidente da empresa poderia ser diferente? Não aguentava mais ouvir a mesma coisa que ouvira na reunião anterior e pior ainda, ninguém colocava um freio naquele homem que amava a própria voz.

Há algum tempo que as coisas não faziam mais tanto sentido, o trabalho já não me estimulava como outrora, mas ouvir aquela ladainha pela enésima vez, só me fez ter mais certeza que precisava de novos ares...

A videochamada foi desligada faltando quinze minutos para as 10 da noite. Minha frustração era tão grande que não consegui mover uma célula do meu corpo.

Percebi que estava sozinha na imensa sala de reunião quando só conseguia ouvir o som da minha respiração pesada.

Me arrastei até à minha sala com a sensação de esgotamento...apatia, algo assim.

Alguns minutos depois...

--Cathe, ainda estás cá? Corra para casa criatura, tem uma mulher linda à tua espera.

Karen sorriu mas não consegui acompanhá-la.

--Ainda aqui criatura? Tem uma menina linda ávida pela mãe...e o pai dela também.

--A tua afilhada já está no decimo sono, bem cuidada e alimentada e meu marido está na cama à minha espera...provavelmente dormindo.

--E...

--E?

--Ah Karen...tenho tanto medo que essas minhas reuniões sem fim, essa minha vida quase sempre corrida possa afastar a Skya de mim...hoje ela preparou algo lindo para mim e olha o descontrolo que é a minha vida...estou frustrada, triste...com medo...não sei como agir...e tu ainda ris?

--Minha chefe linda...minha comadre perfeita...minha amiga maravilhosa...a Skya te ama e quando nós amamos alguém de forma consciente, tudo se ajusta para que possamos valorizar os melhores momentos. Tu tens um privilégio tão grande de ter encontrado uma menina tão mulher, ela sabe o que quer e ela quer-te a ti, assim como és, carregada das melhores qualidades e com todos os defeitos também.

Só consegui ser inundada por lágrimas quentes...muitas.

--Ela vai entender esse teu contratempo como vai entender vários outros. Tu fazes a mesma coisa e não te dás conta. Lembras da viagem à Itália? Quando ela perdeu o voo e só chegou no dia seguinte? Tinham planos de passar o fim-de-semana no Maine...

--Mas a minha única preocupação era que ela chegasse bem...

--Exatamente. Acontece o mesmo com ela...a única coisa que ela quer é que chegues bem em casa para abraçar-te...tenho a certeza.

Fui abraçada pela minha amiga e mais lágrimas quentes inundaram meu rosto. Senti um calor estranho no coração, uma vontade de voar até casa...

--Vá para casa Cathe com a certeza que voltas para o melhor lugar e para a melhor pessoa...eu vou fazer a mesma coisa. Ah e não te esqueças do prometido...

--O quê? Minha cabeça está...

--Na Skya, eu sei...

Gargalhadas.

--Pateta.

--Mas não estou certa?

--Umhum...

Risos.

--Prometeste cuidar da Esperanza no domingo...vou namorar.

--Claro. Será um prazer. Saudades da minha menina.

--Que bom. Vamos embora porque nossos amores nos esperam, dormindo ou acordados.

Gargalhadas felizes.

********************

Entrei em casa e fui invadida por aquela sensação que aos poucos ia tornando-se familiar. A sensação de regresso a mim, regresso ao que me estimula, acalma, impulsiona...adoro o cheiro que minha vida tem agora...adoro tudo na minha vida...agora.

Scoutie veio dar-me as boas-vindas, parecia feliz mas como sempre olhou-me, ronronou e voltou para a sala. Logo soube do paradeiro de Skya, sim, porque desde que ela viera morar comigo, Scoutie não desgrudava.

Deixei minhas coisas penduradas no lugar de sempre, respirei o cheiro da minha nova vida, senti meu coração inundado de calor, tirei os sapatos e caminhei, ou melhor, flutuei até à sala.

Lá estava ela, dormindo com Scoutie aos pés. Caminhei devagar, ajoelhei-me à beira do sofá e fiquei parada olhando para o belo cenário. Não sei definir o que senti, algo como uma lufada de ar fresco, ou uma explosão de cores que inundam cada partícula de mim, talvez tenha percebido o sentido de viver...tudo faz sentido...minha vida faz sentido.

Não quis acordá-la, não me senti no direito de fazê-lo depois de chegar tão tarde...

Fiquei pior ainda quando vi uma mesa perfeita preparada para nós...a taça dela tinha vestígios de vinho e percebi que também tinha comido alguma coisa. Ainda bem...

Bebi um copo de água e dirigi-me ao banheiro. Precisava de um banho, precisava tirar o peso do dia dos ombros para então acordar Skya para dormirmos na nossa cama. Precisava pedir desculpas, precisava do conforto daquele olhar, do abraço...dos beijos...da leveza, precisava dela.

Devo ter adormecido na banheira pois só podia estar num sonho...senti mãos suaves na minha nuca, um cheiro que conhecia bem e que me inebriava...senti lábios quentes na minha pele que imediatamente ficou arrepiada...abri os olhos e vi o sorriso...ela estava completamente nua...suspirei, senti meu peito arfar...fechei os olhos...abri de novo e ela ajudou-me a sair da banheira...

Fui enrolada numa toalha e envolvida num abraço...não era sonho...não era.

--Meu amor, porque não me acordaste?

Fui beijada com tanto carinho que tive a certeza que meu corpo tremeu, da cabeça aos pés.

--Frio?

Apenas bati a cabeça negativamente e deixei-me levar...

Skya deitou-me na cama, secou minha pele, meu cabelo...olhava-me com aquele sorriso que me encantou desde a primeira vez. Eu não queria dizer nada, apenas sentir...todos os sentidos em alerta, absolutamente...

Ficamos lado a lado na cama, ela puxou o édredon e imediatamente enroscou-se em mim...era sempre assim e cada vez eu amava mais. Abracei-a e gemi...era bom demais...

--Desculpa-me...reunião sem planeamento, chatice interminável...não tive coragem de te avisar. Frustração, impotência...desculpa-me...

--Tudo bem...não me avisaste mas a Karen fê-lo e ainda bem. A única coisa que não gostei foi de não teres sido tu a me avisar do imprevisto...eu ainda não adivinho Cathe...

Ela estava coberta de razão, às vezes sou extremamente infantil ou egoísta...quem sabe as duas coisas juntas.

--Desculpa-me...por favor.

Eu devo ter ficado apavorada porque ela beijou-me a testa com muito carinho.

--Tudo bem...ei tudo bem, só não te esqueças de me informar com antecedência sobre qualquer mudança de planos. Comeste alguma coisa?

--Sim...a Karen não me deixa passar fome.

Risos.

--Ainda bem...

--E o nosso jantar?

--Almoço de amanhã. Mas eu comi...estava tão bom.

--Queria tanto...

--Almoço de amanhã e com certeza será um grande momento.

Sorri e beijei-lhe a boca levemente...adoro a minha mulher...minha menina tão mulher.

--Estás muito cansada?

Como se ela contorcia-se sob mim? Impossível ficar indiferente a essa mulher...impossível.

--Não...agora não...

--Hmmm...e passa alguma coisa pela tua cabeça?

Cabeça? Eu não pensava em mais nada...as mãos dela percorriam o meu corpo completamente nu e ele respondia, correspondia com arrepios, calor...entrega total.

Fui beijada, levemente mordida...pelo corpo todo. Gemi alto, apertei a cabeça dela em determinados pontos do meu corpo, ansiei por mais e tive tudo e mais um pouco. Minha boca foi devorada, acariciada, plenamente preenchida com o melhor beijo de sempre...meus seios...ah a boca dela é perfeita, o calor dos beijos nos meus mamilos deixam-me em êxtase e meu corpo anseia por mais, sempre mais. Minha vontade de senti-la deixa-me quase sempre em delírio mas ela adora provocar-me, adora me enlouquecer, e eu me descontrolo e grito o seu nome, mordo-lhe os ombros, sugo-lhe a boca como se fosse a fonte da vida...Skya...ah Skya...minha mulher...ela sabe tudo de mim, ela sabe me dar prazer a ponto de quase perder os sentidos...a boca na minha barriga...ahhh...a língua no meu umbigo...eu quero tudo, meu corpo arqueia e ela sorri, olha para mim e vejo tanto desejo, tanto amor...aumenta minha vontade de ser dela, minhas mãos arranham o lençol, grito de desejo, mordo minha boca, prendo minhas pernas no corpo dela e ela me olha...tanto desejo...e me toma sem preâmbulos e com maestria...vou morrer...de prazer...vou morrer...Skya me entende como ninguém, entende meu corpo como se fosse o dela...não me deixa explodir, nunca antes de me enlouquecer...completamente...diminui o ritmo, olha para mim, beija a minha boca, meus seios...boca de novo...diz coisas ao meu ouvido que me desnorteiam...eu quero tanto...meu corpo treme, quer o dela, clama para ser devorado e ela atende...ah Skya...enlouquecemos juntas e ela me devora com o corpo todo...falta-me o ar...olho para a cadencia da mão, olho para ela, vejo tanta coisa...meu corpo...vai explodir...ela me aperta, nossos corpos ficam grudados...ela treme, eu grito, mordo, arranho...ela diz que me ama...grita que me ama e chego à lua...chegamos juntas...

********************

--Está tudo tranquilo mesmo? Não gosto de abusar Cathe...

--Deixa de ser chata Karen, desde quando cuidar da minha afilhada é cansativo?

--Eu sei que gostas dela, mas sei também que não tens muita paciência com criança e sei que tens muita coisa para fazer...

--Como se minha assistente é a melhor do mundo e não me sobrecarrega?

Gargalhadas altas.

--Não estou a falar de trabalho sua viciada...refiro-me a coisas mais interessantes...uma mulher linda, por exemplo.

Karen ouviu um suspiro profundo e sorriu feliz.

--Karen...

--Hmmm...

--Obrigada por tudo que fazes na minha vida. Obrigada por ordenar meus pensamentos, clarificar muita coisa, ensinar outras tantas...acho que sem os conselhos e orientações das minhas duas grandes amigas, tu e a Susan, obviamente, eu já teria perdido o amor dessa menina...obrigada. Estou tão feliz...

--Feliz estou eu por ver-te assim...cheguei a perder as esperanças de ver o desabrochar da Catherine que eu sempre soube que existia...não agradeça. Tu só estás a viver essa fase porque mereces e porque abriste o teu coração...claro que uma ajuda é sempre necessária porque estamos a falar de uma cabeça dura...

Gargalhadas altas.

--Cala a boca...atrevida.

Risos.

--Mas...

--Estou coberta de razão.

Risos.

--Sim...obrigada. E agora faça o favor de desligar o motor da maternidade e focar apenas em ser mulher, amante e tudo mais que quiseres...da Esperanza cuidamos nós. Ela está sob os cuidados da Skya, que além de todos os talentos óbvios, ainda tem toda a paciência e carinho para cuidar de uma criança.

--E eu quero ser madrinha do primeiro filho do casal mais sensacional de Boston.

--Ah Karen vá...

Risos.

--Não precisa ser agora, até porque minhas meninas são muito ocupadas, mas...

--Karen...

--Ok, eu aceito ser madrinha do segundo, já sei que o primeiro será batizado pela Susan.

--KAREN.

Catherine gritou tanto que Karen caiu na gargalhada.

--Desliga esse telefone porque preciso sair para passear a minha afilhada. Não perca mais tempo, nem tens tanto assim...vou levá-la ao final do dia como combinado.

--Não me pressiones.

Risos.

--Louca.

--Quando fores mãe de uma criança linda vais perceber que é impossível desligar completamente. E olha que eu sei que minha filha está nas melhores mãos...beijo meu bem. Vou namorar.

Risos felizes.

********************

Dias perfeitos existem. Dias leves em que tudo se encaixa, tudo flui e sorrisos permanentes tomam conta de nós. Meu dia estava assim e eu me dava conta de toda a felicidade circundante.

Cuidar de Esperanza sempre foi um prazer, cuidar dela com a ajuda de Skya...sem palavras.

A cena delas brincando no chão, rolando no tapete com a ajuda de Scoutie, não me saía da cabeça. O risinho da minha menina, a alegria de Skya, a paciência...ela parecia uma criança e eu...eu levitava, mal cabia em mim de tanta felicidade.

Esperanza gosta de violino, e Skya tocou para ela, isso tudo enquanto eu trabalhava um pouco, afinal há coisas que não mudam e minha fixação por trabalho é uma delas.

Depois do almoço, eu e Esperanza fomos dormir um bocado enquanto Skya trabalhava nas coisas dela. Ela estava a compor e precisava de tranquilidade. Eu estava cansada, cansaço bom...cansaço de quem mal dormira na noite anterior...não pude evitar um sorriso de felicidade, satisfação, prazer...adormeci sorrindo.

Acordei duas horas mais tarde. Fui acordada por perninhas rechonchudas á volta da minha cintura. Já era noite e Karen ligara muitas vezes para saber da filha e para avisar que já estava em casa...mãe coruja essa minha amiga e comadre.

Claro que não segui o exagero dela. Aproveitei mais um pouco da minha afilhada, brincámos juntas, fiz a papa que ela adora, comemos juntas porque adoro a papinha dela.

Depois de um banho a duas e de estarmos apresentáveis, fomos procurar Skya e Scoutie pela casa agora silenciosa. Ele dormia na cozinha e ela estava na sala de estudos completamente absorvida por arranjos, melodias...no seu mundo.

Não quis perturbá-la. Saímos evitando fazer qualquer barulho.

Passei algum tempo em casa da Karen, conversamos um bocado enquanto Juan não desgrudava da pequena. Eles eram tão felizes...tanta coisa vivida, tantas agruras e a felicidade jamais deixara de estar presente. O que eu aprendia com as pessoas à minha volta...

Depois de sair da casa dos meus amigos, resolvi passear um pouco pela cidade. Queria levar algo para o nosso jantar mas não sabia ao certo o quê, então resolvi passear e pensar na minha vida. Não conseguia parar de sorrir...lembranças, momentos...minha trajetória até aquele momento. Eu era outra Catherine, agora era real, estava viva, no comando das próprias emoções...viva.

Comprei coisas que Skya gostava para o nosso jantar, um vinho que eu adorava e fiquei largos minutos dentro do meu carro ouvindo música e pensando na vida...nela...em nós. Há algum tempo isso era recorrente...

Quase sempre tocava alguma música que parecia enviada por sei lá quem...sempre pertinente. Fechei os olhos e viajei na melodia de Open Arms de Tracy Chapman. Sorri...mais pertinente impossível.

Entrei em casa e mais uma vez senti cheiro de vida...coisas da minha cabeça. Arrumei tudo na mesa...simples ato que me encheu de alegria, prazer, felicidade...lágrimas nos olhos? De novo? Sorri...lembrei de palavras da Susan...minha amiga que me permitiu abrir caminho até esse momento, ela me levou pelas mãos...amo a Susan, sempre amarei.

Entrei na sala de estudos e parei observando a imagem de Skya trabalhando. Fui invadida por aquela onda de calor que sempre percorria meu corpo todo e parecia querer explodir meu coração. Levei a mão ao peito e busquei ar. Caminhei sem fazer barulho, não queria incomodá-la, queria ouvir aquele silêncio quebrado apenas pelo bater do meu coração dentro dos meus ouvidos.

Cheguei a escassos centímetros...beijei-lhe a nuca, aspirei o cheiro de vida, ganhei mais vida. Ela pulou e olhou para mim...vi tanta vida...

--Consegui. Encontrei o que faltava.

Ela estava exultante e mal conseguia falar. Eu? Jamais me sentira tão viva.

--Meu amor, consegui fechar a composição e acho que de forma magistral.

Ela beijou-me a boca com tanta vontade que senti fraqueza nas pernas. Fui abraçada pela cintura...tanto carinho. Não tive dúvidas...

--Skya...eu te amo...tanto...tanto...tanto...

 

Fim do capítulo