No caminho de volta a faculdade, matutando com meu tico e teco, percebi que sequer sabia o nome daquela garota, que em apenas algumas horas havia se tornado mais significativa na minha vida que muitos com quem convivi por anos.

Impulsionada pela minha natural curiosidade e verdadeiramente interessada em descobrir o seu nome, impetuosamente me pus a perguntar:

-- Estava aqui pensando e vi que apesar de já ter te atropelado, batido em seu carro, te jogado num buraco no meio do nada, ainda não sabemos nem o nome uma da outra. Soou-me meio estranho, pois sinto que praticamente já somos velhas conhecidas de tanto que nos esbarramos por aí.

A garota deu um risinho de canto de boca daqueles aparentemente tímidos que me encantou completamente e disparou:

-- Mas eu já sei o seu nome...

Arqueei a sobrancelha totalmente surpresa. Como assim sabia meu nome? Tenho certeza absoluta que não lhe disse em nenhum momento.

Ela interrompeu meu monólogo interno, dessa vez dando-me um sorriso bem mais aberto, que me hipnotizou devido seus dentes brancos perfeitos, combinando maravilhosamente com sua boca rosada. Definitivamente, sou fã de sorrisos e esse me abalou completamente. Me esqueci até de onde estava.

Ela me disse algo que não escutei devido minhas divagações, por isso precisei perguntar:

-- O que você disse mesmo?

-- Disse que você além de tudo é esquecida, pois está aí com essa cara interrogadora, de quem não sabe como descobri seu nome, mas é simples. Lembra-se que me deu seu cartão quando bateu no meu carro? Lá estava não só o seu nome, como telefones e endereço. – riu debochadamente da cara que devo ter feito e continuou.

-- Para igualar nossas condições, te digo que meu nome é Camila. Mas você vai entender que não posso dizer que foi um prazer conhecê-la, né? – sorriu, daquele jeito de novo, somente com os lábios e continuou - Devido as circunstâncias, soaria extremamente falso da minha parte e se tem algo que me irrita verdadeiramente nesse mundo é mentira. Portanto, espero que não ligue para essa momentânea falta de simpatia da minha parte.

-- Não, de forma alguma, também prezo acima de tudo a verdade e fico realmente encantada com sua sinceridade. Pra mim isso é mais importante que simpatia. - disse verdadeiramente, pois realmente penso que é melhor ouvir a verdade, por pior que seja, que ter que conviver com mentiras.

-- Ah, pode deixar que os estragos causados pelas minhas esculhambações anteriores seriam devidamente ressarcidos – disse surpreendentemente tímida pela minha total falta de noção. Sério, sou desastrada e tudo mais, mas como hoje, foi recorde mundial de episódios murphéticos. Depois de tudo, merecia uma folga, mas como sei que sou encarnada com o azar, não tinha muita esperança.

Interrompemos nosso diálogo que, inacreditavelmente, estava agradável a meu ver, porque finalmente chegamos ao campus da universidade. Olhei no relógio e me assustei, porque estava um pouco atrasada. Então, mal me despedi da Camila, somente a agradeci pela gentileza de me conceder carona e parti correndo rumo à sala.

Chegando lá, o tirano do meu professor me deixou entrar, mas não sem antes ralhar comigo pelo atraso e me informar que se houvesse uma segunda vez ele não seria compreensivo de novo.

Quanto ao teste, bom, estava digamos espinhoso, foi bem difícil, mas pelo menos não tiraria zero, como seria se não o tivesse feito. Agradeci a Gabi por ter me avisado e salvo minha pele, pelo menos momentaneamente, na matéria mais ferrada do curso e parti novamente com a intenção de comparecer na minha comemoração de namoro.

Como já era cinco para as onze da noite, peguei o ônibus em frente da faculdade. Algumas pessoas me olhavam com extrema curiosidade. Devem ter me achado uma completa maluca devido meu estado calamitoso, mas fingi que não era comigo e continuei, novamente esperançosa de finalmente poder ter alguns momentos bons com Amanda, depois dessas desgraças que enfrentei.

Era para ser uma volta pra casa normal, mas gente, vocês conhecem Murphy, né? É claro que uma simples viagem de ônibus de apenas oito quilômetros não poderia ficar sem que nada acontecesse.

Em algum ponto do caminho, o pneu simplesmente estourou. Isso mesmo! Fechei os olhos depois do susto da explosão que teve e não conseguia acreditar na minha incrível falta de sorte. Acho que poderia ganhar algum dinheiro dizendo exatamente em qual número não se apostar na mega sena, porque vou te falar, hein? É muita zica para uma pessoa só.

Depois de mais ou menos vinte minutos apareceu nosso socorro, mas hoje nem um simples mecânico poderia estar em seu estado normal. Pois é, o cara estava praticamente caindo de tão bêbado, mas incrivelmente, conseguiu realizar a tarefa.

Claro, foi o que todos pensamos, já que o ônibus andou novamente, mas apenas por alguns metros, visto que logo percebemos que algo não estava bom. Simplesmente o cara fez o serviço como se não estivesse enxergando muito bem, o que realmente deve ter acontecido mesmo devido seu estado. Acontece que o pneu adjunto ao que foi trocado também furou.

Nessa hora nem estranhava mais nada, porque já me aconteceu tanta coisa nesse dia, que nem me surpreendia mais com os envios de Murphy. Como não havia outro ônibus na empresa no momento nem outro pneu para trocar, o motorista resolveu continuar assim mesmo, pois não estávamos tão longe da civilização.

Depois de quase uma eternidade, uma vez que o ônibus andava a uns vinte quilômetros por hora, chegamos finalmente à cidade. Resolvi descer próximo ao local indicado no cartão que o senhor me entregou dizendo que era onde estava o meu carro.

Fui andando com dificuldade devido meu tornozelo recém machucado, mas precisava recuperar o presente de Amanda a qualquer custo. Nem que fosse a minha última ação do dia, não chegaria a casa dela de mãos vazias. Agora era uma questão de honra!

Chegando ao local, percebi que era um tipo de garagem totalmente cercada, e devido o horário estava tudo escuro e fechado. Fiquei desanimada na hora, mas não poderia desistir agora, não iria morrer na praia. Peguei uns tijolos que encontrei ali perto numa construção, empilhei-os e fui tentar pular o segundo portão naquele dia, mas dessa vez era mais difícil, pois era bem mais alto e eu estava, além do braço engessado, com tornozelo torcido.

Inacreditavelmente, consegui a façanha depois de muito tentar escalar aquela grade. Mas, claro que quando fui pular do outro lado me desequilibrei e cai de costas no chão. Vocês não esperavam outra coisa se tratando da minha pessoa, não?

Depois de verificar se minha coluna não tinha resolvido abandonar meu corpo e partido para a Líbia sozinha, me levantei com extrema dificuldade e continuei andando meio agachada, com medo de surgir alguém e me pegar invadindo uma propriedade alheia. Sabia perfeitamente que era crime e que poderia ser presa por isso, mas estava completamente desesperada. Vocês entendem minha situação, né? Obrigada, vocês são tão compreensivas!

Tive que andar um bocado, porque naquela escuridão não encontrava de jeito nenhum meu carrinho. Nem o estado dele me ajudava, pois ali todos estavam semi ou totalmente destruídos, poucos os que salvavam. Mas, depois de alguns minutos, finalmente encontrei-o.

Suspirei aliviada, mas durou muito pouco esse meu estado, pois quando fui abrir a porta esta estava trancada. É meio óbvio isso, mas eu ainda acreditava que algo poderia ser pelo menos um pouco mais fácil pra mim. Ledo engano. Pode dizer, sou meio ingênua mesmo.

Mas, como sou irmã gêmea de Joseph Climber, não me dei por vencida e pensando ativamente com meus neurônios, descobri uma forma de recuperar meu presente. Encontrei um pedaço de ferro e decidi que teria mesmo que quebrar o vidro se quisesse entrar lá dentro.

Com um pouco de dó do meu carrinho, mas totalmente decidida, fui e com um braço apenas comecei a bater no vidro, até destruí-lo. Não foi tarefa fácil, devo dizer, não sabia que era tão difícil quebrar um vidro assim. Meu muque estava todo dolorido, mas nem me importei, porque finalmente conseguiria reaver a gargantilha que havia comprado para minha namorada.

Ao pensar nisso, consegui até mesmo esboçar um sorriso de felicidade e fui logo entrando e abrindo o porta luvas que era onde havia deixado o embrulho mais cedo.

Tive que dar uma de Robin Hood não teve jeito, afinal estava mesmo “roubando” a gargantilha, mas como o herói em questão era tudo por uma boa causa, não concordam?

Mas...

Vocês já estão carecas de saber disso, né? Minha súbita alegria foi bruscamente interrompida, quando escutei um barulho próximo de onde estava e logo que visualizei a sombra de alguém se aproximando, com uma lanterna e um grande objeto nas mãos, mais parecendo aquele boneco assassino do filme, percebi que estava realmente em maus lençóis. Mais uma vez.

Fim do capítulo