Ame o que é seu por PriHh
Capítulo 13 – Almoço em familia
Depois que Flávia deixou o hotel eu não consegui dormir mais. Tomei banho, comi algo leve e fui dar uma volta no Ibirapuera. Depois de andar quase todo o parque parei em frente ao lugar que estive ali pela última vez. Olhei para frente e minha mente reviveu aquele dia, o dia em que vi Júlia e Patrícia beijando-se. Voltei a caminhar e retornei ao hotel. Coloquei minhas coisas na mala e desci até a recepção encerrando minha estadia. Peguei um taxi e em alguns minutos já estava na frente do meu antigo prédio. Na portaria, seu Antônio me recebeu com simpatia. Era bom saber que ele ainda trabalhava ali, era um senhor muito educado e sorridente.
- Bom dia seu Antônio – cumprimentei-o.
- Senhorita! Seja bem-vinda de volta!
- Pois é seu Antônio acabei voltando.
- Todos aqui sentiram muito a sua falta. Eu sempre perguntava à Lúcia se ela tinha notícias suas. – disse com doçura.
- Obrigado pelo carinho seu Antônio. Eu sempre gostei muito do senhor, de todos os funcionários do prédio.
- Eu te ajudo com as malas – ele disse solicito.
- Obrigada. – ele ajudou acompanhando-me até a porta do apartamento de minha mãe. Assim que coloquei a chave na porta minhas mãos tremeram de nervoso. Girei a chave e abri a porta. A sala estava vazia. “Será que não tem ninguém” – pensei.
Coloquei as malas pra dentro e em silencio caminhei até a cozinha. Parei na porta olhando com receio para dentro do ambiente. Consegui enxergar Lúcia em pé em frente a pia, cortando alguma coisa.
- Será que tem almoço para mim nessa casa hoje? – disse chamando sua atenção.
- Aninha! Ah meu Deus! Você voltou! Graças a Deus menina – disse soltando a faca e vindo me abraçar. Ela apertou-me em seus braços e eu relaxei apreciando o quão gostoso era aquele abraço – Senti tanta saudade minha menininha.
- Eu também senti muitas saudades Lúcia.
- Deus finalmente ouviu minhas preces e te trouxe de volta para nós – afastou-se me olhando. Seus olhos já estavam vermelhos. Lúcia era como uma manteiga derretida, toda sentimental, e sua recepção amistosa me emocionava também.
- Ontem a Júlia não te disse que eu havia voltado? – perguntei desviando a atenção das minhas emoções.
- Eu não vi a Júlia ontem. Quando ela veio buscar a Valentina eu já tinha ido pra minha casa. Mas senta aqui. Me conta, como você está? Você parece muito diferente da menininha que saiu daqui.
- Eu estou bem Lúcia. E você tem razão eu mudei bastante e a maior parte das mudanças aconteceu aqui – apontei meu peito. - Mais eu te conto tudo depois. Minha mãe... - interrompi-me – a Helena está em casa? – Perguntei mais nem precisei da resposta dela pois na mesma hora minha mãe chegou na cozinha.
- Que gritaria é essa Lúcia? Estou conseguindo te ouvir... – calou-se ao me ver.
- Oi Helena – chamei-a pelo nome. Desde aquele dia em que ela me disse que preferia me ver morta eu nunca mais tinha chamado ela de mãe.
- Ana... Cecília.
- Em carne e osso. – respondi fechando minha feição. – Eu vou pro meu quarto Lúcia – disse olhando-a – mais tarde a gente conversa tudo bem?
- Claro Ana. Vou aproveitar e fazer seu prato favorito. – disse com carinho e sorri para ela. Retornei para sala passando por minha mãe sem olhá-la. Ela seguiu-me. Assim que peguei uma das alças da mala ela falou comigo.
- Eu não sabia que... você... quando você voltou?
- Domingo à noite. – respondi seca.
- Sua irmã já sabe?
- Sim. Estive com ela ontem o dia todo.
- Ela não comentou nada comigo ontem.
- Ela não tinha motivo pra isso. Se bem me lembro você deixou isso bem claro pra nós duas.
- Filha eu....
- Não me chame assim! Estou cansada Helena. Vou para o meu quarto. Com licença. – Sai da sala. Eu não queria ficar ali e nem ouvir nada que ela pudesse me dizer. Assim que abri a porta do meu quarto senti uma enxurrada de lembranças me invadir. Meu quarto estava do mesmo jeito que o deixei. Encostei a mala num canto e joguei-me sobre a cama. Caminhei até os guarda roupas e ao abrir a porta encontrei as várias fotos que eu colava na parte de dentro da porta, todas ainda estavam ali, inclusive as minhas fotos com Patrícia. Uma delas me chamou a atenção, uma foto minha e de Flávia juntas, no dia em que eu a conheci. Retirei a foto e voltei a sentar-me na cama. Olhei pro teto e fechei meus olhos relembrando. Foi nesse mesmo dia que conheci também aquela a quem eu iria entregar meu coração.
A universidade estava lotada. Era o primeiro dia, ou seja, dia de trote. Eu era caloura do curso de farmácia na USP. Estava apavorada e ao mesmo tempo excitada por meu novo caminho. Agora eu era universitária e não mais uma colegial, ali eu viveria grandes momentos, curtiria altas festas e beijaria muitas mulheres. Isso era o que eu achava que aconteceria. Foi mais ou menos isso que aconteceu. Por um curto período de tempo eu beijei algumas mulheres, fui em muitas festas e me apaixonei pela primeira vez, por Patrícia.
Estávamos todos reunidos, todos os bichos do primeiro ano de farmácia. Nossos veteranos estavam caprichando no nosso visual. Eu tinha tanta tinta jogada sobre meu corpo que teria que tomar uns 30 banhos para tirar tudo aquilo, eu tinha tinta até dentro do meu ouvido.
- Saco! isso vai dar um trabalhão pra sair – ouvi a voz de uma garota ao meu lado. Ela olhava sua roupa que estava muito pior que a minha. Ela era morena e tinha um corpo esbelto. Os cabelos eram pretos, embora estivem parecendo com a bandeira do movimento GLBT naquele momento de tão coloridos que estavam.
- Acho que não vai sair da sua roupa – disse fazendo-a me olhar e sorri, solidária, minha roupa não estava muito melhor que a dela, provavelmente iria direto pro lixo.
- Não entendo essa necessidade idiota desses babacas em fazer isso com as pessoas... tanta coisa interessante pra gente fazer no primeiro dia e eles se divertem com o prazer de nos encher de tinta.
- Não liga pra isso. Quanto mais você reluta mais eles pegam no seu pé. Qual seu nome?
- Desculpa. É Flavia e o seu?
- Ana Cecília, mas pode me chamar apenas de Ana ou de Cecilia, como preferir. Você não é de São Paulo né? – perguntei. Ela tinha um sotaque bonitinho, puxava bem o R na hora de falar
- Não. Sou do interior de estado. Presidente Prudente conhece?
- Não.
- Fica próximo do Paraná já. Cidade pequena e quente, muito quente – riu. – Você mora aqui?
- Sim. Minha família sempre foi daqui.
- Que bom. Deve ser bom poder estudar e morar perto de casa.
- Bom isso depende de como você se relaciona com seus pais. No meu caso, eu preferiria estar longe. Mas em compensação sentiria muita falta da minha irmã.
- Eu tenho dois irmãos mais novos. Um de 14 e outro de 9 anos. Mal cheguei aqui e já sinto falta dos meus baixinhos.
- Você está morando onde aqui?
- Por enquanto estou em uma pensão. Mais essa semana vou começar a procurar alguém que precise de uma companheira de quarto ou algo assim. – estávamos conversando numa boa quando chegou brutamontes puxando a Flávia pelo braço.
- Sua vez de rebol*r em cima boneco bixete – disse apontando um boneco desenhado no chão onde as meninas tinham que rebol*r abaixando até chão.
- Tá maluco? Nem a pau que eu faço isso!
- A vai fazer sim – puxou-a com um pouco de força.
- Ei ela disse que não idiota! – gritei aproximando-me.
- Bixete não tem voz aqui – disse me olhando.
- Não é sempre não Gustavo – ouvi uma voz atrás de mim e uma garota de cabelos ruivos passou parando de frente a ele – Isso aqui é pra ser divertido e ninguém é obrigado a nada. Solta ela! – ela era um pouco mais baixa que eu mais sabia bem como marcar presença e se impor.
- Defendendo bicho agora Patita? – zombou, soltando o braço dela. A ruiva a puxou com delicadeza protegendo-a com seu corpo. Flávia veio para o meu lado.
- Você nem deveria estar aqui! O trote esse ano pertence a nossa sala então por favor, vai encher o saco de alguém que te ature. – ele não gostou muito mais saiu dali e quando ela virou-se eu pude ver o rosto dela. Ela era linda demais. A mulher mais linda que já tinha visto em toda minha vida.
- Você ta bem? – perguntou chegando perto de nós.
- Sim. Obrigada!
- Não se preocupe, ninguém vai te obrigar a fazer nada que você não queira beleza? A intenção do trote não é machucar nem constranger ninguém. A gente só quer quebrar o gelo do pessoal do primeiro ano. – sorriu e eu gamei no sorriso dela. – fiquem perto de mim que eu garanto que não vão mexer com vocês.
- Qual seu nome? – Flávia perguntou a ela.
- Hoje você pode me chamar apenas Patita... vem você serão as minhas bixetes. Vamos nos divertir um pouco. – disse dando as costas e nadando em direção roda de gente. Seguimos ela e ficamos ao seu lado o trote todo. Em um dado momento, ela afastou-se alguns metros de nós para conversar com um rapaz, porém, sem nos perder de vista.
- Quer um babador? – Flávia perguntou em meu ouvido tirando-me do meu estado de letargia.
- O que?
- Um babador... pra limpar essa babinha que está escorrendo do canto da sua boca. – passei a mão na boca e ela gargalhou.- Eu tava brincando com você! Ta viajando nela né?
- Ela é linda demais. É perfeita. – suspirei.
- Ruivas não fazem muito meu tipo.
- Seu tipo? Você é...
- Lesbica? – sorriu confirmando – e pelo visto meu gaydar acertou de novo quando te viu de longe.
- Será que eu teria chance com ela? – perguntei mais para mim mesma do que para Flávia.
- Duvido muito. – ela disse cortando minhas asinhas de esperança.
- Por que? – virei meu rosto pra ela.
- Por que ela namora. – franzi a testa. Como ela sabia que a ruiva namorava? – Tem uma aliança enorme no dedo direito dela – apontou e percebi o anel reluzindo quando a luz bateu sobre ele.
- Vem cá bixetes – chamou-nos. Aproximamo-nos e um dos garotos com que ela estava conversando tirou duas fotos nossas. Em uma delas, Patricia estava entre nós duas, e quando a mão dela pousou sobre a minha cintura aproximando nossos corpos senti um calor apossar-se de mim.
- Ótimo. - disse ela - Vamos por todas fotos no mural da festa. Vocês podem pega-la lá no dia.
Meu primeiro dia de aula até que foi divertido e eu passei a noite toda babando por aquela mulher. Depois de passarmos um tempo no semáforo fazendo “pedágio” a turma do segundo ano contou o valor arrecadado e no informou que o valor seria usado pra festa de libertação dos bixos, que seria 15 dias depois. No fim da noite acabei indo embora sem saber o verdadeiro nome daquela deusa ruiva. E eu nem sabia se a veria novamente nos outros dias, ou se só a veria na festa de libertação. Eu queria reencontra-la o mais breve possível.
Abri os olhos devagar. Era como se eu pudesse reviver cada sensação daquele dia. Era só o começo de minha história com Patricía. Levantei e fui até a mala. Abri-a e comecei a esvazia-la, arrumando tudo no guarda roupas. Fiz o mesmo com as outras duas malas que estava na sala. Achei que encontraria minha mãe quando retornasse ali mas ela não estava. Depois de tomar outro banho retornei até a cozinha.
- Cadê ela? – perguntei a Lúcia.
- Está no quarto dela. Vocês duas deveriam se entender. Ela é sua mãe Ana. Ta certo que nem sempre ela foi uma mãe exemplar, mais ela sempre te amou.
- É bondade sua dizer que nem sempre foi assim. Nunca foi assim. Eu a odeio pelo que ela falou.
- Ódio é uma palavra muito forte pra ser dita menina.
- Eu sei Lúcia. E acredite eu não quero sentir isso aqui – coloquei a mão sobre meu coração.
- Dê tempo ao tempo. Você verá que sua mãe mudou muito. Eu não sei o que houve com ela mais de uns temos pra cá, ela realmente mudou. E você e sua irmã?
- Estamos nos acertando – sentei-me na bancada.
- Ainda bem. Júlia ficou muito arrasada quando você se foi. Ela passou dias trancafiada naquele quarto. Eu só tinha visto ela daquele jeito quando a menina Larissa morreu.
- Você se lembra dela Lúcia? Da Larissa?
- Sim. Era um doce de menina. Sua irmã e ela viviam juntas trancadas no quarto dela. Eu sabia que entre elas existia muito mais que amizade. Você sabe... essas coisas ai de vocês... – disse envergonhada e eu sorri com o jeito encabulado dela - Era quase palpável os olhares que Júlia dava a ela quando estavam aqui.
- Júlia me contou sobre ela. Eu não me lembro de tê-la conhecido.
- Você teria gostado dela. – Lúcia disse. Ela ia falar algo quando ouvimos uma voz na sala.
- Amor! – chamou. Lúcia me olhou e sorriu me encorajando a ir até lá. Me levantei e segui. Assim que entrei na sala ele estava de costas.
- Oi pai! – chamei. Ele virou-se assustado.
- Filha! – abriu um sorriso e os braços. Corri e abracei-o.
- Estava com saudades de você – disse sentindo o corpo dele apertar ainda mais o abraço.
- Eu também filha! – afastou-se me olhando. – Você está linda!
- Obrigada pai.
- Sua mãe e sua irmã já sabem que chegou? Onde elas estão?
- Ela já sabe – sentei no sofá e ele acompanhou-me. – Júlia descobriu ontem e Helena agora pouco.
- Já brigaram? – referiu-se a minha mãe.
- Não. Ela até tentou falar comigo mais eu não quero nada que venha dela.
- Filha – tocou meu rosto – você precisa dar outra chance a ela. Assim como deu a mim.
- Vamos devagar pai. No momento o que eu quero mesmo é conseguir acertar as coisas com a Júlia. O resto eu vou vendo com o tempo. – ouvimos barulho de chave na porta e vimos Júlia entrar na sala. Ela sorriu ao me ver.
- Oi Aninha. Que bom te ver aqui.
- Oi Jú.
- Resolvi aceitar o convite pro almoço pai – ela disse sorrindo.
- Que bom filha. Alias é maravilhoso ter minhas duas meninas aqui. – Júlia sentou-se ao nosso lado e começamos a conversar até que Lúcia nos interrompeu.
- O almoço está pronto para ser servido seu Roberto!
- Ótimo. Vou chamar a mãe de vocês para comermos. – levantou-se e saiu deixando apenas Júlia e eu na sala.
- Que bom quer decidiu vir pra casa Ana!
- É só temporário! Em uma semana no máximo quero ir para o meu apartamento.
- É claro. Se quiser posso te levar ate ele mais tarde! Assim você pode começar a planeja-lo.
- Eu adoraria. – respondi e logo em seguida meu pai adentrou a sala com Helena ao seu lado.
- Vamos almoçar? – ele disse.
- Claro – levantei seguindo em direção a mesa e Júlia veio em meu encalço – estou morrendo de saudades da comida da Lúcia.
- Espero que a comida da Lúcia não seja a única coisa que você tenha sentido falta mocinha!
- Claro que não pai! Também senti falta de você. E de você também Jú. – Helena me olhou esperando que eu dissesse algo mas eu apenas desviei meus olhos dela e sentei-me.
Era estranho e ao mesmo tempo agradável estar ali, sentada à mesa com minha família, como fazíamos sempre. Minha mãe permaneceu em silencio o tempo todo. Vira e mexe eu a pegava me olhando. Um olhar que eu não compreendia. Parecia uma mistura entre irritação e saudades.
- Como está a Patricia, Júlia? – meu pai perguntou e um silencio instaurou-se ali. Percebi minha irmã suspirar baixo.
- Ela está bem pai – olhou-me.
- E a pequena?
- Está bem também. Está cada dia mais esperta!
- Você precisa traze-la aqui. Sua irmã vai adorar conhece-la.
- Eu já a conheci pai. Ela é uma graça mesmo!
- Você precisa ver o gênio que ela tem. Parece até você quando era da idade dela – riu comentando, sem se dar conta do quanto aquele assunto mexia internamente comigo.
- Eu a trarei pai – Júlia disse encerrando o assunto. Terminou seu almoço rapidamente. – Eu preciso voltar pra empresa. – disse olhando as horas em seu relógio de pulso.
- Eu vou com você filha.
- Otimo. Assim deixo meu carro aqui já que levarei a Ana pra ver o apartamento dela mais tarde e volto com você.
A comida estava deliciosa. Nada como o tempero da comida brasileira. Senti muita falta disso no tempo em que morei fora. Júlia e meu pai se despediram de mim logo após o almoço e eu combinei que a esperaria após o expediente para jantarmos e em seguida ir até o meu novo apê.
Fim do capítulo
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