Capítulo 10
Na segunda pela manhã, voltaram às atividades normais. Tinham a semana cheia de compromissos agendados, o que dificultaria dormirem juntas. Mesmo assim, na quarta-feira, Flávia insistiu para que a mulher passasse a noite consigo em sua casa, prometendo que lhe prepararia o jantar.
Na sexta, sem avisar, Tina apareceu na Space, decidida a esperar pela namorada e irem jantar, antes de decidirem em qual das casas passariam o final de semana, tendo antes ligado para a empresa para se certificar de que a encontraria no local.
Às cinco e meia da tarde, Tina cruza a porta da sala de Flávia, sem esperar ser anunciada, e flagra a mulher acompanhada de outra. Uma morena, aparentemente linda, sentada ao lado da namorada, olhando um projeto, e ouvindo as explicações. Tina não teria se irritado caso a morena não estivesse tão próxima, e com as pernas tão a vista. Praticamente podia sentir o hálito de Flávia, tão perto estava.
Surpresa, Flávia virou-se para ver quem tinha entrado, imediatamente, percebendo a expressão de ironia de Tina, desmanchou o sorriso, assim que registrou o fato. Já prevendo que a namorada tinha ficado chateada ou vê-la a sós tão próxima da cliente, rapidamente levantou, indo em sua direção.
- Que bom que chegou. – Com um sorriso meio amarelo, tentou fazê-la se acalmar.
- Oi. Vejo que ainda está ocupada. Vou esperá-la lá fora. Precisamos passar no supermercado antes de irmos para casa. – Dando ênfase no irmos para a casa, para deixar bem claro, para a outra mulher,que a arquiteta não estava disponível.
- Ah, ok... Estamos quase concluindo aqui. Espere aqui mesmo – Indicou que tinha presenciado apenas trabalho. – Gostaria de apresentá-las.– Indicou a morena. - Débora Argenta, Cristina Bianchi.
A morena estendeu a mão para cumprimentá-la, com um sorriso enigmático, um tanto sarcástico, o que irritou ainda mais Cristina. Disfarçando a contrariedade, sorriu, apertando-lhe a mão como em sinal de satisfação em conhecê-la. Pois iria mesmo esperar Flávia ali, e mostrar para a morena com quem estava lidando. Voltando-se mais uma vez para a namorada, sorriu, e meiga, anunciou:
- Querida, não quero atrapalhar, então vou sentar ali e fazer uma lista do que precisamos comprar. – Disse, indicando o sofá.
- Ótimo, amor. – Respondeu Flávia, tentando fazer com que a namorada se sentisse mais segura.
Seus olhos se encontraram, e os sorrisos denunciaram que haviam se entendido. Tina se desarmou, e aguardou a namorada terminar de resolver o que precisava com a cliente, sem mais se incomodar com a existência da morena.
Minutos depois, a mulher levantou-se para sair, apertando a mão da arquiteta e, sem muita graça, despediu-se de Tina, de longe, recebendo dela um sorriso largo, de quem diz “venceu a melhor, reduza-se a sua insignificância, reles mortal”.
Flávia precisou conter o riso, observando a cena, e a expressão da namorada. Mesmo depois de a cliente já ter se retirado, achou melhor nada comentar, já que não tinha certeza de como Tina reagiria, então melhor não provocar.
- Já fiz a lista... Você já pode sair, ou ainda tem trabalho? –Disse Tina, fingindo que nada tinha acontecido.
Não, podemos ir... Posso deixar o restante para segunda.- Anunciou, já apanhando algumas coisas para guardar em sua pasta de trabalho, e procurando a chave do carro.
Bem mais tarde, na cama de Flávia, suadas, depois completamente satisfeitas, Tina mordeu o braço da namorada com força, fazendo-a reclamar da dor.
- Isso é pra que saiba que me dei conta que a tal da Denise, Débora ou qualquer coisa que seja, estava se jogando pra cima de você, e que você bem que estava gostando. Que não se repita, entendeu?
- Enlouqueceu, foi? – Defendeu-se Flávia, mas já achando graça da cena de ciúme da mulher, ainda sentido dor no braço.
- Não, estou muito consciente. Agora deixa de frescura e faz amor comigo de novo.Vem. Nem mordi forte como você merecia.
Não voltaram a falar no assunto. E a marca da mordida ficou roxa, depois amarela, por fim desapareceu, mas Flávia não esqueceu o quanto a mulher podia ser ciumenta, então tratou de ser mais cuidadosa, principalmente enquanto estava cuidando do projeto de Débora.
Alguns meses depois, Flávia convidou Cristina para passar o final de semana na casa de seus avós, em Anápolis, interior de Goiás. Os pais de Flávia tinham morrido em um acidente de carro, quando ela tinha dez anos, então fora criada pelos avós, que a tinham mandado para a capitalquando decidiu que queria cursar arquitetura na FAU, da Universidade de Brasília.
Durante a faculdade, a jovem talentosa, aluna de arquitetura, começara a estagiar em uma das grandes empresas da área, depois fixara definitivamente residência em Brasília.
Seus avós viviam, comodamente, na pequena cidade do interior de Goiás, onde moravam também seus outros três netos, e a tia de Flávia.
Durante a viagem, a namorada contou histórias de quando era criança, de momentos em família, do relacionamento com os avós e que, apesar de ela nunca ter contado com todas as letras que era homossexual, os avós já tinham deixado transparecer que sabiam. Essa era a primeira vez que levava alguém para conhecê-los e,embora os tivesse avisado que iria acompanhada, não podia afirmar qual seria a reação deles, mas que no mínimo, seriam gentis.
Cristina não sabia bem como lidar com a situação, era um mundo completamente novo no qual estava vivendo. Toda a família que tinha, que era apenas a mãe, havia perdido há alguns anos. Não tivera irmãos nem mais ninguém, e era a primeira vez que se relacionava com uma mulher, então não fazia ideia do que esperar da família da namorada, nem de como reagiriam. Achou por bem fazer de conta que era amiga, não namorada da arquiteta, assim evitaria conflitos.
Ao chegarem, logo que bateram na porta da casa do casal, Tina pôde respirar com mais facilidade, pois a avó da namorada as recebeu com um sorriso encantador, distribuindo abraços calorosos.
- Que bom que vocês vieram, minha filha.
- Estava com saudades, vó. – Confessou, abraçando mais uma vez a senhora simpática.
- Então, essa é a sua amiga Cristina? – A avó ainda abraçando a neta, estendeu a mão para Cristina, que um tanto acanhada, aceitou o carinho.
- Sim, vovó, essa é a Cristina.
- Pois seja bem-vinda, minha filha! Se Flávia a trouxe para casa é porque gosta muito de você, então sei que também vou gostar.
- Muito obrigada, dona Anete. Flávia fala muito na senhora e no avô, então já os quero bem por tabela. – Riu, tentando ser gentil, já gostando mesmo da senhora.
- Vamos entrando. Seu avó está no quintal, esperando por vocês. – Anunciou, indicando o caminho.
O final de semana prometia ser agradável, dada a forma como os avós receberam a namorada da neta.
- Oscar, Flávia e Cristina chegaram. – Anunciou a mulher, chamando a atenção do senhor de cabelos quase brancos, que lia, deitado em uma rede.
- Ora, ora... finalmente. Venham cá me dar um beijo, meninas. – Pediu o senhor, se preparando para levantar.
- Oi, vovô. É bom estar em casa. – Flávia, de repente pareceu uma menina, afundando o nariz no pescoço do avó, sumindo em seu abraço.
- Minha filha, você tem que vir nos visitar com mais frequência. Sua avó e eu já estamos velhos demais para sentir tanta saudade. – Reclamou o senhor, beijando a neta, visivelmente emocionado. - E você, minha filha, venha aqui para que eu possa vê-la melhor. – Chamou Tina, afastando-se um pouco de Flávia.
- Olá, bom dia. Como vai o senhor? – Tina se aproximou, ainda um tanto desconcertada.
- Bom dia, melhor agora em saber que você é uma moça bonita, e simpática. – Piscou o olho para a neta. E, muito sem cerimônia, puxou Cristina para um abraço em conjunto.
- Gentileza sua, seu Oscar. – Respondeu, sem graça.
- E me chame de Oscar, ou de vovô. Esse “seu” me deixa mais velho. – Brincou o homem, visivelmente feliz por recebê-las.
- Vovô, queria tomar um banho, depois comer alguma coisa, tomamos o café muito cedo, estamos com fome. – Anuncio Flávia.
- Mas é claro,minha filha... Sua avó esperou-as com um café colonial, justamente imaginando que poderiam chegar com fome.
- Filha, pegue as malas de vocês e leve para o seu quarto. Já deixei arrumado pra vocês. – Ordenou a avó. – Imagino que vocês não façam questão de dormir em quartos separados,... mas se quiserem, podemos arrumar o quarto que era da sua tia. – Completou a senhora.
Flávia e Tina se olharam, sem dizerem nada. Tina um tanto corada, pois não esperava que os avós da namorada pudessem tratar o assunto de forma tão natural.
- Tudo bem vovó. Ficamos no meu quarto. – Foi tudo que Flávia disse, já indicando à Tina que deveriam levar a bagagem para o andar de cima.
Assim que entraram no quarto, e fecharam a porta, riram baixinho, como crianças travessas.
- Nem pense em querer fazer qualquer coisa que não seja dormir nessa cama, mocinha! – Determinou Tina, deixando claro que não deviam abusar da sorte.
- As paredes têm isolamento acústico. – Informou a namorada.
- Nem se esse quarto fosse um abrigo antiaéreo. Pode ir desistindo. Esse final de semana você vai se comportar, como a boa netinha que é. Agora vá tomar um banho gelado, que é para parar de pensar em safadeza.
- Sem graça... – Saiu resmungando, fingindo estar contrariada.
Enquanto Tina abria a mala de Flávia, para separar a roupa que a namorada ia vestir, Anete bateu à porta e entrou, pedindo licença.
- Cristina, minha filha,vocês precisam de mais alguma coisa? Deixei toalhas no armário do banheiro para vocês. E você pode colocar suas coisas no guarda-roupas de Flávia, abri um espaço para que pudesse pendurar as suas.
- Não preciso de mais nada, dona Anete, muito obrigada. Sua casa é linda e esse quarto é mais que acolhedor. Flávia está no banho, já deve ter encontrado as toalhas.
- Encontrei. – Gritou a mulher, do banheiro da suíte, pois, apesar do barulho do chuveiro, tinha ouvido a conversa, uma vez que deixara a aporta aberta. - Já estou terminando, vovó. Em seguida descemos para o café.
- Está bem, então. Se quiserem algo, você sabe onde encontrar, Flávia. Faça com que Cristina tenha tudo o que precisar.
- Pode deixar, vovó.
- Obrigada. – Completou, Tina.
Fim do capítulo
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