Passei uma noite de cão, não consegui pregar os olhos por um segundo sequer, estava completamente desesperada, pois não tivera notícias nenhuma de Clara. Liguei em seu celular no mínimo umas cem vezes, deixei recado até a caixa postal estar lotada, mandei mensagem via Whatsapp, Messenger e o diabo a quatro. Mas nada. Liguei para o aeroporto e pedi informações sobre o voo, mas tudo que me podiam dizer é que ele tinha decolado no horário e também pousado no horário sem nenhum problema durante o percurso.

Mas alguma coisa estava errada, não podia ser. Ela não deixaria de me ligar, tinha certeza disso. Comecei a imaginar as coisas mais horríveis possíveis. Me culpava e xingava mentalmente, pois em minha ânsia por sex* nem lembrei de perguntar em que hotel estaria, ou qualquer outra coisa assim. Ela apenas havia me deixado um bilhetinho na porta da geladeira dizendo “Não se esqueça de mim”.  Já não sabia mais o que fazer. Em um determinado momento durante a noite liguei chorando desesperada para Sisse que veio imediatamente para meu apartamento junto com Suzana. As duas passaram a noite ao meu lado, tentando me acalmar.

De manhã eu estava louca atrás de uma passagem de avião para ir até a Patagônia. Sisse tirou o telefone das minhas mãos:

- Tá louca? Você não sabe nem onde ela está hospedada. Há horas esta ligando para todos os hotéis e ainda não a encontrou. Tenta ser racional por um minuto. Telefona para a emissora. Alguém lá dever ter a informação sobre o hotel. Melhor deixa que eu faça isso, você esta muito nervosa.

- Por favor, Sisse, eu realmente não consigo nem pensar mais.

-Também só tomando café e fumando como uma chaminé, você queria estar relax né?

Não tínhamos o telefone então procuramos, fomos ligando de ramal a ramal até conseguir falar com uma moça da produção do programa.

- Boa tarde. Com quem falo?

-Juliana. Em que posso ajudar?

- Juliana, meu nome é Clarice, sou amiga da Clara de Barros Simões, e gostaria de saber em qual hotel ela esta hospedada, preciso falar com ela urgentemente.

- Lamento, mas não posso passar essa informação assim, só tenho autorização para transmitir endereços para a família.

- Você não esta entendendo, é muito importante.

- Se é tão importante e você é amiga dela como esta dizendo por que não liga no celular?

- Meu bem, eu estou ligando e ninguém atende.

- Sinto muito, mas não vou passar essa informação, e se for mentira e você for uma fã tentando ir atrás dela?

- Olha aqui...

- Me dá esse telefone – disse o arrancando da mão de Sisse

- Eu não sei quem você e nem quero saber, agora eu vou te dizer quem sou, sou a mulher de Clara, ou se preferir ela é minha mulher, então me passa a porr* desse endereço de uma vez!

- Você é louca isso sim! – Disse e desligou o aparelho na minha cara.

Ainda bem que ela estava do outro lado da linha senão seria esganada. Fiquei tão puta que joguei o telefone contra a parede.

- Ana! Meu Deus!

- Você não entende Sisse! Alguma coisa aconteceu. Só pode!

Eu só pensava que algo muito sério tinha acontecido e que ela não conseguia me ligar e comecei a vasculhar todos os canais de notícia para ver se havia algum acidente na região onde ela estava, mas nada.

Fiz promessa para todos os santos de todas as religiões.

O pior é que eu não tinha um e-mail, ou telefone que fosse dos pais dela, nem sabia onde moravam, se estavam no Brasil ou não. Aquilo só podia ser brincadeira do destino. Cinco dias, foram apenas cinco dias que passamos juntas. Deus não podia ser tão maldoso assim. Passei a vida toda sonhando que esse reencontro pudesse acontecer, e agora isso...

Meu cabelo estava em pé de tanto que passava a mão por ele, olheiras enormes sombreavam meus olhos, meu estomago estava me matando, a cabeça explodindo.

Sisse me obrigou a engolir uma vitamina na hora do almoço e depois a meu pedido foi até uma livraria ver se encontrava um livro com todos os hotéis, eu já havia gasto todo o meu castelhano telefonando para os hospitais, e até para as delegacias na Patagônia, mas não havia nada que envolvesse o nome dela. Já eram mais de cinco horas da tarde e eu estava enlouquecida, a base de nicotina e cafeína, parecia animal enjaulado andando pelo apartamento sem parar, Sisse tinha ligado avisando que passaria em sua casa para pegar roupas, já que pretendia ficar comigo aquela noite também, mas logo voltaria. De repente a companhia tocou e eu voei para atender pensando que poderia ser ela, mas era apenas o porteiro com um envelope nas mãos, ele olhou para mim com cara de assustado e fiquei imaginando como estaria minha aparência.

- Doutora Ana deixaram esse envelope para a senhora.

- Quem deixou? – Perguntei enquanto pegava o invólucro de suas mãos

- Uma mulher de óculos escuros. Não quis dizer o nome. Dá licença tenho que voltar pra portaria.  – Disse e foi embora.

Minhas mãos começaram a tremer e eu rasguei o envelope com o coração apertado, dentro dele havia cinco coisas e quatro delas acabaram com um pedaço da minha vida. Eram três fotografias, uma carta e um cartão com um número de celular. Olhei atrás das fotos nelas havia uma data 07/1995, reconheci a letra de Clara, mas para ter certeza corri até a caixa que guardava no guarda roupa e joguei na cama tudo o que tinha dentro, peguei alguns cartões, bilhetinhos e cartas que ela havia me escrito na época de namoro era a mesma caligrafia com certeza. O que significava tudo aquilo? Eu olhei bem as fotos, em uma delas Clara estava abraçada pela cintura com uma garota negra muito bonita, provavelmente da mesma idade que ela, as testas encostadas, em outra estava dando um selinho em um rapaz loiro que aparentava uns vinte anos, de cabelos encaracolados, na terceira foto estava com o mesmo rapaz, agora dava para ver que ele possuía olhos azuis, pois estava olhando direto para a câmera, Clara estava sentada no seu colo com a cabeça em seu ombro, e ele rodeava sua cintura com os braços, eu não conhecia nem a menina nem o rapaz. Mas aquelas fotos eram bem intimas.  Então abri a carta e meu coração deu um salto, aquela folha, eu conhecia muito bem também, era o papel de carta que ela costumava usar, inclusive todas as cartas que eu tinha dela eram com aquele papel, sua mãe havia mandado fazer o bloco de presente, tinha o nome dela gravado com letra dourada no canto esquerdo da folha, e era azul como a cor de seus olhos. Eu fechei a carta, com um sentimento de medo apertando a minha garganta. O que era aquilo tudo? Mas se eu não lesse não saberia, não é mesmo. Então, mesmo com esse sentimento angustioso em minha alma, abri a folha novamente e comecei a ler. Já nas primeiras linhas minhas pernas amoleceram completamente e encostei-me a parede para poder ter suporte, conforme meus olhos devoravam as palavras era como se estivesse recebendo navalhadas por todo o corpo, algo dentro de mim se rompia a cada palavra, me estilhaçando em mil pedaços, um aperto no peito que não me deixava respirar, em minha garganta um nó me deixava engasgada, estava ficando zonza, e senti que aos poucos fui escorregando pela parede tremula e frágil, sem forças, cada músculo se soltando do meu corpo, era como se eu estivesse me esvaindo de tudo que fora um dia. Eu não estava mais ali, pois de certa forma havia morrido. Quando terminei de ler, estava jogada ao chão, nunca em toda a minha vida havia sentido uma dor tão insuportável, aliás, nem imaginava que poderia existir um sofrimento assim, me preencheu até a alma, o que eu sentia era maior do que se eu tivesse levado mil surras, como se a carne tivesse sido arrancada do meu corpo em uma tortura sem fim, fui me encolhendo em posição fetal, apenas me deixei ficar ali prostrada, nem uma lágrima, nem uma palavra, nem um movimento, eu não conseguia fazer nada, e até respirar era tão penoso que queria não precisar fazê-lo.

E foi assim que Clarice me encontrou quando chegou. Quando me viu caída no chão largou tudo o que trazia nas mãos e correu até mim, eu sabia que ela estava falando comigo, eu ouvia o som e até as palavras, mas não conseguia registrar nada, desesperada ela tentava me mover, me levantar, mas tudo isso parecia ser com outra pessoa, enfim ela conseguiu me erguer e deu-me uma tapa no rosto nesse instante foi como se eu tivesse despertado de um pesadelo monstruoso, consegui voltar a me mover e olhei pra ela.

- Ana pelo amor de Deus, o que aconteceu? Fala comigo. – Ela chorava copiosamente. – Ana, Jesus, por favor, que bagunça é essa em cima da cama. Você está queimando de febre. Senhor, eu só fui buscar umas coisas, mal fiquei fora três horas. O que aconteceu Aninha, por favor, fala comigo. – Aflita ela me colocou em seu colo.

Então consegui retirar a carta que estava embaixo de mim e entreguei a ela, que pegou com a mão tremula e começou a ler.

“Querida Lici

Tudo bem com você?  Espero que sim, pensando bem, na verdade não estou nem aí se esta bem ou não. Porque o que importa sou eu, e mais ninguém. Estou te escrevendo para agradecer tudo o que fez por mim. Sim isso mesmo que você leu: AGRADECER. De certo você pensou que eu estaria chateada, chorando pelos cantos e triste, ledo engano, estou é muito feliz!

Ah sim, eu peguei você beijando minha “namorada”, na verdade percebi que tinha me visto chegando, e deixei que continuasse com o seu jogo de sedução, e fiz com que isso parecesse uma traição imperdoável da parte das duas. Mas quer saber, isso era tudo o que eu mais queria, demorou tanto para acontecer que estava quase desistindo e arranjando outro jeito para sair fora. Você verá que a Ana é meio lerda mesmo, pra tudo. Logo percebi que você estava atraída por ela, achei que seria fácil deixá-la assanhada afinal você é uma bela mulher, não tanto quanto eu, diga-se de passagem, mas com muito mais experiência já que tem vinte e dois anos e tal, além de que estava praticamente se oferecendo para foder com ela. Olha tentei até te ajudar, fazendo algumas cenas de ciúme pra ver se a Ana percebia essa sua vontade e ficava interessada em experimentar, já que deixar passar uma vadia como você chega a ser um pecado, mas que nada a idiota ficava o tempo todo repetindo que me amava e não queria mais ninguém. Fazer o que né, não tenho culpa de ser gostosa. Tadinha ela pensa que eu a amo também. Pobrezinha da menina, ela acreditava em tudo o que eu dizia. Mal sabe o quanto estava enjoada daquelas palavras, e daquele sentimentalismo bobo de adolescente apaixonada. Eu gosto é de coisas mais quentes e não essas besteiras românticas.  Tenho dezesseis, mas já me sinto uma mulher.

Enfim, consegui me livrar dela e ainda sair como se eu fosse a parte ofendida. Fala a verdade, sou uma ótima atriz né, enganei até você que sempre se achou o máximo.  Graças a sua atitude posso continuar com o meu joguinho de menina boazinha todo mundo vai acreditar em minhas lágrimas. Tão bom ter essa carinha de anjo, e os olhos azuis tão inocentes. Depois desta tristeza profunda que me causaste (só rindo), consegui vir para o sul e me livrar da minha família por um tempo, eles já estava desconfiando dos meus gostos diferentes, e começaram a pegar no meu pé. Para me afastar de Ana fizeram tudo o que eu quis. Agora estou livre pra fazer tudo o que eu quiser, como eu quiser, e o melhor de tudo, com quem eu quiser. Vai demorar um tempo para que eles consigam vir pra cá, e até lá vou aproveitar bastante.

Para você saber como estou feliz e agradecida estou te mandando umas fotos onde dá para ver o quanto estou curtindo a minha profunda tristeza. Eu quase ia me esquecendo de contar a novidade, descobri que não sou gay como você, como pode notar pelas fotografias, mas sim bissexual, e é uma delícia poder ter um homem ou uma mulher conforme eu queira, ou os dois ao mesmo tempo se estiver a fim. Aliás, priminha querida, devo dizer que trans*r com homem é até mais gostoso, eles são mais viris e fortes, mas com mulher também é bom elas são mais carinhosas, e quando são experientes é delicioso. Ana nem sabia nada, tinha até vergonha de falar sobre sex*, coitada, precisei forçar a barra de um jeito sutil para que não percebesse que eu não era mais tão inocente como ela, e se não fosse por mim nada teria rolado até hoje. Até que foi legal ver como ela ficou excitada, mas já tinha conhecido uma pessoa muito melhor antes, quando ainda tinha treze anos, foi uma pena que ela teve que se mudar senão com certeza ainda seriamos amantes, tudo bem que não deixei que ela me tirasse a virgindade, isso perdi com Ana mesmo. Mas me arrependi... muito carinho, pouco fogo.

Bom como sei que esta apaixonada vou dar umas dicas de como ficar com minha “ex-namoradinha”, peça mil desculpas pelo que aconteceu, diga que esta muito arrependida e que quer consertar a situação. Procure se aproximar aos poucos, conquistando sua amizade, seja carinhosa, ofereça colo quando ela estiver chorando por mim, diga coisas românticas, se faça de inocente. Quem sabe assim consiga fazer com que ela me esqueça, mas já vou avisando que vai ser muito difícil por que ela está caidinha por mim. Dá até dó. Foi tão fácil de conquista-la, ela é tão crédula, achou realmente que me interessei. Ana Banana é perfeita para joguinhos de amor, mas é melosa demais, eu enjoei. Pode pegar o resto pra você, não me importo, se um dia eu quiser de novo pego de volta, disso eu tenho certeza, porque por incrível que pareça ela me ama de verdade. Acredita?

Enfim tudo isso foi pra você saber que não me conseguiu por chifre querida, eu queria que Ana me traísse. Não pense você que me derrotou. Que peninha né.

Só mais uma coisinha, não tente dar uma de esperta e mostrar essa carta para alguém. Se fizer isso conto pra todo mundo que você é lésbica, que adora ch*par outra mulher, a até perdeu a virgindade com uma, o que fará com que seus pais tão puritanos, católicos praticantes e babacas te excomunguem, deserdem e ponham no olho da rua. Se bem que conseguiria se virar pra não morrer de fome né...

E se mostrar para Ana, o azar será seu mesmo, você fará a bobinha morrer de amor não correspondido. Se gosta tanto dela como me disse no hotel, não vai querer deixa-la tão triste. Vai à luta, quem sabe você consegue pelo menos dar umazinha com ela, se bem que ela e bem fraquinha na cama, porém com sua experiência quem sabe não consiga melhorar o modo como ela fode. Ah, se conseguir me avise, quem sabe eu não volte para dar uma provadinha. Pode ser que ela fique interessante mais safada.

Se a ama não vai querer magoá-la não é mesmo?

Um último detalhe não a chame de Analu, pois só eu a chamo assim, e duvido que a tonta deixe mais alguém fazê-lo.

Da sua prima muito mais esperta que você e todo mundo

Clara (o anjinho de asas quebradas)

Quando terminou de ler Sisse me abraçou com muita força e começou a chorar tão sentida, tão magoada, me embalando em seus braços, que então minhas lágrimas desceram pela face, mesmo sem eu estar chorando de verdade, elas só caiam e caiam sem parar.

A noite chegou e junto com ela Susana que nos encontrou ainda enroscadas no chão, sem perguntar nada ela ajudou Sisse a me levantar, me levaram para o banheiro, me colocaram na banheira, me deram banho, me fizeram beber um copo de leite e me colocaram na cama, em um determinado momento acho que desmaiei de pura exaustão.

Fim do capítulo