Se tem uma coisa bem desagradável em São Paulo é dirigir na hora do rush. O transito fica horrível, filas e filas de congestionamento, acidentes, tudo trava. Quando consegui chegar na casa da minha mãe para buscar a Valentina já ia  dar 20:00h.

            - Boa noite – disse assim que entrei na sala encontrando minha mãe sentada ao lado da pequena.

            - Tia Júlia que bom que chegou! – correu pulando em meus braços.

            - Oi princesinha – peguei-a. Conforme crescia, Valentina estava cada dia mais pesada. – Vamos pra casa? Sua mãe esta te esperando e já tá passou da hora do seu jantar. - Não delonguei minha permanência lá pois sabia que ainda teria outro caminho a percorrer até a casa de Patricia. Peguei as coisinhas dela e em 30 minutos já estava estacionando em frente ao prédio. Assim que abri a porta da sala Valentina entrou correndo atrás de Paty.

            - Mamãe! – gritou. – eu cheguei! – sorri vendo os passinhos apressados dela pela sala. Fechei a porta a minhas costas e entrei. Patrícia saiu do quarto e seguiu até nós encontrando-a pelo caminho.

            - Que saudades de você meu amor! – disse pegando-a no colo e abraçando apertado.

            - Também senti saudade.

            - Júlia? – gritou.

            - Tô na sala amor. – ela entrou segundos depois com a pequena ainda no colo. – Ela ta grande né? – comentei ao ver seu esforço.

            - Cada dia mais – aproximou-se me dando um selinho. – Já jantou?

            - Ainda não.

            - Ótimo assim você janta com a gente. Fiz estrogonofe de frango.

            - Ebaaa eu adoro estonofe – disse Valentina fazendo-nos rir.

            - Não é estonofe filha, é estrogonofe – Paty corrigiu colocando-a sentada na pequena cadeira de jantar dela. Sentei-me à mesa de jantar enquanto ela ajeitava tudo. Ela fez um prato para mim e colocou a minha frente. Em seguida, colocou a comida da pequena no pratinho e sentou-se ao lado dela.

            - Eu quero suco mamãe. Tem suco vermelhinho?

            - Eu vou pegar pra você, vai comendo. – disse levantando-se e indo até a geladeira.

            - Como foi o seu dia meu anjinho? – perguntou abrindo a porta do móvel.

            - Foi legal. Eu brinquei muito hoje. E de manhã eu também conheci a tia Ana. Ela é irmã da tia Júlia né tia Júlia?

            Ouvi um barulho alto e assim que olhei para Patrícia vi a jarra  de suco estilhaçada no chão.  Aquela não era bem a forma que eu pretendia contar a ela que Ana tinha voltado, mas agora não tinha mais volta né. Levantei-me preocupada com ela. Ela estava pálida, estática pela noticia que recebera.

            - Droga! – resmungou olhando a sujeira no chão.

            - Deixa que eu limpo isso amor – disse. – Você pode acabar se cortando aqui. – afastei-a e fui até a área de serviço pegando a pá e a vassoura, além de um pano.

            - Agora não tem mais suquinho? – Valentina disse inocentemente.

            - A mamãe faz outro pra você meu anjo – disse dando a volta até a fruteira. Juntei os cacos colocando-os dentro de um saco plástico e passei o pano sobre o suco. O silencio na cozinha era assustador. Era perceptível que ela havia ficado abalada com aquilo. Assim que terminei sentei-me novamente na cadeira e voltei a comer, enquanto ela batia um novo suco pra Vavá. Ela colocou um pouco no copo e sentou-se de frente pra mim, olhando-me inquisidora.

            - Ana Cecília voltou? - seu timbre de voz estava baixo.

            - Sim. Ela me procurou hoje de manhã, na empresa.

            - Ela disse que seu querer ela é minha tia Ana mamãe!

            -É mesmo! Que bom filha! – sorriu para a pequena.

            - Vocês conversaram? – voltou seus olhos para mim.

            - Sim.

            - Aquela hora que eu te liguei de manhã você já estava com ela? – Balancei a cabeça confirmando. – por isso você estava estranha.

            - Eu não queria te contar assim por telefone. Na verdade nem era desse jeito também – ri – mais tenho que admitir que a Valentina me quebrou um galhão. Eu nem sabia por onde começar.

            - Podia ter começado pelo começo Júlia – disse e senti chateação em sua voz. – Você tinha medo de que afinal? Que eu iria sair correndo e me jogar...

            - Paty! – chamei sua atenção. - Não é a hora nem o local apropriado pra falarmos disso, ainda mais na presença da Vavá. – ela suspirou acalmando-se.

            - Desculpa! Dorme aqui hoje?

            - Se prometer que não vamos discutir por causa disso...

            - Eu prometo! – abriu um sorriso.

            - Tudo bem então.

            - Você vai  me por pra dormir tia Júlia?

            - Vou sim meu amor! – disse passando a mão por sua cabeça – agora termina seu suco que depois eu vou te dar banho e contar uma estorinha pra você dormir, porque amanhã a senhorita tem aula. 

            - Deixa que eu dou banho nela Jú... ela vai molhar toda sua roupa!

            - Não tem problema. A gente vai mergulhar no fantástico mundo das águas né princesinha?

            - Minha mãe não consegue ver o mundo das águas tia Júlia.

            - É por que o mundo das águas é um lugar só meu e seu! – apertei suas bochechinhas rosadas – só a gente sabe a entrada secreta!

            - Viu mãe... você não pode saber a entrada secreta.

            - Já to até imaginando o estrago que o meu lindo banheirinho vai ficar com vocês duas hoje – Paty suspirou e balançou a cabeça.           

            - Eu arrumo tudo depois amor – respondi segurando sua mão do outro lado da mesa. Terminei de jantar e subi com Valentina pro banheiro. Fazíamos uma bagunça tremenda nessa hora e eu sempre saia encharcada de lá, então retirei o blazer e a camisa social que eu usava, ficando apenas com um leve regatinha branca e usei um shortinho da Paty.  Enquanto a banheira enchia, fui até o quarto dela e peguei vários bichinhos, peixes, tubarões, baleias e até umas fadinhas que podiam ser molhados. Joguei tudo dentro da agua e tirei a roupa da pequena colocando-a dentro da banheira e me sentando em frente a ela.

            - Pronta pra mergulhar?

            - Sim.

            - No três. Um... dois... e já – disse e a pequena mergulhou a cabecinha debaixo d´agua e veio em minha direção. Segurei em seu peito e levantei-a acima de minha cabeça, espalhando agua por todo o chão. Ela gargalhou.

            - Peguei um peixinho! – disse.

            - Eu sou uma sereia tia Júlia.

            - Ah desculpa. Eu não vi a sua cauda – ri. – você parece mesmo a Ariel!

            - Quem é ela tia?

            - Ariel é uma princesa sereia. Ela tem os cabelos vermelhinhos iguais aos seus. Vou comprar o filme pra gente assistir ta bom!

            - Tá. – aproveitei e ensaboei o corpinho dela e enxaguei-a. Ainda ficamos um tempo ali brincando, Valentina gostava de ficar na agua até que as mãozinhas dela começassem a enrugar. Sai da banheira primeiro e com a  toalha retirei Valentina. Enxuguei-lhe e coloquei o pijama que Paty havia deixado sobre a pia.

            - Vamos escovar os dentes? – ela balançou a cabeça e em pouco tempo já estava pronta.

            - Me espera la no quarto que eu já vou colocar você na cama – beijei sua testa e ela correu pelo corredor. Dei uma arrumada na bagunça e tomei um banho rápido. me enrolei na toalha e fui até o quarto da Paty. Ela estava deitada na cama lendo.

            - Ainda tem roupa minha aqui?

            - Tem sim linda. Acho que na primeira gaveta. – fui até lá pegando uma calcinha e uma camisola.

            - Fiu Fiu – ela assoviou ao me ver nua. Sorri olhando-a.

            - Vou colocar ela pra dormir e já volto – disse me aproximando e dando-lhe um selinho.

            - Te espero aqui.

            Entrei no quarto e a Valentina já me esperava deitada na cama. Cobri seu corpinho com o cobertor e prendi-o debaixo da cama. Fui até a estante e peguei um livro. Apaguei a luz deixando apenas o abajur aceso. Não demorou muito para ela começar a piscar os olhinhos e bocejar. Minutos depois ela já dormia tranquilamente. Afastei o cabelinho dela de seus olhos e sai do quarto devagar encostando a porta. Assim que cheguei na porta do quarto de Patrícia, segurei a maçaneta e respirei fundo. Não teria como fugir daquela conversa. Abri a porta devagar. Ela olhou-me, fechou o livro colocando na cabeceira da cama e retirou seus óculos colocando sobre o livro.

            - Podemos conversar agora – disse séria. Fui até a cama e me sentei em frente a ela.

            - Por que não me contou que estava com sua irmã de manhã?

            - Desculpa. Eu só não achei que seria uma boa hora. Eu precisava conversar com ela antes. Você sabe como as coisas entre nós ficaram complicadas depois de tudo. E eu fui pega de surpresa quando ela chegou na empresa hoje de manhã. Ela chegou ontem à noite na cidade. Eu ainda nem consegui saber o que ela fez da vida dela esse tempo.

            - O que vocês conversaram então?

            - Eu contei a ela minha história com a Lari.

            - Só isso? Não falaram mais nada. – demonstrou interesse e por um segundo pensei se era apenas curiosidade ou se tinha algo a mais escondido em suas palavras.

            - Não falamos sobre você Paty, nem sobre nós. É o que quer saber?

            - Não, é claro que não – encostou-se na cama.

            - Foi basicamente isso, eu descobri que a gargantilha da Lari estava com ela esse tempo todo, depois eu a levei no cemitério, nós almoçamos juntas e passamos a tarde conversando no Vila Lobos.

             - Como ela achou a gargantilha?

            - Eu deixava ela guardada dentro da minha caixinha de música e ela despedaçou a caixinha na parede.

            - É tão estranho imaginar a Cecília com tanta raiva assim – seus olhos tinham um brilho diferente.

            -  Ela tinha seus motivos – suspirei. – Se não eu não tivesse te beijado aquele dia vocês estariam juntas agora. Estou errada?

            - Talvez sim, talvez não! Eu não posso dizer o que teria acontecido. E nem você Jú. Eu só posso dizer o que aconteceu, e o que houve foi que ela tomou uma decisão assim como eu, e ambas arcamos com as consequências dela.  – levantou-se da cama. Estava começando a alterar-se - Foi ela quem me traiu primeiro e sei que isso não é desculpa para eu traí-la também e muito menos engravidar do João mais aconteceu, reconheço meu erro, agi movida  pela raiva e sei que isso não me torna melhor que ela, só nos torna iguais, capazes de errar. Eu tentei consertar e foi ela quem disse que não podia me perdoar, que não poderia nunca aceitar minha gravidez, aceitar a minha filha.

            - Ela só estava sendo orgulhosa e você sabe disso – falei tentando transparecer calma.

            - Isso não importa mais – disse em pé em frente a janela do quarto - Sei que ela é sua irmã e torço muito para que vocês se entendam – virou-se pra mim – sei o quanto você a ama. Só não quero que essa volta dela nos traga desavenças. – Levantei-me e fui até ela abraçando-a.

            - Não trará – apertei-a forte – Vamos saber lidar com isso ta bom? – segurei seu rosto para que ela me olhasse - Vamos deitar? Amanhã preciso chegar cedo na empresa. Com tudo isso eu tive que cancelar a reunião com os fornecedores e agora terei que remarcar tudo. – segurei sua mão e seguimos até a cama. Deitei-me e ela aconchegou-se sobre mim. Fiquei um tempo acariciando suas costas de leve, arrepiando os pelinhos do seu braço. Em minha mente um milhão de coisas se passavam, o que ela pensava, o que sentiu ao saber da volta da Ana, se seriamos mesmo capazes de administrar toda essa situação sem que ninguém saísse mais machucado ainda.

            - Me responde uma coisa? – perguntou-me.

            - Claro linda!

            - Sua irmã passou muito tempo com a Vavá?

            - Não muito... quando eu cheguei na empresa ela estava dentro da minha sala e a Vavá correu pra lá enquanto eu conversava com a Cintia. Conheço minha irmã e sei que no fundo... nossa princesinha acabou mexendo muito com as emoções dela. Quando eu estava levando ela pra ficar com a Cintia ela me perguntou se poderia abraçar a Ana. Minha irmã ficou surpresa.

            - Ela abraçou a Vavá?

            - Sim... foi um abraço muito carinhoso. Confesso que fiquei com um pouco de ciúmes de vê-las assim, mas também fiquei muito feliz. Eu sei que as palavras dela te magoaram, mas Ana nunca seria capaz de rejeitar a Valentina, ninguém nesse mundo seria.

            - Ela está bem? – perguntou hesitante.

            - Acho que sim. Está um pouco mudada, ganhou mais corpo, está se vestindo mais socialmente, os cabelos estão mais compridos. O mesmo jeito doce e sincero sabe, e pareceu mais madura também, mais centrada. Eu não sei o que fez ela mudar de opinião e voltar mas sou muito grata por isso.

            - Fico feliz por você linda!

            - Mas uma coisa parece a mesma, aquele jeito conquistador dela. Deixou a Cintia toda boba ao flertar com ela. – eu sabia que não deveria dizer aquilo mais precisava saber qual seria a reação dela. Se aquilo a deixaria incomodada ou não, entretanto, ela não esboçou reação nenhuma, permaneceu quieta por um bom tempo, e seu silencio me incomodou profundamente.

            - Vamos dormir – disse finalmente me dando um beijo e virando-se de lado. Abracei-a de conchinha até que adormecemos. No dia seguinte acordei muito cedo, bem antes dela. Me arrumei e deixei um bilhete ao lado cama e de lá segui em direção ao meu apartamento para trocar de roupa e trabalhar. 

Fim do capítulo