Música do capítulo: Feeling Good - Nina Simone
Capítulo 1 - Isso é um sorriso?
2 anos atrás
“Essa maldita dessa aula não vai acabar não?” era o máximo que eu conseguia pensar sobre a aula de geografia. Sentada na última cadeira ao lado da janela eu observa a quadra deserta, triste. Ri quando constatei sua semelhança comigo. Desviei o olhar para a professora que fala algo sobre a União Européia por alguns instantes. Quando olhei para a quadra novamente, ela já não estava deserta. Só havia uma pessoa lá, mas a quadra que antes chorava pareceu sorrir. Ela também não estava mais triste. Olhei a garota parada de costas para mim. Ela que tirou a tristeza da quadra, ela que estava lá fazendo companhia pra ela. Ela se virou. Naquele momento soube que faria o mesmo por mim. Um olhar sujo se prendeu no meu.
– Alice Bittencourt? – Escutei meu nome, bem de longe. Longe como se tivessem me chamado ontem. Eu viraria a cabeça, se a menina soltasse meu olhar. Mas ela não o fez.
– Alice Bittencourt? – A voz estridente veio acompanhada de uma leve cotovelada na barriga. A menina soltou meu olhar, se virou rápido e saiu. Foi a primeira vez que ela me abandonou. Continuei olhando a quadra. Estávamos sozinhas de novo.
– Responda a chamada! – Minha colega de classe disse após a cotovelada. Eduarda estudava comigo desde sempre. Nossos pais eram amigos e crescemos juntas. Estava sempre comigo, era uma companhia agradabilíssima. Se eu tivesse amigos, Eduarda seria um deles – Ei, retardada, responda, qual o seu problema? – Soltou uma risada baixa.
–Presente. – Disse enquanto notei que a turma toda me olhava. “Se sabiam que eu estava aqui por que não avisaram a professora? Imbecis!” Pensei mostrando a língua pra Duda e desviando meu olhar pra quadra por um instante. “Será que ela volta?”
O dia terminou, depois a semana e não vi mais a garota do olhar estranho. Não sabia porque não parava de pensar nele. Estava no recreio conversando com a Duda e umas meninas da turma, quando a vi passar. Pude vê-la de perto. Ela tinha uma beleza agressiva, diria perturbadora. Seus olhos negros e fundos contrastavam com sua pele amarelada. Seu cabelo castanho claro era cortado de maneira irregular, estilo repicado, bem curto na nuca e um pouco maior na frente, mas não alcançava seus olhos. Seu jeito de andar era cansado, sonolento. Ela era mais alta que eu, mas não muito, e tinha os ombros meio caídos. Decidi que era a pessoa mais bonita que eu já tinha conhecido, era linda de uma forma nada saudável. A garota me encarava, sem trégua, enquanto eu tentava sustentar seu olhar. Não agüentei por muito tempo desviei meu olhar para as meninas que falavam sem parar, mas não consegui evitar olhá-la de novo. Agora ela já estava bem perto de mim, olhei a tempo de notar seu rosto se retorcer levemente e o canto esquerdo de sua boca subir quase imperceptívelmente. “Isso é um sorriso?” Em câmera lenta o canto direito acompanhou o esquerdo em uma sintonia perfeita. O sorriso pareceu invadir o seu rosto lentamente. Subitamente senti dor. Uma dor incrível parecia sacudir meus ossos. A lata de refrigerante que eu segurava foi parar no chão. Eu me apoiei na parede atrás de mim, enquanto ela passava a centímetros de onde eu estava. Quando se afastou eu percebi que não estava respirando. Soltei a respiração e percebi que estavam me fazendo perguntas. Eu devia estar pálida. Ignorei os curiosos e saí, sorrindo, dando um nó no cabelo, pensando o que faria pra sentir aquela dor de novo.
.........................
Okay, eu estava oficialmente irritada. O que não era difícil, confesso. Tentei sondar o máximo possível pra saber quem era a garota e nada! Nem a fofoqueira da Eduarda que sabia de tudo que acontecia naquela escola soube dizer. Só a lembrança de tudo que a menina causou em mim acelerava me fazia suar frio. "Que porr* é essa, Alice?" pensei irritada. Resolvi pensar no que faria sobre a garota mais tarde.
Cheguei da escola, subi as escadas entrando no meu quarto. Estava aquela bagunça de sempre, joguei a mochila em algum canto e fui tirando as roupas largando-as pelo chão. Liguei o som o mais alto que pude e entrei no banho. Enquanto a água batia na minha cabeça, a voz da Nina parecia sair do amplificador em forma de dois braços que me envolviam num abraço opressor, mas muito bem-vindo. Me encolhi e o recebi com resignação.
"It's a nem dawn
It's a new day
It's a new life
For me
And I'm feeling good"
"É um novo amanhecer
É um novo dia
É uma nova vida
Pra mim
E estou me sentindo bem" Feeling Good - Nina Simone
Saí do banho exausta. Passei mais uma noite acordada e acabei indo virada pra escola só tentativa de evitar que eles ligassem para o meu pai pra reclamar de faltas. Não ia aguentar ter que ouvir a voz dele duas vezes na semana. Por incrível que pareça, "conhecer" aquela menina desencadeou uma descarga de adrenalina que me deixou sem forças. Me joguei na cama nua mesmo e adormeci pensando aborrecida que era sexta-feira e por isso teria que esperar até segunda para tentar descobrir mais sobre ela.
Acordei ainda com "Feeling Good" na cabeça. O relógio da cabeceira me dizia que eram 22hrs. Peguei o celular e enviei uma sms. Levantei me sentindo renovada, porém com disposição para cometer os mesmo erros. Tomei um banho rápido, com a garota branquela ainda na cabeça, lembrei que sonhei com ela, mas não do sonho. Procurei pela saia mais curta que eu tinha, uma bota preta e uma blusa colada da mesma cor. Passei a mão no cabelo e saí depois de uma maquiagem pesada pra parecer mais velha. Na portaria encontrei com dona Fátima, ela me conhece desde que eu nasci, é uma espécie de babá/governanta que cuida de mim e das coisas da casa. Ela me me olhou e balançou a cabeça em negação após me olhar dos pés a cabeça. Revirei os olhos.
-- A menina vai sair de novo? -- Ela me perguntou em voz baixa.
-- O que você acha? -- Depois como acontecia diversas vezes com Fátima respondi de maneira mais branda -- Vou sim, Fá, não se preocupe comigo.
Tentei um sorriso tranquilizador que não tenho ideia de como saiu ou se funcionou. Não sou boa com sorrisos.
....................
Saí do táxi em frente ao bar. Fui para um bar perto de porto, frequentado por gente suja. Não dá pra definir de outro modo. Uns na aparência mesmo outros era mais complicado. De repente me ocorreu porque Matheus gostava tanto de lá. Sorri sozinha pensando que o lugar não era tão mal mesmo. Percebi que os caras parados do lado de fora do bar estavam me olhando como se eu fosse um pedaço de carne, uns só faltavam babar. Um deles gritou:
-- Gostei da calcinha, bebê. -- Olhei pra baixo e vi que minha saia estava enrolada quase na cintura. Deve ter acontecido quando saí do táxi. Diferente do que todos imaginaram eu não me senti envergonhada ou ofendida.
Fui andando e desenrolando a saia, mas sem pressa.
Entrei no bar, peguei uma cerveja no balcão e avistei o Math jogando sinuca com um brutamontes qualquer. Ele me viu e piscou um olho, sorrindo. Indicou sua mesa com a cabeça. Sentei olhando em volta, pra depois fixar meus olhos em Matheus, impaciente. Acabei com a cerveja e me levantei. Fui em direção a mesa de sinuca em frente a que Matheus estava. Tinha uns caras que pareciam motoqueiros ocupando-a. Me aproximei, eles pararam de jogar e me cumprimentaram, sorrindo maldosos.
-- Isso que vocês têm aí é vodka? -- Perguntei me sentando na mesa e cruzando as pernas. Desfiz o jogo deles, mas ninguém pareceu se importar.
-- É sim. A princesa quer um pouco? -- Um coroa que parecia mandar em todo mundo ali respondeu olhando as minhas pernas. As deixei entre abertas.
Fiz que sim com a cabeça. Tomei dois copos virando de uma vez. Estava bebericando o terceiro, já bêbada, afinal não comi nada o dia inteiro, só dormi, quando o filho desse coroa um cara estranho que parecia ter uns 20 e poucos anos puxou papo comigo. Agora eu podia sentir os olhos de Matheus grudados em mim. O moreno alto com cara de sujo falava sempre grudado no meu ouvido e eu sentia seu cheiro de perfume vagabundo, suor e bebida. Senti sua mão em mim, na minha perna, mas não me importei. Alguns minutos depois, não me pergunte como, ele já estava entre as minha pernas e me beijando. Correspondi, apesar de não gostar da sua língua áspera. O beijo acabou tão rápido como começou, o carinha foi arrancado de perto de mim e eu gargalhei, não precisei olhar pra saber que era Matheus a causa dessa retirada abrupta.
Estava armada a confusão. Matheus e o carinha estranho trocavam socos enquanto ninguém parecia querer separar. Notei que o coroa me olhava carrancudo, irritado com meu notável divertimento. Alguém decidiu que era melhor separar os dois. Matheus se levantou, me jogou no ombro como se eu fosse um saco de batatas e saímos do bar. Não achei necessário esconder minha excitação.
-- Satisfeita? -- Disse após me colacar no chão próximo ao seu carro. Seu olhar era de ressentimento e aceitação. Ele não estava nenhum pouco surpreso. Estava muito contido se comparado a sua explosão anterior.
-- Eu estava entediada, Math -- Disse baixinho
Entramos no carro.
-- Ele não estava sozinho. Se aqueles armários resolvem defendê-lo eu estaria em maus lencóis, Alice. Poderiam ter me matado. Ah mas esqueci que o que importa é que você esteja entretida. Acho que teria um ataque de risos se aqueles caras me surrassem. -- Disse dando um soco no volante e respirando para se acalmar.
-- Para de drama, Matheus! O bar tava cheio não iam deixar nada demais acontecer contigo. -- Disse meio irritada. -- Ok, me desculpa -- Ele sabia que eu não estava arrependida. Precisaria me importar pra isso. -- Onde vamos agora? -- Mudei de assunto deliberadamente.
-- Vamos a outro bar encontrar uns amigos e eu vou te dar o que você veio procurar. -- Se inclinou colando seus lábios nos meus. Correspondi, ele saiu com o carro e permanecemos em silêncio durante todo o trajeto.
Fomos para um bar no Lapa. O bar funcionava no último andar de um hotel. Descemos do carro, entramos no prédio e fomos em direção ao bar. Inesperadamente Matheus pegou minha mão, mas o fez de uma forma tão natural que não me incomodou e não perdi tempo pensando nisso. Chegamos lá, Math não largou a minha mão e me apresentou como "minha gata" para alguns de seus amigos. Já estava impaciente com tudo aquilo e fui ao banheiro lavar o rosto. Quando entrei notei duas meninas se pegando furiosamente dentro de um dos reservados. Eu podia ouvir seus gemidos nitidamente. Fiquei curiosa mas logo passou. Retoquei o batom e saí. Math me esperava perto da porta e me entregando algumas cápsulas.
-- Finalmente, gato -- Beijei sua boca sensualmente. Ele apertou minha cintura aprofundando o beijo. Me esquivei para voltar ao banheiro.
-- Ei, vai com calma, tá? -- Pediu me segurando pelo braço.
-- Calma que já volto pra te agradecer direitinho. -- Pisquei, ignorando seu pedido. Entrei no banheiro e me olhei no espelho. Abri uma das cápsulas e joguei o conteúdo de uma das cápsulas no nariz. Inspirei de uma vez. Fiz a mesma coisa com outra. Guardei as duas que sobraram no sutiã. Levantei os olhos de novo e pude ver meu queixo caindo ao notar que a garota da escola me olhava fixamente pelo espelho.
Fim do capítulo
Espero que gostem!
Abraços!
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