Capítulo 15
- Flávia?- Tina entrou na sala de televisão onde Flávia assistia a um filme, pendido que lhe desse atenção. Então, a mulher pausou a projeção. Era sábado à noite, e Flávia jogara-se no sofá para assistir algo, enquanto Tina estava no salão, fazendo as unhas e luzes nos cabelos.
- Oi, querida? Você está linda, amor. – Comentou, realmente satisfeita em ter uma mulher tão bonita e elegante. – Estava esperando você. – Apontou para o sofá, chamando-a para o seu lado.
- Obrigada. Mas entrei aqui para lhe perguntar uma coisa. – Justificou-se com seu tom de voz peculiar.
- O quê, amor? – Perguntou, virando-se para verificar se a mídia estava pausada mesmo ou se a desligara.
- Hei, olhe pra mim. Por que só vou perguntar isso uma vez. – Exigiu, fazendo com que a encarasse, colocando a mão em seu rosto, fazendo-a virar.
- Oi, amor. Desculpe, já ia olhá-la, mas diga. – Explicou-se, sabendo que a mulher requeria atenção sempre.
- Abra e me diga se gosta. – Estendeu para Tina uma caixinha de veludo preta. Fazendo com que Flávia parasse momentaneamente de respirar e abrisse a caixa, com certa dificuldade.
- Amor... são lindas. – Foi só o que pôde dizer.
- Se gostou, ótimo. Comprei para usarmos. Não quero mais saber de você andando por ai sem aliança, correndo o risco de ser cantada por alguém. – Fingindo rabugice.
- Mas, amor... – Flávia tentou explicar...
- O quê, não quer usar? Acha cafona? – Irritou-se.
- Não amor, são lindas e amei que você tenha pensado nisso, mas só um minuto. Levantou com pressa e desapareceu, deixando Tina com a caixa na mão e com sentimento de frustração. Segundo depois entrou quase correndo.
- Sinto ter deixado para mais tarde... Ia lhe dar, depois do jantar, hoje à noite. – Estendeu para Tina uma outra caixinha de veludo. Fazendo com que os olhos da mulher brilhassem, pois compreendeu a reação estranha de Flávia ao presenteá-la com as alianças.
- Amor... São lindas também. Sou uma idiota... Me perdoa. – Desculpou-se constrangida, sabendo que tinha tirado da mulher o gosto em fazer aquilo.
- Não, só é afoita. – Risos – E insegura. Amo você mais que tudo. Quero passar o resto da minha vida com você. Quero fazer amor com você mesmo depois de ficarmos velhinhas e flácidas. E quero casar com você, mesmo que precisemos fazer isso em outro canto do mundo. Quero que sejamos uma família, mesmo que só nós duas. E não quero correr o risco de que barrem você de me ver, se algo ruim acontecer.
- Amor. Me beija?
O jantar foi esquecido, as alianças foram trocadas e usadas em par, e o projetor foi desligado. O quarto foi ocupado, assim como a sala, a piscina e mesmo a mesa da cozinha. Desde o acidente, Flávia parecia acreditar que o mundo pudesse acabar, então tratava de fazer amor repetidas vezes, sempre que estavam sozinhas. E, obviamente, Tina não reclamava disso, constantemente sendo surpreendida por alguma ideia deliciosamente maluca da outra.
Sempre que podiam, visitavam os avós de Flávia, ou os convidavam para passar alguns dias em sua casa. Programaram para as férias, uma viagem para a Espanha, depois um tour pela Europa. Mas antes iriam a Porto Alegre, onde já era permitido o registro de união estável de casais homoafetivos, pois desde o episódio do hospital, decidiram que era importante cuidarem das questões práticas, para que pudessem ter algum vínculo contratual, que garantisse que seus direitos fossem reconhecidos, inclusive por razões patrimoniais. Então, fariam o registro, e partiriam para uma viagem, como em lua-de-mel.
Flávia, comprovando a eficiência e dedicação de Roger, ofereceu-lhe sociedade, o que lhes rendeu mais trabalho, exigindo que ampliassem o quadro de prestadores de serviço e ampliassem seu próprio escritório. Tina fez o mesmo em relação a Dênis, então, de quando em vez, permitia-se algumas extravagâncias, como trabalhar apenas um turno, ou simplesmente passar pelo escritório para verificar algum processo. Ficou mais focada na captação e atendimento de clientes, deixando a parte burocrática e técnica a cargo da equipe, supervisada de perto pelo novo sócio. Essa descentralização lhes permitiu viajar com maior tranqüilidade.
Na capital gaúcha,permaneceram apenas quatro dias, tempo suficiente para conhecer a vida cultural da metrópole, e se apresentarem no cartório de registro civil para formalizarem a união estável. De Porto Alegre, partiram para a Europa.
Percorreram Portugal, começando da capital, Lisboa, para apreciarem os azulejos e as fantásticas vielas das colinas, o Mosteiro dos Jerônicos e a Torre de Belém. Conheceram do Algarve, as magníficas praias com falésias. Saborearam o famoso vinho do Porto, na cidade que dá origem ao nome do vinho. Em Sintra visitaram o famoso Castelo Mouro, o romântico palácio da Pena e o enorme Palácio Nacional.
E, depois de um vôo curto, foram conhecer a Ilha da Madeira, também conhecida como Jardim Flutuante, devido às suas flores e frutos exóticos. Em Funchal, o maior povoado do arquipélago, caminharam pelo Mercado dos Lavradores, onde, além da variedade de flores, frutos tropicais, vegetais frescos e peixes, puderam apreciar o artesanato local, encantando-se pelos trabalhos das bordadeiras.
Na Espanha, estiveram nas capitais Madri e Barcelona,e Flávia pôde conhecer, de perto, a obra de Gaudi e conferirem as obras de Dali, Picasso e Miró. Visitaram Sevilha, onde percorreram as casas reais, a Catedral, passearam à beira do rio Guadalquivir, na Plaza de Espanha e o Museu de Belas Artes. Em Granada, conheceram um das mais belas construções da Espanha, o Palácio de Carlos V, fortaleza do Sacro Império Romano Germânico. Em Ibiza, estiveram nas praias paradisíacas, e passaram por Andorra, a caminho da França.
Já em território francês, alugaram um carro, para percorrer Toulouse, Marseille, Nice e Lion. Depois, foram a Gênova, Veneza e Milão, antes de retornarem a Paris, preferindo, ao invés de hotéis mais luxuosos, hospedarem-se em pequenas pousadas, sempre que possível, para conhecer melhor os hábitos do povo. Em Paris, aconselhadas por Camille, procuraram um pequeno hotel em Le Marais, um bairro espetacular, de intensa vida cultural. Passearam pela capital francesa por três dias, visitando museus, prédios históricos, cafés e teatros.
Então, voltaram para Brasília, renovadas. Flávia, com novos conceitos a explorar em matéria de design de interiores e arquitetura de forma geral.
Uma manhã Camille lhe ligou contando que acabara de voltar da Austrália, e se separara de Luana. Sem entender muito bem todo que antecedera à separação, primeiro tentou acalmar a mulher, que falava freneticamente ao telefone, como se estivesse tendo uma crise verborrágica. Depois, sabendo que a outra não tinha mais ninguém com quem pudesse desabafar, convidou-a para passar algum tempo em sua casa, consigo e com Flávia.
Dois dias depois, foram buscá-la no aeroporto. Visivelmente abatida e muito mais magra, a fotógrafa atravessou a sala de desembarque, carregando uma mala pequena e um embrulho grande, que devia ser um painel, visto o formato e a etiqueta indicando que era algo frágil.
Tina adiantou-se para recebê-la, e com um abraço, selaram a amizade que havia sido conquistada nos últimos anos, passada a fase inicial de estranhamento. Estranhamente Camille pareceu ainda mais sensível do que seu aspecto físico. Deixando-se demoradamente entre os braços de Tina.
- Como você está? – Perguntou, finalmente, quando se afastaram para se olhar.
- Arrasada. Completamente perdida. Jamais achei que fosse dizer isso, mas é assim que me sinto.
- Venha, vamos pra casa. – Pegou-a da mão. – Mas antes, quero que você conheça, Flávia.
As mulheres trocaram sorrisos. E também se abraçaram. Algumas vezes já haviam se falado por telefone, mas pessoalmente nunca se visto.
- Oi. Você é exatamente como Tina a descreveu. – Confessou Camille para a mulher da amiga.
- Você também. – Risos. – Bom conhecê-la finalmente. Seja bem-vinda.
- Obrigada, Flávia. Só aceitei o convite porque realmente não sabia mais o que fazer, não queria incomodá-las.
- Ora, não é incômodo algum. Agora vamos pra casa. Conversaremos melhor lá. – Tina interviu, tentando impedir que Camille acabasse se sentindo ainda mais fragilizada, em público.
Naquela noite, logo depois do jantar, Flávia deu a desculpa de que precisava concluir um projeto e deixou as amigas a sós, e então pudessem conversar mais à vontade.
- Fico muito feliz por você, Tina. Flávia é uma pessoa maravilhosa. Você merecia alguém como ela.
- Camille, não vou lhe mentir, não saberia o que fazer mais sem ela. Procuro não dar muita bandeira, mas sou completamente louca por ela. Morro de ciúmes, tenho uns ataques de loucura. E ela me aguenta. É capaz de qualquer coisa pra me fazer feliz. Jamais imaginei que sentiria isso por alguém.
- Dá pra ver que vocês são felizes. Quando ela lhe olha, é com encantamento. E você pode até pensar que consegue disfarçar, mas quem a conhece um pouco, percebe logo o quanto a ama também. Luana e eu já fomos assim. – Lamentou-se ao final da frase.
- Cam, gostaria de entender onde exatamente vocês se perderam. Vocês eram perfeitas uma para a outra. Nunca vi Lu tão apaixonada por alguém, e você sabe que conheci todas as ex dela.
- Se eu soubesse quando tudo começou, ou o que realmente causou o vazio que terminou se impondo entre nós, juro que lhe diria, mas nem eu mesma sei. Passei meses tentando descobrir. Quanto mais tentávamos nos reaproximar, mais nos afastávamos. Nos últimos dias, apenas dividíamos a mesma cama, isso quando dormíamos no mesmo horário. Luana se trancava no estúdio para escrever, eu no meu. De quando em vez nos cruzávamos pelo apartamento. Conversávamos o essencial.
- Não consigo imaginá-las assim.
- Quando mamãe faleceu, achei que ia enlouquecer, meu casamento estava arruinado e perdi, definitivamente, a única pessoa que tinha certeza que me amava. Fiquei tão mal que parei de trabalhar. No fundo do poço, recorri a antidepressivos, mas nada parecia fazer efeito ou sentido. Passava horas no estúdio, ao invés de trabalhar, olhava incontáveis vezes nossas fotografias, tentando descobrir onde tinha ido parar a cumplicidade de nossos olhares, a certeza de ter encontrado.
- Cam. Sei como deve ter sido doloroso pra você, perder sua mãe assim, de repente, e de quebra ter que lidar com Luana sorumbática. Conheço-a bem, sei de sua dificuldade em conversar. Nisso sempre fomos parecidas. Temos uma trava. Por mais que saibamos que é isso que devemos fazer, nos calamos. E Luana, quando não sabe o que fazer, se retrai.
- Ela simplesmente se trancou no estúdio, nem sei se realmente escrevia. Ficava lá a maior parte do dia, em frente ao notebook. Às vezes madrugada a fora. Ou acordava no meio da noite e voltava para lá. Sabia que ela precisava de espaço quando começava a escrever um novo romance, mas não daquela forma. Lembra quando ela ficou mal aquela vez do livro que parecia não ter agradado?
- Claro. Pronto, lembra, tive que dar uns bons gritos com ela, até que percebesse que estava fazendo tempestade num copo d’água.
- Então, naquela época parecia um espectro andando pela casa, nos últimos meses estava exatamente da mesma forma.
- Luana tem desses curtos circuitos, quando algo lhe foge do controle. Precisa de alguém para forçá-la a ver que precisa reagir. Gostaria que tivesse me ligado. Poderia ter ido vê-las.
- Não quis incomodar, Tina. Juro que até pensei em ligar e contar o que estava acontecendo, mas tive vergonha. Seria a segunda vez que precisaria pedir-lhe que conversasse com ela. Não era justo. E, depois que você mudou para Brasília, praticamente não se falavam mais, como eu iria lhe pedir isso?
- Ligando e dizendo: “Tina, preciso de você”. Eu teria ido, Cam.
- Ah, Tina... eu sei, querida. Mas achei também que precisávamos resolver sozinhas, que do contrário era porque o que sentíamos tinha acabado.
Fim do capítulo
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lucy
Em: 09/11/2015
e aí está..... quando a esmola.é muita o.santo desconfia....
acho que Luana se.deu conta dos.sentimentos.pela.amiga
e esta ao se afastar.....a outra entrou em.parafuso. puxa vida
tenho.pena da.Lu mas.a Tina fez um esforço imenso pra deixar que
ela.fosse.feliz.naquele.momento e se.afastou...negando a si o que sentia
mas.puxa vida era questão de.conversar...sei lá a Lu é fechadona e guardou
pra.si aquilo que a estava lhe afetando...
ai ai e.a.Flávia vai pirar se a Tina for ajudar....logo a Luana
ciúmes e insegurança ....atrapalham rs
aff nem sei como vai ser isso....
bjs
nota mil.muito bom o.conto 😘. 😋
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