Capítulo 6. Pecado
---------------------------- ----------- Em tempos atuais --------------------------------------------------
"-- Então você não fazia nada, não a prendia e não a proibia de ir a lugar nenhum. Era ela quem optava ficar ao teu lado. -- Alice negou com a cabeça. -- E depois você é a inteligente de nós duas..."
Emily não entendeu a negação da amiga, ela achava certo ter libertado a menina de um relacionamento tão chato e monótono.
-- Obrigada Alice, me sinto bem melhor depois do que você disse. – Emily foi completamente irônica com a amiga, que imediatamente sorriu tentando amenizar a situação.
-- Me responde uma coisa. Você não pretende procurar Anne daquela forma de novo, pretende?
-- Porque todos me perguntam sobre ela? -- Emily desconversou.
-- Você já procurou, não é? -- Alice sorriu, sabia que estava certa, mas logo resmungou. -- Não quero vê-la triste por ela de novo. Okay?
-- Eu procurei. Mas não dessa forma. Eu não quero mais nada além de amizade. Anne é passado, achei que já havia deixado isso claro em TODAS -- Emily enfatizou -- As conversas que tivemos durante o meu tempo fora.
-- Jurar coisas enquanto está longe é fácil. -- Alice segurou as mãos da amiga e a olhou com um ar de preocupação. -- Quero que tome muito cuidado. Agora que o seu “passado” voltou à tona, você precisa estar decidida do que quer, e precisa ser esperta nas escolhas que fizer.
-- Alice, não se preocupe. Eu não a amo mais. -- Emily olhou nos olhos da amiga, apresentando firmeza nas palavras.
-- Eu queria muito acreditar nisso. -- Emily arfou assim que ouviu a amiga. -- Enfim, você está avisada.
-- E a Lívia, por que não veio? -- Emily afastou-se, tomando um gole de suco em seguida.
Naquele instante Alice desabafou ao contar toda a confusão que havia acontecido entre ela e Lívia, sua ex-namorada. A menina havia se relacionado com um rapaz às escondidas, sem saber que o rapaz era primo de Alice. No dia em que ele foi apresentar a namorada, que também era namorada de Alice, para a família um clima pesado se instalou na sala de recepção assim que os dois chegaram juntos na casa dos pais de Bernardo, o primo. Depois desse desastroso jantar, Lívia não teve nem sequer o caráter de explicar as coisas para Alice.
Essa confusão toda ainda era recente e falar sobre ela fez com que Alice sentisse vontade de chorar, mas ela permaneceu forte e pediu a Emily que não tocasse mais no assunto Lívia.
-- Você sabe que vai dormir lá em casa hoje não é? -- Alice foi imponente como de costume.
-- Infelizmente não vai dar. -- Emily fez uma careta ao perceber que teria que contar a saída que havia combinado com Anne. -- Eu vou sair com a Anne. -- Alice ficou incrédula e arqueou as sobrancelhas.
-- Você que sabe. Mas por favor, não durma na casa dela. -- Alice lançou um olhar protetor sobre a amiga, como se quisesse poder protegê-la de todo o mal que Anne pudesse lhe causar. Deixou um sorriso pacato escapar e isso confortou Emily.
-- Lembrei de uma coisa. Quase esqueci de te contar! -- Alice soou tão empolgada que quase pulou da cadeira. -- Allison chega hoje de Boston.
-- Allison? A sua meia irmã? -- Emily ficou surpresa.
Allison era o “pecado” do pai, segundo Alice. Eduardo, seu pai, havia engravidado uma americana em uma viagem de trabalho, mas ele não tinha a intenção de deixar a família na época em que isso ocorreu. O caso permaneceu secreto até o dia em que a mãe de Alice descobriu as transferências de dinheiro que Eduardo fazia para exterior. Como advogada, ela foi perspicaz ao fazer suas investigações até descobrir sobre Allison. Não muito tempo depois foi a vez de Alice descobrir ao ouvir uma briga dos pais durante a madrugada.
-- Ela mesma. -- Alice ainda demonstrava empolgação, e isso incomodou Emily.
-- Tudo bem, agora me explica... Porque tanta empolgação? -- Emily fitou-a. -- Não era você que vivia dizendo que não queria conhecê-la, que a culpava pela “quase” separação dos teus pais e essa coisa toda?
-- Não sei se essa frase vai te soar familiar, mas as coisas mudaram. -- Alice sorriu. -- A mãe de Allison sumiu no mundo, deixou a garota sozinha durante um final de semana e não voltou mais. -- Alice respirou fundo e prosseguiu. -- Você acredita que foi ela mesma que entrou em contato com o meu pai? Ela disse que não tem como ficar lá sozinha. Ela ainda não trabalha, pelo visto só estava fazendo um curso -- Alice pausou por alguns instantes, pensou e completou. -- De modelo eu acho. Não importa. A questão é: Minha mãe aceitou a vinda da minha meia irmã, disse que seria vergonhoso deixá-la sozinha no mundo, sendo que ela tinha um pai. E é lógico que meu pai imediatamente comprou a passagem dela, ele sempre foi muito ligado com a minha meia irmã, mesmo vendo-a poucas vezes no ano. E eu... Bom, eu estou curiosa. Quero saber se ela se parece comigo, com o meu jeito, ou com a minha aparência... Não sei.
-- Jamais imaginaria que sua mãe aceitaria ela dentro da própria casa.
-- Ela não aceitou. A condição da minha mãe era que meu pai teria que arranjar um lugar para ela ficar. E ele arranjou: Meu apartamento. -- Se fosse possível, Emily com certeza teria ficado muito mais surpresa.
-- Por isso me chamou para dormir lá? Para não ter que passar a primeira noite sozinha com uma completa ESTRANHA? -- Emily enfatizou.
-- Não só por isso. Mas em parte, talvez. -- Alice sorriu sem graça e mordiscou o próprio lábio.
-- Sua cachorra, não acredito! -- Emily riu ao ver a cara boba que Alice fez.
-- Você sabe, noventa e nove por cento do motivo era ficar mais tempo com você. -- Alice procurou os olhos de Emily, e os encontrou. Sua feição era atenciosa.
Alice fixou o olhar em Emily enquanto em um gesto delicado tocou a sua mão.
-- Eu realmente senti a sua falta. -- Emily entrelaçou os dedos nos de Alice. -- Da forma como você sempre me faz rir, e depois vem com palavras tão atenciosas fazendo com que eu me sinta tão especial. -- Emily pressionou os lábios e sorriu, ela observava a amiga, que continuava linda, com os mesmos cabelos castanhos claros e levemente ondulados, os olhos quase em um tom de amarelo e o corpo sempre bem definido, efeito da academia que Alice não abandonava nunca. -- Você se tornou uma amiga incrível, o que é até engraçado. -- A jovem acariciou a mão de Alice.
-- Nós somos a prova viva de que de uma rivalidade pode surgir uma grande amizade. – Alice retribuiu o sorriso e as caricias. A jovem havia sentido uma falta enorme de Emily, uma vez que a amizade das duas havia se consolidado bastante, principalmente por causa de Anne, que sempre chateava Emily de alguma forma, fazendo-a correr para os braços da outra amiga e do Matheus.
-- Alice, e o Matheus, sabe alguma coisa dele? Nós ficamos alguns meses sem nos falar, acho que ele estava ocupado de mais com o TCC da faculdade e hoje quando cheguei fui visitá-lo e ele não estava. A mãe dele me disse que foi viajar, você sabe quando ele volta?
-- Eu achei que você soubesse. -- Emily mudou completamente sua expressão ao ouvir a amiga. O tom de voz que Alice havia usado em conjunto com a frase misteriosa deixou Emily preocupada, fazendo milhares de coisas passarem pela sua cabeça em um único flash.
-- Ele foi até Ouro Preto atrás de você. -- Alice aparentava estar preocupada.
-- Como assim atrás de mim? Todos aqui sabiam que eu voltaria essa semana.
-- Ele foi há duas semanas, deveria ter entrado em contato com você. Acho que devemos ficar preocupadas.
-- Talvez não, a Márcia tem falado com ele. E ela não parecia estar preocupada. Talvez ele tenha mudado de ideia. Mas vem cá, porque ele queria ir atrás de mim?
-- E você não sabe mesmo? Ele ainda é louco por você.
Emily ficou pasma, cinco anos era tempo de mais para que uma paixão permanecesse tão forte a ponto de ir até alguém, afinal, Emily não tinha feita isso por Anne. Porque ele faria por ela?! Talvez pela circunstância, ou por Emily não ter pisado na bola em nenhum momento, sua sinceridade com o rapaz sempre esteve em primeiro lugar. Matheus a conhecia muito bem, sabia da sua opção sexual e mesmo assim em nenhum momento escondeu o quanto era apaixonado pela jovem. Ele a respeitava de uma maneira surpreendente e cuidava de Emily como se fosse a pessoa mais importante do mundo. Seus braços sempre a acolhiam quando lágrimas corriam pelo teu rosto, sua amizade era forte e muito presente no dia-a-dia. A aproximação dos dois ocorreu de forma muito rápida, eles tinham o mesmo interesse por músicas e jogos, filmes e tecnologias. A conversa fluía sempre com muita facilidade e compreensão de ambas as partes.
-- Impossível. Eu achei que ele esqueceria esse lance de estar apaixonado por mim após cinco anos. -- Emily revirou os olhos. -- Me enganei.
As jovem ficaram discutindo assuntos relacionados aos amigos, sobre os novos casais e a separação de alguns. Conseguiram colocar bastante assunto em dia, mesmo não tendo muito, uma vez que se falavam quase todos os dias. Não demorou muito para que Emily precisasse se despedir. Estava na hora de sair com Anne. Elas se despediram e cada um seguiu o seu rumo. Emily entrou no carro e antes de dar partida fez uma ligação para a amiga, mas foi em vão, Anne não atendeu nenhuma das três chamadas. Emily ficou estagnada, pasma com a falta de comprometimento da amiga. Ela pensou primeiramente que Anne poderia estar se arrumando, mas após insistir nas ligações e não obter resposta ela pensou o pior: Provavelmente ela teria arranjado algo melhor para fazer, como antes.
Emily havia amadurecido bastante, e a rejeição da amiga não a machucava tanto quanto antes. Ela ficou tão acostumada com os furos que Anne dava que aprendeu a não dar tanta importância. Emily perdoou e ignorou os maus pensamentos que vieram a sua cabeça, era reconfortante para a jovem o fato de conseguir superar esse tipo de situação com mais facilidade.
Não demorou muito para que o celular de Alice tocasse e ainda dentro do carro ela atendeu.
-- Já está com saudades? -- Alice lembrou-se da forma como Anne sempre desmarcava ou furava as coisas com Emily, o que fazia a menina correr para os teus braços com tanta aflição, mas fez uma graça, tentando confortar a amiga.
-- O convite ainda está de pé?
-- O que você acha? -- Alice estava calma ao telefone, mas a sua vontade era de pular no pescoço de Anne por ter magoado a amiga de novo.
-- Estou a caminho.
Emily desligou o telefone o jogou no banco do carona após mandar uma mensagem para a mãe, avisando que não dormiria em casa.
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Assim que chegou no apartamento de Alice, Emily foi surpreendia por toda a decoração. Ela sabia que Alice adorava decorar as coisas, mas o que ela não sabia era do gosto apurado para rústica e arte. A sala de jantar de estilo rústico era toda em tons de madeira e ganhou destaque com as cadeiras, que eram pintadas com tinta verde na estrutura e tinham o revestimento de tecido listrado em tons de bege claro e marrom nos assentos. A sala de televisão apresentava um caráter rústico com toques modernistas, o chão também em tons de madeira contrastava com o sofá preto bem escuro, com o tapete em tom acinzentado e com duas outras cadeiras decorativas no tom azul oceano com os detalhes em tom de ocre colonial. O rack onde a televisão ficava era branco gelo e de uma altura de aproximadamente quarenta e cinco centímetros, a televisão ficava presa na parede. Vários outros detalhes de decoração eram encontrados espalhados pela casa, abajures, quadros, plantas decorativas, lustres, estande de livros e muitos outros. A casa era bem sofisticada e rústica, e Emily adorava esse estilo tanto quanto a amiga.
Alice ligou o som, colocando um cd que ela mesma tinha feito de uma “cantora” pouco conhecida por quem ela era apaixonada, Melanie Martinez.
-- O que acha de me ajudar com o jantar?
-- Coisa boa não vai sair, tenho certeza. -- Alice arfou, ela tinha que concordar, não sabia fazer quase nada na cozinha, sempre dependeu de uma governanta em casa.
-- Tudo bem, vou pegar o número daquele restaurante que você gosta.
Alice pediu a comida e enquanto esperavam perderam noção do tempo conversando. Emily reconhecia o quanto a amiga lhe fazia bem, em nenhum momento da conversa ela havia pensado no ocorrido com Anne, até o seu celular tocar.
-- Emily? -- A voz de Anne soou envergonhada.
-- Oi Anne, o que foi? -- Emily tentou esconder a frieza com que falava assim que percebeu o olhar que Alice lançou sobre ela ao ouvir o nome “ Anne”.
-- Me desculpa por hoje. A bateria do meu celular acabou e... -- Emily a interrompeu.
-- Não tem problema Anne. Se tem algo que eu não me esqueci são dos encontros que você sempre fura. Estou acostumada. -- Emily riu de si mesma, por ter perdido tempo achando que seria diferente.
-- Desculpa, eu não pude mesmo. -- Falou sem jeito.
-- Tudo bem. Tchau Anne, se cuida. -- Emily desligou o celular sem esperar que Anne se despedisse.
Alice se aproximou e sussurrou perto do ouvido da amiga:
-- Quem te vê falando desse jeito não imagina que há algum tempo você morria de amores por ela.
-- É bom que não imaginem mesmo.
Emily sorriu e antes que dessem continuidade a campainha tocou. O entregador tinha ganhado passe livre direto para o apartamento, assim que Emily avisou a portaria, instantes depois de pedir, que receberia comida.
-- Eu atendo, vai preparando a mesa. Estou faminta!
Emily pegou o dinheiro em cima da banca e correu até a porta, ela estava ansiosa por finalmente poder comer do seu restaurante favorito de novo. Abriu à porta as pressas e simplesmente paralisou ao notar que não era o entregador. Uma garota aparentemente jovem estava parada do lado de fora. Seus cabelos eram castanhos escuros e ondulados nas pontas, os olhos eram em um tom quase amarelo, porém um pouco mais escuros que os de Alice, e os lábios finos e bem demarcados e brilhosos, provavelmente por ter passado algum tipo de gloss que não alterou o tom natural dos lábios rosados . A jovem usava uma jaqueta de couro em tom caqui, por baixo uma regata branca colada no corpo e uma calça jeans preta. Nos pés um par de sneakers em tons de caqui com bege claro.
Emily não teve nenhuma reação até que Eduardo surgisse atrás da jovem e a cumprimentasse.
-- Emily, não sabia que estaria aqui. É bom te ver! Como está? -- Eduardo abraçou-a e introduziu a filha, Allison à Emily. -- Essa é minha outra filha, Allison.
Emily engoliu seco e tentou dizer alguma palavra, mas seus olhos estavam fixados a jovem e seus movimentos estavam limitados, sua voz não saiu. A irmã de Alice era incrivelmente e absurdamente linda, agora estava explicado o porquê do curso de modelo.
Allison arqueou as sobrancelhas ao perceber a fixação do olhar de Emily sobre ela, como se a questionasse, mas Emily nem sequer notou.
A voz de Alice eclodiu pelo apartamento.
-- Não acredito que você conheceu minha meia irmã primeiro que eu! -- Alice foi resmungando da cozinha até a porta de entrada, mas no instante que viu a meia irmã ela também paralisou. Não pela beleza da jovem, mas sim pelo fato do seu coração ter dado um solavanco dentro do seu peito. Um frio na barriga surgiu e embora não soubesse o porquê ela se sentiu feliz por ter Allison ali, na sua porta, no lugar que ela chamava de sua casa. Sua boca ficou seca, e as palavras teimaram a sair de sua boca.
Fim do capítulo
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