Capítulo 5
Quarenta minutos depois, imaginando que a amiga já tinha aguentado demais, Ju convidou Tina para irem embora, justificando que tinham combinado de ir ao cinema. Aproveitando a deixa, Claire convidou-se para acompanhá-las, querendo também saber o porquê do comportamento estranho de Tina.
Por pouco as coisas não ficaram pior, porque sem ter percebido que a história do cinema era apenas uma desculpa, Luana ainda fez menção de acompanhá-las, juntamente com a namorada. Por sorte a fotógrafa tinha se recusado, então decidiram ficar em casa.
– Bom,Camille, foi um prazer conhecê-la. Quando retornarem combinamos algum coisa. - Despediu-se Ju, já anunciando a saída.
– O prazer foi meu. E me perdoem por estar roubando a amiga de vocês por um tempo.
– Divirtam-se. - Claire beijou-a.
Tina, então reuniu a coragem e a dignidade que lhe restavam e se encaminhou para o casal.
– Camille, me desculpe pelos telefonemas. E... obrigada. Cuide bem de Lu por nós.
– Pode deixar, vou fazer o possível. Ligamos pra mantê-la informada.
Tina abraçou Luana, depois lhe disse:
– Gosto muito de você. Seja feliz. Ligue se precisar de alguma coisa. - Beijou-a, e caminhou em direção à porta, onde Ju a aguardava.
No elevador, Tina soluçava,sendo confortada pelas amigas, ainda atônitas, em descobrir que a mulher, até então completamente hétero, tinha se descoberto apaixonada pela melhor amiga.
Ao chegar em casa desabou, deixando Julia sem saber o que fazer. Se havia uma pessoa que jamais imaginaria ver deprimida por uma paixão não correspondida, essa pessoa era a amiga.
Na segunda-feira, Cristina não teve condições de aparecer no escritório, tamanho o inchaço dos olhos, fruto de horas de choro convulsivo. Só conseguira dormir depois que Ju lhe dera um ansiolítico.Tudo o que desejava era não ter mais que sair de casa. E, de preferência, poder tomar um comprimido daqueles, cada vez que acordava, para voltar a se desligar e ter a sensação de cair no sono profundo, onde não havia dor, sofrimento, saudade, lembrança. Nada.
O que mais a atormentava era o quanto tinha sido estúpida, quanto tempo levara para entender que a pessoa que procurava estava sob o seu nariz, muito mais próxima do que imaginara. Não podia ter certeza de que se tivesse descoberto antes, mesmo quando Luana ainda estava sozinha, se teriam tido alguma chance de serem felizes. Talvez a amiga jamais conseguisse sentir por ela o mesmo, mas ao menos teria tido uma chance. Agora, nada mais havia a ser feito, exceto aceitar e esquecer.
Depois de semanas de sofrimento, finalmente resolveu que era hora de reagir. Disposta a pôr um ponto final naquilo, para que não perdesse também a amiga, Tina resolveu enterrar o que sentia, mas não a curiosidade em entender como era um relacionamento lésbico.Até então, tudo que sabia era o que tinha ouvido da própria Luana, mas jamais haviam conversado sobre detalhes do que acontecia entre quatro paredes, no que dizia respeito ao ato sexu*l* em si. E não fazia ideia de como poderia ser dar e sentir prazer sem a penetração de um p*nis.
Decidida a descobrir, passou a ler sobre o assunto. Descobriu na internet sites voltados ao público gay feminino. E assistiu diversos filmes temáticos, surpreendendo-se em se sentir excitada ao ver algumas cenas mais picantes, ou mesmo ler relatos e romances lésbicos.
Algumas vezes até buscou, na companhia de Ricardo, resgatar a atração que sentia pelo sex* oposto, mas já não lhe era suficiente, agora queria descobrir o prazer com alguém que tivesse a pele tão macia quanto a sua. Queria beijar uma boca tão suave quanto a sua, e sentir a sensação de se entregar a um orgasm* tão demorado quanto os descritos nas histórias que lera. Mas como, se a única mulher homossexu*l* que conhecia era justamente a amiga por quem ainda era apaixonada, e que agora já tinha outro alguém?
Depois de muito tempo, já conseguia aceitar que Luana e Camille estivessem efetivamente juntas. Inclusive, aceitou o convite do casal para jantar, e conhecer, junto com Claire e Julia, o apartamento que haviam comprado para morar juntas. Ao perceber o quanto Luana estava feliz, até conseguiu sentir-se feliz pela amiga, mas ainda lhe doía saber que a tinha perdido sem ao menos ter tido a chance de tentar conquistá-la. E pior, tinha tido todo o tempo do mundo, mas não aproveitado.
Como não se sentia ainda à vontade com a situação, passou a procurar cada vez menos a amiga, a ponto de quase não se falarem por telefone. Claire e Julia também se afastaram um pouco, mas ainda tinham mais contato com Luana que ela.
O tempo passou sem que voltasse a se envolver nem física nem afetivamente com mais ninguém, muitas vezes, inclusive, acreditando que ficaria sozinha para sempre.
Em uma das raras vezes que esteve com o casal, tinha recebido o convite de Camille, não da amiga, que parecia apática, algumas vezes desligada durante a conversa com a troupe.
Percebendo o clima estranho, e tendo o temperamento que não lhe permitia agir de forma diferente, na primeira oportunidade, Tina chamou Camille em particular, para tentar descobrir o que estava acontecendo.
- Sei que não temos intimidade...- Já atalhou dizendo, assim que conseguiu puxar a fotógrafa para um lado, e conversar sem serem ouvidas pelas demais. –Conheço Luana o suficiente para saber que ela não está bem. Se não for algo particular entre vocês, pode me dizer o que está havendo?
- Então, Tina, até convidei-as para ver se ela se distrai um pouco, porque já não sei o que fazer. Tem estado assim depois do lançamento do livro... que não foi tão... tão bem aceito como os anteriores. Não conversa sobre o assunto, mas sei que é isso. Tenho tentado animá-la. Mas estou preocupada, nunca a tinha visto tão desanimada. Entregue e preocupada.
- Sabia que tinha algum problema... Luana não é dada a essas crises, e apesar de ter tido motivos para ficar deprimida antes, por diversos outras razões, nunca se deixou abater. Não é típico do temperamento dela... e até é bastante contraditório, porque sei que ela encontrou em você o que precisava para ter serenidade e segurança. – Precisou admitir.
Camille suspirou profundamente, e sem receio pediu a Tina, que conhecia a mulher há muito mais tempo, que a ajudasse, pois sinceramente estava entrando em desespero. Concordaram em se encontrar em outro momento e conversar mais sobre o assunto, para pensarem juntas em algo que pudesse fazer Luana reagir.
Dias depois Tina ligou para Camille, marcaram encontro em uma das cafeterias do shopping mais próximo do apartamento de Cristina. Na conversa, ficou acertado que a amiga pediria a Luana que a encontrasse no dia seguinte, como se precisasse de seus conselhos para um assunto qualquer, subterfúgio para conversar com ela sozinha. Talvez Luana se abrisse, ou mesmo lhe fizesse bem sair um pouco de casa e desviar a atenção para outros assuntos.
Sem dar chance para a amiga recusar, na tarde do dia seguinte, Tina ligou, já anunciando que estava com um problema para resolver e precisava urgentemente de seus conselhos e que estava esperando na cafeteria. Seria a primeira vez que ficariam sozinhas desde que se descobrira apaixonada pela amiga. Essa lembrança a fez tremer.
- E não me deixe esperando muito... - Acrescentou, desaforada.
Sem poder inventar uma boa desculpa a tempo, e tendo a outra estado sempre próxima quando precisara, Luana não pôde dizer não.
Algumas horas depois, já tendo se aconselhado sobre o suposto problema, como tinha liberdade e intimidade suficiente, Tina entrou de sola no assunto, deixando Luana indócil. Sem revelar que conversara com Camille e que a outra lhe confiara a possível causa do estado de espírito da escritora, a amiga perguntou, diretamente, o que estava acontecendo, pois notara que estava down.
Luana, acuada, relutou a admitir que andava um pouco deprimida. Por fim, acabou dizendo que perdera a inspiração, que estava em crise sem conseguir entender, sequer explicar exatamente o porquê.
- Lu, você está fazendo maremoto num copo d’água. Dá pra ser menos egoísta?! Hello, olhe ao seu redor... Você pode se dar ao luxo de viver fazendo apenas o que gosta, coisa que poucos conseguem. Encontrou alguém que está à sua altura, porque Camille, além de talentosa é bonita, inteligente e a ama. Tem por perto amigos que a admiram. Agora passa viajando, antes não ia nem na esquina porque não tinha companhia. Ou quando ia, voltava frustrada porque a companhia a desagradara. Tem saúde, uma vida super confortável. O que mais você quer da vida, Lu?! Deixa de neurose! Está se auto-boicotando, querendo criar um problema para terminar tendo mesmo um. Vou lhe dizer uma coisa... Camille tem que amá-la muito mesmo, porque para conseguir aguentá-la, só amando muito. Ninguém quer ao lado alguém em crise de autocomiseração, principalmente quando não há uma razão realmente forte que justifica a crise.
Depois de ouvir calada, sentindo-se um pouco envergonhada, apenas conseguiu dizer:
- Sei de tudo isso... Sei que tenho muita sorte... Finalmente encontrei alguém com quem quero passar o resto da minha vida. Tenho poucos, mas bons amigos. Financeiramente tenho uma vida bastante tranquila. Acho que o que está me fazendo mal é que não sei se ainda quero escrever... Acho que já disse tudo que poderia, estou me repetindo. O último livro não teve a mesma aceitação que os anteriores. Nos primeiros dois meses vendeu metade do que o último, no mesmo espaço de tempo. Acho que perdi a inspiração...Não sei.
Ouvi-la admitir que amava a outra mulher e que havia encontrado com quem quisesse passar o resto da vida, foi profundamente doloroso para Cristina, mas ela não podia se permitir, naquele momento, fraquejar. Mesmo porque se o fizesse em nada adiantaria.
- Ah, que peninha... Agora estou entendendo... tudo isso é porque os cristãos não quiseram comprar mais uma bíblia e seguir idolatrando-a. Faça-me o favor, cresça! Você está é muito mal acostumada. Acovardou-se com um resultado ruim, então não quer mais brincar... Onde está a mulher que conheci? Sim, porque no mínimo a Luana que eu conhecia, se tivesse amargado alguma frustração ou tido uma crítica não muito boa, ao invés de andar se lamentando por aí, ou tendo pena de si mesma, estaria é sentada em frente ao computador trabalhando, sem se preocupar com contratos, prazos, vendas e nada que não fosse transpiração.
- É... eu sei, você tem razão. Nem eu mesma estou me reconhecendo. Sei que estou sendo estúpida, me preocupando com coisas pequenas.Camille também tem feito de tudo para me fazer ficar melhor, embora não falemos sobre isso.
- Lu, vou lhe dizer uma coisa: ou você trata de se reinventar e deixar de frescura, ou vai terminar perdendo a única coisa que realmente importa na sua vida. E, se isso acontecer, não vai adiantar chorar. Por mais que Camille a ame, uma hora pode cansar. Qualquer um cansaria. E olha que não estou lhe dizendo tudo isso porque gosto de Camille. Não morro de amores por ela e você sabe disso. Mas consigo ver as qualidades que ela tem, e a única coisa que realmente me importa é que ela a ame, e a faça feliz. – Dizer tudo aquilo abriu um rombo maior que poderia ter imaginado, mas sabia que era a verdade.
- Tá, tá bom. Eu sei... também a amo. Não posso nem quero me imaginar vivendo sem ela. Sei que preciso reagir e encarar as coisas por outro prisma. E sei que só eu posso me ajudar. Prometo que vou tentar, porque preciso. E devo isso à Camille também.
Conversaram mais um pouco, depois Luana se despediu dizendo que voltaria para casa e tentaria reagir. Cristina mentiu que tinha um encontro marcado com um novo amigo, mas acabou voltando para seu apartamento, abrindo uma garrafa de uísque e bebendo até que a dor amenizasse. Também sabia que precisava dar um novo rumo à sua própria vida, e faria tudo que estivesse ao seu alcance para conseguir.
Fim do capítulo
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