Capítulo 11 - Incertezas
Azizah pulou da cama no mesmo segundo. Buscou o interruptor, mas a luz não acendeu. Aquilo a deixou ainda mais preocupada. Zumbis não cortavam luzes. Calçou seu coturno e armou-se às cegas o mais rápido que pode. De repente, ouviu passos rápidos pelo corredor e pulou agilmente para trás da poltrona, engatilhando a arma. A porta se abriu rapidamente e viu o facho de luz de uma lanterna. Seu corpo gelou, até que as formas por trás da luz se mostraram conhecidas e ouviu seu nome ser sussurrado. Era Carol. Respirou aliviada. Saiu de seu esconderijo.
- A. você está bem? – Ela invadiu o quarto e foi em sua direção, tocando em seu rosto. Azizah se afastou, rompendo o toque. O que ela pensava que estava fazendo?
- O que aconteceu? – Perguntou preocupada.
- Invadiram a casa. Eles estão em seis até onde contei. - Aproximou-se da janela, abrindo as cortinas. Havia um furgão branco parado em frente ao portão, com os faróis acesos. A chuva ainda caía. – É muito alto. – Resmungou. Olhou em volta, pensativa.
- Cadê o Rafa e a Mel? Eles estão bem? O que vamos fazer? Vamos enfrentá-los?
No mesmo instante, um grito ensurdecedor rompeu pelos cômodos da casa, parecendo vir do andar de baixo, seguido por tiros de uma metralhadora. Melissa. Elas se entreolharam e prontamente escutaram risadas pelo corredor e a porta do quarto ao lado ser aberta. Azizah sentiu medo, não sabia quem eram aquelas pessoas, nem o que queriam. Carol a puxou para dentro do guarda-roupa sem pestanejar.
Apagaram a lanterna e mesclaram-se às roupas dos ex-moradores que cheiravam a mofo, provocando imediatamente uma coceira irritante no nariz da mais nova. Estavam lado a lado, tentando olhar pelas frestas da madeira do móvel antigo, mas a escuridão era total.
- Eu queria te pedir desculpas pelo que disse... - Carol sussurrou rapidamente, como se aquela fosse sua última oportunidade. - Eu não devia ter falado daquele jeito com você... Eu só estava com medo, mas eu...
A porta foi aberta.
Pararam de respirar. O coração de nossa protagonista batia descompassado em seu peito. Estava com mais medo daquela situação, do que se estivesse cercada por zumbis. Em um ato instintivo, buscou as mãos de Carol, que se entrelaçou a sua, segurando-a forte. Os passos vasculharam o quarto rapidamente. Pelas frestas elas apenas viam a claridade da lanterna.
Por favor, não abra o guarda-roupa.
Por favor, não abra o guarda-roupa.
Por favor, não abra o guarda-roupa.
Azizah repetia como um mantra em sua mente. Uma oração a todos os Deuses que pudessem existir. Suas mãos suavam em contato com as de Carol. E então uma voz masculina e grave soou alta, fazendo as duas estremecerem com o susto.
- Encontrei umas joias na penteadeira, Betão! – Referia-se a alguém fora do quarto.
Ouviram passos de outra pessoa se aproximando. Houve então o silêncio e o estalado característico de um tapa seguido de um gemido de dor.
- Você é imbecil, Gustavo?- Uma voz autoritária e feminina soou. - Vou fazer você comer essa porr* da próxima vez que tiver fome. Seu retardado. Vamos dar o fora daqui. Já pegamos tudo o que podíamos lá em baixo.
Eles se retiraram do quarto e elas voltaram a respirar. Azizah largou a mão de Carol no mesmo instante, como se dando conta do ato e de que ainda continuava consternada com a outra. Aguardaram o ruído das escadas para se sentirem seguras a ponto de saírem do guarda-roupa.
A mais velha foi até a janela e entreabriu a cortina. Viram as pessoas caminhando até o furgão, com caixas nas mãos. De longe, avistaram a silhueta da que parecia ser a única mulher. Ela mirou no Palio que as duas tinham chegado até ali e atirou nos pneus.
Após o furgão partir, as duas correram escada abaixo em silêncio. Onde os dois estavam? Em meio à escuridão Azizah tropeçou no último degrau, atingindo o chão.
- A., você está bem? – Caroline se aproximou preocupada. Estendeu-lhe a mão para ajudá-la a se reerguer, mas ao contrário das outras vezes, Azizah se levantou sozinha.
- Mel? - Gritou, ignorando a perna que doía pela queda e a outra, dando-lhe as costas. - Rafa?
- Aqui!
O grito de Melissa veio da cozinha e para lá foram. Após Azizah abrir a porta, a encontrou ajoelhada no chão chorando copiosamente. Seu vestido antes salmão, agora estava manchado de vermelho. Rafa estava com a cabeça em seu colo, com uma poça de sangue ao seu lado. Carol rapidamente se ajoelhou perto do rapaz.
- Eu disse pra levarem tudo… - Melissa lastimava - Eles não precisavam ter feito isso… - As lágrimas vertiam como um rio.
- Eu vou morrer? - Rafa tinha a voz entrecortada, estava desesperado.
- A Carol é enfermeira… - Azizah tentou tranquilizá-lo. - Ela vai dar um jeito. Ela já cuidou de mim também e eu to aqui. Viva.
Elas se entreolharam. E ela percebeu quantos significados existiam implícitos naquela última frase. Nunca tinha se sentido tão viva em toda a sua vida. Por que Carol tinha feito aquilo? Ela tinha se desculpado, mas não era o suficiente. Tinha dito que estava com medo? Sentir medo não lhe dava o direito de tratá-la daquela maneira.
Carol nesse momento já cortava, com uma faca que tirou de seu tornozelo, a camisa quadriculada do rapaz. Azizah adorava isso nela. Adorava a maneira com que lidava com imprevistos, adorava como seus olhos se contraíam quando ela estava concentrada.
- Que arma eles usavam? – A mais velha perguntou.
- Era um revólver. - Melissa respondeu.
Após toda a camiseta do rapaz ser retirada, percebeu que ele usava uma bandagem enrolada firmemente na parte superior de seu tronco, escondendo os traços de ter nascido no corpo que não lhe condizia. O sangue vinha de seu braço esquerdo, acima do cotovelo. Azizah iluminava o local.
- Foi apenas de raspão. - Carol suavizou. - A bala não entrou. - Todos respiraram aliviados. Ela dobrou a blusa do rapaz para estancar seu ferimento e olhou para seu peito comprimido, sua caixa torácica mal se movia, estava com a respiração curta. - Eu vou precisar tirar isso, Rafael. Você mal consegue respirar.
Ele olhou com medo para Melissa que lhe acariciava o cabelo. Aquela situação lhe era terrivelmente apavorante, ainda mais do que ter sido baleado. Ele negou.
- Amor, vai ficar tudo bem, você pode confiar nela. - Mel dizia docemente, as lágrimas tinham cessado. - É pro seu bem.
- Você consegue se levantar? - Carol perguntou.
Então Mel lhe deu suporte para sentar-se. Com a mão direita o rapaz segurava o tecido, obstringindo a saída de sangue. Carol e Azizah fizeram força e o ajudaram a subir. Ele se sentou a mesa da cozinha.
- Eu vou lá fora ver se está tudo bem. – Azizah comunicou.
- Vai com ela, Mel. - Rafa pediu. - É perigoso ela ir sozinha, eu vou ficar bem.
As duas confirmaram com a cabeça. Melissa pegou sua mini-metralhadora no chão e beijou os lábios do rapaz. Carol lhe estendeu seu rifle, não desviando o olhar da outra.
- Toma cuidado - Sussurrou, tocando em seu braço. - Azizah se afastou, evitando o toque, por mais que o ansiasse profundamente. – A gente precisa conversar depois.
Ignorou as palavras de atenção, sentindo seu coração apertado, e saiu pela porta com a loira ao seu lado, com milhares de pensamentos rondando sua cabeça.
- Você os conhecia? - Azizah perguntou, após saírem da cozinha. Melissa iluminava a casa com uma lanterna pequena, de pouco alcance.
- Não. Nunca os tinha visto antes.
- Eles levaram muita coisa?
- Eu não sei, mas creio que pouco. Apenas o que estava mais visível. Temos um estoque no porão. Logo quando nos mudamos para cá, passamos pelas casas vizinhas e pegamos o máximo de coisas que podíamos.
- Caroline também fez isso. - Disse com pesar, expelindo o ar de maneira pesada, tentando tirar a tensão em seus ombros. A loira ficou em silêncio durante alguns segundos, percebendo o incômodo da outra.
- O que rola entre vocês?
Azizah sorriu sem graça, buscando o olhar da loira. Deu de ombros. Não sabia responder o que rolava entre as duas.
- Eu não sei, Mel. Eu só... – estou completamente apaixonada por ela. – gosto dela. Muito na verdade. É tudo recente ainda. Eu nunca me senti assim antes... por uma mulher. Ela também não sabe ao certo o que quer. E tem toda essa loucura de zumbis por todo lado. Ela ta grávida. Como vai ser quando essa criança nascer? Eu mal consigo raciocinar, eu...
Melissa a cortou.
- Não pense muito sobre isso, gata. Experiência própria. - Tinham alcançado o quintal. O portão da frente estava aberto, mas não havia zumbis por perto. Será que os tiros atrairiam outro bando? Ou será que eles tinham ido em direção às explosões? A loira continuou falando enquanto fitavam a chuva cair. - Não procure explicações. Só liberte esse sentimento que existe dentro de você. Ele é real e isso que importa. A gente não sabe quanto tempo temos, um zumbi pode arrancar nossa cabeça em um piscar de olhos. E ai? Não estamos em um momento pra economizarmos afeto, sabe? Precisamos viver intensamente tudo o que tivermos vontade.
- Diga isso pra ela... – Ela abraçou seu corpo, pensativa. A angústia era sem fim em seu peito.
- Ela também deve estar confusa com isso tudo.
- Eu sei que está. Nós brigamos mais cedo, ela me disse coisas terríveis. Ela nunca tinha me tratado assim, Mel.
- Eu sei que nada justifica isso, mas também deve estar sendo difícil pra ela. E além do mais, eu vejo a forma como ela te olha. Da mesma forma que o Rafa me olha.
Aquilo causou um estremecimento sutil em Azizah. Ela conhecia aquele olhar. Amava sentir aqueles olhos castanhos em cima dela. Amava o cheiro de maçã verde que ela tinha. Lembrou-se dos beijos que tinham trocado mais cedo, sentindo seu baixo ventre se contrair. Precisava de mais, daquelas mãos a percorrendo, daqueles lábios em sua pele. Precisava daquele corpo quente.
Balançou a cabeça, tentando afastar aqueles pensamentos.
- De qualquer forma, estou magoada com ela. Não esperava essa atitude.
- Conversem sobre isso depois. E não fique raciocinando sobre seus sentimentos. Só se permita senti-los.
- Obrigada.
A loira sorriu. Limpou a garganta, pondo fim a conversa.
- Precisamos fechar o portão. Eles não podem entrar aqui. – Apontou com a cabeça. – Vamos?
As duas correram pela chuva, abaixando as grades de ferro. Viram alguns zumbis mortos caídos no meio da rua. Os invasores devem tê-los matado antes de entrarem.
- Espera. – Azizah olhou para o quadro de força, reparou que estava aberto. Com a lanterna se aproximou e o iluminou. Mexeu nas chaves e imediatamente as luzes da casa tornaram a se acender. Elas se entreolharam, pasmas, incrédulas. Sorriram.
- Isso não faz o menor sentido. – Melissa disse pensativa. - Por que iriam apenas desligar a força? Eles podiam ter destruído.
- Da mesma foram que podiam ter matado o Rafa, mas não o fizeram. Acertaram o braço dele. De raspão. Talvez eles tenham vindo apenas atrás de mantimentos.
- Eu não sei. Isso é muito estranho. Por que fariam isso?
- Vamos entrar, lá dentro conversamos.
Fim do capítulo
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thays_ Em: 10/04/2023 Autora da história
Também não duvido, Lea!!