Capítulo 27
No dia seguinte, milagrosamente Clara acordara antes que Mariana. Olhou no relógio e viu que ainda estava cedo, era 9h da manhã. Levantou um pouco o corpo na cama e avistou Mariana dormindo lindamente e instintivamente começou a pensar na vida que teria ao lado dela depois que tivesse contado tudo para seus pais.
- "Seria tão bom poder te levar na minha casa, deixar você conversando com minha mãe e com meu pai. Você é tão maravilhosa, todos iriam amar você". - Clara tirou uma mecha de cabelo que encobria parte do rosto de Mariana e voltou a pensar. - "Ai Mari, acho que se não fosse por esse lance todo com minha família eu já teria proposto de morarmos juntas, é tão bom olhar para você de manhã, muda meu dia. Ai, eu preciso ter coragem, preciso! "
A morena se sentou na cama, olhou mais uma vez para o relógio e voltou pensar:
- "Acho que se eu ficar esperando a coragem vir para mim, vamos esperar anos, preciso agir, mesmo que seja por impulso." - Olhou mais uma vez para a loira e sem pensar duas vezes, levantou-se da cama, trocou de roupa e caminhou até a cômoda que ficava no canto do quarto. Pegou um pedaço de papel e uma caneta e escreveu:
"Amor, acordei hoje com um sentimento diferente no peito, acho que isso se chama coragem! Por isso, antes que ela fuja de mim de novo, vou tentar fazer o que nosso coração pede. Torce por mim loirinha. Me espera aqui em casa. Te amo muito...
De sua Clara..."
Clara colocou o bilhete na cama, ao lado de Mariana e seguiu para a casa de seus pais.
Já no meio do caminho a morena tentava a todo custo evitar os pensamentos que a faria perder a coragem. Assim seguiu todo o percurso ensaiando as palavras que pretendia dizer aos seus pais:
- Pai, mãe, eu estou namorando uma mulher! Nãooo, não posso ser tão direta assim. - Dizia Clara para si mesma, enquanto dirigia. - Mãe, pai, preciso contar uma coisa, mas primeiro quero que vocês saibam que... que... Aiiiiiii, como é difícil planejar esse tipo de coisa. Calma Clara, fica calma!
Clara estava extremamente nervosa que não conseguia pensar em uma frase adequada para dizer aos seus pais.
- Pai, mãe, eu sei o quanto vocês são religiosos e também sei que vocês me acham a filha perfeita, mas preciso dizer algo a vocês, e sei que não será muito bem visto. QUE NÃO SERÁ MUITO BEM VISTO??? Estou maluca, não posso falar assim, parece que eu mesma estou me condenando, aiii como falar?? - A morena batia as mãos no volante em sinal de impaciência com o seu descontrole emocional.
- Eu gosto de uma mulher, estou apaixonada por uma pessoa do mesmo sex* que eu! Eu... er... eu sou lésbica! LÉSBICAA??? Carambaa, nem eu me acostumei com esse título, imagina meus pais. Definitivamente tenho que evitar o "lésbica". Aii, chega, melhor eu parar de tentar achar palavras certas. O fato é que não será fácil de qualquer jeito, então é melhor eu deixar as coisas fluírem naturalmente, nada de discurso pronto, na hora me virão as palavras corretas, assim espero. - Disse de forma pouco segura.
Assim, Clara resolveu deixar de lado o que iria falar e ligou o som do carro, como sempre fazia. Porém, mesmo com as músicas invadindo o ambiente do carro, a morena não conseguira parar de pensar no assunto e quando chegou no portão da casa de seus pais percebeu o quanto estava nervosa. Desligou o carro, olhou para a porta de entrada e ficou apavorada.
- Ai meu Deus, não vou conseguir, não vou conseguir.
Automaticamente Clara voltou a ligar o carro na intenção de sumir daquele lugar, porém, antes que chegasse a arrancar com o carro, avistou Sr. Antônio lhe acenando com a mão, de dentro da garagem.
- Já era. É agora ou nunca.
Saiu do carro tentando esboçar um sorriso que disfarçasse sua ansiedade, no entanto estava praticamente impossível. Caminhou até o portão e esperou seu pai retornar com a chave em mãos e com o mesmo sorriso simpático no rosto.
- Meu amor, que surpresa você aqui logo de manhã.
- Oi pai, pois é, eu vim fazer uma visita e.. er... conversar um pouquinho com vocês.
- Ah, que bom Clara, estávamos com saudades de você. Vem, entra minha
filha. - Disse Sr. Antônio depois de ter aberto o portão.
- Tudo bem pai? - Perguntou Clara, dando um beijo no rosto do pai.
- Tudo ótimo, minha filha. Sua mãe vai adorar saber que você está aqui.
Os dois adentraram a casa e foram direto para a cozinha, onde estava Dona Ana.
- Ana, olha só quem eu encontrei parada aqui em frente de casa. - Disse Sr. Antônio, sentindo-se feliz pela presença da filha.
- Clara!! Minha filha, que coisa boa, estava com saudade de você, não liga mais para seus pais. - Falou Dona Ana, enquanto dava um abraço em sua filha.
- Aii mãe, que exagero, é claro que eu procuro vocês. Mas é que a vida anda bem corrida mesmo. - A morena tentava a todo custo disfarçar o nervosismo, mas Dona Ana conhecia bem a filha..
- Clara, está tudo bem? Você parece um pouco nervosa.
- Er... a nada não mãe, foi.. er... foi só um susto que passei no trânsito, vindo para cá.
- Susto?? Que susto, Clara? - Perguntou Sr. Antônio preocupado.
- Ah.. er... um moço que passou pelo sinal vermelho, foi isso, bobeira pai. - Falou Clara, toda confusa.
- Nossa filha, temos que tomar muito cuidado ao dirigir, precisamos dirigir para nós e também para os outros. - Falava Sr. Antônio, porém os pensamentos de Clara estavam em outro lugar.
- "Aii não acredito que inventei isso, caramba, preciso falar logo, pois já estou perdendo a coragem. Quanto mais o tempo passa mais eu me enrolo."
- Mas, fica calma minha filha, graças a Deus não aconteceu nada. Vou preparar um suco para você. - Disse Dona Ana, toda prestativa.
- Não mãe, er... não precisa. Na verdade, eu vim aqui para conversar com vocês dois.
- Pode falar então filha. - Disse Sr. Antônio sem perceber a tensão da filha.
- Er.. bom... não sei por onde começar.
- Veja só Ana, uma advogada sem palavras, já viu uma coisa dessas? - Brincou Sr. Antônio.
- Para com isso Antônio, deixa nossa filha falar. - Repreendeu a mãe da morena.
-Er.. pai, mãe... eu...
Antes da morena completar a frase os três escutam a campainha tocar.
- Aii, quem será? Você está esperando alguém da igreja, Ana?
- Não, pelo menos não que eu me lembre. Vai lá ver quem é Antônio. - Pediu Dona Ana.
Clara estava ainda mais nervosa agora, não queria ter interrupções, queria conseguir falar tudo de forma rápida, para terminar logo com aquela angústia, porém precisou esperar que seu pai fosse até a porta conferir quem era. Não demorou muito e voltou Sr. Antônio com um largo sorriso no rosto.
- É muita coincidência para um dia só, veja Ana, sem planejar arranjamos um almoço em família hoje. - Disse Sr. Antônio, acompanhado por Manuela que também decidira visitar os pais naquele domingo.
- Ahh, minhas duas meninas aqui, que benção! - Disse Dona Ana, indo em direção a Manuela para abraçá-la.
- Oi mãe, tudo bem? - Perguntou Manuela, correspondendo o abraço da mãe e olhando para Clara por cima dos ombros de Dona Ana.
- Tudo bem minha filha, parece que vocês duas tiraram o dia para rever os pais, né. Vai me dizer que também quer falar algo para nós? - Perguntou Dona Ana, na maior inocência.
- "Aii, não acredito, agora acabou, a Manu vai pirar" - Pensou Clara, sentindo as mãos suadas de tanto nervosismo.
- Er... contar algo, mãe? Porque, como assim? - Perguntou Manuela preocupada.
- É brincadeira minha, é por que a Clara quer conversar com a gente. Por falar nisso, não vai dar oi para sua irmã?
- Er, claro. - Respondeu Manuela, caminhando até Clara. Chegou até a irmã e lhe abraçou, mas antes de sair do abraço, falou em seu ouvido: - Você não pretende falar o que eu estou pensando, né?
Clara sentiu um aperto no coração na hora e nem conseguiu responder a irmã. Apenas saiu do abraço e falou a primeira coisa lhe veio na cabeça.
- Er, mãe, já volto, preciso ir ao banheiro. - Disse de forma seca, pois estava sentindo um aperto muito grande no coração e precisava sair daquele local e recuperar o controle de suas emoções.
Clara seguiu para o banheiro, fechou a porta e encostou-se na parede até recuperar as forças.
- "A Manu consegue estragar tudo, como pode? Ela só pensa nela, achei que ela fosse melhorar, mas na verdade ela nunca vai entender o meu lado. Aii, eu devia ter falado tudo antes dela chegar, agora já era, não tenho mais coragem."
A morena se desencostou da parede e olhou no espelho para ver a situação de seu rosto.
- Caramba, que cara de derrota. Preciso melhorar minhas expressões. - Disse para si mesmo, antes de abrir a torneira e lavar o rosto com a água fria. - Vamos Clara, relaxa, se não for hoje ainda tenho outros dias para falar, não é o fim do mundo também.
Clara respirou fundo e voltou para a cozinha, onde seus pais e Manuela continuavam conversando.
- Ah, então era isso que você queria dizer, Clara? - Perguntou Sr. Antônio.
- Hã? O-o que?
- A Manu falou que você deu de presente para ela e o Guilherme uma viagem para Natal. - Respondeu Dona Ana.
- Ahh, é... eu dei sim. - Concordou Clara, olhando para a irmã de forma incrédula. - Acho que ela merece ficar um tempo longe daqui.
- Poxa, então você não vai passar a virada de ano aqui com a gente, Manu?
- Lamentou Sr. Antônio.
- Esse ano não pai, sei que a festa de fim de ano da família já é uma tradição, mas não poderíamos negar um presente deste.
- "Cara de pau, não acredito que a Manu chegou a esse ponto." - Pensou Clara, já sentindo raiva das desculpas que Manuela inventava.
- É verdade filha, tem que aproveitar sim. - Concordou a mãe da jovem. - Bom, pelo menos você estará aqui, né Clara, não tem desculpas, você passará a virada com sua família.
- Sim mãe, passarei aqui.
- Se quiser você pode trazer seus amigos Clara, é bom que você aproveita a presença deles e também de sua família.
- É sim mãe, vou convidar alguns sim. - Falou Clara olhando para Manuela, tentando provocar a jovem.
- Ai mãe, nada a ver isso, é uma festa de família, vai ficar convidando pessoas de fora? - Falou Manuela, entendendo a provocação de Clara.
- O que tem demais nisso, Manuela? Temos um espaço grande no quintal, não haverá problema nenhum em chamar pessoas que são importantes para a Clara. - Respondeu Sr. Antônio.
- O senhor também hein pai, sempre puxando saco da filha mais nova.
- Não estou puxando o saco de ninguém, Manuela, faria o mesmo por você, você sabe disso.
- Está bem pai. - Disse a jovem como se estivesse querendo cortar o assunto. - Enfim, quais as novidades por aqui?
- Nenhuma, filha, tudo na mesma por aqui. - Respondeu o pai das jovens
- Ah Antônio, fala para Clara o que o doutor falou sobre ela.
- Que isso Ana, deixa essa história para lá.
- O que?? Fala pai, agora fiquei curiosa. - Disse Manuela interessada. Clara por sua vez permanecia calada, como se estivesse à parte de toda a conversa.
- Não, deixa filha, até por que, acho que a Clara nem está querendo saber mesmo. - Disse Sr. Antônio ao ver a expressão desinteressada de Clara.
- Ah, que isso Antônio, é claro que sua filha quer saber, ela vai adorar.
- Pode falar pai, o que é? - Perguntou Clara, tentando mostrar um pouco de interesse.
- Tudo bem, eu falo. Bom, eu precisei retornar no Dr. Gustavo algumas vezes, depois que sofri aquele pequeno acidente e em todas as consultas ele não parava de perguntar de você, Clara.
- O que?? De mim? - Perguntou Clara surpresa.
- É filha, ele disse que ficou encantado por você.
- Paii, e o senhor deixou ele falar assim?
- Ué filha, é claro que deixei, ele é um ótimo partido, é uma pessoa correta, com uma profissão decente e sem contar que cuidou muito bem de mim. Que pai não iria querer um genro deste?
- Genro??? Paii, não estou procurando namorados, ok?? - Falou Clara brava.
- Filha, não leve a mal o que seu pai disse, mas, nós nos preocupamos com você, afinal, desde o Henrique, você não namorou mais ninguém. - Disse Dona Ana, enquanto começava a preparar o almoço.
- Pode parar mãe, não tem nada a ver isso. Eu... eu...
- Ela está encalhada mãe. - Disse Manuela, brincando com a situação. Clara por sua vez lançou mais um olhar fuzilador para a irmã.
- "Que porr*!! Além de tudo, ainda resolveu me provocar??" - Pensou a morena.
- Ei.. calma Clara - Disse a jovem ao perceber o olhar reprovador da irmã. - Só estou brincando, continua falando pai.
- Então, teve um dia que ele ligou aqui em casa.
- O que?? Ele ligou aqui? Para quê, pai? - Perguntou Clara já irritada.
- Nós ficamos amigos filha, ele me ligou convidando para ir jogar tênis.
- Tênis, pai??? Desde quando o senhor joga tênis?? - Perguntou Clara ainda impaciente, enquanto Manuela continuava rindo da situação.
- Ué, desde semana retrasada. Já estou craque, filha, e também faz bem à saúde.
- Tudo bem pai, fico feliz pelo senhor, mas vê se não fica me jogando para cima desse médico.
- Eu não faço isso, filha, mas bem que você poderia dar uma chance à ele, pelo menos para conhecê-lo melhor.
- Pai, para com isso, não quero conhecer ninguém.
- Não te disse, Ana, nem devia ter falado nada.
- Meu amor, pensa direitinho, não é sempre que um partidão como o Dr. Gustavo aparece assim, todo interessado em você.
- Mãe, por favor... credo, parece que estou precisando desesperadamente de um namorado, parem com isso. Estou muito bem e muito feliz.
- Tudo bem filha, você quem sabe, mas se mudar de ideia é só falar comigo que te passo o telefone do Gustavo.
- "Ai meu Deus, não estou acreditando nisso, vim para contar sobre mim e agora estou aqui, tentando ser convencida a sair com aquele médico que eu mal conheço." - Pensava Clara indignada. - Bom, assunto encerrado então. Mãe, quer ajuda para fazer o almoço?
- Quero filha, coloca aquelas batatas para cozinhar junto com as cenouras.
- Tudo bem, mãe.
- Bom, já eu prefiro ficar na sala com meu pai assistindo TV - Falou Manuela, agindo tão naturalmente que até parecia que as coisas estavam indo bem entre ela e Clara.
- Tudo bem filha, muita gente na cozinha só iria atrapalhar mesmo. - Disse dona Ana, rindo da filha.
- "Qual é a da Manuela?? Como pode agir assim, como se nada estivesse acontecendo? Se ela pensa que eu desisti de contar para nossos pais, ela está muito enganada, vou achar o momento certo e acabo com esse segredo"
- Filha, estou te achando tão quieta, tão séria, tem certeza que não aconteceu nada?
- Er... ah mãe, não é nada, não se preocupe é que essa história de vocês ficarem me arranjando pretendentes me irrita.
- Não fica assim, Clara, não estamos te arranjando pretendente, o Dr. Gustavo que demonstrou interesse por você, apenas queríamos dar uma forcinha. Filha, você está sozinha já tem um tempo, isso não é bom.
- Por que não é bom, mãe? Eu estou muito bem do jeito que estou.
- Ah filha, as pessoas comentam, né.
- Comentam o que?? Não devo nada a ninguém, mãe. - Falou impaciente.
- Eu sei filha, mas é que uma moça tão bonita como você, que sempre namorou, é estranho ficar assim, sozinha.
Clara engoliu seco, pois de fato era algo raro vê-la solteira. Mesmo antes de conhecer o Henrique ela namorara outras caras e raramente ficava sozinha.
- Aii mãe, as pessoas mudam. - Foi a única coisa que lhe veio à cabeça.
- Tudo bem filha, vou parar de falar sobre isso.
- "Graças a Deus" - Pensou a morena aliviada. - Obrigada mãe.
- Bom, vamos agilizar o almoço, pois no final da tarde eu terei que ir à casa da Graça, ela está passando por um problema com a filha e pediu para que fossemos fazer uma oração na casa dela.
- Nossa, a Graça costureira, mãe?
- É ela mesmo, aconteceu alguma coisa séria entre ela e a Soraia.
- Nossa, com a Soraia? Mas elas sempre se deram tão bem.
- Pois é filha, não sei bem o que aconteceu, a Graça não quer falar, mas acredito que a filha dela tenha feito algo que a constrangeu.
- Hã? Er... co-como assim, mãe? O que a senhora acha que aconteceu? - Perguntou Clara, sentindo um aperto no coração ao ouvir a última frase da mãe.
- Ai Clara, prefiro nem falar nada, não sabemos ao certo o que aconteceu. Só sei que a Graça ficou muito desapontada e pediu para que rezássemos para que sua filha encontre novamente o caminho.
- Nossa mãe, deve ter sido algo bem grave então. - Disse Clara tentando arrancar algo mais de sua mãe. Porém Dona Ana encerrou o assunto como se estivesse com vergonha de falar sobre aquilo.
Clara ficou o restante da manhã pensando o que poderia ter deixado a amiga de sua mãe tão desapontada e inevitavelmente começou a achar que pudesse ser algo semelhante ao que ela estava vivendo. Assim, Clara terminou de almoçar e deu a desculpa a seus pais de que estava com sono e deitou-se na rede que ficava na varanda para na verdade pensar melhor no que iria fazer.
-"Como as coisas se complicam comigo, é impressionante. Agora tem essa história da Soraia, o que será que aconteceu? Não é possível que ela também esteja envolvida com uma mulher. Caramba, acho que estou pirando" - A morena permanecia deitada na rede, porém estava inquieta e toda hora mudava de posição. - "Poxa, como posso ter coragem de falar para meus pais depois disso?? Será que vai ser assim, com minha mãe pedindo orações para as pessoas para me colocar no caminho certo de novo??? Aii que droga! Saí de casa tão decidida a falar e agora estou aqui, com mais medo ainda de ser descoberta e o pior é que nem posso contar com a Manu, que decepção."
- Ei, Clara? - Chamou Manuela. - Está dormindo?
- Oi... não... o que foi?
- Queria saber se tem como você me dar uma carona, o Guilherme ficou com o carro hoje, ele precisou viajar à trabalho para uma cidade vizinha.
- Ué, e como você veio para cá? Você nunca anda de ônibus. - Falou Clara irônica, já que não estava com muita paciência com a irmã.
- Ele me deixou aqui antes de ir. Vai Clara, sei que você está chateada por causa das minhas brincadeiras, mas no fundo eu estava te ajudando.
- Ajudando??? Não seja ridícula, Manuela, você pode estar fazendo qualquer coisa, menos me ajudando.
- Clara, fala baixo, quer que nossos pais escutem? - Pediu Manuela em voz baixa.
- Ai, esquece, me deixa em paz Manu, quando eu for embora te chamo, não se preocupe, sua carona está garantida.
- Tudo bem, depois conversamos melhor.
Clara não falou mais nada, apenas esperou Manuela voltar para dentro da casa para retomar seus pensamentos.
-"Como pode ser tão irritante?? Aii, irmãos só sabem nos tirar do sério,ainda não estou acreditando que vou sair daqui assim, com mais medo e ainda com um pretendente aclamado pelos meus pais! Realmente tudo conspira para que eu não conte meu segredo. Aii, a Mari vai ficar muito desapontada, mas infelizmente não posso falar nada agora, não dá, eu tentei, mas não dá."
A morena ficou mais algum tempo deitada na rede, até que decidiu voltar para casa. Estava uma tortura permanecer na casa de seus pais com todos aqueles pensamentos. Assim, despediu-se dos pais e chamou Manuela para ir embora.
- Poxa Filha, achei que ficaria a tarde toda aqui. - Disse Sr. Antônio, tentando fazer a jovem ficar mais em sua casa.
- Não pai, só vim matar um pouco a saudade, mas ainda tenho que ler algumas coisas para o trabalho.
- Mas hoje é domingo, Clara, você precisa deixar de trabalhar tanto assim. - Disse Dona Ana preocupada.
- Ai mãe, nem trabalho tanto assim, mas faz parte né. Agora me deixe ir, não vou demorar a voltar aqui.
- Claro que não, né filha, já estamos no final do ano. O Natal e o Ano Novo você passará aqui, com a gente.
- É sim mãe, até tinha me esquecido.
- Pois não se esqueça. - Disse Dona Ana acompanhando as filhas até o portão, juntamente com Sr. Antônio. - E você Manuela, pelo menos o Natal venha passar aqui com a gente.
- Pode deixar mãe, no Natal ainda estaremos aqui em São Paulo.
- Vamos então, Manu. - Falou Clara já abrindo a porta do carro.
- Vai com Deus filhas. - Disse a mãe das jovens.
- Dirija com cuidado, filha. - Recomendou Sr. Antônio.
- Pode deixar pai. Beijos, fiquem com Deus também!
Clara entrou no carro, seguida por Manuela e arrancou em direção a casa da irmã. Estava um clima tenso entre as duas, porém, Clara preferiu manter-se em silêncio, pois a vontade que tinha era de falar poucas e boas para Manuela. Assim, ligou o som do carro e permaneceu em silêncio, ignorando completamente a presença da fisioterapeuta. As jovens nem pareciam mais aquelas duas irmãs tão cúmplices uma da outra, como eram antigamente. Porém, antes de chegar à sua casa, Manuela desligou o som e falou irritada com Clara:
- Vai fingir que eu não existo agora?
- Exatamente!
- Para com isso, Clara, deixa de ser criança. Você precisa começar a agir com mais maturidade! - Falou, cheia de lição de moral.
- O que??? Maturidade, Manuela?? É isso mesmo que você disse?? - Falou Clara irritada e sem conseguir manter o silêncio de antes.
- Você ouviu muito bem, Clara, e não venha se fazer de vítima, você estava prestes a contar o absurdo que você está vivendo para nossos pais, onde você estava com a cabeça??
- Sabia que você não tinha me entendido, sabia que você nunca iria me apoiar, mas se intrometer no meu relacionamento com nossos pais aí já foi demais! - Falou a morena de forma exaltada, tentando manter a atenção no trânsito.
- Clara, não quis me intrometer no seu relacionamento com nossos pais, mas sim preservá-los do desgosto que seria de saber da sua opção sexual. Já disse Clara, isso seria o fim para eles, como você teve coragem de ir até lá para falar tudo?? - Manuela continuava falando como se fosse a dona da razão.
- Você é muito engraçada, Manuela. - Falou irônica. - Quando você decidiu juntar os trapos com o Guilherme, você não via isso como algo que iria desapontar nossos pais, né?
- Não me venha com essa história Clara, isso não tem nada a ver com a situação! - Tentou se defender.
- Tem tudo a ver com a situação Manu. Nossos pais sempre foram extremamente católicos e prezam pelo casamento na igreja e até mesmo pela castidade, por mais antiquado que isso seja. Porém você nem pensou duas vezes para se juntar com o Guilherme. A mãe e o pai ficaram péssimos, durante dias, você não sabe, pois demorou um tempão para voltar lá na casa deles. Mas eu acompanhei o desgosto que foi para eles ver que a filha mais velha não quis se casar na igreja, mas decidiu ir morar junto com o namorado.
Manuela ficou em silêncio, pois por mais que não quisesse assumir, ela tinha ciência de que seus pais não aprovavam a ideia morar junto sem se casar.
- Eles demoraram para aceitar a ideia Manu, mas hoje eles tratam o Guilherme como se fosse filho e já aceitaram sua escolha. Percebe? - Disse Clara, tentando mostrar para a irmã que ocorreu ali uma mudança de atitude de seus pais.
- Tudo bem Clara, você pode até ter razão quanto a isso, mas é diferente no seu caso, poxa Clara, você está namorando uma mulher! Isso é demais para compreensão deles.
- O que é demais, Manu, é eu não receber apoio da minha única irmã, daquela que eu acreditava estar sempre ao meu lado. Poxa, hoje você agiu como uma estranha, eu diria até como uma megera. Além de não me ajudar você estava tirando sarro da minha cara. Eu me senti humilhada. - Desabafou Clara. Manuela, por sua vez, sentiu uma pontada no coração, pois percebeu que acabara passando dos limites.
Abaixou a cabeça por algum tempo até tomar coragem para se desculpar com a irmã.
- Clara, me desculpe, tudo bem, você tem razão, eu fui cruel com você, não quis em hipótese alguma te fazer se sentir humilhada, me desculpe mesmo.
- Pediu, de forma sincera, enquanto Clara encostava o carro em frente ao prédio da irmã.
- Manu, entenda que essa situação não é fácil para mim. É um conflito muito grande que estou vivendo por ter que esconder dos meus pais o amor da minha vida. Você acha que foi fácil para eu ir até a casa deles hoje para me assumir?? Acha Manu?? - Perguntou Clara olhando para irmã.
- Imagino que não né...
- Não mesmo! Manu, eu só decidi ir lá falar com eles por que ontem eu fui no casamento do pai da Mari.
- O que?? Mas... er... ele sabe de vocês? - Perguntou surpresa.
- Não só sabe como me trata como se eu fosse parte da família. Fez questão que eu fosse no casamento e eu fui super bem tratada por praticamente todos da família da Mari.
- Hum, família rara a dela.
- É Manu, é rara sim. Mas, ontem eu desejei tanto também viver isso com minha família. - A morena abaixou a cabeça em sinal de tristeza, pois sabia que sua família era bem diferente da de Mariana.
- Ai Clara, não fica assim vai. - Disse Manuela, sentindo agora pena da irmã por vê-la passar por isso. - Clara, as nossas famílias são bem diferentes, não tem como você comparar nossos pais com o pai da Mari.
- Eu sei Manu, eu sei. - Lamentou. - Nem mesmo você me aceita, imagina meus pais.
Ouvir aquilo, mais uma vez fez o coração de Manuela doer. Realmente estava sendo uma péssima irmã para Clara, especialmente naquele momento em que ela mais precisava de seu apoio fraterno.
- Ai Clara, eu não queria agir assim, eu não sei explicar, mas eu mudo de postura quando imagino você contando isso para nossos pais, acho que isso vai fazer mal à você e à eles. Não quero que nada estrague o carinho que existe entre nós quatro. - Disse a irmã de Clara se referindo a elas duas e aos pais.
- Manu, se você não percebeu ainda, o carinho que existia entre nós duas já não é mais o mesmo, culpa sua.
- Para com isso Clara, é claro que é o mesmo. Nós... er... só não estamos concordando com algumas coisas, mas meu carinho por você é o mesmo.
- Então, por que você acha que irá mudar o carinho de nossos pais comigo?
- Perguntou Clara tentando entender a pouca lógica da fala de Manuela.
- Ai Clara, nossa, você gosta de complicar, hein! - Disse Manuela, tentando disfarçar, mas já percebendo que não estava falando coisas com coerência.
- Er... nossos pais não têm a mesma cabeça que a minha, por isso que digo que o carinho deles pode mudar.
- Aii Manu, tanto faz, já estou cansada de sempre ter essa conversa com você. - Disse Clara abaixando a cabeça.
As jovens ficaram um tempo em silêncio, mas logo Clara voltou a falar ao perceber que Manuela não queria sair do carro em meio àquela discussão.
- Manu, não se preocupe, já perdi a coragem de falar com eles. Até por que acho que a mãe está ajudando uma amiga dela da igreja que está passando por isso.
- O que?? Como assim, ela te disse isso?
- Não, eu que deduzi, posso estar imaginando coisas também, mas pelo jeito que ela falou eu logo deduzi que fosse sobre isso.
- Viu, Clara? Entende por que eu fico tentando te preservar? - Falou Manuela, se aproveitando da situação para tentar mostrar que estava certa.
- Não acho que isso seja uma forma de me preservar, Manu, é mais uma forma de você continuar com seu preconceito, mas enfim, esquece isso. Pode ficar tranquila, pois não vou contar nada, pelo menos por enquanto.
- Por enquanto?
- É Manu, só Deus sabe agora se terei coragem de contar algum dia, mas, se a coragem me vier novamente, me desculpe, mas eu contarei sim.
- OK, faça como achar melhor. Não me intrometo mais. - Falou Manuela indiferente. Porém, na verdade ela conhecia bem a irmã e sabia que dificilmente Clara teria coragem para falar com seus pais e aquilo a deixara mais tranquila.
- Bom, está entregue, agora preciso ir. Te vejo no Natal. - Disse Clara, encerrando de vez o assunto.
- Tudo bem. Obrigada pela carona, nos vemos no Natal sim. - Disse já abrindo a porta do carro. Porém, antes de sair ainda falou: - Clara, eu quero muito mudar minha visão sobre vocês, quero estar ao seu lado. Tenha paciência comigo, ok?
- Tudo bem Manu, estou tendo!
A jovem apenas lançou um meio-sorriso para a irmã e saiu do carro, deixando Clara mais uma vez envolvida em uma contradição de pensamentos e sentimentos.
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Mariana se espreguiçava na cama, enquanto olhava de um lado para o outro à procura de Clara. Porém ao descer os olhos para a cama, onde antes estava a morena, avistou um pequeno pedaço de papel. Abriu um sorriso ao reconhecer a letrinha linda de sua amada.
- O que será que você está aprontando, hein Clara?? - Falou para si mesmo, já abrindo o bilhete.
"Amor, acordei hoje com um sentimento diferente no peito, acho que isso se chama coragem! Por isso, antes que ela fuja de mim de novo, vou tentar fazer o que nosso coração pede. Torce por mim loirinha. Me espera aqui em casa. Te amo muito...
De sua Clara..."
- Ai meu Deus, ai meu Deus, AIII MEU DEUS!! - Exclamou três vezes dando um salto da cama. - Não acreditoo!!!
A loira leu o bilhete mais uma vez para se certificar se tinha entendido corretamente.
- Aiii, está acontecendo!! Minha Clarinha vai se assumir!!! - Falou com as duas mãos no rosto, em sinal total de surpresa. - Meu Deus, nesse momento ela deve estar na casa dos pais falando sobre a gente, aiiiii...
Mariana começou a andar pela casa à fora tentando se acalmar.
- Meu Deus, estou muito tensa, minha linda finalmente teve coragem de se assumir! - A loira não conseguia conter o sorriso no rosto, estava radiante com a notícia, pois agora finalmente iria viver seu amor de forma livre. - Aii, quero muito saber como está sendo essa conversa.
Além de felicidade, a loira também era pura ansiedade e logo sentou-se no sofá com sua mente toda voltada para Clara.
- E agora? Como será que os pais dela receberam a notícia? Como vai ser??
- A loira deitou-se no sofá e ficou imaginando como seria sua vida ao lado de Clara, depois que esta tivesse se assumido. Só pensava coisas boas, a vida social que elas teriam, as declarações que poderiam ser feitas sem precisarem se esconder, as demonstrações de carinho em público, mas principalmente por conseguir agora vislumbrar um futuro concreto ao lado de sua amada.
Depois de pensar diversas coisas boas, finalmente voltou a se levantar do sofá e seguiu para o banheiro para tomar um banho.
A loira continuava radiante e sua felicidade era tanta que nem se dera conta de que já havia saído do banho, almoçado e que estava agora arrumando o apartamento de Clara. Estava se sentindo ótima, porém, quando terminava de ajeitar os porta-retratos na estante, avistou uma foto em que estava a Clara e seus pais dentro da igreja, possivelmente no batizado de alguém. Segurou o porta-retratos e começou a pensar na reação dos pais da jovem.
- Ai meu Deus, eu aqui toda feliz, mas eu me esqueço o quanto os pais da Clara são religiosos. E se eles a tratarem mal? E se começarem com moralismos e forçarem ela a desistir de tudo isso?? E se... e se eles exigirem que ela termine comigo?? NÃOOOO, ISSO NÃO VAI ACONTECER!!! Para Mariana, eles a amam, vão querer seu bem, ela.. ela me ama... ela não vai terminar comigo. - Falava a loira, agora preocupada.
Deixou o porta-retratos no lugar e seguiu para o quarto.
- Caramba, se eles exigirem que ela escolha um lado é óbvio que ela vai escolher eles, a Clara nunca deixaria a família dela, mesmo que seja apenas para dar um susto, como eu fiz com meu pai. - A loira estava agora sentada na cama, pensando o que faria se Clara desistisse dela. - Não vou deixar você desistir de mim Clara, não vou.
Ficou um tempo parada, olhando para o "nada" até voltar a falar:
- Aii meu Deus, agora já estou até falando como se isso fosse acontecer, caramba, que confusão que está minha cabeça. Como a Clara consegue me deixar assim, tão instável? Relaxa Mariana, se ela decidiu falar para os pais é por que ela sabe o que quer. Ela me quer, é óbvio, como sou insegura, preciso parar com isso, me faz mal pensar essas coisas.
A loira pegou o controle da TV e ligou em um canal de filmes.
- Vamos lá Mariana, nada como um bom filme para me fazer esquecer um pouco essa história, preciso controlar minha ansiedade, só vou saber o que aconteceu quando a Clara chegar, então chega de pensar.
A tática funcionou e a loira acabou se distraindo com o filme. Apenas se deu conta de que o tempo havia passado, quando avistou Clara parada em frente a porta olhando para ela com um semblante enigmático.
- AMOR! - Disse a loira surpresa, dando um salto da cama e indo em direção a Clara. - Amor, eu estava morrendo de curiosidade aqui, como foi? O que seus pais falaram? Está tudo bem?
- Ei, calma amor, quantas perguntas. - Falou Clara, dando um selinho em Mariana.
- Amor, me fala, estou ansiosa. - A loira possuía um misto de medo e felicidade na voz.
- Mari, você limpou meu apartamento? - Perguntou Clara, olhando para os lados admirada com a arrumação.
- Aiii Clara, para de enrolar, arrumei sim, não tinha nada para fazer aqui e eu estava ansiosa. Vai, me fala, amor.
- Mari, vem senta aqui. - Pediu Clara, puxando Mariana para se sentar na cama com ela. - Amor.. er... não consegui falar nada com meus pais.
- Como assim? Você foi até lá para falar com eles, Clara. Espera ai, não aconteceu o que eu estou pensando, né??? - Disse a loira, duvidando que de fato a morena não tivesse falado nada.
- O que você está pensando? - Perguntou desanimada.
- Que seus pais falaram um monte para você e agora você está aí, toda triste.
- Não amor, estou falando a verdade, não consegui falar, Mari. Advinha quem estava lá em casa?
- Quem? Não vai me dizer que é o Henr...
- NÃOO, claro que não Mari! - Cortou Clara, antes que a loira terminasse de pronunciar o nome de Henrique. - Mari, a Manu chegou lá, bem na hora que eu ia falar com meus pais, ela me impediu de falar e depois er...
- E depois?
- Depois eu perdi a coragem de novo. - Disse Clara, com a voz baixa, já temendo a expressão de decepção de Mariana.
- Putz, não acredito. - Falou a loira, realmente decepcionada.
- Mari, não fala assim, não é fácil, poxa!
- Poxa digo eu, Clara, fiquei na maior expectativa aqui, até já estava fazendo planos, imaginando nós duas já assumidas. Caramba Clara, quando você vai perder esse medo?? Você já é uma mulher feita, não depende dos seus pais, para quê viver com medo do que eles vão pensar de você? - Mariana estava tão chateada que até já estava falando o que sempre evitava dizer para a morena.
- Mariana, não preciso ouvir lição de moral de você. - Disse Clara nervosa. - Caramba, você nem reconhece meu esforço, só fica aí me deixando ainda mais mal.
- Não estou querendo te deixar mal, Clara, mas eu realmente achei que hoje tudo iria mudar. - Falou a loira sem exaltar a voz.
- Mariana, eu também pensei isso. Saí de casa decidida a falar com meus pais, mas a Manuela estragou tudo!
- Sinceramente, não sei se a culpa é da Manuela, Clara
- O QUE??? - Perguntou Clara, quase gritando.
- Não precisa falar alto, Clara, estamos conversando civilizadamente aqui.
- Me diz então, Mariana, por que você diz que não é culpa da Manuela?? Você por acaso sabe o que ela me falou??
- Eu não sei o que ela falou, Clara, mas já imagino, eu sei que ela não aceita nós duas, você mesmo já sabia disso, por isso não deveria se deixar levar pelas coisas que ela fala.
- Para você é sempre tudo muito fácil né, mas você precisa entender que nem todo mundo possui uma família moderna como a sua! - A morena continuava nervosa.
- Nunca achei que seria fácil, Clara, só acho que você precisa ser mais corajosa, afinal eu estou com você, não é o fim do mundo não.
- Eu sei Mari, mas... mas... aiii, eu tenho medo!! - Disse Clara abaixando a cabeça. - Eu tenho muito medo, simplesmente não consegui.
Mariana olhou para o rosto de Clara e acabou sentindo um aperto no coração por vê-la daquele jeito.
- Ei, vem aqui amor. - Disse envolvendo o braço no pescoço de Clara, fazendo-a deitar a cabeça em seu ombro. - Clara, não vou negar que estou muito chateada por isso tudo, mas tudo bem eu reconheço sim seu esforço, vou tentar ser mais paciente.
- Mari, eu amo você, não quero que você duvide disso só porque não tenho coragem de contar para os meus pais. - Disse a morena deixando uma lágrima rolar em seu rosto.
- Tudo bem amor, tudo bem.
Foi o máximo que Mariana conseguiu dizer. Estava realmente decepcionada com a fraqueza de Clara frente a sua irmã e seus pais e aquilo já começava a incomodá-la de forma evidente. O fato de Mariana ter ficado a tarde toda pensando em como seria a vida das duas depois que Clara tivesse se assumido, a fez perceber o quanto queria aquilo. Assim, ouvir da morena que ela havia falhado naquela tentativa, a deixara pessimista em relação ao futuro de ambas, enquanto um casal.
Tinha medo de que a Clara nunca viesse a se assumir e aquilo seria o mesmo que relegar o seu namoro à discrição, o que praticamente representava a clausura para a loira, na medida em que elas teriam que namorar escondido, sob quatro paredes, como se estivesse cometendo algum crime.
Por outro lado, era inegável o amor que Mariana sentia por Clara. Só de pensar na possibilidade de perdê-la a loira sentia-se sem chão, como se fosse perder junto um pedaço de si. Era justamente aquele amor que a fazia se manter paciente frente a todo aquele medo de Clara em se assumir. Na verdade, por mais que Mariana começasse a temer que a morena jamais se assumisse, o medo maior era de ficar sem ela. Sentia muito medo da jovem surtar com aquela situação toda e simplesmente deixá-la, tinha medo ainda de Clara optar pela família, optar por viver uma vida cômoda de mentiras, somente para não ter que encarar a situação.
- Amor, por favor, fala alguma coisa. - Pediu Clara, se sentindo péssima por ver o estado de Mariana.
- Clara, não tenho o que falar, estou chateada, mas fica tranquila, vai passar. Eu amo você, mais do que tudo. - Disse dando um beijo na boca de sua amada. - Vamos deitar um pouco e ficar quietinhas, não temos muito o que falar agora.
- Tudo bem. - Concordou Clara se deitando na cama e sentindo a loira deitar às suas costas e lhe abraçar. - Isso, fica de conchinha comigo.
- Fico sim. - Disse a loira com o olhar perdido.
As duas permaneceram assim por um bom tempo, em silêncio, cada uma envolta em seus pensamentos.
- "Até quando a Mari vai conseguir me esperar? Até quando ela será paciente comigo? O que eu faço meu Deus?? Não consigo contar sobre a gente, como faço para ser mais corajosa? Por que eu não faço como a Mari diz, simplesmente ignoro a Manu?" - Clara tentava se convencer por pensamento que sua amada tinha toda razão de ficar chateada, porém também sabia que as coisas eram difíceis. - "Poxa, mas o problema não é só a Manu, minha mãe mesmo falou aquelas coisas sobre a Graça e sua filha, ela vai rezar para que a Soraia encontre de novo o caminho. Com certeza é sobre isso, sobre sexualidade, minha mãe acha que isso é coisa do demônio, isso seria o fim para ela."
Enquanto Clara permanecia virada de costas para Mariana, a loira mantinha seu braço na cintura da morena. Também estava pensando no mesmo assunto que a advogada.
- "Se a Clara não se assumir, como irá falar para seus pais que nunca mais namorou?? Como vai conseguir levar uma vida assim, escondida? Ela vai acabar me deix... aii..." - A loira abraçava forte a morena, enquanto tentava apartar os pensamentos pessimistas. - "Eu te amo tanto Clara, tanto..."
Clara pareceu ter percebido a tensão de Mariana, pois rapidamente segurou a mão da jovem, como se quisesse mostrar que ela estava ali.
- Amor, diz que não vai desistir da gente. - Acabou falando a loira em voz alta, após ter sentido as mãos seguras de Clara.
A morena ouviu aquilo e foi logo se virando para Mariana, para olhar em seus olhos.
- Amor, porque você está falando isso? - Perguntou a morena, passando a mão no rosto de Mariana.
- Não sei Clara, mas, estou sentindo isso.
- Eii, para! Eu amo você Mari, eu quero estar com você. Já te disse meu amor, não é porque eu não estou conseguindo me assumir que eu não te ame, por favor Mari, não pense besteira, não pense, amor... - Disse dando vários beijos desesperados na loira.
- Ai, tudo bem, vamos parar de pensar então. Acho que não foi uma boa ideia ficarmos aqui em silêncio. - Respondeu Mariana.
- É Mari, vamos deixar esse assunto de lado, vamos tentar falar de algo bom.
- Vamos sim, vamos falar sobre a programação do fim de ano, o Natal, o Réveillon, como você não vai viajar mais, nós vamos passar juntinhas.
- É, vamos sim, amor. - Respondeu Clara sem graça, pois sabia que teria que passar a virada de ano na casa de seus pais.
- O que foi, amor? - Perguntou Mariana, sentindo certo receio na fala de Clara.
- Er... Mari, na virada de ano meus pais darão uma festa lá na casa deles, estou intimada a ir.
- Hum... entendi... - Respondeu a loira virando-se na cama, já esperando mais uma das desculpas medrosas de Clara para não levá-la até a casa de seus pais.
- Ei, vira para mim, Mari. - Pediu.
- Clara...
- Xiuu... - A morena colocou o dedo na boca de Mariana, impedindo-a de continuar a fala. - Quero que você vá comigo, você é a pessoa que mais quero ao meu lado, especialmente na virada do ano.
- Mas, mas, você vai me levar para a casa de seus pais?? - Perguntou surpresa.
- Bom, Mari, é por isso que fiquei um pouco tensa, por que você já sabe que minha família não é como a sua, jamais nos aceitaria como a sua família nos aceitou, por isso, quero saber se você está disposta a ir para lá comigo, mas se passando apenas por amiga minha?
- Tu-tudo bem amor, eu não disse que teria paciência com você? Eu quero ficar com você, mesmo que eu tenha que me passar por sua amiga apenas.
- Respondeu a loira, em parte feliz por ter sido convidada por Clara para passar o Ano Novo na casa de seus pais.
- Sério, amor?
- Sério!
- Eu estava com medo de você não gostar da ideia, de ficar chateada comigo de novo.
- Não amor, não... - Disse a loira, beijando a boca de Clara. - Pelo contrário, eu fiquei feliz por você me chamar, achei que você não iria me levar nunca para a casa de seus pais.
- Eu quero você comigo, Mari, mas lá precisaremos ser muito discretas
- Tudo bem Clara, eu sei.
- Então está combinado! - Disse a morena já com um sorriso no rosto. - Mas, e o Natal, vai passar com seu pai?
- Vou sim. Sempre fazemos uma ceia à noite lá em casa e outra no almoço, lá nas minhas tias. Você podia passar lá com a gente.
- Ai loirinha, não vai dar, meus pais já contam comigo no final de ano, tudo bem?
- Tudo bem, amor, o Natal é uma festa familiar mesmo, você está certa, tem que passar com seus pais. Mas, já fico feliz de poder passar a virada do ano com você!
- Sim, linda, vai ser ótimo!
- Amor, já que estamos bem de novo, acho que agora vou embora.
- Ah não, Mari, por que?
- Eu quero passar lá na casa do meu pai, quero ver como eles estão e também comentar o casamento com a Andréa e o papai. - Disse a loira, já se sentando na cama.
- Ué, mas eles não viajaram em Lua de Mel?
- Não amor, eles vão logo depois do Natal.
-Ah sim, entendi, tudo bem então.
- Se importa se eu for com sua roupa? - Perguntou a loira, segurando a blusa de Clara que já estava em seu corpo.
- Não, minha linda, pode ir com ela e se quiser voltar para cá depois, para nós dormirmos abraçadinhas, vou adorar.
- Ai Clara, não sei, preciso ir em casa, arrumar algumas coisas. Tenho tanta coisa para resolver amanhã.
- Quer ajuda?
- Bom, eu gostaria que você fosse comigo comprar meu vestido de formatura. Você tem um tempinho amanhã de manhã?
- Tenho sim. - Respondeu Clara acompanhando a loira até a sala. - Então, por que você não passa na sua casa, pega suas coisas e vem dormir aqui? Ai amanhã saímos cedo para comprar seu vestido.
- Hum, está bem! - Concordou a loira, finalmente com um sorriso verdadeiro no rosto.
- Aii, como é bom ver esse sorrisão de novo. - Disse Clara, abraçando a loira. - Eu te amo Mari, te amo muito.
- Eu também te amo! - Respondeu a loira beijando a boca de sua amada. - Agora eu vou, até mais tarde, amor!
- Até mais tarde. - Disse a morena abrindo a porta para a jovem.
Fim do capítulo
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Lana queen
Em: 24/09/2016
????Como cortar pela raiz se já deu flor Como inventar um adeus se já é amor Como cortar pela raiz se já deu flor Como inventar um adeus se já é amor Não quero reescrever as nossas linhas Que se não fossem tortas não teriam se encontrado Não quero redescobrir a minha verdade Se ela me parece tão mais minha quando é nossa Como cortar pela raiz se já deu flor Como inventar um adeus se já é amor Como cortar pela raiz se já deu flor Como inventar um adeus se já é amor Não me deixe preencher com vazios O espaço que é só teu Não se encante em outro canto Se aqui comigo você já fez morada???? Sandy
Esse capítulo me lembrou essa música, e tbm me fez lembrar que estou 5 meses lendo sua história...que vergonha ???? Essa música marcou porque o amor nos paga despreparadas e ai vem as dúvidas os "E se..." e muitas vezes não podemos viver 100% com a pessoa por vários motivos e foi um desses motivos que quase me separou do meu amor, da pessoa que me encontrou aqui na sua história...mas aí não deu pra ficar longe, já erramos presentes e essenciais demais uma pra outra, como Clara e Mari.
E lendo esse capítulo hoje aqui, vendo toda coragem de Clara os pensamentos, a vontade de viver tudo o que pode viver, mas o medo da rejeição da família cria um bloqueio e por outro lado Mari vivendo na espera de sua amada amando mesmo assim, confiando sempre no amor de Clara...Aí dona moça esse enrredor é conhecido por muitas de nós...
Ou acho melhor chama-lá de fada dos pozinho mágico kkk vê se ajuda minha amada Clara aí vai...coragem Clarinha...
Aff hoje tá difícil...sensível...kkk aguenta
Beijos
Resposta do autor:
Ah, essa música da Sandy é linda!
Está lendo minha história ao longe de 5 meses já? rsrs... Ah minha querida, não se preocupe, o importante é respeitar seu tempo.
São tantos dilemas né? Medo de que tudo seja engolido pela falta de coragem da Clara, por mais que ela saiba o quanto a Mari é essencial em sua vida. E a Mari vive a tensão da espera, acreditando, sentindo que o amor entre elas seja suficiente para fazê-las viver essa história.
Bom, vc já sabe como história acabou né, rsrs, perdeu a graça, pois nem posso fazer suspense, kkkkkk
Espero que sua "Clarinha" consiga encarar tudo isso.
Beijos!
thais
Em: 18/07/2016
Afff tem hora que irrita essa Clara viu.... ooooo menina medrosa........ haja paciencia hein Mari... pelo amor !!!!
Resposta do autor:
Ei Thais,
ihhh, Clarinha já irritou muitas leitoras, rsrs... desde a época do Orkut, quando postava por lá, as meninas perdiam a paciência com ela. Por outro lado, muitas se identificavam. Eu sou suspeita para falar, pois a Clara é parte de mim, ou de quem um dia eu fui. O medo nos trava, nos deixa fracos e até mesmo impotentes para enfrentar os problemas. Quando nos deparamos com uma mudança tão gigantesca assim fica difícil simplesmente mudar a direção da nossa vida. A Mari aceitou isso muito bem, mas a Clara é diferente da loirinha. Vamos ver onde essa história vai acabar (se é que vc já não terminou, ou se teve paciência de continuar, rsrs)
Obrigada mais uma vez, viu.
Beijos!
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Sophia L
Em: 21/09/2015
Promessa é dívida, então vim comentar os capítulos que havia lido antes. Ah Clarinha, teve um momento de súbita coragem, mas se enfraqueceu diante da irmã. Deu mta dó dela, ela tentou gente!! Mas não é fácil enfrentar a família.
Resposta do autor:
Ei Sophia,
Ah, vc é uma graça! Obrigada por esse carinho.
É muito bacana ver que ainda há o interesse em voltar a ler trechos da história. Fico feliz por isso.
Um beijo
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