Capítulo 3 - Enclausuramento
- VOCÊ NÃO ESCUTOU? - Carol gritou. Levantou-se do chão rapidamente. - Eu falei que não era pra usar a merd* da arma!
- Eles estavam indo pra cima de você!
- Foda-se, eu ia conseguir sozinha, você não tinha nada que sair do carro, eu mandei você ficar lá dentro! - Ela urrava de ódio. Levou as mãos à cabeça, num gesto desesperado, andando de um lado para o outro. – Você podia ter feito qualquer coisa, menos atirado!
- Eles iam te matar!
- Eu ia conseguir! Estive sozinha até agora! Eu sei me cuidar muito bem, nunca precisei de ninguém. - Caminhou até a ranger, dando as costas para a outra. Tirou o molho de chaves do bolso e abriu o portão da garagem.
Azizah ficou paralisada no meio da rua perante a cólera de Caroline. Olhou em volta, com medo, mas a vizinhança ainda permanecia em silêncio. Seu coração batia rápido, como se um bando fosse aparecer a qualquer segundo. Ela não sabia o que pensar, nem o que falar pra amenizar a situação. Acompanhou com o olhar Carol guardar o carro de ré rapidamente, com maestria. Podia sentir seu aborrecimento pela maneira que engatava as marchas.
Ela queria fugir da culpa, sentimento sempre presente em sua vida, mas parecia impossível. Como se buscasse por isso o tempo inteiro. E agora colocava em risco a vida de outra pessoa – e de um ser em formação que nem tinha vindo ao mundo.
- Você vem ou não? - Carol tinha uma corrente grossa em suas mãos. Azizah entrou pelo portão.
- Me desculpa, Carol… eu fiquei com medo…
Observou-a transpor as barras de ferro e em seguida fechar um cadeado dourado. Seguiu-a em silêncio pela garagem, ainda tentando pedir desculpas, até a porta de entrada de madeira maciça, que também tinha grades por fora, tal como as janelas.
Aparentemente estavam seguras.
- Aqui devia ser um bairro perigoso. - Tentou puxar assunto, já que Carol não lhe respondia. Parecia muito, mas muito irritada. E Azizah não lhe tirava a razão, tudo o que demorou a construir agora estava por um fio por uma atitude impensada.
- Meu marido que instalou posteriormente.
Marido?
- E onde ele está?
Carol permaneceu em silêncio, ignorando sua pergunta. Será que ele havia morrido? Se transformado em um deles? Entraram em uma sala com um tapete cinza e felpudo no meio, dois sofás também cinzas e uma poltrona combinando. Viu um hack com uma televisão de tela plana, inúmeros DVD’s e livros espalhados pelo local. Percebeu que todos os porta-retratos estavam quebrados e sem fotos, exceto por um, no centro da mesa abaixo da janela. Era uma foto de Caroline, com o cabelo bonito e armado, preso por uma faixa vermelha. Ela sorria. Linda.
Azizah acompanhou a mulher a fechar as cortinas, que na verdade eram cobertores, tapando completamente a visão e a entrada e saída de claridade.
- Você deve querer tomar um banho, trocar de roupas, nós temos energia elétrica, só não demore muito tempo. Eu preciso descarregar os mantimentos do carro, antes que eles apareçam. O banheiro fica no final do corredor.
- Deixe-me te ajudar a descarregar.
- Eu já disse que não preciso da sua ajuda.
- Você está grávida.
- Estar grávida não me torna incapaz de nada. Como já te disse, sobrevivi sozinha até agora sem a ajuda de ninguém.
- Mas eu estou aqui agora.
- E veja só o que já causou… - Carol sussurrou, sem encará-la.
- Desculpa! Eu sinto muito! Eu se que fiz merd*, uma merd* enorme por sinal, mas eu só queria te ajudar! Eu fiquei desesperada, com medo dele te matar… Eu... Não sabia o que fazer… Se ele te matasse… Eu ia ficar sozinha de novo… Eu não ia aguentar… Eu mal te conheci e já ia te perder… – E travou o choro em sua garganta, aquela dor dilacerante que tanto conhecia.
- Agora já foi, Azizah, não tem mais nada que possa ser feito pra reparar. - Ela deu de ombros. - Preciso descarregar a pick-up, você precisa de um banho. Já te levo roupas limpas.
E saiu pela porta, enfurecida.
Azizah caminhou cabisbaixa até o banheiro segurando sua regata suja de sangue nas mãos. Avistou três portas pelo corredor, uma delas dava origem à cozinha, na qual viu empilhadas várias caixas de papelão, como as que tinham na ranger. Ela era toda branca, revestida de azulejos e gesso. Passou rapidamente o olhar pelo quarto, no qual havia uma cama de casal, com a roupa de cama arrumada, detalhada com violetas e rosas. Uma das portas estava fechada, mas não se atentou a entrar. Foi direto para o banheiro. Azulejos brancos, limpos, a casa cheirava a limpeza como um todo. Ela não devia ter muita coisa a fazer por ali, de qualquer forma. Pensou.
Olhou sua imagem refletida no espelho do armário em cima da pia. Ela não se lembrava de si mesma naquele estado deplorável. Sentiu vergonha de seus pensamentos a respeito da nova amiga – que por sinal, já a odiava. Aquele olhar que sentiu de Carol, devia ter sido de pena e não qualquer outro tipo de interesse. Depois dessa merd* que eu fiz então… Jogou a regata com força contra a parede e sentiu uma fisgada no machucado. Puta que o pariu. Levou as mãos à cabeça. Bosta. Eu sou uma idiota. Por que fui atirar?
No fundo, não sabia ao certo sobre qual dos dois tiros estava se referindo.
Tirou o sutiã com dificuldade e olhou-se de costas no espelho. O corte era longo e profundo. Terminou de arrancar suas roupas e abriu o chuveiro. Mal podia acreditar que tomaria um banho quente. Desde o Dia, isso tinha ficado para trás, eram somente banhos frios e ainda quando encontrava algum lugar. Tinha vivido como nômade até então, apenas sobrevivendo, dia após dia.
Deixou a água cair sobre sua cabeça, sentindo aquela sensação deliciosa de acolhimento, como se água pudesse lhe proporcionar o calor físico e emocional que necessitava. Lavou os longos cabelos e o corpo encardido e deixou a água cair abundantemente em sua ferida. A pele ardia, via o sangue escorrer pelo ralo. Fechou os olhos, como se estivesse sendo abraçada e então permitiu que as lágrimas viessem à tona.
Seu corpo escorregou até o chão, lentamente, abraçou suas pernas em posição fetal. Sempre foi sozinha, mas agora era diferente. Sua mãe havia morrido. Seu único laço de sangue na Terra. Por pior que ela tivesse sido em vida, era sua mãe e se importava com ela. A morte de seu pai a tinha abalado completamente, nunca mais tinha sido a mesma pessoa. Sabia que não podia culpá-la por sua negligência, não agora, mas já o fez durante anos, principalmente por ter se envolvido com Carlos. Até suas últimas lembranças, sabia que Célia vivia à base de tarjas pretas, fortíssimos e com vários efeitos colaterais.
Por mais que fosse pequena, lembrava-se de quanto os dois tinham sido felizes juntos. Yesher e Célia. Não acreditava em céu, mas naquele momento quis acreditar e desejou do fundo de seu coração que sua mãe encontrasse o pai em outro plano. Tinha certeza que ele iria gostar de Ricardo.
Pensou em seu irmão, não o viu crescer, nunca o veria se transformar em um homem. Sua única lembrança era de um garotinho doce de quatro anos. Célia engravidou de Carlos quando Azizah tinha doze, sete anos depois da morte do marido. Ela nem pode se despedir de Ricardo.
As lágrimas não sanavam a dor.
Ela tinha metido uma faca na cabeça do meio-irmão-zumbi, matado seu padrasto com vários tiros na cabeça. Tinha ceifado uma vida. Ainda não acreditava que tudo aquilo tinha acontecido naquele dia. E agora também tinha envolvido Caroline. A garota a tinha salvado, tinha arriscado sua vida, e em troca Azizah traiu sua confiança e atraiu um bando de zumbis para as redondezas que até então, estavam teoricamente seguras.
Sentia-se como se um rolo compressor tivesse passado por cima de seu corpo, como se tivesse sido moída por uma máquina de carne.
Despedaçada.
Retalhada.
A água parou de cair. Só faltava essa, acabar com a água da casa. Não tinha percebido a aproximação, quando levantou os olhos viu Caroline estava parada com uma toalha em suas mãos. Não trazia mais aquele olhar de ódio, pelo contrário, tinha um olhar terno, desarmado. Ela tinha fechado o chuveiro.
- Vem.
Viu aquela mão estendida em direção a ela. Pela terceira vez a viu sendo estendida naquele dia, a salvando. Ela aceitou e foi puxada para cima, exibindo sua nudez. Caroline não desviou o olhar do dela. Esses olhos castanhos. Sentiu uma toalha transpassar seu corpo e aqueles braços fortes a envolveram.
Azizah se encolheu em meio àquele encontro confortável e convidativo, correndo suas mãos em suas costas. Chorou ainda mais. Um choro cru e desiludido, sem esperanças de um futuro melhor. Sentia como se nunca mais pudesse ser feliz novamente.
- Você devia ter me deixado lá... - Disse soluçando. - Devia ter me deixado morrer... Ia ser melhor pra todo mundo...
- Não, jamais. Nunca diga isso. – Segurava a cabeça de Azizah junto ao seu ombro, que já estava mais que encharcado.
- Desculpa por ter atirado, eu fiquei apavorada… eu fiquei com medo deles te matarem…
- Eu sei que você estava apavorada, por isso não queria que saísse do carro... Mas você fez certo, eu não ia conseguir... – Revelou com dificuldade, deixando o orgulho de lado.
Permaneceram abraçadas até Azizah se acalmar. Elas se afastaram, ela ajeitou a toalha em seu corpo, para que não caísse, limpando os olhos.
- Nós vamos morrer? – Perguntou inocente, fazendo Carol sorrir.
- Não. Aqui é seguro. Só temos que ficar em silêncio para não atraí-los em direção a casa. Temos comida para seis meses ou mais se for o caso. – Brincou, conseguindo arrancar um sorriso da outra.
Caroline levou a mão em direção ao rosto de Azizah, secando suas lágrimas. Seu toque era macio, suave, carinhoso, fazendo a outra fechar os olhos de modo automático, involuntário, inebriada pelo contato de suas peles, causando-lhe arrepios que começavam em seu baixo ventre e espalhavam por seu corpo, como um veneno.
Tornou a os abrir e mergulhou novamente naquele olhar. Em seguida desceu os olhos para aqueles lábios grossos e convidativos.
Me beija.
Suplicou em pensamento.
Me beija, Caroline.
Inclinou o corpo para frente e Carol desviou o olhar, incomodada. Afastou-se. Coçou a parte de trás da cabeça raspada. Quando adquiriu uma distância segura, tornou a falar:
- Vista as roupas que eu trouxe pra você. Eu vou até meu quarto pegar umas coisas, vou dar um jeito nesse ferimento.
Ela concordou e esperou que Carol saísse do banheiro. Enxugou-se pensativa e começou a se vestir. Puta merd*! O que foi isso? Aquilo tudo era completamente insano. Nunca sentiu isso por nenhuma mulher. Nem por nenhum homem. Não teve controle do que tinha acabado de acontecer. Ela só carecia daquele beijo, como se fosse uma necessidade vital que precisasse ser suprida. Simples. O pior era que mal conhecia Caroline. Como podia acontecer tal coisa? Acho que realmente estou enlouquecendo.
Tinha lhe trazido uma calça de algodão preta e uma camiseta azul, também de algodão. Olhou seu reflexo no espelho, seus olhos estavam vermelhos e inchados, assim como seus lábios e nariz. Ligou a torneira da pia, lavando seu rosto. Ainda sentia o toque dela. Não só no rosto. Outro arrepio. Respirou fundo. Cacete. Ela é casada e ainda por cima está grávida. Como se isso a fosse impedir de sentir desejo por algo ou alguém. Se controla, Azizah. Você não é lésbica.
Terminou de vestir as calças e notou aquela presença parada na porta. Demorou mais algum tempo, deixando-se sentir aqueles olhos percorrerem seu corpo de costas, como se fossem as mãos dela o percorrendo. Saboreou aquela sensação. Virou-se após alguns segundos a encarando, viu o olhar rápido que ela lançou aos seus seios e em seguida desviou, abaixando o rosto, sem graça. Ia vestir a camiseta, mas foi impedida.
- Fique sem.
Fim do capítulo
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Ana Carolina 02
Em: 27/02/2016
Uuui , eu ia dizer que pintou um clima , mas foi bem mais que isso ! 😋😎 você me respondeu 👏👏👏👏👏👏 que linda 💖 acho que não se incomodou com minhas perguntas ! Adorei o capítulo porem achei crueldade acabar assim , você é má ! Beijos volte logo 😍
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thays_ Em: 09/04/2023 Autora da história
Oi Lea!
Desenterrou essa história hein? muito antiga kkk acho que eu era mais travadona pra escrever nessa época!