"Provoca quem sabe...resiste quem pode." (Flávia Abib)

            - Flávinha – Ouvi aquela voz tão familiar chamar-me.

            - O que quer Júlia? – Parei sem olhar para ela.

            - Pedir desculpas... pra começar!?

            - Não gostei do que você disse... – olhei-a brava. Quem era ela para me dizer que eu não sabia escolher minhas namoradas?

            - Eu sei... não fiz por maldade... por isso to aqui me desculpando. Você quer que eu implore? Eu faço. – Disse como se fosse se ajoelhar diante de mim.

            - Eu não quero isso! – Segurei seu braço.

            - Vamos conversar?  - Pediu-me e olhei em direção onde as meninas estavam sentadas. Eu não queria ter que voltar para lá. – Por favor?

            - Ta afim de andar um pouco? – Perguntei. Ela apenas sorriu e enlaçou seu braço no meu me puxando para caminhar.

            - Você ainda não me disse o que aconteceu entre você e sua ex pra terminarem. – Júlia e eu caminhávamos pela borda da agua, molhando os pés. Estava escuro e já tínhamos nos afastado bastante da casa.

            - Você sabe que a Micaela sempre foi um poço de ciúmes né. – ela sorriu marota, concordando.

            - Eu nunca entendi como você conseguia aguentar as crises dela. Você sempre foi boa demais pra ela. – olhei-a.

“Se você soubesse o quanto eu gostaria de ser boa o suficiente para você Júlia” -  deixei meus pensamentos ganharem vida em minha cabeça.

            - Bem, já tinha um tempo que eu estava cansada das nossas brigas. Eu já vinha estranhando esses ciúmes excessivo dela, mas nunca achei nada que provasse que ela me traia. Só que toda mentira tem perna curta né! Uma tarde ela estava em casa quando celular dela vibrou e apareceu uma mensagem no visor. Não tinha foto nem nome só um número e estava escrito apenas “Já estou aqui”. Quando eu perguntei quem era ela me disse que era apenas uma amiga. Deu uma desculpa qualquer sobre a garota e eu fingi acreditar. Quando ela saiu de casa eu fui atrás dela. E peguei ela e a amiguinha dela juntas. Eram tão amigas que até que se beijavam acredita? – Disse dando um sorriso triste, magoado. 

            - Não acredito que aquela vaca estava te traindo. Não sei por que mais nunca gostei dela.

            - Eu também não acreditava até ver.

            - Você a amava? – Julia perguntou-me.

            - Amar... não... – baixei meus olhos. “Não é ela quem eu amo, é você... sempre foi você” – pensei - Eu não a amava. Talvez esse tenha sido o meu castigo. Talvez eu tenha merecido essa traição por não amá-la né! – continuei falando e diminui os passos arrastando os pés pela areia da praia. Júlia abraçou-me, envolvendo-me completamente em seus braços. Ela era maior que eu e cada vez que me abraçava eu me sentia totalmente segura em seus braços, como se nada pudesse me atingir.

            - Ei não repita isso ok? Ninguém merece uma coisa dessas... principalmente você!

Eu amava estar em seus braços assim. Mas ela nem sequer notava isso. Nunca havia notado. E depois que se envolveu com Patrícia parecia que não existia outra mulher no mundo além dela. Eu não me irritava pelo fato dela ser apaixonada pela minha amiga, não apenas por isso é claro, o que me irritava mesmo era o fato de Patrícia não merecer aquele sentimento. Não que ela fosse uma pessoa ruim, pelo contrário Patrícia tinha seus defeitos mais era uma grande pessoa, o problema era que eu sabia que ela ainda era apaixonada por Ana e isso me matava. Júlia merecia alguém que a amasse por inteiro, que lhe desse segurança sobre seus sentimentos, que nem sequer ousasse pensar em outra que não fosse ela.

- Às vezes acho que nunca terei alguém que me ame de verdade... e que eu possa amar também – eu disse encostando minha cabeça em seu ombro.

- Isso não é verdade... – parou de caminhar e segurou meu rosto me fazendo olhar para ela. Seus olhos castanhos tinham um brilho intenso que ficava ainda mais lindo pela luz do luar -  São elas que não sabem a pessoa incrível que estão perdendo.  Mas eu sei. E tenho muita sorte por ter você na minha vida!

- Me desculpa – olhei-a – pelo que eu disse a pouco. Não pense que quis te magoar de proposito.

- Eu sei que não quis... Eu também peço desculpas. Aceita? – olhou-me esperando uma resposta.

- Só depois que você aceitar tomar um banho – eu disse sorrindo, com os pés chutei uma porção de agua sobre ela que gritou. Agua estava gelada.

- É assim é? – Chutou agua de volta em mim. Parecíamos duas crianças, uma molhando a outra.

- Ahhhh – gritei alto quando um jato maior de agua me atingiu - Você me paga Júlia – disse correndo em direção a ela que fugia de mim. Ao me aproximar segurei-a pela cintura e nós duas caímos na agua, molhando-nos inteira. Como ela estava na minha frente meu corpo caiu sobre o dela e meus olhos encontraram os seus. Ela sorriu lindamente e eu fiquei sem reação apenas encarando aqueles olhos que me tiravam o ar. Ela olhou-me séria, e colocou uma mecha do meu cabelo para trás dando um novo sorriso. Eu me apaixonava por cada sorriso dela. Juro pela minha vida que minha única vontade naquela hora era esquecer tudo, e ao menos uma vez na vida, perder a razão e beija-la, sentir sua boca atrativa e confessar meus sentimentos a ela, meus desejos de tê-la só para mim, minha vontade de fazê-la inteiramente feliz. Dizer que meu coração parava cada vez que ela entrava em um lugar onde eu estava, que o sorriso dela era sol que iluminava a escuridão dos meus dias, que ela era a única que fazia meu coração disparar. Mas eu não podia fazer isso. Sorri triste ao constatar o quanto eu estava ferrada por amar aquela morena de sorriso largo e olhos brilhantes.

- É bom te ver sorrir – ela disse. Aproximei meu rosto do dela e depositei um beijo demorado em sua bochecha. 

- Obrigada! Você me faz muito bem!

- Já que você me deixou encharcada de agua será que eu posso pelo menos ganhar um abraço? – Perguntou. Sorri, desta vez com sinceridade. Ah se ela soubesse que poderia ser a dona de todos os meus abraços.

- Sempre que quiser! – Respondi abraçando-a e ela me derrubou na agua novamente. Por fim, ficamos deitadas na areia olhando as estrelas por muito tempo. Nossos corpos estavam empanados de areia quando voltamos para casa. Já era madrugada e não havia ninguém acordada além de nós duas. Ela parou na porta do meu quarto, que era antes do dela.

- Dorme com os anjinhos! – sorriu.

- Você também. – Aproximou-se de mim para beijar meu rosto e eu também fiz o mesmo. Paramos uma em frente a outra, os rostos próximos demais, nos olhando seriamente. Ela sorriu, sem graça, e com a mão segurou meu rosto depositando um beijo doce. Depois partiu.

            Abri os olhos devagar quando os primeiros raios do sol já adentravam o quarto. Busquei meu celular na cabeceira da cama e o aparelho marcava 06:15h da manhã. Olhei para o lado onde Cintia dormia tranquilamente, o corpo estirado sobre a cama, nua, coberta apenas por um fino lençol. Ela era bela. Com seus cachinhos caindo sobre as costas, as curvas bem delineadas, a expressão tranquila. Na noite passada, quando saímos para caminhar pela praia depois de minha ousada demonstração de amor por Patrícia, eu abri o jogo com ela, contando-lhe toda a confusão em que ela estava embarcando.

Fui sincera sobre meus sentimentos com ela. Era o mínimo que eu poderia fazer. Em momento algum ela me disse algo que me julgasse por minhas atitudes. Disse apenas que estava disposta a curtir o que quer que pudéssemos oferecer uma a outra. Por fim terminamos a noite na cama, entre caricias quentes e gemidos fogosos. Saciamos o desejo várias e várias vezes madrugada adentro. Eu ne sabia as horas em que havia conseguido dormir. Levantei-me com cuidado de não a despertar. Coloquei um top e um short de corrida e calcei meu tênis. Desci em silencio pela casa para não acordar ninguém. Alonguei minhas pernas assim que cheguei na praia e iniciei uma corrida leve pela borda da areia. Corri por uns trinta minutos, observando a paisagem, vendo as pessoas que caminhavam por ali, os pequenos pássaros sobrevoando o mar, até que resolvi voltar. Alguns metros antes de chegar na casa de Carla, avistei uma longa cabeleira ruiva sentada na areia. Meu coração disparou.

- Caiu da cama? – Perguntei me aproximando devagar. Ela assustou-se.

- Pelo visto não fui a única. – Seus olhos percorreram meu corpo. O sol ainda estava fraco mais eu já estava suada pela corrida.

- Dormiu bem? – Perguntei.

- Um pouco. E você?

- Quase não dormi.

- Posso imaginar o motivo! – ela disse baixo e eu sorri. Sua voz soava enciumada.

- Valentina já acordou? – Mudei de assunto sentando-me ao seu lado.

- Ainda não! – Ela dobrou os joelhos e deitou a cabeça sobre eles me olhando. Fiz o mesmo e ficamos nos olhando em silencio. Seus olhos ficavam ainda mais lindo pela manhã, com a claridade, estavam num azul tão claro quanto o céu.

- Você está bem? – Perguntei.

- Um pouco curiosa.

- Sobre o que?

- Sobre o que mais eu não sei sobre você! – Disse simplesmente. – Sempre achei que soubesse tudo.

- Não muito... o que não conhece são apenas alguns detalhes novos. A maior parte das mudanças que ocorreram em mim referem-se mais aos meus princípios e a minha lealdade comigo mesma.

- Detalhes tipo a sua tatuagem? Ou seu novo hobby por violão?

- Coisas assim são apenas algumas mudanças externas... como meu visual, ou meu corpo – sorri.

- Posso vê-la melhor? – Perguntou-me e eu não entendi o que ela queria – A tatto! - Disse.

- Ahhh... Claro. – Ajoelhei-me ao seu lado mostrando o desenho. Baixei um pouco meu short exibindo o resto do desenho. Ela prendeu a respiração ao ver a marca do biquíni. Virei a lateral da minha cintura onde a tatto terminava, com desenhos de pequenos pássaros que saiam da própria pena. Senti seus dedos tocarem minha pele e suspirei fechando os olhos. Ela deslizou-os devagar parando na curva da cintura. Eu sentia como se o seu toque queimasse meu corpo por onde seus dedos deslizavam.

- Ficou linda! – ela disse.

- Obrigada. – subi meu short e voltei a sentar-me, desta vez mais perto dela.

- Posso saber por que fez aquilo? Por que cantou? – Questionou-me.

- Fiz apenas o que meu coração pediu!

- Tinha que ser justo a aquela música?

- Tinha que ser uma que dissesse o que eu sentia.

- Não foi justo o que fez!

- Não se tratava de ser justa ou não... e sim de não carregar outro arrependimento em minha vida! Já tenho um difícil demais para suportar. – Desviei meus olhos dos dela e olhei para o mar. Ficamos em silencio por um tempo.

- Quer entrar? – apontei o mar retirando meu tênis.

- Deve estar um gelo.

- Qual o problema? – levantei-me estendendo minha mão pra ela. Ela relutou um pouco mais aceitou.

- Só você pra me fazer entrar nessa agua fria! – sorriu. Caminhamos em direção agua, de costas para o mar, eu ainda segurava sua mão, puxando-a. Eu sentia uma corrente elétrica percorrer meu corpo com nosso contato.

- É sempre bom se soltar vezes! – senti a agua bater em meus pés. Estava mesmo fria pela hora da manhã.

- Está congelando – gritou me fazendo rir.

Foi difícil dormir depois de ouvir Ana Cecília tocar a nossa música. Toda aquela tensão que nos prendia uma na outra, todas as recordações que me inundavam a cada frase pronunciada por ela, toda saudade que eu havia enterrado retornaram como um tornado devastando meu mundo. Deitei na cama e deixei que as lagrimas lavassem minha alma, levando com elas minha angustia e meus desejos mais profundos. Adormeci de tal forma que nem percebi quando Júlia deitou-se ao meu lado.

Acordei me sentindo sufocada. Olhei Júlia dormindo tranquilamente e Valentina dormia entre nós. Acariciei minha filha levemente e me levantei. Era cedo demais para ambas. Eu as conhecia bem. Valentina ainda dormiria mais algumas horas enquanto Júlia só sairia da cama depois das 09:00 da manhã. Mesmo que ela acordasse cedo, ela gostava de ficar deitada até mais tarde quando podia. Vesti meu biquíni e coloquei uma saída de praia por cima. Desci descalça mesmo.

Eu gostava de caminhar sentindo a areia nos pés. Andei devagar respirando fundo aquele ar puro, revigorante, tão diferente do ar de São Paulo. Sentei-me na areia e fechei os olhos ouvindo o barulho das ondas quebrando na areia. Estava distraída quando a voz dela me tirou a paz outra vez. Passamos um tempo conversando, eu pedi para ver a tatuagem dela e minhas mãos tocaram seu corpo outra vez. Meu toque não tinha um proposito certo, mas ao vê-la suspirar não pude deixar de dar um pequeno sorriso. Era bom saber que um simples toque meu ainda mexia com ela.

- Quer entrar? – ela perguntou. Relutei um pouco. A agua não parecia estar numa temperatura agradável. Na verdade, ela estava muito gelada. Constatei isso quando as ondas bateram em meus pés. Mesmo assim o toque das mãos dela nas minhas fazia meu sangue circular mais rápido, aquecendo-me. Ela caminhava de costas para o mar e de frente para mim, sem parar de me olhar e com um sorriso atrevido no rosto. Quando a agua já estava na altura da minha cintura eu comecei a me acostumar com a temperatura. Continuamos a ir mais fundo, cortando a quebra-ondas, e permanecendo onde elas começavam a se formar. Estava um pouco fundo para mim, pois eu era alguns centímetros mais baixa que ela. Eu permanecia na ponta dos pés.

- Muito fundo? – perguntou-me.

- Um pouco – respondi.

- Segura em mim – puxou-me aproximando nossos corpos. Coloquei minhas mãos em seus ombros apoiando-me neles. – Melhor? – Olhou-me, seu rosto tão próximo do meu que me tirava o ar.

- Sim – respondi apenas.

- Se quiser podemos ir mais pro raso. – ela disse.

- Está bom aqui... já estou até me acostumando com a agua fria – sorri.

- Vem... mergulha comigo! – Disse tomando ar e prendendo-o antes de enfiar a cabeça sob a agua. Acompanhei-a e ao sairmos eu estava meio atordoada. Soltei minhas mãos dos ombros dela no intuito de retirar a agua dos meus olhos e senti meu corpo afundar, sendo segura por suas mãos que envolveram minha cintura colando nossos corpos.

- É duro ser baixinha – disse rindo e descontraído o clima, porém sem me soltar.

- Não sou baixinha. – Suas mãos me seguravam com propriedade. Eu sentia minhas pernas roçarem na dela por baixo d´agua, meus seios colados nos seus. Voltei a pôr minhas mãos em seus ombros, mesmo assim ela me manteve em seus braços.

- Vi você brincando com a Vavá ontem! – disse puxando um assunto qualquer. O silencio que pairava entre nós me fazia ter pensamentos nada puros em relação a ela.

- Ela é uma figurinha! – disse rindo – Enterramos a Flávinha na areia ontem – gargalhou de um jeito tão meigo e leve. Eram as risadas que eu mais gostava dela.

- Aposto que a ideia foi sua! – eu disse.

- Sempre – respondeu-me e ri junto com ela. Ana podia ser mais infantil que a Valentina quando queria.

- Foi lindo... ver você cantando ontem – confessei sentindo meu rosto enrubescer.  

- Obrigada! Posso falar algo? – Perguntou-me e senti meu corpo enrijecer.

- O que? – disse com medo do que estava por vir.

- Você fica ainda mais linda quando está com vergonha! – senti uma de suas mãos tocarem meu rosto, afastando meus cabelos. Aos poucos, meu rosto se aproximava mais do dela. Eu podia sentir sua respiração cada vez mais próxima da minha. Nossos olhos se mantinham conectados um no outro, nos puxando para perto. Meu coração batia descompassado. Minha sanidade esvaia-se rapidamente. Sua boca roçou a minha num deslizar suave e fechei meus olhos. Senti seu hálito quente tocar meus lábios assim como o meu tocava os dela. Minha respiração estava ofegante.  “Me beija. Por favor, me beija” – pedia em meus pensamentos. Abri meus olhos encontrando os dela me olhando angustiados, sua boca tremia levemente assim como seu corpo. Ela travava uma luta interna entre seguir sua vontade e ser fiel a sua irmã. “Júlia” - pensei. Ela não merecia isso. Afastei-me dela.

- Acho melhor irmos mais pro raso. Estamos nos afastando muito da praia. – eu disse. Ela concordou com a cabeça e começou a caminhar em direção ao raso até que finalmente comecei a sentir a areia sob meus pés.

- Já pode me soltar – disse-lhe percebendo que seus braços ainda me seguravam. Ela soltou-me devagar, como se estivesse agindo contra sua própria vontade. Mergulhei minha cabeça sob a agua como se aquele gesto esfriasse meus pensamentos. – É melhor eu ir. Valentina deve acordar em breve. – pronunciei.

- Vou ficar mas um pouco – ela disse e eu comecei a caminhar saindo do mar. Assim que que cheguei na praia olhei-a novamente. Ela me olhava também.

- Que merd* você ta fazendo Patricia? – perguntei a mim mesma para em seguida caminhar de volta para a casa. 

Fim do capítulo