Capítulo 6 - Johnny Cash
Anoiteceu em um piscar de olhos e eles pareciam ficar mais agitados no período noturno. Azizah seguiu Caroline pela casa escura. Pararam em frente àquele quarto cuja porta estava fechada, a mais velha a abriu com uma vela em suas mãos e adentrou. A outra entrou logo atrás, trazendo mais iluminação consigo.
O que avistou a deixou sem palavras. Era um escritório. Havia um computador empoeirado em cima da mesa, estantes com mais livros, quadros na parede, duas poltronas vermelhas e muitas armas, por todos os lados.
- Sirva-se. – Caroline brincou com os olhos brilhando. Ela parecia sentir um prazer quase lascivo com aquilo. Pegou um rifle em suas mãos, conferiu a munição e apontou a mira para um porta-retratos, novamente sem foto, na parede. Em seguida abaixou a arma e buscou o olhar da outra, sorrindo meio de lado.
Aquele sorriso.
A conversa anterior tinha morrido naquela última frase e a sede dentro de Azizah aumentava em um ritmo que ela não tinha controle. Aquele envolvimento, afeto e afeição desproporcional por Carol, uma estranha - que já não era tão estranha assim – era a coisa mais louca que já tinha vivido, podendo se equiparar àquele apocalipse que estavam enfrentando. Buscou dentro de si mesma a explicação do que estava acontecendo, era um desejo desenfreado, sem começo, nem meio, nem fim, por mais clichê que pudesse parecer.
Ela nunca tinha sido uma mulher de clichês, até então.
- Isso também é obra do... Marco? – Perguntou insegura, sentindo-se estranha ao pronunciar aquele nome pela primeira vez. E percebeu que a sensação não foi só dela.
- Não, é minha... Eu limpei a delegacia da cidade.
Pegou uma pistola em suas mãos, carregou-a habilidosamente e a estendeu para Azizah. Ela a segurou e logo reconheceu. Seus olhos se arregalaram. Um frio percorreu seu corpo inteiro. Puta que o pariu. Era a que estava usando dias atrás. Tudo a sua volta começou a rodar no mesmo momento. Aquela arma que tinha matado Carlos. Então olhou para o mesmo local de onde Caroline tinha tirado a pistola e lá estava o rifle, ainda sujo de sangue. Sangue que ela tinha derramado.
Foi levada novamente àquela casa. Viu a cabeça do padrasto se desfazendo em sua frente, aquela carne mole sendo estraçalhada. Sua feição desfigurada, irreconhecível, esparramada no assoalho da casa. Os tiros. Ininterruptos. De repente, tudo ficou escuro. E aquele chiado no ouvido a raptando do mundo real.
- A., você está bem?
As cores começaram a voltar. Aquela voz. Sentiu um toque em seu ombro. Desviou o olhar do rifle, balançando a cabeça, tentando afastar as lembranças. Levou a mão à testa que latej*v*.
- Sim... Quer dizer... Não...
- Vem, senta aqui. – Caroline tirou uma mochila de uma das poltronas vermelhas, abrindo espaço. Azizah sentou-se. – Vou te trazer um copo d’água.
Caroline desapareceu do escritório. Azizah ainda segurava sua cabeça, as lágrimas querendo voltar, mas ela não podia. Ela não ia se entregar a esse sentimento. A cabeça parecia que ia explodir. Precisava focar em outra coisa. Deu outra olhada no ambiente e reparou em um violão encostado no canto. Lembrou-se imediatamente do pai e aquela música que ele gostava começou a passar por sua cabeça, como um mantra.
Foi se acalmando aos poucos, a cor foi voltando ao seu rosto. Caroline tinha retornado, entregou um copo a outra que bebeu o liquido lentamente.
- Você toca? – Carol perguntou, percebendo o olhar fixo da mais nova no instrumento.
- Não... mas meu pai costumava. Estava justamente me lembrando da música que ele mais gostava.
- Qual?
- Uma do Johnny Cash, alguma coisa sunshine.
A outra sorriu melancólica.
- You’re my sunshine, my only sunshine… - Cantarolou em sussurros. Azizah achou um perigo aquela voz rouca.
- Essa mesmo. – Limitou-se a dizer.
- Eu costumava tocar violão. Antes de tudo. É difícil estar em um mundo sem música. É uma das coisas que mais sinto falta...
A outra desviou o olhar tentando esfriar o calor que lhe preenchia. Olhou em volta novamente.
- Por que você tirou todas as fotos da sua casa?
- Porque precisava seguir em frente... – Carol sentou-se na outra poltrona vermelha. Apoiou os cotovelos nos joelhos, inclinando-se em direção a outra. – Olha Azizah, eu andei pensando. Eu posso fazer isso sozinha. Eu não sei se você está em condições de ir comigo amanhã.
Azizah assustou-se.
- Não, claro que não! Eu vou com você. Eu jamais ia te deixar ir sozinha. Você ta louca?
- Eu não sei se é uma boa ideia. Você não pode apagar desse jeito igual agora... ia colocar nós duas em risco.
- Isso não vai acontecer. Eu só... vi essa arma e o sangue no rifle... do Carlos… e meio que... sei lá... não sei o que aconteceu.
- Desculpa. – Ela se levantou imediatamente ao ouvir a explicação, dando-se conta. - Devolvi, pois pensei que gostasse de usar a mesma... - Tentou tirar a arma das mãos de Azizah, mas esta a segurou, não deixando que Caroline se afastasse. Permaneceram naquele impasse, olhando-se. Azizah se levantou, ficando na mesma altura que os olhos da outra, ambas segurando a arma. As peles se encontrando. Os olhares grudados.
- Eu vou com você. E eu vou ficar bem. – Abaixou a cabeça. - Eu preciso... te proteger.
Carol achou graça da colocação, dando um riso ácido.
- Eu não preciso de proteção. Você quem precisa ser protegida.
Azizah viu-se em um misto de vergonha e irritação. A outra estava certa, porém...
- Você ainda vai precisar de mim. – Rebateu, no mesmo tom duro - Daqui a pouco não vai poder mais sair por ai igual está fazendo agora, se expondo desse jeito.
- Claro que vou. Nada vai me impedir. Nem ninguém.
Azizah largou a arma e como num alerta, deixou com que os dedos deslizassem suavemente pela barriga da outra, que estremeceu.
- Tem certeza?
Carol se afastou do contato, dando um passo para trás. Azizah continuou falando:
- Eu só tive um pequeno lapso. Eu já estou bem. Eu preciso seguir em frente, como você mesma fez. Não posso me deixar abater por qualquer coisa. E não vou te deixar ir sozinha amanhã. – Fez uma pausa, analisando. - Precisamos pensar em alguma coisa. Você pretende ficar aqui pra sempre? Vai deixar essa criança crescer aqui?
- Eu não sei, Azizah. Eu não sei. – Ela levou as mãos à cabeça, preocupada, andando de um lado para o outro. - Só vamos recapitular nosso plano de amanhã, eu não quero pensar nisso agora. Depois nós vemos o que vamos fazer.
E assim o fizeram.
****
- Acho melhor irmos dormir. – Carol disse, levantando-se da poltrona vermelha e se espreguiçando. Tinham comido ali mesmo e repassado todos os passos do dia seguinte, ou quem sabe do mesmo dia? – Já deve ser mais que meia-noite.
Levaram os pratos até a cozinha e Carol acompanhou Azizah até o quarto. As mochilas estavam arrumadas e as armas que levariam também separadas. Era apenas acordar e ir. Parecia até a véspera para uma excursão. Só que com armas e zumbis.
- Bom, você sabe aonde tem cobertores se sentir frio. - Demorou algum tempo em silêncio, como se também não quisesse se afastar – Você está melhor? - Azizah concordou com um aceno de cabeça. - Boa noite, então... - Ela ia se retirar do quarto, mas a outra pediu em um impulso.
- Dorme comigo.
- O que? - Engoliu seco.
- Não faz sentido você dormir na sala, a cama é sua.
- Eu não sei se... – Ela fez outra pausa, meditativa, nervosa, não esperava por aquilo. Colocou as mãos nos bolsos da calça, sem jeito. – Você ta com medo?
- Não, eu só...
Não conseguiu terminar a frase. Não queria que Carol pensasse que ela fosse fraca, por mais que se sentisse como tal e por mais que aparentasse ser, principalmente por ter quase desmaiado poucas horas atrás. Abaixou o rosto, já o sentindo corar. Devia ter mantido a boca fechada. Eu sou uma idiota.
- O que houve?
- Não é nada. - Disse por fim. Só que na verdade era tudo. – Boa noite.
Eram muitos sentimentos explodindo dentro dela.
Ficou aquele silêncio constrangedor no ambiente. Azizah resignada caminhou até a cama, sentindo-se seguida pelo olhar da outra, que permaneceu no mesmo lugar. Tirou seu jeans lentamente, ficando apenas de calcinha e com uma camiseta cinza e curta. Enfiou-se debaixo dos edredons e então percebeu Carol caminhando para o outro lado da cama. Era real? Apagou a vela que iluminava o ambiente e Azizah pode ouvir o barulho torturante de roupas sendo despidas. Sentiu o corpo quente da outra se enfiar de baixo das cobertas. E então se sentiu em paz. Só que não.
E agora, como ia conseguir fechar os olhos?
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Dainah
Em: 11/03/2016
Azizah precisa sair dessa. … compreensível seus traumas, por tudo que ela passou recentemente e em seu passado. Mas como ela mesma deixou claro, Carol não vai poder fazer tudo que tem feito por muito mais tempo.
Mais um ótimo capítulo, parabéns!
Até o próximo.
Resposta do autor em 13/03/2016:
Oi Dainah! A Azizah vai amadurecer muito ainda no decorrer dos capítulos, a partir do próximo principalmente quando saírem da casa. Vem coisa boa por ai! Muito obrigada por estar acompanhando! Bjs
[Faça o login para poder comentar]
Ana Carolina 02
Em: 11/03/2016
Oie , eita que esse povo não se beija logo , ai que ansiedade ... Autora , o beijo das duas esta próximo ? Quando você vai postar novamente ? Demorou ...🙄 tomara que dê tudo certo , mas sempre alguma coisa da errado .... Beijos até ! 😚
Resposta do autor em 13/03/2016:
No próximo capítulo finalmente vai rolar o beijo! Vou postar daqui a pouco a continuação ;) Muito obrigada por estar acompanhando! Bjs
[Faça o login para poder comentar]
lis
Em: 10/03/2016
Boa noite Thays, tudo bem? Cada capitulo fica melhor a sua história elas já estão se apaixonando e tentando seguir em frente pelo jeito a Azizah ainda tem muitos traumas para superar e acho que a Caroline vai ser muito importante para ajuda-lá nisso quer dizer ambas vão se ajudar né, parabéns.
Resposta do autor em 13/03/2016:
Exatamente, Lis. As duas vão precisa rmuito uma da outra ainda! A Azizah a partir de agora vai precisar ser cada vez mais forte. Obrigada por estar acompanhando! Bjs
[Faça o login para poder comentar]
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
thays_ Em: 11/04/2023 Autora da história
Não mesmo!!