POV Jodie

Faz quase quatro anos e meio que eu vi a mulher mais forte que já conheci na vida desmoronar como uma criança de colo que acorda de um pesadelo com medo. Ver Charlie chorando compulsivamente e descontroladamente na noite do dia em que Izzy terminou com ela foi como um soco no estômago pra mim. Eu acompanhei o sofrimento dela desde aquele dia, mas de longe porque sabia que ela não queria companhia, ela não queria demonstrar aquilo, ela não queria demonstrar que estava morrendo por dentro. Então eu apenas fiquei de longe vendo o sofrimento dela aumentar na mesma medida em que a felicidade da Izzy também aumentava.

Izzy e Claire.....Eu lembro de pensar que era o pior erro da minha amiga era ficar com a Claire; não deixar a Charlie, não magoar a Charlie, mas ficar com a Claire. Eu sempre odiei o ‘eu te avisei’ pela quantidade de vezes que ouvi essa frase dos meus pais nos velhos tempos, mas fui obrigada a dizer isso à Izzy, dois anos depois, quando ela realmente precisou da “namorada” e Claire não estava lá pra ajudar ela. E olha, eu até hoje me surpreendo com o quanto demorou a isso acontecer.

De novo era outono, o segundo desde aquele ultimo outono em que Charlie esteve com a gente. A verdade sobre mim naquela época: eu me arrependia de não ter ido com ela quando notei que ela iria embora, me arrependo de ficar aqui com o grupo por achar que ela não aceitaria me levar. Hoje acho que se eu tivesse pedido por isso talvez ela tivesse aceitado.

O primeiro ano foi pacífico, muito calmo, como se nada de ruim pudesse mesmo acontecer ali. Mas eu estava inquieta, eu precisava de algo a fazer, então comecei a ajudar cada vez mais nas atividades da fazenda. Nós plantávamos, cuidávamos, colhíamos e caçávamos; sempre em conjunto e eu comecei a participar de tudo. Eu fiz 17 e entendi que aquilo não era o bastante pra mim. Eu não queria estar ali com eles.

Tinha Vivian, as primas e os primos da Izzy que eram meus amigos; eu gostava deles, mas não eram o bastante. Mas eu sabia que não sobreviveria fora dali como estava então não tinha opção. Então me lembrei do presente que Charlie tinha deixado pra mim.

Um dia antes de ela começar a arrumar as coisas para ir embora nós conversamos. Eu já tinha reparado que ela estava querendo partir, eu entendia o lado dela, mas também era amiga da Izzy então não queria interferir porque eu sabia que se interferisse eu daria razão à Charlie.

Era fim de tarde e eu encontrei ela caminhando pelas arvores, do lado oposto a onde estavam todo o resto das pessoas. Caminhei ao lado dela por alguns minutos, até que não me aguentei e comecei a conversar. Disse que sabia que ela estava querendo ir embora, disse que eu apoiava a decisão dela e que a entendia, mas disse também que não queria que ela fosse. E não era só pela Izzy que eu queria que Charlie ficasse, era por mim também. Eu sabia o quanto Izzy ficaria mal com a ida da Charlie, mas eu também sentiria falta dela. Charlie era a minha segurança ali naquele lugar, mesmo com tanta gente por perto pra cuidar uns dos outros, eu ainda me lembrava muito bem de que foi só quando ela apareceu naquele nosso pequeno grupo que eu comecei a me sentir segura e com menos medo de novo. Tá que Izzy ajudou um pouco nisso depois, mas o pilar que sustentava esse manto de proteção sobre todos nós não era ela, era a Charlie.

Ela não falou muito comigo, disse apenas que precisava, que não conseguia mais estar ali, mas também me disse que sentiria falta do pessoal e me contou que assim que saísse iria para o sul, talvez perto do México e que se continuasse viva depois de chegar lá voltaria para o norte, mas sempre se afastando de nós. Eu esperava que ela sobrevivesse e acabasse resolvendo voltar, mas era uma esperança infantil; eu era só uma criança ainda mesmo naquela época.

Naquele dia eu pedi para ela tentar não ir, para ela pensar mais um pouco. Eu disse que não queria que ela fosse, que eu ficaria preocupada. Disse que me importava e não queria que ela fosse. Ela pediu desculpas por ter de ir, mas disse que era preciso, era o que ela precisava. Eu fiquei triste sim, mas eu a entendia e respeitava, só que, vendo que eu realmente me importava, Charlie deu um pequeno sorriso (o primeiro que eu via ela dar em meses).

Ela então colocou as mãos dentro do bolso interno da jaqueta que estava usando e tirou de lá uma faixa, como as que ela usava nas mãos quando tinha que treinar (porque ela ainda treinava constantemente) ou quando ia fazer rondas em volta da fazenda. Era uma faixa cinza escura que parecia muito velha; Charlie passou ela de uma mão a outra um tempo e então do nada jogou ela pra mim. Eu peguei num susto e a encarei sem entender nada. Ela só deu de ombros e me disse: “Fica com você, é uma que eu só usava quando ia fazer alguma luta de verdade na academia. Nunca perdi com elas, então meio que se tornaram meu amuleto...mas agora não preciso mais; então fica pra você como lembrança”.

Naquele dia eu quase chorei, mas quando viu minha cara de choro por conta do que tinha acabado de fazer a Charlie rolou os olhos e me abraçou; eu retribui o abraço com força me agarrando nela. Foi a primeira e a única vez em que ela me abraçou, e eu fiquei longos minutos tentando não chorar enquanto escondia o rosto no peito dela e a apertava forte, era como se eu estivesse perdendo minha família de novo e isso era horrível. Eu consegui me acalmar e a soltei enxugando as poucas lágrimas que eu tinha deixado cair, então guardei as faixas no bolso e disse que ficaríamos bem.

No dia seguinte ela sumiu sem dar adeus a ninguém e, por um tempo, tudo ficou bem sim, mas as coisas começaram a ruir sem ela na fazenda. Perdemos um pouco da nossa organização. Jonnathan não era nem de longe tão bom líder quanto Charlie foi, mesmo que por pouco tempo. Mas nos mantivemos bem por dois anos porque estávamos escondidos do resto do mundo. Só que isso não podia durar pra sempre.

Fim do capítulo