Entrei no banheiro e assim que liguei a ducha a agua quente deslizou pelo meu corpo, me ajudando a relaxar um pouco.  Será que aquelas sensações nunca acabariam, será que toda vez que eu a visse seria assim? Eu me sentia no meio de uma tempestade onde cada raio que caia me trazia uma lembrança nossa. Eu  precisava reencontrar totalmente o meu foco, meu controle, minha razão para ter voltado.

            - Júlia... eu voltei pra acertar minha relação com ela. Não posso machuca-la.  Não posso deixar isso acontecer... – repetia varias vezes para mim. – Oh Deus daí-me forças pra ser indiferente ao que eu sinto... - Esfreguei o rosto removendo qualquer resquício de tinta que pudesse restar nele. Ensaboei meu corpo e deixei a agua escorrer por meus cabelos. Passei uns 20 minutos ali debaixo, enrolando, ganhando tempo, na tentativa de que ao sair dali elas já tivessem ido embora. Assim que sai do chuveiro me lembrei que todas as minhas roupas já estavam no meu novo apartamento.

            - Merda! – Bradei. Abri a porta do guarda roupas e só encontrei meu “pijama”, que nada mais era do um short justo e curto de lycra e uma camiseta não muito cumprida do Mickey. Eu não queria ter sair na sala vestida assim. Eu tinha medo que Patricia, e principalmente minha irmã, pudessem encarar aquilo como uma provocação ou algo parecido.

“Elas já devem ter ido”- pensei.

 Foi questão de segundos até a porta do meu quarto se abrir bruscamente e um pequeno furacão ruivo entrar correndo e subir na cama, constatando que elas ainda estava ali.

            - Olha como eu to chelosa tia Ana – Valentina disse. Aproximei-me dela cheirando os cabelos recém banhados que tinham um cheirinho suave de shampoo de aloe vera.

            - Nossa que princesinha mais cheirosa você é! – disse olhando-a – Não fica muito perto da beirada pra você não cair – peguei-a colocando-a mais pro meio da cama.

            - Tia Lelena pediu pra chamar você! – Era assim que a Vavá chamava minha mãe.

            - Eu já vou! - peguei o pente e terminei de pentear meu cabelo enquanto ela continuava ali pulando na cama. Assim que terminei a chamei.

            - Vamos pra sala?

            - Cavalinho! – gritou.

            - Tá bom. Monta no cavalinho. – abaixei-me pegando-a. Voltamos pra sala onde minha mãe estava sentada em uma poltrona conversando com Patrícia e minha irmã.            Assim que entrei pude perceber os olhos dela percorrerem meu corpo de cima a baixo, e depois desviar envergonhada ao cruzar com os meus.

            - Me desculpem pela roupa – disse olhando para Júlia. – Eu não tinha programado dormir aqui hoje, todas as outras estão no apartamento.

            - Não se preocupe. Se acostuma-la assim Ana suas costas não durarão até o final do ano – disse referindo-se a Valentina que ainda estava pendurada em mim.

            - Ah... Eu acabo me divertindo também. – respondi. Caminhei com ela até o sofá estava livre, em frente a elas, e coloquei Valentina nele sentando-me.

            - Papai ainda não chegou?

            - Não! Mais eu falei com ele a pouco tempo e ele já estava aqui por perto. – meus olhos correram automaticamente para as mãos delas, que estavam entrelaçadas, e desviei meus olhos rapidamente.

            - Vocês querem jantar? – minha mãe perguntou – Patricia dê comida pra Valentina antes que fique tarde – complementou.

            - Eu farei isso Helena. Obrigada! – disse soltando a mão de Júlia. - Vamos comer meu anjinho. – disse para a pequena que continuava em pé sobre o sofá ao meu lado. Ela remexia em meu cabelo quando pulou no chão e aproximou-se da mãe.  Eu observava os gestos carinhosos entre as duas, era nítido como ela transbordava amor pela filha. Eu sempre soube que Patricia seria uma excelente mãe, e vê-la com Valentina só confirmava aquilo.

            - Eu só como se a tia Ana come comigo. – cruzou os bracinhos e eu sorri do seu jeito. Ela tinha um gênio forte. E cada vez que fazia manha eu me lembrava  de Patricia, com seu jeito de impor seus desejos e vontades. No nosso tempo de namoro, algumas de nossas pequenas discussões sempre foram por causa disso. Ela tinha uma mania chatinha de querer as coisas do jeito dela e isso batia de frente com minha personalidade. Irritávamos-nos mais nunca chegamos a brigar sériamente por isso, uma das duas acabava sempre cedendo, eu na maioria das vezes, e não por que eu não queria brigar com ela, mais por que no fundo eu amava realizar as vontades dela, até as mais esquisitas.

            - A tia Ana não vai comer agora filha – Patricia disse com a voz calma, colocou-a em seu colo e começou a ajeitar os cabelos dela, amarrando-os num rabo de cavalo. – E você tem horário pra jantar mocinha.

            - Eu como junto com você! – disse para a pequena e Patricia me olhou um pouco contrariada, provavelmente por achar que eu estava  “mimando” a princesinha dela. Mas ela não podia falar nada, afinal de contas, assim como sua filha, Patricia sempre conseguiu tudo o que quis de mim. E pelo visto Valentina teria as mesmas vantagens da mãe, mas eu estava gostando daquilo, de poder realizar as vontades daquela pessoinha tão apaixonante.

            - Ebaaa! – ela gritou.

- Acho que devemos jantar todas juntas. Vem também Júlia  – disse levantando-me e Júlia confirmou. Valentina levantou-se também e segurou em minha mão e na mão dela.

- Eu vou comer com as minha duas tias – disse puxando-nos em direção a mesa de jantar e foi impossível não rir daquela garotinha tão linda. Até Patricia que ainda estava emburrada sorriu, e dessa vez eu pude contemplar novamente aquele sorriso tão singelo e cativante.  O verdadeiro sorriso dela, não aquele sorriso forçado que ela tinha me dado momentos atrás. Um sorriso doce que por 3 anos reinou em meus dias e que muitas noites ainda reina em meus sonhos.

Sentei-me na lateral da mesa e Valentina insistiu em sentar-se ao meu lado, praticamente  obrigando Patricia a ocupar a cadeira e coloca-la em seu colo, já que a mesa era alta demais para o tamanho dela. Coloquei a comida em meu prato e comecei a comer. Nós comíamos em silencio, apenas Valentina falava sem parar sobre como tinha se divertido o dia todo, e sobre os desenhos que tínhamos feito. Júlia estava sentada na ponta da mesa, ao lado de Patricia. Eu podia sentir os olhares de minha irmã sobre mim de vez em quando. Ela me analisava, me observava. E eu sabia muito bem o que ela queria descobrir com aqueles olhares.

            - Eu não quero isso verde – Valentina falou ao ver sua mãe cortar um pedaço de brócolis em seu prato. 

            - Você precisa comer meu amor – continuou a cortar – Brócolis faz você crescer forte.

            - Mais eu não gosto! – franziu a testinha.

            - É claro que gosta... lembra quando você comeu um desse na pizza da tia Flávia? – ela balançou a cabeça negando – Bom você comeu... e bastante.

            - Mas a tia Júlia não come isso. – eu sorri percebendo que o dilema sobraria pra Júlia.

            - Come sim não é Júlia? – perguntou, mas sua voz tinha um tom de imposição, tal qual Valentina havia feito minutos atrás, e vi minha irmã, bastante contrariada,  pegar dois pedaços de brócolis e por em seu prato. Assim como Valentina, fiquei esperando para ver se ela comeria, eu sabia o quanto ela odiava brócolis, e para minha surpresa e divertimento ela colocou o vegetal na boca. Era obvio que ela não parecia nada feliz ao mastiga-lo, mais aquilo pareceu encorajar Valentina, que aceitou os pedaços de brócolis do seu prato. “O que uma criança não faz com a gente não é” – pensei.

            Valentina acabou de comer antes de nós. Assim que ela saiu da mesa vi minha irmã encarar Patricia com um olhar fuzilante. Assim como eu, Júlia nunca gostou de ser “intimada” a fazer algo. Sem conseguir me conter, ri da cara dela já prevendo uma retaliação por sua parte. Antes que ela pudesse dizer algo a mim meu celular tocou. Olhei o numero mais não reconheci. Atendi.

            - Alô!

            - Oi. Por favor a Ana Cecília? – perguntou do outro lado.

            - Sim é ela. Quem fala?

            - Oi... é a Cintia. Sou a secretaria da sua irmã. – disse um pouco envergonhada e eu lembrei-me da bela morena de cachinhos castanhos e jeito tímido.

            - Oi – respondi – Achei que nunca fosse me ligar... tudo bem?

            - Tudo... atrapalho você?

            - Não... quer dizer eu estou terminando de jantar agora... será que eu posso te ligar daqui a pouco? Esse é o seu numero mesmo? – perguntei.

            - Claro, se você prometer que vai ligar mesmo...

            - Eu prometo – respondi olhando minha irmã que apenas desviava os olhos de mim para Patricia. Esta nem sequer desviava os olhos do prato a sua frente.

            - Vou esperar – respondeu desligando. Talvez ela não fosse assim tão tímida como eu pensei. Desliguei meu celular mantendo um pequeno sorriso por meu pensamento anterior.

            - Posso saber o motivo desse sorrisinho bobo? – Júlia perguntou.

            - Nada demais oras – respondi.

            - Quem era? – perguntou interessada.

            - Uma amiga ué. – respondi simplesmente. Eu não queria citar o nome dela ali, na presença da Patricia.

            - E essa amiga não tem nome não? – cutucou-me. Eu não sabia dizer se Júlia estava apenas me provocando por diversão, ou se ela queria causar alguma reação em mim, em Patricia ou em ambas.

            - Júlia me faz um favor? Me mira mais me erra! – disse pegando o guardanapo e jogando sobre ela que apenas segurou-o gargalhando. Levantei-me da mesa – Com licença – comecei a caminhar mais ainda pude ouvir Patrícia chamar sua atenção, baixo.

            - Precisava fazer isso? – perguntou e sua voz tinha um tom de chateação.

            - Só fiz uma brincadeira – respondeu sem se importar. Eu podia vê-las conversar na mesa, mas não podia mais ouvi-las. Meu pai entrou em casa e foi recebido por minha mãe.  Ele cumprimentou todos e chamou Júlia para conversarem. Eu estava sentada ao lado de Valentina no sofá.

            - O que tanto mexe ai baixinha? – perguntei. Ela estava com o celular da mãe na mão. Jogava algum tipo de joguinho.

            - Tô dando comidinha pro Pow.

            - Pra quem? – eu não fazia ideia do que ela estava falando.

            - Pow – ouvi a voz de Patricia ao meu lado. Ela sentou-se colocando Valentina sobre seu colo. Meus olhos se desviavam entre ela e a garota. Admirando-as.

            - É um joguinho onde você tem que alimentar um bichinho. Você dá banho, brinca com ele, põe pra dormir essas coisas... – ela explicou levantando seus olhos da filha para mim, e senti meu corpo arrepiar só com aquele olhar.

            - Não seria melhor ter um cachorrinho nesse caso? – perguntei e pela primeira vez Valentina tirou os olhos da tela.

            - Posso ter um cachorrinho? – perguntou pra mãe.

            - Não! Você ainda é muito pequena para ter um bichinho de estimação filha – tentou explicar e eu revirei meus olhos não acreditando que ela realmente estava dizendo aquilo.

            - Não sou. Você disse que eu sou gandona. Eu já posso ter um cachorrinho né tia Ana?

            - Bom... eu acho...

            - Ela também acha que não! – Patrícia me cortou e aquilo me irritou extremamente. Balancei a cabeça negativamente expressando minha insatisfação por sua atitude arrogante e suspirei me controlando. Eu já disse que detestava quando ela agia assim né, e pelo visto ela nunca mudaria isso em sua personalidade.

            - Me dá licença um minuto – disse fuzilando-a com os olhos e levantando-me e segui até meu quarto antes que eu perdesse o controle com ela. Tudo bem que era divertido ver ela impor suas vontades em cima da Júlia, mas não era nada divertido quando era comigo.  É como dizem por ai: pimenta nos olhos dos outros é refresco. Assim que entrei dei cara com a bagunça que a Vavá e eu tínhamos feito. Recolhi as tintas do chão colocando-as no criado mudo. Peguei o desenho que Valentina tinha feito de mim e abri a porta do meu guarda roupas para colá-lo nela junto das fotos que ainda restavam. Eu havia levado boa parte delas pro meu novo endereço, mas ainda havia uma foto dela lá, sozinha, sorrindo. Mais uma vez o sorriso dela me contagiou, me fazendo sorrir me levando de volta a reviver nosso primeiro beijo. 

            Eu já tinha mais contato com Patricia, pois Flávia dividia o apartamento com ela já havia alguns meses. Quando eu a conheci, no trote em fevereiro, ela namorava com João um rapaz de cabelos cacheados acobreados, de porte musculoso e barba por fazer. Ele era muito bonito, mais o namoro dos dois era repleto de brigas, ele morria de ciúmes dela. Eu sempre ficava babando por ela cada vez que ia na casa da Flávinha. Não entendia como ela podia continuar com um brutamontes daqueles.  Estava rolando uma festinha do pessoal da faculdade, era uma sexta feira do mês de agosto. Flávia e eu tínhamos combinado de ir. Depois de arrumadas nos encontramos no portão da entrada da republica onde seria a festa. Assim que entramos já demos de cara com um galerinha da nossa sala. Os meninos nos arrumaram cerveja e começamos a beber e a dançar. Eu já tinha bebido uns 4 copos quando avistei Patricia discutindo com João. Prestei atenção na conversa e vi quando ela empurrou ele afastando-se. Quando ela ia passar por mim entrei em sua frente fazendo-a parar.

            - Você ta bem? – perguntei preocupada.

            - Tô eu só... – percebi os olhos delas marejarem e ela se segurava para não chorar.

            - Quer dançar?

            - Acho melhor não...  preciso ir pra casa.

            - Ah por favor... uma dança vai? – segurei sua mão - Uma pesquisa de Harvard indicou que dançar deixa as pessoas felizes! – disse sorrindo – você vai me deixar feliz se dançar comigo! – ela sorriu com o meu atrevimento.

            - Ta bom – concordou enquanto limpava uma lagrima que escorria. – só uma dança.

            Não foi apenas uma dança, foram varias, eu já tinha perdido a noção do tempo, da realidade e principalmente já tinha perdido o pouco do pudor que ainda tinha. Eu dançava com o corpo próximo ao dela, sentindo o cheiro dos cabelos dela, sentindo o corpo dela encostar-se ao meu e aquilo me inebriava os sentidos. Era bom demais. Juntei minhas mãos com as dela enquanto nossos corpos desciam juntos no ritmo envolvente da musica que tocava. Estava tão entretida em dançar com ela que só voltei pra realidade quando uma mão a puxou para longe de mim, quase derrubando-a.

            - Foi por isso que você terminou comigo? – João gritou chamando a atenção das pessoas que estavam perto de nós. Era visível sua alteração pela bebida – Pra ficar se esfregando com essa sapatãozinho de merd*.

            - Cala boca João – ela gritou – você ta bêbado!

            - Eu não vou ser trocado por uma mulher Patricia – puxou-a apertando seu braço.

            - Larga ela seu estupido – empurrei-o com força soltando-a. Virei-me para ela dando as costas para ele.

            - Ele te machucou? – toquei seu rosto e não pude ouvir sua resposta, tudo que eu me lembrava era de sentir uma pancada em minha cabeça. E uma dor lancinante antes de cair no chão. Eu apaguei. Acordei um tempo depois no hospital. Eu descobri lá que ele havia quebrado uma garrafa de long neck na minha cabeça, que me rendeu 5 pontos no supercilio. Os meninos da minha sala tinham saído na porr*da com João depois que ele me acertou e a confusão foi geral. Quando recebi alta já era madrugada. Patricia e Flávia me levaram pra casa delas. O medico me disse que eu tinha tido muita sorte, e ele acertasse alguns centímetros mais baixo e eu poderia até ter ficado cega.

            - Coloca ela no meu quarto Patita – Flávia disse chamando Paty por seu apelido na Faculdade.

            - Acho melhor ela dormir no meu – Patricia respondeu – minha cama é maior que a sua e assim eu posso ficar de olho nela.

            - Tem certeza? – Ela confirmou com a cabeça. Eu ainda estava meio zonza por causa dos remédios. Flávia me deitou na cama da Patricia.

            - Bom, boa noite então. Qualquer coisa você me chama.

            Ela me arrumou uma roupa dela e me ajudou a deitar na cama. Trocou de roupa e deitou-se ao meu lado ficando de frente para mim. O quarto estava iluminado apenas pelo abajur, que tinha uma luz azul bem fraquinha. Eu mantinha uma briga com meus olhos pelo efeito que o remédio me causava, meus olhos encaravam sua face, seus olhos, sua boca. Patrícia em enfeitiçava. Era como se ela fosse o sol e eu fosse a terra girando em torno dela.

            - Eu sempre soube que um dia dormiria com você  - disse sorrindo e ela sorriu também.

            - Você não perde uma né? – perguntou balançando a cabeça divertidamente. – Não foi racional o que você fez... – passou os dedos de leve sobre o curativo em minha cabeça - Não devia ter enfrentado ele!

            - O problema é que eu perco a razão quando estou perto de você! – olhei-a nos olhos falando com sinceridade. Era verdade. Ao  lado dela eu seria capaz de cometer as maiores loucuras. Aproximei-me dela deixando nossos rostos a centímetros de distancia. Eu sentia meu coração bater apressado, como nunca, por mulher nenhuma, tivesse batido.

- Quando fala assim... você me deixa sem graça.- meus olhos se perderam nos dela antes de responder.

            - E sem folego? Posso te deixar sem folego? – perguntei levando meus lábios até os dela para um beijo. Minha boca cobriu a dela e senti sua língua buscar a minha. Nosso beijo era tranquilo, eu não tinha pressa em acaba-lo. Eu passaria a eternidade toda beijando-a se fosse possível. Ela tinha um beijo delicado, suave, mantinha um ritmo lento, provocante. Minha mão enroscou-se em seus cabelos, acariciando-os delicadamente. Minha língua explorou sua boca com paixão e eu me entreguei a ela, ao seu beijo que realmente era de tirar o folego. Eu me perdi nos segundos, nos minutos, no tempo em que tive sua boca junto da minha. Eu sabia que a partir daquele momento, nenhuma outra boca teria o mesmo sabor, e nenhum outro beijo teria a mesma graça, a não ser o dela. Aquele beijo apenas confirmava o que Flávia sempre me dizia e eu negava até para mim mesma, eu estava apaixonada por ela.

Eu estava de costas para a porta quando ouvi a voz dela soar me fazendo abrir os olhos.

            - Posso entrar – me mantive calada e ela continuou - Me desculpe – ela disse e eu permaneci de costas sem encara-la – Eu não devia ter feito aquilo.

            - Você não devia ter feito muitas coisas – falei.

            - Assim como você fez? – retrucou.

            - Será que toda vez que a gente se encontrar vai ser assim? – virei-me para ela – essa troca de farpas e acusações? Eu não quero isso!

            - Eu também não. Acho que a gente já se machucou demais! – deu alguns passos entrando no quarto e seus olhos percorreram as poucas fotos coladas na porta, e acabaram parando em outro desenho que estava na cama. Ela o pegou abrindo um sorriso. Era um desenho de Valentina.

            -  Ela é uma menina incrível – eu disse mudando de assunto.

            - Ela é toda a minha vida! – respondeu esticando a mão com o desenho em minha direção – Deveria guardar esse também – peguei-o – É você e ela – disse e eu olhei. Eram dois bonequinhos um ao lado do outro, um todo pintado de vermelho e o outro de amarelo.

            - Como você sabe que somos nós?  - ela deu um sorriso contido e explicou-me.

            - Ela usa as cores pra definir as pessoas. Quando desenha a mim ou a ela, usa o vermelho, pra Júlia e pra Flávia ela usa a cor marrom, amarelo só pode ser você. – referiu-se aos meus cabelos loiros.

            - Ela é muito esperta. – disse apoiando o meu corpo no guarda roupas. – Muitas vezes ela me lembra você!

            - Você nem imagina o quanto... se deixar ela dá nó em pingo d’água – sorriu e sentou-se em minha cama.

            - Puxou a mãe – sorri. Era bom poder ter uma conversa decente com ela, sem que acabássemos nos atacando.

            - Não eu não sou assim... esse lado dela veio do João com certeza.

            - Ele tem contato com ela? – perguntei.

            - Sim. Ele passa os finais de semana com ela a cada quinze dias.

            - E como é a relação deles?

            - Eles se dão bem! Depois que ela nasceu o João se derreteu todo por ela. Ele mudou muito por causa dela. Ele e a Júlia me ajudaram muito no começo. – disse com ternura na voz.

            - Não deve ter sido fácil eu imagino – respondi baixando meus olhos. – Eu sinto muito... – olhei-a.

            - Por que?

            - Por tudo... de verdade... por ter traído você e sua confiança... por ter deixado meu orgulho destruir os nossos sonhos... por não estar aqui quando você mais precisou... e especialmente por que eu não soube te amar como você merecia!  - senti uma lagrima escorrer de meus olhos e ela levantou aproximando-se. Seus dedos tocaram minha face limpando-a ao mesmo tempo em que fazia um carinho suave, quase inocente e seu toque fez minha pele entrar em combustão instantânea. Era incrível como apenas um toque singelo dela despertava meus sentidos. Aguçava meus desejos. Tirava minha razão. – Sei que eu te magoei com tudo que eu disse sobre a gravidez mas... bom eu me arrependo muito disso. Você tem todo o direito de não me querer perto dela e eu o farei... se for o que você quiser... eu sei que o que fiz me fez perder você pra sempre mas eu gostaria muito de poder participar da vida dela... se você permitir... - Ela tinha os olhos marejados e abriu a boca para falar algo quando fomos interrompidas.

            - Atrapalho? – olhei para porta e encontrei Júlia apoiada no batente nos olhando. Patricia afastou a mão do meu rosto.

            - Não – respondeu. – Estávamos apenas conversando.

            - Vamos embora? A Vavá já está dormindo no sofá!

            - Vamos – respondeu. Voltou-se em minha direção e disse – Não se preocupe... eu jamais te impediria de participar da vida dela. – sorriu e eu sorri também, deixando outra lagrima escapar dos meus olhos - Até mais Cecilia.

            - Até mais – respondi desviando meus olhos dela – Tchau Jú.

            - Tchau Aninha. – elas saíram do quarto de mãos dadas e e eu permaneci. Achei mais prudente não ir até a sala me despedir da Vavá. Já estava sendo difícil vê-la partir ao lado de minha irmã, imagina ver a “família feliz” partindo juntas. Deitei na cama e de tanto pensar em nossa conversa acabei nem ligando para Cintia. Adormeci rápido. Sonhei com ela novamente. 

Fim do capítulo