Capítulo 6
Os anos passaram e Tina falava cada vez menos com Luana, e, estranhamente, passara a conversar com Camille que, inúmeras vezes, ligava para saber como estava, contar que Luana voltara a escrever, ou mesmo para que marcassem algo para reaproximar a troupe.
Parte da mudança necessária na vida de Tina, estava ligada ao trabalho, então analisando o mercado e as possibilidades, acabou decidindo focar as atividades em análise de viabilidade econômica para empresas em fase de implantação ou expansão, e captação de recursos para novos projetos, e pesquisando o mercado, decidiu que já era hora de abandonar São Paulo, buscando um novo centro.
Pouco tempo depois de instalada em Brasília, já tendo formado uma carteira de clientes que lhe permitisse expandir, resolveu comprar um espaço comercial maior para sediar a empresa, que havia crescido, apesar do pouco tempo. Depois de fechado o contrato de compra do imóvel, decidiu procurar ajuda profissional de um arquiteto, para que planejasse o ambiente da melhor forma possível.
Em horário e data marcados, recebeu a visita da proprietária da Space, uma conceituada firma de arquitetura, com quem havia conversado por telefone dias antes, Flávia Camargo, uma ruiva, bonita, de olhos azuis, com um sorriso mais que encantador.
Ao apertarem as mãos, Tina sentiu uma sensação até então desconhecida, teve frio e calor quase simultaneamente, e sem conseguir desviar os olhos da boca da mulher, acabou se atrapalhando com as palavras, gaguejando ao falar.
Por sua vez, percebendo rapidamente o clima, a arquiteta demorou-se em soltar a mão da loira, prolongando o contato. Não costumava flertar com clientes, mas abriria uma exceção, porque a mulher lhe pareceu completamente desconsertada com a situação, indicando que era neófita, apesar de regular de idade consigo.
Minutos depois, sentadas uma em frente à outra, apenas com a mesa da administradora separando-as, foi inevitável não se estudarem. Cristina entregou a planta da sala que comprara e explicou o que gostaria que nela fosse acomodado, ouvindo atentamente as sugestões da arquiteta, mas, ao invés de atentar aos rabiscos que a outra traçava em bloco de desenho, olhava para a curva do pescoço da mulher, a forma como movia os lábios ao falar, e a maneira como habilmente movimentava a lapiseira.
- Então, que você acha? - Flávia perguntou, pegando-a de surpresa.
- Oi? Ah, sim... ótimo. – Respondeu Tina, corando levemente, por ter sido pega olhando para os lábios da mulher.
A arquiteta dirigiu os olhos, de um azul indescritível, para os seus, sem dizer uma só palavra. E por uma fração de segundos, que pareceu horas, apenas a encarou, depois abriu outro sorriso encantador. Tina então retribuiu o sorriso, e para não parecer completamente desfocada, apenas perguntou quando a outra poderia lhe apresentar o projeto final.
- Gostaria de visitar o local primeiro, se não se importar. – Lembrou, com ar divertido, fazendo com que a loira mais uma vez ficasse sem conseguir dizer algo inteligente o suficiente para disfarçar o vacilo.
- Claro, ia lhe dar o endereço e as chaves para que pudesse conhecer o espaço, tão logo possa. – Respondeu, sem graça.
- Gostaria que o visitássemos juntas, assim podemos avaliar melhor o que pode ou não ser feito. E você já poderá ter uma ideia se o esboço servirá aos seus propósitos.
- Como preferir. Basta que marque quando quer fazer isso. Tenho interesse de mudar o mais breve possível. Estou à disposição, dependendo só de sua agenda. – Depois de ter completado a frase, percebeu que parecera muito disponível, como se estivesse se atirando. Odiou-se por estar tão a mercê do charme da mulher.
- Vou verificar. – Flávia buscou a agenda do tablet, para verificar quando estaria livre. Faria o possível para não retardar o próximo encontro, mesmo que para isso precisasse reagendar algum outro trabalho. – Tenho livre amanhã no final da tarde. Quarta às onze horas, depois só na sexta depois do almoço.
- A pressa é minha, então podemos marcar para amanhã mesmo. Quanto mais cedo puder me apresentar o projeto e concluir a obra, mais rapidamente posso mudar e reorganizar tudo.
- Então está combinado. Vou anotar o endereço e a encontro no local amanhã, por volta das dezessete e trinta. Pode ser?
- Perfeito. Estarei lá.
Ao se despedirem, foi a vez de Flávia demorar o olhar sobre a boca da administradora, querendo conhecer a textura e o gosto. Do aperto de mão, terminaram trocando beijos no rosto. Mais alguns sorrisos, e a ruiva se retirou do escritório de Cristina, deixando no ar o rastro do perfume, fazendo com que a mulher não conseguisse se concentrar em mais nada naquela tarde.
À noite, já em casa, recebeu uma ligação.
- Boa noite, Cristina. É Flávia. Estou ligando porque gostaria de saber se podemos remarcar o horário de amanhã.
- Oi. Ah, não vai poder visitar o imóvel amanhã? – Perguntou, já frustrada.
- Não, apenas gostaria de sabem se podemos adiar para as dezoito horas... – Tenho um compromisso antes, bem longe de onde devo encontrá-la, e não gostaria de deixá-la me esperando.
- Ah, sem problema.Encontramo-nos meia hora depois do que havíamos combinado antes. E agradeço por ter ligado, detesto mesmo esperar. – Confessou, aliviada.
- Eu que agradeço. Também detesto atrasos. – Riu, já querendo achar que tinham algo em comum.
- Então combinado.
- Até amanhã, então.
Sem mais o que conversar, desligaram.
Na manhã seguinte, Cristina custou a decidir que roupa vestir, sabendo que não teria tempo para voltar em casa antes de ir ao encontro com a arquiteta. Precisava escolher algo clássico, mas que valorizasse seu corpo. Queria estar impecável para encontrar a mulher que lhe sorrira provocante. Apesar de não ter certeza se a outra era entendida, dada a inexperiência no assunto, algo lhe dizia que a ruiva também sentira o efeito que tinha lhe causado. Até mesmo retribuíra, sutilmente, o charme que havia jogado.
As horas custaram a passar, apesar de Cristina ter reuniões com alguns clientes e precisar revisar a montagem de alguns projetos. Finalmente, pouco antes do horário que precisava sair para mostrar o imóvel comercial à arquiteta, Tina já tinha passado a agenda com a secretária, desligado o notebook, revisado os processos a serem encaminhados para os bancos no dia seguinte, e ainda teve tempo para fazer alguns exercícios de respiração, na tentativa inútil de se acalmar.
Antes de sair do estacionamento, ligou o aparelho de som do carro, escolhendo um arquivo com músicas de jazz, que adorava. Verificou o batom no espelho retrovisor, e partiu em direção à Zona Comercial Sul.
Como os proprietários dos espaços comerciais no prédio tinham vaga no estacionamento privativo, não precisou se preocupar em procurar onde estacionar. Assim, teve tempo de retocar uma última vez a maquiagem, antes de descer do carro e aguardar a arquiteta no hall de entrada.
Pontualmente às dezoito horas, a ruiva entrou pela porta principal, com um largo sorriso, observando de longe o quanto a outra mulher estava linda. Quando seus olhos se cruzaram, faíscas invisíveis cortaram o ar e, dessa vez, foi Flávia a trancar a respiração, para que a sensação de que o coração saltaria pela boca passasse.
Cumprimentaram-se com uma troca de beijos, e Tina saiu à frente da arquiteta em direção ao elevador, para levá-la ao andar da sala comprada. Com isso, Flávia teve a oportunidade de observar a graça com que a loira se movia.E não teve como não sorrir quando a mulher, numa rápida virada para ver se estava sendo seguida, deu-se conta que a outra a admirava.
Já no elevador, foi a vez de Cristina ter oportunidade de observar a arquiteta, porque o celular de Flávia tocou e ela precisou apanhar na bolsa o tablet para verificar alguma informação. Os traços da mulher pareceram delicados, ao mesmo tempo, era perceptível nos trejeitos e na forma de falar a personalidade forte e decidida.
Durante aproximadamente quarenta minutos, a arquiteta mediu o ambiente, fez um rascunho de croqui e apresentou novas soluções para o espaço, muito bem aceitas pela proprietária do imóvel. Discutiram orçamento, prazos e materiais, como era de se esperar de duas mulheres de negócios. Depois, já acordado o projeto, deram por encerrada a reunião.
Flávia, então, convidou Cristina para jantar, caso ela não tivesse outro compromisso. Convite aceito, combinaram o trajeto até o restaurante, e seguiram para seus carros, satisfeitas não apenas com o resultado da reunião como com a possibilidade de se conhecerem melhor.
O restaurante estava praticamente vazio em razão da hora, então não foi difícil conseguirem uma mesa num lugar mais reservado.
- Você me acompanha em um vinho, ou prefere beber outra coisa? – Perguntou Flávia, levantando os olhos do menu para olhar a mulher que a acompanhava.
- Claro. Vamos pedir um vinho. Normalmente beberia um uísque a essa hora, mas não quero misturar depois, durante o jantar. – Concordou imediatamente Tina.
- Me permite escolher? Ou tem preferência por algum?
- Por favor, escolha. Surpreenda-me. – Acrescentou com duplo sentido.
- Por gentileza, qual a safra do Quinta da Bacalhôa?- Indagou a arquiteta ao garçom.
- Temos 2001 e 2004, senhora.
- A safra 2001 foi uma das melhores. Por favor, nos traga uma garrafa desta. – Entregou a carta de vinho ao homem, que entendeu que as senhoras fariam o pedido para o jantar depois.
- Humm... touché... brincou Cristina, imaginando que a outra realmente devesse ser uma connoisseur.
Riram do cumprimento de Tina, então Flávia explicou que o avô sim, conhecia vinhos, que ela simplesmente aprendera um pouco. O suficiente para escolher uma boa garrafa quando o momento exigia. Tina apreciou a franqueza e a modéstia da mulher, que a cada minuto lhe parecia mais encantadora.
Durante o jantar, Tina acabou contando sobre sua vida em São Paulo, sobre as perspectivas profissionais, a mudança para Brasília, e revelando que sentia falta das amigas que deixara na capital paulista, confessando que se sentia sozinha, uma vez que fizera poucas amizades desde que chegara a Brasília.
Já Flávia contou sobre a profissão, comentou sobre a família, que morava no interior de Goiás, revelou gostos e desejos de coisas comuns, e deixou a entender que havia tido um relacionamento de oito anos, mas que há poucos anos estava só, já que todas as pessoas que conhecera desde então, não a interessaram o suficiente para desejar manter algo mais duradouro, embora desejasse isso.
Quase três horas depois, em clima de conquista, decidiram que chegara a hora de pedir a conta. Flávia fez questão de pagar, mesmo contra a vontade de Tina que, vencida, terminou por aceitar a gentileza da arquiteta. Mesmo querendo estender o encontro, sabiam que ainda era cedo insinuarem qualquer outra coisa, então se despediram e foram embora.
Fim do capítulo
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