Capítulo 13 - Giulia -
- Giulia -
Estava quase impossível me manter calma depois do e-mail que recebi de Marina. Nem lhe dei uma resposta, mas eu sabia muito bem qual era, ela era “SIM”, eu não precisava pensar duas vezes, a resposta estava na ponta da língua. Sai praticamente correndo da agência, peguei o carro feito uma doida, e dirigi o mais rápido, e claro, o mais permitido que eu podia, queria ganhar tempo.
Hoje eu queria provocar um olhar diferente dela hoje, queria ver em seus olhos o que ela dizia sentir por mim. Nada explicava a sensação que era ter Marina Amorim falando de seus sentimentos pra mim. Aquilo me deixava nas nuvens, era uma das melhores sensações do mundo, e que me deixavam emotiva, me faziam chorar, logo eu, que não chorava facilmente. Cheguei em casa, joguei minhas coisas de qualquer maneira no sofá da sala, e me encaminhei para o banheiro. As roupas ficaram espalhadas no chão doquarto. A água gelada pareceu me despertar para algumas coisas. O que aconteceria se eu, uma funcionária acabasse me envolvendo verdadeiramente pela presidente da agência? Como será que seríamos vistas pelas outras pessoas? Será que daríamos certo por sermos de mundos tão diferentes?
Minha mente não parava, eu não conseguia parar de me fazer várias perguntas. Eu me questionava sobre várias coisas, como se eu tivesse a resposta para cada uma delas, mas por mais que eu pensasse, não encontrava resposta para nenhuma. O fato é que Marina mexia muito comigo, de uma maneira nova e assustadora. De uma forma incontrolável e ao mesmo tempo gostosa. Vivíamos em mundos totalmente diferentes, e isso era incontestável, ela vivia cercada de gente da alta sociedade, sempre em festas badaladas, seu rosto estava sempre estampando alguma revista da alta sociedade ou de CEO’s, de jovens que faziam fortuna com talento e astúcia. Ela era rica, e mesmo que não quisesse vivia cercada de gente tão rica quanto ela, ou seja pessoas esnobes e mesquinhas. Em meu íntimo eu sabia que ela não era assim, que ela não era uma pessoa desse tipo, mas eu sabia que se um dia eu chegasse a acompanha-la em um desses eventos olhares curiosos e superiores nos acompanharia durante toda a festa. Eu vinha de família simples, do interior do Nordeste, acostumada com pouco ou quase nenhum luxo. Meus pais trabalharam muito para me criar e educar, e tudo o que eu tinha hoje era com muito esforço, e tudo o que eu pretendia fazer, fosse um passeio ou uma viagem tinha que fazer cálculos mirabolantes pra saber o quanto isso afetaria minhas finanças. Mundos diferentes!
Graças a jornais e revistas eu tenho certeza de uma coisa, boa parte da família dela jamais me aceitaria. Todos faziam parte de uma fatia da sociedade em que pensavam que para casar-se com alguém ele tinha que fazer parte do círculo financeiro. Ou seja, se Marina fosse casar-se, teria que ser com alguém tão rica quanto ela. Completos esnobes. A tia de Marina já estampou várias vezes capas de revistas. Suas declarações preconceituosas e rudes eram motivos de especulações e opiniões favoráveis ou não ao que ela afirmava.
Já li em muitos livros, já vi em muitos filmes. Relacionamentos desse tipo sempre tem poucas chances de dar certo. Sempre da errado, e a mocinha pobre sai machucada, humilhada e iludida. Eu sei que é ficção, mas também já vi acontecer na vida real. As diferenças aparecem, elas sempre aparecem, e uma hora ou outra elas vão pesar, podendo ou não prevalecer. Pode parecer que eu tava pensando muita besteira, ou até mesmo acelerando as coisas. Já me imaginava sendo apresentada à família de Marina. O que é isso?
Eu estava ansiosa, entusiasmada e ao mesmo tempo estava com medo, com receio desse convite. Queria ir, e segundos depois não queria mais ir, logo depois o desejo de ir voltava.
Eu não sabia o que esperar dela, e o que ela me despertava me assustava. Eu simplesmente não sabia definir o que era, mas me deixava em êxtase, me deixava boba e contente. Eu não iria, assim seria melhor. Eu ficaria em casa e aguardaria Vick chegar. Não, eu tinha que ir, de qualquer maneira seria ótimo sair com ela, nem me importava pra onde era. Mas era melhor ficar em casa, ficar na minha e não me arriscar em nada, provavelmente nem daria mais tempo, eu não havia respondido o e-mail que ela havia mando mais cedo.
Sai do banho e me vestia de frente para o espelho com milhares de coisas ainda passeando em minha cabeça, me deixando louca momentaneamente. Era muita coisa pra pensar, muitas perguntas a se fazer, e nenhuma resposta. Não havia nada conclusivo, apenas uma pequena confusão em minha cabeça. Estava no meu devaneio quando ouvi a porta da sala bater. Eu estava apenas de calcinha e sutiã, ainda indecisa. Não sabia se devia ir ou não, toda a certeza de que eu tinha de que deveria ir tinha se esvaído rapidamente.
-- Gih?
-- To aqui no quarto Vick!
Só esperei alguns segundos pra ouvir pequenas batidas em minha porta.
-- Pode entrar!
-- Você vai sair? – ela perguntou ao entrar no quarto e ver várias roupas minhas espalhadas em cima da cama e eu na frente do espelho vestida apenas com peças íntimas.
-- Eu ainda não sei! – disse mordendo o cantinho da boca.
-- Como ainda não sabe? – perguntou afastando algumas roupas em minha cama e sentando-se.
-- Recebi um convite mas ainda não sei se devo aceitar.
-- O convite é da Marina? Foi ela quem te convidou pra sair? – ela perguntou me olhando pelo reflexo do espelho.
-- Como...como é que você sabe disso? – gaguejei nervosa.
-- Digamos que tive um pequeno encontro com Marina hoje de manhã, e ele me fez cogitar e pensar em algumas coisas. Não sei explicar, é algo que vem do meu interior, um pressentimento sabe? Só sei que sabia que era com ela que você vai sair, ou pelo menos que está indecisa se deve sair ou não.
-- O convite foi dela sim. – eu disse suspirando e sentando-me ao seu lado.
Vick passou o braço por meu ombro e me puxando pra mais perto dela, me abraçando apertado, de forma acolhedora e protetora, como quem diz “Eu estou aqui”.
-- Quer conversar?
-- Acho que sim.
-- Tudo bem então, pode começar.
-- Não sei por onde começar.
-- Ok. Então vou lhe dar uma pequena ajudinha te fazendo algumas perguntas pra ver se você pega no tranco. Ta certo?
Apenas balancei a cabeça concordando.
-- Você e a Marina estão ficando?
Ela foi direta e isso me fez sorrir.
-- Pensei que você havia dito que ia ma fazer algumas – disse enfatizando a palavra - perguntas pra me fazer falar.
-- É, era isso mesmo que eu ia fazer, mas, achei melhor ir direto ao ponto.
-- Bem a sua cara mesmo!
-- Mas e então, você e Marina estão ficando é isso?
-- Antes de mais nada, porque a primeira coisa que cogitou foi que eu estou ficando com ela? Porque não pensou, sei lá, em algum outro problema?
-- Seus olhos te entregam. Basta juntar uma coisinha ali e outra aqui. E não haveria outro motivo pra ela te convidar pra sair e essa montanha de roupas estar aqui bem no meio da sua cama.
-- Que droga você me conhecer assim tão bem!
-- Não enrola! Cadê a minha resposta?
-- A resposta é sim!
-- O quê? Então é isso mesmo? – ela ficou de pé me olhando incrédula – Você está mesmo pegando a poderosíssima Marina Amorim?
-- Como assim? Você não disse que eu já tinha me entregado, e que você tinha juntado as coisas?
-- Sim, eu disse, eu juntei mesmo, e você se entregou. É que...poxa vida Giulia você ta pegando a Marina Amorim. Isso é surreal.
-- Ah muito obrigada Vick! – disse ficando emburrada.
-- Não não pequena, não estou dizendo que é irreal o fato de você estar pegando ela, é que a mulher é poderosa, divina, rica, e você é...
-- Não continua Vick, eu já entendi. – a interrompi já imaginando o que ela ia falar. “Vocês são de mundos tão diferentes!”
-- Ta. Espera ai. – ela fechou os olhos, respirou fundo e depois voltou a sentar em minha cama – Você é maravilhosa Giulia, ela também é, e vocês formam um casal que vai deixar todo mundo com torcicolo.
Dessa vez eu sorri.
-- Bom, desculpa o pequeno surto, foi momentâneo. Mas então, me conta, me diz como foi que isso aconteceu. Me conta tudinho!
-- Eu não sei como foi que isso acabou acontecendo, mas aconteceu e está acontecendo. Nós ficamos a primeira vez ontem, foi ela que me trouxe pra casa ontem. Era com ela que eu estava ontem.
-- Então quer dizer que a senhorita chegou tarde ontem em casa porque estava com ela? Sua danadinha.
-- Toda a estória que lhe contei é verídica, eu fiquei mesmo sem ter como voltar pra casa, você viu o que aconteceu com o meu carro. E foi tudo por acaso, ela apareceu lá, me ofereceu uma carona, mas antes teve que subir e pegar uma coisa em sua sala, eu a acompanhei por medo de ficar sozinha no estacionamento escuro e quase deserto. Ai foi lá que rolou mais uma vez um clima, e acabamos nos beijando. – disse recordando o beijo dela.
-- Para, para aí! Como assim, “rolou mais uma vez o clima”.
-- Já havia rolado outra vez, e eu quase a beijei no elevador da agência.
-- Certo, e voltando ao acontecido de ontem...
-- Nós estávamos no maior clima, a sala estava quente sabe?
-- Como assim? O ar condicionado estava desligado?
-- Ai Vick! – disse colocando as mãos no rosto antes de falar – Nós quase trans*mos na sala dela ontem!
-- Uou! Nossa! Vocês duas hein...duas danadinhas! – disse levantando e baixando as sobrancelhas.
-- Para Vick!
-- Tudo bem! Parei! – disse levantando as mãos em forma de rendição – Continua vai.
-- O segurança chegou, e interrompeu tudo. Ele saiu da sala por um instante e logo depois voltou, nos pegando aos beijos. Não sei explicar, mas o beijo dela tem algo diferente, me deixa diferente entende?
-- Acho que consigo lhe compreender.
-- Ela é tão perfeita Vick, ela é do tipo que abre a porta do carro pra você, puxa a cadeira, é toda gentil, delicada e carinhosa. Alem de linda ela é inteligente, determinada, focada...ai – suspirei. Ela tocava a minha pele de uma maneira diferente, me beijava diferente, me olhava tudo nela é diferente. É algo que não sei explicar... – Vick me ouvia atentamente, apenas sorrindo – Hoje ela preparou um café da manhã, disse que era como um pedido de desculpa. E a desculpa foi por ontem.
-- Ela se arrependeu?! – me perguntou com os olhos levemente esbugalhados.
-- Não. – sorri – Quando cheguei à sala dela hoje de manhã, e vi aquela mesa montada, tudo arrumadinho, foi a primeira coisa que passou em minha cabeça, aliás, passava pela minha cabeça que ela havia se arrependido desde o momento em que li o e-mail que ela havia me enviado hoje de manhã. Quando li “[...] vá até a minha sala, precisamos conversar”. No mesmo e-mail ela dizia que não parava de pensar em mim, que o beijo ainda estava vivo, mas mesmo assim tudo o que eu pensava é que ela diria que foi tudo um erro e me pedia desculpas.
-- E o que ela queria com esse café?
-- Queria realmente me pedir desculpas, mas não por que estava arrependida, e sim me pedir desculpas pelo modo como as coisas aconteceram. Ela disse que não queria que eu tivesse uma impressão errada dela. Disse que não se arrependi de ter me beijado, mas sim da maneira como me beijou, de uma maneira fugaz.
-- Com certeza foi muito fugaz não é mesmo? Vocês quase trans*ram na sala da presidência e foram pegas por duas vezes no flagra! Com a boca na botija. Quase que literalmente. – disse sorrindo.
-- Ah Vick não fala assim que você me deixa sem jeito. – ruborizei - O importante é que nesse café ela disse que estava se apaixonando por mim, e que queria muito me conhecer, dividir momentos comigo.
-- Mas já? Apaixonada? Ela tem certeza disso? – olhei incrédula pra ela.
-- É tão difícil assim alguém se apaixonar por mim Victória?
-- Opa! Não se zangue, não foi isso que eu quis dizer. E claro que não é difícil alguém se apaixonar por você Giulia, deixa de bobeira. O que eu quero dizer com isso, é que não faz nem uma semana que vocês se conhecem. Será que isso é mesmo possível?
-- Se existe amor à primeira vista, porque isso seria tão impossível assim?
-- Acho que desacreditei no amor, foi isso.
Paramos de falar por alguns instantes, o silêncio tomou conta do meu quarto. Ela parecia refletir sobre algo, e eu pensava na bendita pergunta que ela acabou de me fazer “Será que isso é mesmo possível?”. Agora era mais uma pergunta pra me atormentar. Era mesmo possível? E era possível o que eu sentia?
-- E você Giulia?
-- Hã? – perguntei meio perdida.
-- E você, o que sente por ela? O que está sentindo agora?
Precisei parar, e buscar a resposta lá no fundo do meu coração, eu tinha quase certeza de que se eu vasculhasse bem, lá no fundinho eu talvez encontrasse a resposta. Talvez algo explicasse.
-- Giulia?
-- Eu não sei te dizer Vick, como eu te disse é novo. Eu me sinto diferente com ela, como jamais me senti com alguém. Me sinto nas nuvens sabe? O mundo para quando ela me beija, eu sinto a falta dela, me sinto nervosa, perco a fala quando ela ta perto. Tem hora que o ar me falta só de olhar pra ela, e quando a beijo sempre perco o ar. Sempre a admirei, mas desde que a vi pela primeira sinto algo que nunca senti. Tive vontade de beija-la na primeira vez que ficamos a sós. Nossa Vick, é tão bom estar com ela. Ela tem a capacidade de me fazer chorar apenas com pequenas declarações ou com suas palavras. Fico boba 24h por dia Vick! Mas simplesmente não sei dar nome, não sei dizer o que é tudo isso que ela desperta.
-- Paixão. – Vick disse com toda a convicção possível.
-- O que?!
-- É isso! O sentimento que Marina tem por você é correspondido Giulia! Você também está se apaixonando por ela. É fato. Você não tem como fugir disso.
-- Como assim me apaixonando? Eu não sei, eu...
-- Você disse todos os sintomas da paixão, pequena. E além de tudo o que você me disse, eu posso ver o brilho. Seus olhos brilham quando você fala dela, você fala com admiração, fala com carinho, com um “q” a mais. Você tem um olhar diferente, e além do mais, desde que você entrou pra agência, que nem faz tanto tempo assim, já lhe peguei com sorriso bobo nos lábios.
-- Vick eu não sei, eu não sei definir. Eu não tenho nenhuma forma de comparação entende? Não tenho como afirmar se isso é mesmo paixão, mas sei que é algo que nunca senti antes por nenhuma outra garota que eu tenha até namorado.
-- Sinceramente, eu tenho plena convicção de que isso é sim paixão, mas não sou eu que tenho que dizer isso, é você que tem que chegar a essa conclusão. São seus sentimentos! O tempo não importa pequena, não leve em conta se faz muito ou pouco tempo que vocês se conhecem, isso não vale a pena, afinal amor à primeira vista existe. Ta certo que não foi à primeira vista, mas é paixão. – ela disse levantando-se da cama. – E a propósito, eu acho que você deveria sim aceitar o convite da Marina e sair com ela. E pensa na sua resposta, pensa no que realmente sente por ela.
-- Você acha?
-- Não, eu não acho, eu tenho certeza! – disse sorrindo.
-- Não sei se ainda vai dar tempo, acho que está muito tarde.
-- Tenho certeza de que ela te esperaria pelo tempo que fosse, e nem vem que não está tão tarde assim não, da tempo sim. E não custa nada tentar.
-- Você é uma boba! Então eu vou me arrumar, talvez você tenha razão e dê mesmo tempo. Talvez ela não tenha desistido.
-- Eu não desistiria, e acho que ela também não. Eu vou tomar um banho, porque enquanto você colocar roupas lindas e chiques eu vou colocar minhas pantufas e assistir algum filme romântico enquanto me entupo de nutella.
-- Credo Vick! Você precisa sair um pouco de casa ou daqui a pouco você vai acabar fazendo parte da mobília da casa. E por favor, saia pra algum lugar que não seja o bar perto do seu trabalho.
-- Acho que prefiro minhas pantufas de vaquinha.
Rolei os olhos e logo depois sorri ao imaginá-la usando aquelas pantufas de vaquinhas. Ela ficava a coisa mais fofa do mundo quando calçava elas e vestia um pijama de ursinho. Não tinha dúvidas, Vick era uma menina/mulher. Ela sempre ficava emburrada quando eu ria por ela estar vestida dessa maneira, agarrada á algum pote de sorvete ou de nutella enquanto chorava por algum filme romântico que passava na tv.
-- Como eu queria ser assim que nem você, poder comer esse monte de besteira e não engordar.
-- Herança de família meu bem! – disse passando a mão pelos cabelos curtos – Pois eu vou tomar meu banho e você se apressar pra encontrar uma linda mulher de olhos azuis!
Vick saiu do meu quarto e eu sai quase atrás dela. Corri até a sala em busca do meu celular que estava dentro da bolsa no sofá. O peguei sorrindo, reli o e-mail e mandei a resposta. Seria “SIM”, eu sairia com Marina. E-mail enviado, endereço ok, voltei correndo para o quarto com o celular nas mãos.
Tentei me arrumar o mais depressa que pude, queria ficar linda pra ela, mas não queria a deixar esperando. Então caprichei no visual, mas sem muito exagero, e claro sem deixar de ser natural. Fui até a sala e Vick chorava assistindo “Up! – Altas Aventuras”, um filme lindinho e que me fazia chorar também.
-- O que achou da minha roupa? – perguntei parando ao lado da Tv para que ela me olhasse.
Ela deu pausa no filme e fungou limpando as lágrimas com a palma das mãos.
-- Você está linda Giulia!
-- De verdade?
-- Claro! Você está linda, aliás você é linda e tudo o que faz é ficar ainda mais linda.
-- Não exagera Vick. Posso assistir ao filme com você enquanto eu espero a Marina?
-- Claro que pode. Mas espera aí, ela vem mesmo te buscar aqui? – perguntou me dando espaço no sofá.
-- Vem sim. Mas porque a pergunta?
-- Ah, sei lá, é meio difícil imaginar a poderosa Marina Amorim em um bairro que não seja de classe alta. – sorriu - Gih eu quero colo pra assistir esse filme. – disse me olhando com uma carinha pidona.
Peguei uma das almofadas do sofá e coloquei em meu colo, pedi que ela deitasse e passei a fazer carinho em seus cabelos. De algum modo estranho ou não aquele filme fez com que eu pensasse diferente sobre algumas coisas. Por alguns instantes eu me imaginei com a Marina da mesma maneira que os personagens “Carl” e “Ellie”. Aquele sentimento todo, o amor, a paixão e a cumplicidade entre eles. Definitivamente eu queria me sentir assim por Marina, e o melhor de tudo é que eu já me sentia. Eu já tinha a minha resposta! Eu estava sim apaixonada por Marina!
Algum tempo depois, antes do filme acabar e de Vick se acabar de rir e chorar o interfone toca.
-- É a Marina! – disse Vick levantando-se rapidamente do meu colo com cara de espanto.
-- O que eu faço? – perguntei me levantando também, o coração extremamente acelerado.
-- Atende o interfone ué! Vai! Rápido!
Ela fechou a boca e eu sai correndo para a cozinha pra atender o interfone. Foi o suficiente pra me deixar sem ar, só não sei se foi exatamente pela pequena corrida, ou por meu coração bater descompassado. Tive medo de que ele me traisse! Vick veio correndo atrás de mim. Parei junto ao aparelho branco e tentei puxar o máximo de ar que pude antes de atendê-lo.
-- Oi.
-- Sou eu Giulia, Marina. Estou te esperando aqui em baixo.
-- Certo! Estou descendo.
-- Respira ou você vai enfartar! – Vick disse antes que eu desligasse, e só ai me dei conta de que prendia a respiração.
Balancei a mão e a olhei séria para que ela parasse de falar. Marina podia ter ouvido o que ela disse, e só de imaginar isso eu fiquei com vergonha. Ela sabia o poder que tinha sobre mim.
-- Será que ela ouviu? – perguntei voltando pra sala com Vick me seguindo.
-- Acho que não, e mesmo que tenha ouvido eu não falei nada demais, afinal você tem esse probleminha mesmo.
-- Não quero falar disso!
-- Eu não entendi.
-- Não quero falar pra ela que tenho esse problema de coração entende? Não preciso que sintam pena de mim por causa disso. Eu sou normal, como outra pessoa qualquer!
-- Isso não tem nada haver Giulia, e se você vai iniciar algo com ela, é bom que ela saiba de tudo sobre você, tudo mesmo! – ela disse me olhando séria – Não volte a dizer isso, eu nunca abri minha boca pra dizer que você é anormal, eu sei o quanto você é capaz de fazer o que qualquer pessoa faz apesar de algumas limitações por causa de um provável cansaço.
Vick sempre ficava com raiva de mim quando eu escondia de todo mundo que eu sofria de arritmia cardíaca, causada pelo consumo exagerado de cafeína. Não gostava quando me olhavam com pena quando eu ia a uma festa e não podia beber como todo mundo por causa de minha medicação, odiava não poder jogar vôlei na casa de praia de minhas amigas, odiava quando ficava muito nervosa e acabava sem ar ou desmaiando. Não gostava quando me olhavam com pena ou quando me tratavam como um brinquedo de cristal. Eu era pessoa normal poxa!
-- E pode tirar isso da sua cabeça Giulia, não é pena, é cuidado. São coisas bem diferentes! – ela disse como se lesse meus pensamentos.
-- Ai! Ta certo. Eu já vou indo. – disse pegando minha bolsa e beijando sua bochecha.
-- Divirta-se! E se cuide viu, ou melhor, permita ser cuidada.
-- Ta!
Ia me dirigindo a porta da sala quando voltei na direção de Vick!
-- Eu já tenho a minha resposta Vick. Eu já sei.
-- E qual é?
-- Eu estou apaixonada! – disse sorrindo.
Podia apostar que meus olhos brilhavam. Vick também sorriu, um largo sorriso. Ela torcia pela minha felicidade, e sempre disse que queria me ver perdidamente apaixonada por alguém.
-- Isso é maravilhoso Giulia, a sua primeira paixão! Você sabe que eu sempre torci pra isso né? - balancei a cabeça em uma afirmativa – Te desejo toda felicidade do mundo Giulia, e torço pra que essa paixão se torne em namoro e fique cada vez mais forte.
-- Também torço pra isso! Ai. – disse sorrindo e com os olhos querendo molhar.
-- Não vai chorar! Vai acabar borrando a maquiagem.
-- Não vou! – disse segurando o choro eminente.
-- Agora vai lá! Ela está lá embaixo lhe esperando, diz pra ela o que acabou de me dizer, abre seu coração pra ela, confessa que também está apaixonada.
-- Isso é tão louco!
-- Eu que o diga. Vai lá. Beijo pequena marrenta. Juízo!
-- Beijo menina chata! Eu não preciso, já tenho bastante. – disse sorrindo.
Fui até o elevador repetindo freneticamente o mantra “Fica calma, respira! Fica calma, respira! Respira, isso! Respira!”. A cada andar que o elevador descia mais nervosa eu ficava. Estava decidida, eu iria aproveitar aquele “encontro” e contaria tudo pra Marina, confessaria a minha paixão por ela. Só podia ser paixão, era forte demais pra eu estar enganada. Não estava enganada!
Sorri ao chegar à portaria do prédio e avistar de longe Marina de cabeça baixa enquanto rodava as chaves do carro em seus dedos. Não tinha uma vez que eu a visse e que não sentisse minhas pernas ficarem fracas e minhas mãos soarem. Era uma sensação tão gostosa ficar perto dela. Parei a sua frente, com alguns passos nos separando. Ela me olhou antes mesmo que eu falasse com ela, como se tivesse sentido a minha presença ali. Ela permaneceu me olhando com a boca levemente aberta e eu não consegui evitar, acabei sorrindo com a cena. Eu parada à sua frente, completamente nervosa, e ela de boca aberta me olhando e ainda encostada a seu carro.
-- Boa noite Marina! – finalmente falei.
-- Boa noite Giulia.
-- Desculpa. Demorei?
-- De maneira nenhuma, não demorou não, e mesmo que demorasse eu esperaria todo o tempo do mundo.
Ok, eu precisava me segurar, minhas pernas já não sustentavam meu corpo. Bastava Marina sorrir ou falar algo que me atingia em cheio.
-- Estou vestida adequadamente? – perguntei dando uma voltinha tímida à sua frente tentando disfarçar o quanto mexeu comigo o que ela disse.
-- Você está linda Giulia! – ela disse me olhando de um jeito que quase me tirou do chão.
-- Obrigada. – senti minhas bochechas aquecerem.
-- Podemos ir?
-- Claro, podemos sim. – respondi sorrindo.
Como sempre, Marina foi educada e gentil. Não tinha coisa mais fofa do que aquela, me deixava incrivelmente boba e admirada. Marina abriu a porta do carro para que eu entrasse e logo depois deu a volta sentando-se ao volante do seu imponente carro. Tinha o cheiro dela impregnado ali!
-- Pra onde vamos?
-- Desculpe, mas vou fazer segredo. Tudo o que eu posso dizer é que é um lugar muito especial, e que eu amo ir lá, mas antes disso teremos uma pequena parada em um outro lugar.
-- Por favor, me conta.
-- Não posso, é surpresa.
-- Não vai mesmo me dizer?
-- Não! – ela respondeu sorrindo.
-- Nem uma pista? - insisti.
-- Também não.
-- Nadinha?
-- Nadinha. Você vai gostar, eu posso apostar nisso.
Mesmo que eu insistisse a cada semáforo que parávamos, Marina não chegou a dizer para onde íamos, e isso estava me matando de curiosidade. Para onde será que ela me levaria? É estranho sair assim sem saber pra onde está indo, o que você vai fazer ou se a sua roupa é adequada para o local. Talvez eu estivesse estranhamente bizarra!
Durante o percurso para o local tão misterioso conversamos muito. Sobre tudo e sobre nada, era fácil desenvolver qualquer tipo de assunto com ela. E era incontrolável a vontade que eu sentia de beijar a boca dela, não conseguia tirar os olhos de sua boca enquanto ela falava. Acompanhava todos os movimentos que a boca dela fazia ao pronunciar cada palavra. Um pouquinho de loucura não? Mas eu vi mesmo em filmes que paixão tem disso, um pouquinho de loucura, talvez muita loucura. O que importa é que era muito bom estar louca daquele jeito por Marina Amorim, não por ser a Marina, a publicitária de sucesso, e sim pela mulher maravilhosa que eu estava tendo o prazer ímpar de conhecer. E aqui estava eu, cogitando e me perguntando se eu estava apaixonada por Marina. Será que eu estava? Como conseguiria a resposta pra isso?
Chegamos! Era um lindo restaurante, e apesar de quase não conseguir reconhecer por ter anoitecido – nunca havia ido por aqueles lados a noite – sabia que o Parque do Ibirapuera ficava ali próximo. Esse era o meu ponto de referência, assim não me perderia. Apesar do tempo em que morava em São Paulo eu ainda tinha essa capacidade: perder-me. Coisas que só Giulia Monteiro faz!
Conseguimos uma mesa no piso superior, dava vista para a rua, e àquela hora estava movimentada pelos boêmios e iluminadas pelas luzes coloridas. Fizemos nossos pedidos e logo um assunto surgiu entre nós, falávamos de nossas famílias, quer dizer, eu falava da minha, ela quase não falava nada a respeito da família dela. Nesse quesito eu sabia pouca coisa a respeito, só sabia o que a mídia tinha dado toda e total atenção. Sabia que ela e os pais não tinham um bom relacionamento, que há muito tempo eles mal se falavam. Eram como completos estranhos, e quando se encontravam em algum lugar em que tinham que “suportar” a presença um do outro, mantinham a maior distância possível. O real motivo para que eles tivessem esse péssimo relacionamento ninguém sabia.
Durante todo o tempo em que conversamos eu notei que ela ficava me observando, me dirigia olhares diferentes. Quando percebi o modo como ela me olhava, percebi que era tudo bem mais profundo do que eu imaginava que era, era bem mais forte, e eu queria aquilo por muito mais tempo. Ela me olhava com fascínio, com certeza da mesma maneira que eu a olhava e que deixava transparecer. Queria aquele olhar pra mim.
Ela não desviava o olhar, aquilo me cativava e me fazia sorrir naturalmente. Meu coração batia acelerado somente de olhar pra ela, tinha uma coisa muito especial nos envolvendo. Era tudo muito parecido com o que eu lia em livros, era tudo muito próximo de toda aquela emoção que eu via nos meus filmes prediletos. Era paixão!
Os nossos pedidos logo vieram, e uma pequena apreensão me veio quando Marina subitamente pegou a carta de vinhos do restaurante. Lhe veio a idéia de que um vinho combinava com os nossos pratos. Eu teria que declinar, não podia beber, mas também não queria contar a ela o motivo que me impedia de ingerir bebida alcoólica. Pode ser que com o tempo, mais lá na frente a idéia de que ela talvez exagerasse em cuidados comigo ou que sentisse pena de mim sanasse, e ai eu contaria. Soltei sem querer que eu não tinha “permissão” para beber, porém, para minha total alegria, ela não perguntou nada quando recusei o vinho.
O prato que escolhi era delicioso, e o sorriso teimoso que eu tinha no rosto era persistente, não queria por nada sair dali. Mas, a comida perdeu o gosto, o sorriso morreu e o coração quase parou. Do nada o celular dela começou a vibrar em cima da mesa, não consegui desviar o olhar, acabei lendo o nome que aparecia no visor: “Verônica”! Na mesma hora senti repulsa. Marina pareceu nervosa quando também leu o nome. Pareceu-me assustada como se ela tivesse sido pega de surpresa, no flagra. Irritei-me com isso primeiro por aquela mulher arrogante e ignorante estar ligando pra ela, segundo por ter me lembrado da conversa delas que acabei ouvindo do corredor da agência, depois por ter me lembrado do beijo que elas trocaram no estacionamento, depois por concluir que eu era uma idiota. Aquela que estava sendo feita de idiota, de burra, que estava sendo usada, era EU.
Não agüentei, algo em mim estava me consumindo, nublando minha visão. Uma confusão se formou em minha cabeça e não saia de minha cabeça o fato de que talvez eu estivesse sendo usada, que elas fossem namoradas, e eu a idiota.Não agüentei! Respirei fundo e coloquei o guardanapo em cima da mesa.
-- Não vai atender?
-- Não é ninguém importante.
Quando ela disse aquilo, o que eu sentia se multiplicou umas dez vezes. Era raiva, irritação, revolta, tristeza, decepção, aquele sentimento de humilhação. Era a típica frase de quem estava com o amante e dizia que a ligação não era importante, e no final era a esposa ou esposo. Ou do modo contrário, quando se estava com a esposa ou esposo e a amante ligava. Não era ninguém importante. Era notável o nervosismo dela ao me responder, a sua voz saiu falha ao me dizer aquilo. Eu era mesmo uma idiota! Bastava pra mim, eu já sabia onde aquilo ia chegar, eu queria a minha casa, queria a minha “irmã” pra dar colo e queria a minha cama pra chorar.
-- Será que podemos ir? – perguntei da forma mais passiva possível, como se aquilo em nada estivesse me incomodando.
Depois do que eu disse, ela me olhava sem nada dizer, parecia tentar decifrar o que se passava em minha cabeça. Só que tinha um problema, nem eu sabia o que realmente passava em minha cabeça. Era tanta coisa que eu não sabia nem como organizar tudo. Ia repetir novamente o pedido para irmos embora quando fomos interrompidas pelo garçom que nos atendia, o que foi bom, assim eu colocava logo um ponto final naquela palhaçada. Não sei onde estava com a cabeça quando aceitei sair com Marina. Era óbvio que nunca daríamos certo!
-- Licença! As senhoritas desejam mais alguma coisa?
-- A conta, por favor. – novamente fui passiva, chegando a um tom quase gélido.
Eu estava tentando a todo custo segurar as lágrimas que naquele momento faziam meus olhos arderem. O nó em minha garganta já estava formado, e cada vez mais ele crescia. Senti meus olhos molharem de vez, e a vista embaçar um pouco. Eu não podia deixar! Não ali, não na frente dela. Não queria que ela visse o quanto eu me tornava frágil e vulnerável por causa dela.
-- Giulia eu...
Ela não conseguiu terminar de falar. O celular voltou a vibrar em cima da mesa, no visor o mesmo nome, e em mim mais decepção. Eu não tinha dúvidas de que algo havia entre elas e eu estava ali sendo usada.
-- Pode atender. – falei tentando me manter calma e não desabar de vez ali.
-- Não vou atender.
Sorri com a resposta dela, mas nem de longe significou felicidade ou algo parecido, talvez fosse de deboche, ou talvez fosse só algum tipo de defesa que adquiri pra que impedisse de tudo aquilo me ferir mais. Era uma defesa, inútil, mas era.
-- Atende! – insisti, queria ver no que ia dar.
Eu estava ali diante dela, com os olhos cheios de lágrimas e um nó na garganta que já estava quase me impedindo de falar. Apesar de tudo eu queria ver no que aquilo ia dar, no fundo torcia pra que fosse tudo uma confusão, mesmo que tudo apontasse que estava certo tudo o que eu já tinha deduzido. Minha razão gritava para que eu fosse embora dali, sem olhar para trás e sem nenhuma palavra, mas meu coração pedia pra que eu ficasse, mantivesse a calma e esperasse por uma explicação plausível. Ela acreditava piamente que tudo tinha uma explicação e um bom motivo. Coração tolo!
-- Oi?
Não soube dizer como me senti ao vê-la atender aquele celular. Tudo bem, eu disse para que ela atendesse, mas ela estava ali naquele restaurante em minha companhia, estávamos sorrindo e nos divertindo, eu estava dividindo um momento com ela. Não foi isso o que ela me pediu? Momentos? Então porque simplesmente não desligou aquele celular? Porque estava fazendo aquilo comigo? Por qual motivo havia me convidado pra sair, pra esfregar na minha cara a sua namorada? Colocar-me em meu lugar?
-- Vou ao banheiro. – disse quando já estava prestes a chorar.
Peguei minha bolsa e me dirigi ao banheiro o mais rápido que pude. Mal havia saído da mesa e as lágrimas já banhavam meu rosto. Não consegui segurar por muito mais tempo, foi mais forte do que eu.
Entrei no banheiro e agradeci aos céus por ele estar vazio, seria bem pior do que já era se eu encontrasse alguém que se condoesse com meu pranto e me perguntasse se estava tudo bem. Nada estava bem!
Debrucei-me sobre uma pia. Ela estava gélida, do mesmo jeito que agora eu sentia meu coração: gélido e praticamente sem vida, batia sem pressa e sem entusiasmo. Nunca em toda minha vida senti aquele aperto no peito, aquela dor que vinha sabe-se lá de onde, mas que maltratava e tirava todas as forças, me deixando fraca e cada vez mais frágil. Olhei-me no espelho. Meu rosto estava pálido, a maquiagem não conseguia mais esconder o estado em que eu me encontrava. Lavei meu rosto, retirando a maquiagem borrada, enxuguei meu rosto e voltei a me olhar. Eu estava péssima, tudo em meu rosto dizia que eu havia chorado: olhos vermelhos e inchados, a ponta do nariz vermelhinha.
Tudo o que eu queria era colo, queria meus pais, queria que me acolhessem de braços abertos, alisassem meus cabelos e me prometessem que tudo ficaria bem. Mas eles estavam tão longe de mim. Eu queria Vick, seu abraço de urso, seus sermões, seus cuidados e o seu colo. Tirei meu celular da bolsa e mandei-lhe uma mensagem:
De: Giulia
Para: Vick
“Estou precisando de você! Não estou muito bem, deu tudo errado, tudo!”
Depois que enviei me dei conta de que não deveria ter feito, a deixaria nervosa e preocupada. Droga! Aguardei alguns segundos, esperei uma resposta que não veio. Ainda bem. Ela devia ter dormido enquanto assistia o filme.
Guardei meu celular na bolsa, voltei a me debruçar apoiando as duas mãos espalmadas sobre a pia. Eu tentava organizar minhas idéias e me acalmar, tentava me concentrar para não chorar. Ouvi a porta abrir.
-- Giulia?
Era Marina! Não ousei olhar em sua direção, ainda não estava preparada. Tinha certeza que assim que a olhasse eu voltaria a chorar. Levantei o rosto e a olhei pelo espelho.
-- Será que podemos conversar? – ela perguntou com um olhar penalizado e fixo.
Eu não queria pena!
-- Não precisa dizer nada Marina, eu já entendi, eu sei como funciona, e sei o que vai acontecer depois, então não precisa dizer. Sou apenas uma boba que se iludiu e talvez viu um futuro onde não existia e jamais existirá. Era impossível, sempre me disseram isso. Nossos mundos são distantes e jamais se misturariam.
-- Não é nada disso!
-- Eu só quero ir pra casa, dormir o maior tempo que conseguir e esquecer certas coisas.
-- Mas você entendeu as coisas de maneira errada.
-- Tenho quase certeza de que não. – dessa vez eu a encarei.
-- Vamos conversar, me deixa te contar algumas coisas e ai se você ainda achar que entendeu tudo eu não vou insistir mais, eu te levo pra casa e se preferir não me aproximo novamente de você.
Será que ela não entendia, não via que eu queria exatamente o oposto disso? Que eu a queria comigo e não longe de mim? Eu não ia mais agüentar ficar ali, era uma tortura pra mim. Nunca senti em um único dia tanta vontade de chorar. Uma lágrima teimosa rolou por meu rosto.
-- Isso era exatamente o que eu não queria: você longe de mim. Mas eu vi que...
-- Me deixa falar?
Ela insistiu, tentou mais uma vez e meu coração gritou mais alto do que minha razão. Eu queria ouvi-la.
-- Tudo bem. Pode falar.
-- Não aqui. Você me acompanha a um lugar especial?
Concordei! Apenas balancei a cabeça em afirmativa. Quem está na chuva é pra se molhar, e eu já estava na chuva e estava completamente encharcada. Não perderia mais nada ao ouvi-la. Que ela me salvasse de meu próprio martírio ou me desse o golpe de misericórdia.
Marina saiu a minha frente, e como sempre abriu a porta do banheiro e segurou para que eu passasse. Gentil como sempre. Irremediável! Sorri com o ato, aquilo me quebrou e quase me fez esquecer o motivo pelo qual eu estava chorando alguns minutos atrás. Tomara que ela não tenha visto!
Saímos do restaurante na direção do estacionamento. Entramos no seu carro e ela mais uma vez não disse para onde estávamos indo. Me mantive calada o tempo todo, tentando não pensar em nada ou ocupa-la com algo indolor. Não percebi o caminho, desliguei-me totalmente, só me dei conta das coisas ao meu redor quando Marina falou.
-- Chegamos!
-- Parque Ibirapuera? – perguntei surpresa.
-- Unhum.
Ela responde e logo desceu do carro dando a volta e abrindo a porta pra mim. Será que ela não cansava de ser tão gentil assim não? Uma perfeita “cavalheira”! Não tinha como me manter gélida, sem demonstrar nada, tive que sorrir quando ela parou, abriu a porta do carro e me olhou lindamente. Não foi algo forçado, veio lá do fundo e foi totalmente sincero.
-- Se incomoda de andar um pouquinho?
-- Não!
-- São uns 10 minutinhos só, não é muito longe, mas é bem revigorante. - disse sorrindo e completamente empolgada.
Andamos apenas por uns 2 minutos quando avistamos um senhor vendendo sorvete. Minha cara de desejo deve ter me entregado, porque ela logo dirigiu-se até o senhor e comprou sorvete para nós duas. Depois disso continuamos caminhando, o tempo todo caladas. Ainda estava meio perdida, sem saber o que falar, então apenas aproveitei a presença dela, aquele cheiro que me deixava tonta, aquele sorriso estonteante, aquela voz que me fazia arrepiar. Não conseguia parar de olha-la quando ela se distraia, ela é tão linda que isso se tornou impossível pra mim. Admira-la. Talvez depois que conversássemos o melhor fosse mesmo que nos afastássemos. Então eu precisava guardar um pouquinho dos curtíssimos e ótimos momentos que tivemos, um pouquinho dela comigo.
-- É aqui!
Aquele era o lugar, fiquei extasiada quando olhei em volta, a lua estava enorme e muito mais brilhosa. Deveria ter descido alguns milhares de quilômetros. A sensação que eu tinha é que mais um pouco eu poderia toca-la. Ta certo, é exagero eu sei! Mas ela estava mesmo exageradamente linda. O reflexo dela na lagoa me deixou sem ar. Aquela beleza toda daquele lugar foi algo planejado pra me deixar com o coração mole?
-- Senta aqui comigo só um instantinho.
Marina já estava sentada no banco que havia debaixo da grande árvore. Do banco teríamos uma bela visão da lagoa. Ao invés de fazer como ela pedia e sentar-me ao lado dela fiquei admirando a lagoa. Eu a olhava e pensava como seria ir sempre ali com Marina, para nos curtirmos, ficarmos aos beijos debaixo de brilho tão intenso e brisa tão suave.
-- Giulia?
-- Eu nunca havia vindo aqui a noite. A lua está tão linda. – comentei abobalhada e ela sorriu pra mim.
-- Vem, senta! – voltou a me chamar.
Dessa vez eu sentei. Sentei totalmente voltada pra ela, lhe demonstrando que ela tinha toda a minha atenção. Tinha um pouquinho de receio, na verdade medo de onde aquela conversa nos levaria. Porém eu não podia adiar, tinha que ser agora. Eu tinha que obter as minhas respostas. E rezava pra que no final saíssemos ilesas e bem, principalmente uma com a outra.
-- Eu não sei por onde começar, mas eu sei que tenho muita coisa pra te falar e explicar. Também tenho um convite muito importante pra te fazer. Não sei em qual ordem cronológica eu começo a falar.
Tirei coragem lá do fundo e quase desabafei, falei o que era preciso naquele momento, não tudo.
-- Olha só Marina, eu sei que não temos nada demais uma com a outra, como você disse estamos nos conhecendo, e eu não tenho direito a nada, mas de verdade tem algumas coisas que eu preciso entender antes de acabar entrando nessa de cabeça. E eu te peço, por favor, seja sincera comigo.- ia falando e desabando aos poucos, a voz me traindo e me entregando.
-- Eu serei! Então eu vou começar te contando uma estória um pouco longa e depois te farei o convite. Mas quero que saiba que como tudo até agora, você também pode dizer “não”.
-- Ok.
-- Não sei se você sabe, mas eu já fui noiva.
Não sei qual foi a cara que eu fiz ao ouvir isso, mas deve ter sido de surpresa, tristeza, talvez raiva e talvez ciúmes. Como assim ela já foi noiva? Quer dizer que ela já amou tanto alguém que decidiu dar o próximo e mais importante passo? Senti um gosto amargo em minha boca, um aperto em meu peito e a vontade de chorar se renovando. Não conseguia mais entender como eu, que quase nunca chorava ou me emocionava a esse ponto já havia chorado e sentido vontade de chorar tantas vezes no mesmo dia. Uma completa sentimental.
-- Não sabia. – disse deixando transparecer todo o meu descontento ao saber dessa informação.
-- Eu fui! O nome dela é Larissa, namoramos por um bom tempo, e logo depois noivamos. Éramos noivas quando sem mais nem menos tudo acabou, aliás, ainda não tinha acabado, ela me trocou por um cara com mais dinheiro do que eu, filho de um bancário. Eu era completamente apaixonada por ela, e sofri como nunca sofri na minha vida, nem mesmo quando meus pais me rejeitaram e expulsaram de casa. Cheguei ao fundo do poço, definhava cada vez mais, eu não vinha sentido algum na minha vida. A única coisa que eu fazia era trabalhar, e foi lá que um pequeno desastre começou a acontecer. Você lembra da Verônica, a minha coordenadora não lembra?
-- Infelizmente lembro sim! – não consegui evitar, foi mais forte do que eu - Desculpa falar assim dela mas eu tenho os meus motivos pra não gostar dela, e aliás, são bons motivos. E em primeiro lugar foi ela que não gostou de mim primeiro, e eu tenho a leve impressão de que vou saber o motivo nessa conversa.
Ali eu encontraria as minhas respostas, agora sim eu saberia por qual motivo Verônica me tratava de maneira tão rude. Depois do que falei Marina fez algo que eu entendi como um “tique”, algo que ela sempre fazia quando estava nervosa, eu achava isso tão fofo. Além de coçar a nuca ela franzia levemente a testa.
-- Será que depois eu posso saber o que aconteceu? – ela me perguntou um pouco hesitante.
Eu contaria, mas somente depois do que ela me dissesse.
-- Pode ser, tudo vai depender do que vai me contar agora.
-- Certo. Vou continuar então. - ela tomou fôlego e continuou – A Verônica entrou na minha vida em um momento muito delicado e frágil, me ofereceu atenção carinho e amizade quando precisei. Acabei permitindo a sua aproximação, e com o tempo ela mostrou o que realmente queria, ela me beijou e eu burra retribui. A partir disso começamos a sair com frequência, nos envolvemos mesmo que eu ainda não tivesse esquecido Larissa. Eu contei isso a ela e ela aceitou, isso acabou gerando um relacionamento aberto, eu não pertencia a ela e nem ela a mim, mas mesmo assim nunca fiquei com outra mulher. Levamos esse relacionamento maluco por quase três anos. Foi egoísmo meu, eu tinha medo de ficar sozinha, de talvez ao ver Larissa a minha frente desabar e tudo o que eu sentia por ela voltar, e medo de me apaixonar novamente por outra pessoa e sofrer igualmente ou pior. Mas ai comecei a notar as mudanças em Verônica, ela passou a sentir ciúmes sem motivos e de maneira desmedida, me ligava a todo tempo e sempre me perguntava onde eu estava e com que estava. Tudo acabou se transformando em possessividade, obsessão. Eu acabei terminando o que na verdade nunca tivemos, coloquei um ponto final naquela loucura, e mesmo com o fim as coisas pioraram, ela ficou mais possessiva do que antes. E ainda hoje atormenta a minha vida, ela simplesmente não aceita. – disse de uma única vez sem dar tempo para que eu a interrompesse.
Ok, tudo o que ela me falou foi demais. Ela tinha, ou teve sei lá um relacionamento amoroso com a loira aguada. Elas trocaram beijos, tocaram o corpo uma da outra. Minha mente estava me torturando tentando recriar tudo isso. As palavras sumiram de minha boca, eu me sentia ainda mais frágil.
-- Deixa eu ver se eu entendi. Você e a Verônica tiveram um caso, é isso mesmo? – perguntei sem conseguir olhar para ela.
-- Sim.
-- E ela não aceita o fim não é isso?
-- Sim.
De repente ela ficou monossilábica, e isso me fazia crer que tinha muito mais coisa nessa estória, coisas que ela talvez não me contasse se eu não perguntasse ou de alguma maneira acabasse descobrindo. Parecia-me que pra ela não era muito fácil falar sobre aquilo, e claro que pra mim também não estava sendo fácil ouvir tudo o que ela falava, ainda mais com uma imaginação tão fértil quanto a minha. Porém tinha uma coisa que eu tinha que perguntar, algo que eu sei que sempre martelaria em minha cabeça. A resposta talvez fosse dolorida, mas era preciso.
-- Eu não queria fazer esse pergunta, pode ser que eu não goste nem um pouquinho da resposta, que ela me magoe ou que me marque de alguma maneira, mas eu preciso fazer. – encarava o chão com medo de olha-la – Depois desse fim, quando você terminou com ela, é...digamos que...nossa! Já aconteceu alguma recaída? – hesitei, mas ao fazer a pergunta olhei em seus olhos em busca de um sinal de verdade.
Ela parou por alguns segundos me olhou e falou hesitante.
-- Algumas vezes. - suspirou – Infelizmente aconteceram algumas vezes. Não me orgulho disso, pelo contrário. Só que faz muito tempo desde que a última vez aconteceu.
Doeu profundamente ouvir isso. Eu tinha mesmo que perguntar aquilo? Porque aquela mulher teve que entrar na vida da Marina desse jeito? Ou melhor, porque Marina não entrou em minha vida a muito mais tempo?
-- Eu...eu não sei mais o que dizer...é que isso é tudo muito complicado...eu não sei.
Eu estava dividida entre o que ela me contou e o que eu descobrir e assumi sentir por ela. Eu estava apaixonada por ela, e não tinha certeza se ela ter tido um caso com a loira aguada a um tempo atrás me importava realmente ou que me incomodava talvez fosse o receio de a recaída acontecer novamente, e justamente quando eu estivesse completamente envolvida com ela. Será que Verônica sairia da vida dela quando soubesse de “nós”?
Senti Marina aproximar-se de mim. Sentou bem próxima a mim, mas dessa vez ela não me olhava, olhava na direção da lagoa. Senti meu coração acelerar involuntariamente com a aproximação inesperada dela.
-- Como você disse, não temos nada uma com a outra, estamos nos conhecendo, mas eu sinto que te devo explicações, não é por obrigação ou nada parecido, apenas necessidade. Sei que deveríamos ter tido essa conversa antes de tudo o que aconteceu, mas as coisas aconteceram sem controle. E eu gostei disso. Tudo o que eu falei hoje e que estou falando agora são palavras sinceras, são verdadeiras. Então eu vou entender se quiser distância de mim, vou entender se quiser parar por aqui, porque eu sei o quanto é complicado o que eu vivo e eu sei que eu não deveria ter te metido nisso, deveria ter me resolvido antes de qualquer coisa. Também sei o quanto é difícil aceitar esse tipo de situação, pode parecer instável. Mas quero que saiba que eu tentei, e que não estou conformada com essa situação, ela incômoda, é inadequada, e é errada. Não sei definir em que tempo ou exatamente como isso aconteceu, mas eu me apaixonei por você Giulia, mesmo com medo de sofrer eu me apaixonei. Talvez eu sofra novamente, mas são coisas que acontecem, e eu vou ter que me erguer novamente, por isso eu quero te pedir um favor. Caso desista de querer tentar, por favor, me diz o que eu tenho que fazer ou como eu tenho que agir pra te esquecer ou pra esquecer tudo o que podíamos ter vivido.
Eu não agüentei! Ao ouvi-la me pedir um favor, pra ensina-la um modo para que me esquecesse todas as minhas dúvidas e receios caíram por terra. Eu não podia ter medo de viver algo, eu não teria como saber se daria certo ou não se eu não tentasse. Me amoleceu! Voltei atrás, eu tinha aceitado aquele convite com a certeza de que estava apaixonada, e eu deveria falar isso pra ela!
A olhei, ela ainda olhava a lagoa, dava pra ver que seus olhos estavam úmidos, logo se tornariam lágrimas que desceriam por rosto alvo. Eu a abracei! Abracei a sua cintura e apertei o mais forte que pude, as lágrimas que tentei segurar por toda a noite vieram, e vieram com força. Solucei. O choro balançava meu corpo. Não queria que ela saísse de perto de mim. Permiti-me chorar abraçada a ela. Sem saber bem o motivo aquilo me fez bem, ainda mais quando a senti me abraçar apertado, da mesma maneira que eu ainda estava agarrada a ela.
-- Não chora Giulia! Por favor.
-- Eu não quero Marina, não quero!
A frase saiu meio sem nexo, foi um pensamento em voz alta, mas externava o que eu sentia.
-- Não quero te dizer o que você tem que fazer pra me esquecer, não quero que me esqueça. Também não quero distância de você, e muito menos quero desistir de tentar. Nunca senti nada parecido com o que você está me fazendo sentir em tão pouco tempo, é tudo tão diferente e tão novo. É algo que me deixa extasiada e boba 24h por dia. Você não sabe a dor, o aperto que senti em meu peito quando vi o nome daquela mulher no seu celular e o estado como ficou, eu juntei tudo, todas as pontas soltas e deduzi que eu era a boba da estória. Eu imaginei que estivesse brincando comigo, que estivesse me usando, ou qualquer outra coisa do tipo quando na verdade a sua namorada era ela, era a Verônica. Doeu, doeu imaginar tudo isso, doeu imaginar todas as vezes que ela te beijou ou tocou a sua pele, e doeu ainda mais imaginar que foi a boca dela que você beijou logo depois do nosso primeiro beijo. Eu tive um grande esforço pra entender e aceitar o que eu sentia, precisei de ajuda pra saber o que exatamente eu sentia, e eu consegui, eu consegui entender. Foi por isso que aceitei o seu convite, porque eu precisava disso. É muito importante. Eu precisava te dizer tudo. – terminei de falar e tive que inspirar bem forte pra recuperar meu fôlego.
-- O que você precisava me dizer Giulia?
Era agora, eu contaria a verdade pra ela. Estava disposta a tentar. Sim! Eu queria tentar, eu queria Marina comigo, estava apaixonada por aquela mulher, e tentaria de tudo para que déssemos certo. Eu queria um “nós”!
-- Eu também estou apaixonada por você Marina! – disse com toda sinceridade olhando em seus olhos.
Ela ficou inerte, me olhava sem se mover, seus olhos piscavam várias vezes seguida, mas ela nada dizia.
-- Marina? – a chamei – Marina o que houve?
-- Eu não...eu... não...
-- Eu não...?
Ela sorriu largamente enchendo-me de alegria somente com um sorriso.
-- Eu não estou conseguindo acreditar nisso Giulia. – disse ainda sorrindo – Será que você pode repetir?
-- Repetir?
-- Sim. Pode repetir?
-- Bom, você quer que eu repita que eu estou apaixonada por você é isso?
Ela balançou a cabeça em afirmativa e eu me aproximei dela, olhei para os lados e aproximei meus lábios dos dela dando-lhe um selinho.
-- Eu também estou apaixonada por você Marina! – sussurrei.
Ela me sorriu com os olhos marejados.
-- Isso quer dizer que...
-- Isso quer dizer que vamos tentar, que eu não vou desistir de nós, que vamos sim nos conhecer, e que eu te quero Marina! Mas...
Mantive-me perto dela, e vi também bem de perto um olhar assustado. Ela parecia ansiosa e receosa pelo que eu ia falar-lhe.
-- Mas? – ela perguntou em um tom baixinho.
-- Mas eu preciso que você mantenha distância da Verônica. Eu sei que ela trabalha com você, que ela é quase o seu braço direito dentro da agência, que ela lhe auxilia e que fica a frente do setor na sua ausência, mas também preciso que entenda que o que me contou não é algo tão fácil assim, ainda mais saber de suas recaídas. Talvez você até pense que eu sou uma bela de uma intrometida, por ter acabado de entrar em sua vida e já vir cheia de pedidos, mas as únicas coisas que eu te peço é que me conte tudo a respeito dela e a evite. Eu sou completamente sincera com você, e quero que você também seja comigo. – disse segurando sua mão e entrelaçando nossos dedos.
-- E eu sou Giulia, sei que lhe omiti o que aconteceu entre a Verônica e eu, mas nunca mais vou fazer isso. E você não está sendo metida ao me pedir isso, e pode ter certeza que vou acatar o seu pedido.
-- Vai é? – perguntei dando um novo selinho, mais demorado dessa vez.
Ela assentiu balançando a cabeça. Separamo-nos e eu sentei-me um pouco mais distante dela, ficando no outro canto do banco. Marina me olhava com um pequeno sorriso que bailava em seus delicados e saborosos lábios.
-- Será que posso saber do que você tanto ri? Estou com a boca suja de sorvete por acaso?
-- Não consigo parar de sorrir Giulia, estou imensamente feliz! Imensamente!
Sorri com o modo dela falar. Ela sorria não só com os lábios, mas também com os olhos, eles brilhavam intensamente naquele momento. Seus olhos capturaram o brilho da lua, sua pele estava iluminada assim como seus olhos, a tornando ainda mais linda.
-- Eu posso dizer que também estou Marina, estou muito feliz. Mas será que você pode deixar de me enrolar e me dizer logo qual era o outro convite tão importante que você tinha pra me fazer essa noite?
-- Ah sim, posso deixar de lhe enrolar, mas se você também deixar. Você disse que dependendo do que conversássemos você me contaria o que havia acontecido com a Verônica. Vai contar não é?
-- Conto sim, mas primeiro você!
-- Ok! Eu conto. – ela pigarreou e coçou a nuca, era sinal de nervosismo – Hoje tive uma reunião com um cliente, dono de uma marca de lingerie, e antes de fechar contrato ele me fez algumas exigências, e eu tive que acatá-las. A primeira exigência foi que eu acompanhasse todo o processo da campanha de perto e pessoalmente, e isso inclui conhecer a fundo todas as suas filiais, e ai entra a outra exigência, ele quer um publicitário trabalhando exclusivamente na campanha, incansavelmente e integralmente.
-- Certo...e... – fiquei ansiosa.
-- E, a pessoa que eu escolhi para cuidar da campanha foi você!
-- Eu? Mas como eu Marina? – perguntei me assustando pela notícia.
-- Sim, você Giulia! Eu sei reconhecer talento, e eu sei que isso é o que você tem de sobra: talento! Você é muito talentosa, e precisa de uma chance pra mostrar todo o seu potencial.
-- Mas Marina tem outras pessoas na agência, tem pessoas que com certeza merecem esse projeto muito mais do que eu, pessoas que esperam por uma chance a muito mais tempo.
-- E eu dou a chance, eu a dou quando reconheço que aquele é o momento, e além do mais, esse projeto exige um pouco mais do publicitário, é exclusividade, é muito mais trabalho.
-- Marina...
-- Deixa eu te explicar direitinho como vai ter que ser e ai você pensa e depois me da uma resposta, não precisa me dizer nada agora. Pode ser?
-- Tudo bem, pode continuar.
-- Então...a pessoa que concordar trabalhar na campanha do senhor Henrique terá que viajar comigo em cada uma das filiais dele. Ele quer que conheçamos todo o processo desde o estágio de fabricação. Conhecê-las por dentro entende? – balancei a cabeça em concordância e ela continuou – Mas o problema é que essas filiais ficam em vários estados diferentes, e isso exigirá um bom tempo viajando sem ter um lugar fixo. Muitos que estão lá na agência não aceitariam isso, eu sei que estou pedindo muito. Então por isso lhe dou esse tempo para pensar.
-- Então quer dizer que se eu aceitar ir com você viajaremos por vários estados diferentes?
-- Isso mesmo! Inclusive para outro país.
-- E isso quer dizer que viajaremos somente você e eu?
Ela parou por alguns segundos, me olhou com surpresa e sorrindo de lado me respondeu.
-- Com certeza!
-- Interessante... – eu disse com o dedo indicador no queixo.
-- Promete pensar?
-- Não! – respondi seca.
-- Mas...
-- Eu já disse que não Marina.
-- Tudo bem, então eu...
-- Eu não preciso pensar Marina, eu aceito. – a interrompi.
-- Você está falando sério?
-- Claro! Eu sei que será um mega desafio, vou pegar uma campanha publicitária assim logo de cara com pouco tempo na agência, o trabalho será árduo, mas eu tive um grande incentivo. Então nem precisei pensar para lhe responder.
-- Que incentivo? – ela perguntou sentando mais perto de mim.
Me aproximei ainda mais dela, e abracei.
-- Será perfeito passar esse tempo com você Marina, eu sei que vou adorar. Então o meu incentivo é você!
Ela me abraçou forte, depois seus lábios desceram suavemente por minha bochecha e meu pescoço me fazendo arrepiar.
-- Você precisa parar de fazer isso. – eu disse quase num sussurro já sentindo um leve calor tomar conta de meu corpo.
-- Com o que?
Fiquei sem jeito e tentei desconversar.
-- Quando começamos? – perguntei e ela passou seu braço por meu ombro me mantendo bem próxima a ela.
-- Teremos que começar em duas semanas. – ela disse com os olhos apertados. – Tudo bem pra você?
-- Eu só preciso falar com a Vick. – disse pensativa.
Notei que só foi preciso tocar no nome de Vick para que Marina ficasse séria. Seu corpo ficou rígido e ela calou-se.
-- Ela divide apartamento comigo, eu preciso dizer que vou ficar esse tempo fora, além do mais a Vick é a minha família aqui, ela é minha irmã. Me entende?
-- Eu entendo. Me desculpa, é que...eu...
-- Ficou com ciúmes? – perguntei sorrindo.
-- Não é que...
-- Não precisa se desculpar, só preciso que entenda que eu preciso conversar com ela antes de viajar, e que nunca esqueça que sou sincera com você, então não precisa ter ciúmes de mim, ainda mais com a Vick. Isso seria incesto! – falei com uma voz diferente tentando fazer graça.
-- Ok! Mas quero deixar claro que eu não estou com ciúmes tá certo?
-- Tuuudo bem! – disse beijando sua bochecha.
-- Agora é sua vez de me contar o que aconteceu com a Verônica.
-- Ah nada demais, é que ela andou pegando no meu pé.
-- Desde quando isso?
-- Pra falar a verdade, desde o dia do meu teste na agência. E ela me proíbe de usar o celular na agência, ela diz que são normas.
-- Mas não existe essa norma na JUMP, nunca existiu. Eu vou falar com ela. Pode deixar.
-- Posso saber onde ficou a parte que você concordou em ficar longe dela?
-- Mas ela não pode agir dessa maneira com você Giulia.
-- Não tem problema não, pode deixar que eu vou acabar me acertando com ela. Eu sei me defender, eu sou forte. – disse mostrando meus bíceps inexistentes.
Marina gargalhou gostosamente e eu sorri junto. Eu senti seu corpo vibrar com sua gargalhada, e senti uma sensação gostosa e inexplicável por sentí-la daquela maneira. Como era bom ficar perto dela daquela maneira, sentindo o cheiro dela, ouvindo a sua voz e a sua gargalhada gostosa, sentir o abraço acolhedor dela. Ah! Eu não poderia estar mais feliz do que naquele momento, e não poderia desejar estar em outro lugar que não fosse aquele.
-- Tudo bem então, não vou falar com ela. Mas falarei se acontecer algo novo tudo bem?
-- Então ficamos combinadas assim, se acontecer algo eu lhe conto.
-- Tudo bem.
Passei o braço em sua cintura e beijei o seu queixo.
-- Está ficando frio.
Ela disse e o meu corpo confirmou o que ela acabara de falar. Senti o frio tomar conta de meu corpo me fazendo arrepiar e a abraça-la mais forte na tentativa de me esquentar com o calor de seu corpo.
-- Acho melhor irmos embora.
Odiei-me por meu corpo ter me entregado sucumbindo ao frio. Estava tão bom ficar ali com ela que eu tentaria suportar qualquer frio se fosse pra passar mais tempo com ela.
-- Vamos? – ela chamou já me separando dela e levantando-se.
-- Vamos. – concordei a contra gosto.
Fiquei de pé e no mesmo momento Marina me puxou de encontro ao seu corpo e entrelaçou nossos dedos.
-- Obrigada pela noite maravilhosa. Apesar de tudo, ela foi maravilhosa.
-- Foi planejado me trazer pra cá, um lugar tão romântico com uma lua tão linda dessa?
-- Quase que planejado. Eu sempre gosto de vir até aqui pensar, amo esse lugar e queria te trazer aqui, queria dividir isso com você, mas não imaginava que a lua estaria fantástica desse jeito.
-- Obrigada por dividir esse espaço comigo! Nunca tinha vindo aqui durante a noite, fica mais lindo ainda assim.
-- Prometo lhe trazer aqui mais vezes.
Não pude responder, Marina tomou minha boca em um beijo que me deixou sem ar, as pernas fracas e completamente surda, eu já não ouvia mais nada ao meu redor. Não ouvia mais as vozes ao longe, os gravetos quebrarem debaixo dos pés de quem passava alí, já não ouvia os cachorros e nem mesmo os pequenos animais e insetos que habitavam o Parque. Mas eu podia ouvir o seu coração bater acelerado, o meu começando a acompanhar o ritmo do dela. A sua respiração descompassada e a minha ainda mais. Meu corpo começou a pesar e minhas pernas já estavam suficientemente fracas para serem capazes de sustenta-lo. Apertei-a contra mim para não cair e me entreguei totalmente ao beijo. Aquilo era completamente mágico. Era como se ao me beijar eu conseguisse voar, sentia uma enorme paz, algo tão bom.
-- Esse cantinho aqui acabou de se tornar ainda mais importante e melhor do eu já era. – ela disse ao nos separarmos.
Eu continuei de olhos fechados, tentando me concentrar e fazer com que meu coração se acalmasse, minhas pernas me respondessem e minha respiração voltasse ao normal.
-- Tá tudo bem Giulia? – ela perguntou acariciando meu rosto e eu sorri abrindo os olhos.
-- Como alguém no mundo pode ter um beijo tão perfeito e mágico assim?
-- Sabe que eu estava me perguntando a mesma coisa? Como é que você faz isso Giulia, como consegue?
-- Eu estava falando de você sua boba. Do seu beijo. - eu disse sorrindo.
-- Outro dia eu lhe conto isso, mas antes eu vou ter que descobrir como você me deixa dessa maneira. Vamos?
-- Vamos. – sorri. Arg, como eu sou boba!
Demos as mãos e saímos na direção do carro dela. Eu nem me importava com algumas pessoas que olhavam pra mim de uma maneira diferente, eu nem mesmo sabia diferenciar se era algum tipo de preconceito ou se nos olhavam surpresos por reconhecerem Marina Amorim. O que importa é que eu não estava nem um pouco preocupada com aqueles olhares, apenas com o calor da mão que segurava a minha.
Como sempre Marina abriu a porta do carro pra mim, apesar de já se tornar quase comum que ela fizesse isso, eu nunca conseguia conter o sorriso que me tomava o rosto. Ela era linda e perfeita demais! Até parecia mentira que alguém como ela conseguisse me enxergar no meio da “multidão”.
Fomo o trajeto de volta pra casa conversando sobre a viagem que faríamos em pouquíssimo tempo. Tentávamos acertar e combinar detalhes. Ainda não tinha me caído a ficha de tudo o que havia acontecido durante o dia: o café da manhã, o buquê de cravos, os beijos, o convite para sair com ela a noite, o que ela me contou sobre a sua vida, e agora a viagem que faríamos. Eu estava ansiosa, mas ao mesmo tempo temerosa. Será que Vick concordaria? Tomara que sim!
-- Prontinho, chegamos! – ela disse estacionando.
Olhei para o lado esquerdo e logo reconheci a portaria do meu prédio. Quando foi que meu prédio se moveu pra tão perto do Parque Ibirapuera? Como chegamos tão depressa assim? Estar com Marina era assim, o tempo voava, passava muito depressa. “Mas senhor tempo, quando eu estiver com ela o senhor pode passar beeeeem devagar, eu não vou me importar tá? Até agradeceria!”.
-- Obrigada pela noite Marina!
-- Eu que tenho que agradecer. Sabe que eu ainda não consigo acreditar? – ela perguntou desafivelando o seu cinto de segurança.
-- Em que? – perguntei um tanto quanto perdida na conversa.
Ela sorriu e me puxou pela nuca colando sua boca na minha.
-- Que você também esteja apaixonada por mim. – ela disse.
Olhei no fundo dos seus olhos e senti aquela sensação nova mas que eu já estava me acostumando tomar conta de mim.
-- Acho que seria impossível não me apaixonar por você Marina! Você é perfeita, e a única que consegui mexer em todas as minhas estruturas. Você mexe comigo de uma maneira que eu acho que nunca, por mais tempo que se passe eu vou ser capaz de explicar. É realmente algo mágico.
-- Eu me apaixonei por uma foto, me apaixonei quando olhei a sua foto na sua ficha. Senti algo estranhamente bom. Não consegui tirar os olhos da sua foto, fiquei um bom tempo admirando, perdida nesse castanho dos seus olhos.
Sorri com o que ela disse. Nos aproximamos para um novo beijo quando assustei-me com o celular vibrando na bolsa que estava em meu colo. Saltei no banco assustando também Marina que sorriu e em seguida voltou a recostar-se no banco do motorista. Sem tirar os olhos de mim.
Tirei o celular da bolsa e sorri quando vi o nome da Vick na tela.
-- Oi Vick.
-- Pequena você já está em casa?
-- Eu acabei de chegar. Por quê?
-- Por nada, só queria saber, é que, eu dei uma saidinha...e...daqui a pouco eu tô chegando. Daqui a pouquinho mesmo tá?
-- Tá tudo bem Vick?
-- Tá! Tá sim! Por quê? – ela falava nervosamente, se enrolando com as palavras.
-- Você tá esquisita! – Marina me olhava atentamente.
-- Tô não, tô normal, tô bem. – suspirou – Escuta você tá mesmo em casa né?
Eu falava ao celular com Vick quando um carro preto estacionou na frente do carro de Marina.
-- Estou sim Vick, estou em casa, acabei de chegar. Não estou lhe entendendo, você está muito esquisita.
-- Eu estou bem, estou bem. Até aqui a pouco, estou quase chegando.
-- Tudo bem. Até já. Beijos.
Ela não respondeu nada, do outro lado da linha eu só ouvi “tu tu tu “. Ela desligou na minha cara! Olhei para o celular incrédula!
-- Desligou na minha cara. – falei sozinha.
-- O que houve? – Marina perguntou e eu voltei minha atenção para ela.
-- A Vick, ela estava muito esquisita e...
Olhei para frente, mais exatamente para o carro que estava parado a nossa frente. A porta havia sido aberta. Me assustei quando vi descer apressadamente daquele carro Victória.
-- É a Vick! – eu disse e Marina olho na direção que eu olhava.
-- Eu conheço esse carro! – ela endireitou-se no banco – É o carro da Fernanda. Mas o que ela tá fazendo aqui? – ela se perguntou e logo depois abriu um sorriso e eu fiquei sem entender nada.
Voltei a olhar para o carro. Havia acontecido algo e eu havia me perdido no meio da estória, não tava entendendo mais nada do que estava acontecendo. Como assim Fernanda conhecia a Vick? De onde? Como?
Acompanhei os passos de Vick até ela parar no portão, pousar suas mãos na grade e baixar a cabeça. Segundos depois Fernanda desceu do carro deu a volta a parou no carro e parrou do lado do carona.
-- Desculpa tá? Desculpa! Não foi isso que eu quis dizer. Desculpa por ter estragado a noite, tava tudo tão perfeito, tudo tão bom e eu...só me desculpa tá? – ela baixou a cabeça encostando-se no carro.
Vick ouviu a tudo que Fernanda falou sem virar em sua direção, permaneceu do jeito que estava. A cabeça baixa e apoiada no portão de entrada, assim como suas mãos.
-- Tudo bem, eu te desculpo, está desculpada, você já pode ir. – Vick falou ainda de costas.
-- Não faz assim comigo Victória.
Do nada Vick foi na direção de Fernanda e a surpreendeu com um beijo. Assisti a cena de boca aberta. Ok! Eu estava totalmente perdida na estória.
-- Nossa! – Marina disse o que o momento merecia.
-- Você está sabendo de algo?
-- Mais ou menos, estou um tanto surpresa, assim como você.
Nos falávamos sem nos olhar, nossos olhos estavam vidrados nas duas a nossa frente. Elas se separaram, voltaram a se beijar, e depois Vick saiu quase correndo na direção da portaria. Fernanda a acompanhou com um pequeno sorriso e quando Vick saiu de seu campo de visão ela entrou no carro e foi embora.
-- Isso foi muito esquisito. – eu disse.
-- Concordo com você Giulia, foi muito esquisito. Mas acho que depois elas nos contam algo. Se houver algo pra contar elas vão contar.
-- Acho que sim. Mas será que agora você pode me dar um beijo?
-- Quantos você quiser. – ela disse sorrindo e logo nossos lábios se encontraram.
De repente o carro começou a ficar quente, excessivamente quente. Minha pele ardia, o ar começava a me faltar. Marina me beijou de um jeito diferente, e o meu corpo reagiu na mesma hora. O beijo de Marina desceu por meu pescoço deixando um rastro quente, fazendo minha pele arrepiar. Enrosquei meus dedos nos cabelos de sua nuca a arranhando levemente. Suas mãos começavam a criar vida e passear por meu corpo. Eu começava a perder a cabeça. O carro esquentava cada vez mais. Mordi levemente seu queixo, desci até seu pescoço mordiscando e cheguei até a sua orelha, onde mordi e depois soprei. O corpo de Marina ficou rígido, suas mãos apertaram fortemente minhas coxas. A sua respiração estava pesada. Dei vida as minhas mãos, e as coloquei debaixo de sua blusa, a sua pele alva estava completamente eriçada, arrepiada.
Do nada nos assustamos quando meu celular voltou a tocar. Separamo-nos com certa dificuldade. Peguei meu celular e vi que era Vick que me ligava novamente. O coloquei no silencioso e guardei de volta na bolsa, nem cheguei a atender.
-- Eu vou ter que ir, ela deve ter visto que eu não estava em casa e agora quer saber onde eu estou.
-- Aham. – ela disse suspirando pesadamente.
-- Boa noite. – disse abrindo a porta do carro.
-- Boa noite. – ela disse me dando um selinho. – Durma bem tá? Obrigada por hoje.
-- Disponha sempre de minha companhia Marina Amorim. – sorri – Chega bem em casa tá? Durma bem. – disse segurando seu queixo e dando-lhe um pequeno beijo. – Acho que vou sonhar com você.
Dito isso eu sai do carro. A cada dois passos que eu dava eu olhava para trás, olhava pra ela. Só pra ter certeza de que ela ainda estava ali e eu não estava sonhando. Cheguei ao portão acenei pra ela e ai sim ela deu partida no carro. Ainda fiquei de pé no portão olhando seu carro sumir de vista. Só sai do transe quando meu querido celular voltou a tocar.
-- Ai Vick, já vou, já vou!
Falei com o porteiro e fiquei esperando o elevador chegar. As portas abriram-se e lá estava Vick com sua cara de preocupada. Entrei antes que ela falasse alguma coisa.
-- Você não disse que estava em casa Giulia?
-- E eu estava. Eu estava lá embaixo faz um tempinho. Estava no carro de Marina que estava estacionado aqui na frente do nosso prédio. – soltei e a olhei atentamente.
Vick deve ter mudado de cor umas três vezes, me olhou surpresa, abrindo e fechando a boca várias vezes sem conseguir falar nada.
-- Você...você estava lá embaixo? Esse tempo todo você...você estava lá embaixo? – ela perguntou com os olhos levemente esbugalhados e a voz quase sumindo.
-- Sim, eu estava. – disse sorrindo.
-- Então quer dize que...que você...
-- Se eu vi o beijão que você deu na Fernanda?
Dessa vez ela me olhou com os olhos ainda mais esbugalhados. As portas do elevador abriram-se e ela permaneceu imóvel lá dentro.
-- Você não vem? – perguntei da porta.
Só ai ela moveu-se. Sai na sua frente rindo da cara dela. Não via motivos pra ela ficar nervosa daquela maneira. Era normal que ela saísse com alguém, e ela nunca me escondeu nenhuma das mulheres com que ela saiu, e nem mesmo ficou nervosa quando eu flagrei um beijo trocado entre elas. Era normal afinal. Não era?
Entramos em nosso apartamento e ela foi logo tentando desconversar e desviar o foco da minha atenção.
-- Como foi a noite com Marina?
O pior é que ela conseguiu!
-- Maravilhosa! – disse me jogando no sofá e sorrindo ao lembrar da nossa noite.
-- Pelo sorriso posso ver que foi maravilhosa mesmo. Não quer me contar o que foi que aconteceu de tão esplendido assim?
-- Conto sim, e eu tenho até que falar com você sobre algo muito importante. – disse endireitando-me no sofá.
-- Xiii parece que vem bomba. – ela disse sentando na poltrona a minha frente e tirando seus tênis. – Manda! Pode falar.
-- Tá! A minha noite com a Marina foi linda, foi especial, foi importante. Ela me contou sobre sua vida, me contou que já foi noiva e me contou sobre um relacionamento complicado que ela teve e que até hoje a tal mulher não aceita o fim.
-- Tá, e onde é que tá o especial e importante nisso ai?
-- Me deixa contar Vick, ai você vai ver como foi importante.
-- Tudo bem, continua.
-- Bom a tal mulher com a qual ela teve um caso trabalha com a gente, é a coordenadora dela, a mesma mulher que pega no meu pé e que proibiu que eu usasse o celular na agência. A mulher é meio louca sabe, persegue e não larga o osso.
-- Continuo tentando entender...
-- Vick!
-- Tá, continua...
-- O importante é que ela foi sincera comigo, ela se abriu entende? Foi sincera! E além disso eu pude ver, eu vi em seus olhos o que ela dizia sentir por mim, eu vi paixão. E eu soube definir o que eu sentia por ela Vick, eu estou apaixonada por ela, assim como ela está por mim. Eu contei a ela Vick, contei que também estava apaixonada. – disse sorrindo largo.
-- Mas isso eu já sabia! – ela disse sorrindo também.
-- Isso é tão bom Vick, é tão bom se sentir assim.
-- Eu sei! – disse como se lembrasse de algo.
-- Mas tenho mais coisas pra lhe falar.
-- Sou toda ouvidos.
-- Marina me fez um convite. Um convite de trabalho. É uma campanha em que vamos ter que visitar todas as filiais da empresa para melhor representa-la, e essa foi uma exigência do cliente. Então... – pausei – isso vai levar um tempinho, em média um mês.
-- E quanto tempo você tem pra se preparar? – me perguntou surpresa.
-- Duas semanas! – disse temendo levar uma bronca.
-- Duas semanas? Só isso Giulia?
-- Temos que entregar logo a campanha Vick.
-- E só você vai estar nessa campanha?
-- Marina e eu!
-- Ah, então está explicado! Vocês são umas aproveitadoras sabia disso? Vão aproveitar essa tal campanha ai pra literalmente se aproveitarem não é mesmo?
-- Vick!
-- Desculpa. Então, a única coisa que eu posso lhe dizer é: Vai fundo pequena, arrasa nesse trabalho.
-- Sério? Não vai brigar comigo?
--Claro que não, eu vou lhe apoiar! É seu sonho pequena, você sempre quis esse trabalho.
-- Ai, obrigada Vick. – disse levantando-me e sentando em colo a abraçando.
-- Não tem o que agradecer, eu estou aqui, sou sua irmã e o meu papel é zelar por você, por seu sucesso e por suas vitórias. Cuidar de você e sempre e apoiar.
-- Você é a melhor irmã do mundo.
-- Eu sei, eu sei.
-- Convencida! – um silêncio tomou conta da sala e eu lembrei do beijo lá na calçada – Vick?
-- Hum?
-- Que tal me contar do beijo na calçada do nosso prédio hein?
Fechei a boca e quase caiu no chão. Vick levantou repentinamente do sofá quase me derrubando de seu colo.
-- Olha só, eu estou cansada, amanhã eu trabalho, então eu tenho que ir dormir tá? Boa noite. – disse apanhando seus tênis e indo para o seu quarto mais do que depressa.
-- Você não pode fugir dessa conversa Vick. – gritei da sala. – Boa noite!
Fui até a cozinha, bebi um copo d’água e fui para o meu quarto. O sono começava a me dominar. Bocejava quase de segundo em segundo. Precisava de um banho. Coloquei meu celular sobre o criado mudo ao lado da minha cama, retirei minha roupa e a coloquei num canto da cama e fui para o banheiro. A água estava extremamente gelada.
No meio do banho ouvi meu celular avisar a chegada de um novo e-mail. Quase nem consegui terminar o meu banho sem ter a vontade de correr até o meu celular e ler o e-mail. Eu sabia que era um e-mail de Marina, só podia ser dela, ninguém mais me mandaria um e-mail aquela hora.
Me enrolei na toalha e sai correndo na direção do meu guarda roupa, enxuguei-me rapidamente, vesti eu pijama de algodão e joguei-me na cama. Peguei meu celular. Era mesmo um e-mail da Marina. Sorri antes mesmo de abrí-lo.
De: Marina
Para: Giulia
“Acabei de chegar Giulia. Mas confesso que estou com uma vontadezinha de ainda estar ai parada na calçada do seu prédio, dentro do meu carro com você. Olha só, acabei de cheirar a minha blusa, e adivinha, ela cheira a você. Tem seu perfume nela. Nunca mais vou lavá-la! Tenho que te confessar mais coisas, então vou aproveitar que já comecei a falar. Lá vai:
- Nunca me senti da maneira como eu me sinto com você;
- Nunca achei que meus pulmões pudessem parar de funcionar ao beijar alguém, mas eles param quando nossos lábios se encontram;
- Nunca levei ninguém no meu lugar favorito;
- Não consigo me controlar quando estou perto de você, o desejo me consome;
- Eu queria estar nesse momento com você;
- Acho que me aproveitei um pouquinho, talvez só um pouquinho dessa nova campanha pra ficar mais perto de você;
- Já sinto a sua falta;
- Seu cheiro é maravilhoso;
- Eu estou completamente apaixonada por você!
Chega de confissões por hoje! Uma boa noite para a garota mais linda desse mundo. Posso apostar que vou sonhar com você.
Beijos,
Da sua Marina Amorim.”
Tentei responder o e-mail, até comecei a digitar. Mas o sono acabou me vencendo. Fui levada para os braços de Morfeu, e pode apostar que depois do e-mail de Marina eu fui sorrindo!
Fim do capítulo
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