Capítulo 22 – Primeira cidade
Caminhar e caminhar, era ao que se resumia minha vida. Era tudo o que eu poderia fazer. Vez ou outra deixava o pequeno animal caminhar sozinho ao meu lado, mas na maioria do tempo a pequena Sam apenas dormia nos meus braços enquanto eu continuava a caminhar.
No começo eu não ia para nenhuma cidade. Não havia nada nelas que pudesse me atrair já que eu conseguia achar frutas nas periferias e nas pequenas matas, além de encontrar também alguns peixes, fora as coisas que eu havia conseguido trazer comigo, que eu economizava ao máximo. Para o pequeno filhote eu dava mais o peixe e um ou outro pequeno animal que conseguisse capturar.
Com o tempo a necessidade de entrar nas cidades começou a ser maior. Nessa época eu já havia perdido a conta do tempo em que estava por ai, a verdade é que eu só o notava por causa do crescimento de Sam. Já havia encontrado alguns grupos, ou procurando algum lugar para ficar, ou apenas caminhando de uma cidade a outra em busca de alimento. Com os grupos mais “pacíficos” eu arriscava algum contado, e por meio deles descobri que as cidades maiores haviam sido tomadas por grupos que controlavam tudo, desde os poucos recursos de alimento e água, até a própria vida das pessoas.
Quando eu cheguei na entrada de uma das maiores cidades que havia na redondeza em que eu estava minha pequena companheira já não estava mais tão pequena assim. Conseguindo me acompanhar por si mesma por todo o tempo sem que eu precisasse carrega-la ou parar para que ela descansasse. Notei os pelos dela se arrepiarem quando eu demonstrei estar indo para a cidade. Ela não gostou do lugar, e a verdade é que eu também não, mas algo me fazia querer entrar ali.
– Vamos, pequenina – falei olhando por cima do ombro para ela – Sei que não vai ser um lugar legal, mas fica por perto de mim. A gente cuida uma da outra aqui também. Vem Sam.
Ela veio, e até parecia entender que o ambiente era realmente mais hostil do que o normal porque suas orelhas ficavam atentas o tempo todo a todo e qualquer ruído em volta. Pelos poucos grupos com que eu havia feito contato tinha sido relativamente fácil descobrir o funcionamento das cidades. Cada uma tinha suas próprias regras, mas no geral, os grupos que chegavam nelas eram destruídos rapidamente, os lideres não queriam grupos ali dentro fora o deles e as pessoas submissas. No entanto, viajantes sozinhos eram vistos como opções vantajosas.
Primeiro porque aquela altura qualquer um que andasse por ai sozinho tinha que ter algo diferente, no mínimo era forte e não gostava das outras pessoas. Aparentemente, os líderes das cidades gostavam de tentar convencer os solitários a se juntarem ao seu “grupo” quando notavam que eles eram fortes, ou tentavam tirar informações de como andavam as outras cidades. Parecia haver um acordo mudo de que os viajantes eram a fonte de informação.
Saber disso me garantia que, antes de tudo, eles tentariam ser “amigáveis”. Não que isso me deixasse muito tranquila. Caminhei pelas ruas desertas, a periferia estava completamente desabitada e abandonada. Todos os prédios e casas com as portas arrancadas e janelas quebradas, como se para impedir que alguém se instalasse definitivamente ali.
O caminho até as áreas mais centrais foi calmo, mas os pelos compridos de Sam ficavam cada vez mais arrepiados. Parei e ela parou ao lado da minha perna direita, sua cabeça na altura da metade da minha coxa. Me abaixei até ficar de joelhos e ter o focinho dela perto do meu rosto. Por uma coincidência que às vezes me matava, os olhos verdes dela eram quase do mesmo tom dos olhos de Izzy.
– Vamos lá Sam. Eu também estou sentindo que algo não está certo, mas essa sua reação está me deixando nervosa – falei fazendo carinho no topo da cabeça dela – Você está ouvindo ou sentindo algo, não está? – perguntei e ela soltou um ganido baixo virando o rosto para a direção em que estávamos seguindo, como se me dissesse que sim – Certo Sam. Você está ouvindo e sentindo algo – murmurei com a mão agora no pescoço dela com os dedos entre seus pelos negros e compridos.
Tinha algo acontecendo, e era algo que ela não estava gostando, algo que seria perigoso para nós talvez. Tudo que eu havia ouvido antes rodava na minha mente enquanto eu pensava e procurava uma solução. Me levantei e caminhei para uma das casas do lado esquerdo da rua, dei a volta no quintal e achei uma velha casa de cachorro. “Melhor impossível”, pensei caminhando para lá. Tirei a mochila das costas e comecei a retirar de dentro dela as coisas mais valiosas que eu tinha. Excesso de comida pra fora, munição extra pra fora, melhores roupas pra fora e acho que é o bastante.
– Certo Sam – falei embrulhando tudo em uma camisa mais velha – Essas coisas ficam aqui por precaução. Mas e você? Te deixo aqui ou te levo junto heim?? – perguntei fazendo carinho atrás das orelhas dela.
Sam me encarou com aqueles olhos verdes e inclinou a cabeça para um lado, então encostou o focinho no meu rosto. Até parecia que ela estava me dizendo que não me deixaria sozinha.
– Isso é você dizendo que vem comigo não é? – perguntei sorrindo e ela me encarou de novo; aquela cadela era muito esperta e o olhar dela sempre parecia dizer algo – Vamos Sam, vamos descobrir o que tem nessa cidade – falei me erguendo e ela me seguiu quando sai do quintal da casa.
------xxx------
Várias quadras depois pude ver um aglomerado de pessoas. Parecia ser o centro de uma praça e diversas pessoas estavam em volta de algo. Havia muito barulho, gritos de incentivo e outros de xingamento. Devido a grande algazarra eu caminhei calmamente sem ser notada. Até que um cara; alto, careca, negro, usando apenas uma calça camuflada e um coldre com duas pistolas e com uma expressão ameaçadora me notou e veio na minha direção.
– Ora, ora. Mas o que temos aqui – disse ele me encarando de cima a baixo, minha capa de viagem escondia praticamente toda a minha roupa assim como minha mochila, mas deixava a mostra o jeans velho desbotado e os coturnos pretos e sujos.
– Sou uma viajante – falei no meu melhor tom indiferente – Só procuro informação e alguém para fazer trocas – completei com um tom mais irritado ao notar o olhar dele sobre mim, mulheres viajando sozinhas era algo incrivelmente raro.
Um som de comemoração chamou a atenção do cara a minha frente que se virou e correu de volta para a beirada do circulo, logo depois comemorando também. A maioria das pessoas começou a caminhar para grupos enquanto algo parecia ser reorganizado e distribuído. “Apostas” pensei, estavam apostando em algo. Quando os grupos se formaram eu vi um cara saindo ainda comemorando e outro sendo arrastado por dois rapazes que pareciam amigos dele.
O cara grande e negro voltou a me encarar guardando algo no bolso, ao lado dele veio outro homem, um pouco menor, mas com um olhar que ameaçava mais. “O líder da cidade”, pensei e isso se confirmou quando ele parou em minha frente com um sorriso convencido.
– Uma mulher. Isso é bem raro – disse ele ainda sorrindo ao me encarar – Eu sou Simon, e então, o que a trás à minha humilde cidade?
– Informação, trocas – falei simplesmente com minha cara de tédio, Sam estava calmamente deitada ao lado dos meus pés.
– E que informações você teria pra mim? – ele perguntou com um sorriso menor, mas com um olhar que me incomodou muito – Bem, eu e você podemos fazer outros tipos de trocas também.
– Eu vim do norte, e o frio lá chegou mais cedo, vocês deveriam se preparar para um inverno mais rigoroso. E também, se alguém de vocês caça, os animais das florestas do norte parecem estar migrando por rotas diferentes, tomando conta do que sobrou das cidades menores. Está sendo interessantes caçar pra conseguir comida – falei sem me altera; demonstrar incomodo faria ele tentar algo a mais – O que estava acontecendo ali? – perguntei sendo vencida pela minha curiosidade.
O sorriso dele aumentou, como se orgulhoso de seja lá o que fosse que estivesse, e ainda parecia, estar acontecendo.
– Minha pequena diversão – disse ele vindo para meu lado, mas Sam levantou e rosnou num tom de alerta fazendo-o parar.
– Ela não gosta de aproximação desnecessária – falei encarando a expressão desconfiada e irritada dele com meu olhar calmo e tranquilo – Nem ela nem eu; é só não chegar perto.
Ele me encarou em dúvida, mas pareceu se conformar quando, ao dar um passo para trás, minha pequena amiga voltou a se deitar.
– Como eu ia dizendo, é uma diversão para as pessoas – ele continuou mantendo agora um olho na cadela.
– Como funciona? – perguntei calmamente notando que outro cara, aparentemente da turma dos seguidores do líder se aproximava do que parecia um círculo desenhado no chão de concreto.
– É bem simples. Temos regras, e alguns tem privilégios. Os meus amigos tem mais privilégios do que os outros – ele disse sorrindo de novo – Mas eu sou um cara legal. Então se alguém se mostrar melhor que um dos meus amigos eu deixo pedir algo – um rapaz entrou no círculo também, era alto e parecia forte, mas tinha um olhar assustado – Venha, venha ver – ele me chamou e eu caminhei ao lado dele, com Sam entre nós dois até que paramos na beirada do círculo.
A luta começou até empatada, mas depois de alguns minutos o pobre garoto (que não deveria ter mais de 20 anos) começou a levar uma grande surra. Eu fiquei quieta para ver o que isso ia dar, mas aparentemente o tal Simon só gostava de ver a surra, de forma que, quando o garoto caiu no chão quase inconsciente, a briga acabou e o cara dele ganhou, novamente várias moedas foram distribuídas passando de um dono a outro.
– O que valem as moedas? – perguntei calmamente.
– Eu sou o dono de tudo o que tem valor. Quem trabalha pra mim ganha as moedas. Alguns podem fazer comércio desde que eu ganhe algo e assim as moedas rodam, apostas são o que mais as fazem rodar de mão em mão – ele respondeu sorrindo – Mas vamos ao que nós dois poderíamos trocar – ele disse me encarando com um sorriso que me deu nojo.
Não que o cara fosse feio....tinha por volta de 180cm, era forte, cabelo cortado curto, olhos azuis, traços fortes... Mas aquele tipo de olhar me irritava. O olhar de alguém que não se importa com outro que não consigo mesmo; o olhar de alguém que sempre tem o que quer, e que faz qualquer coisa pra ter isso. É, definitivamente, o tipo de olhar que me dá nojo.
– Quero tentar – falei encarando o círculo.
– Mais heim? – perguntou Simon indo para a minha frente com um sorriso de dúvida sem saber sobre o que eu falava.
– A luta – repeti e então ele e o cara negro ao meu lado riram – Falo sério – disse calmamente, Sam se levantou e ficou sentada.
– Qualé – disse o cara alto e negro – Mulher se você quer apanhar pode fazer isso de um jeito mais proveitoso do que...
Ele não terminou a frase, minha mão agarrou a garganta dele com força fazendo-o se calar; quando ele tentou puxar uma das pistolas eu torci o pulso fazendo ele perder o equilíbrio.
– Porque acha que eu viajo sozinha? – perguntei me abaixando para ficar mais perto da altura dele que estava de joelhos – Acha que um cara grande com uma arma é perigoso o bastante pra mim? Pois não é – falei com uma calma que não sentia; Sam continuava sentada sabendo que eu tinha tudo sob controle – Mas se você duvida, porque não brigamos eu e você? – sugeri com um meio sorriso divertido e arrogante.
– Olha que interessante – riu Simon por causa da cena quando eu soltei seu “amigo” – Ela até que tem um ponto Bob. Porque não tenta? Só temos um problema, minha linda. Você não tem o que apostar – ele disse me encarando com um sorriso sugestivo.
Puxei o pente extra de munição 9mm que eu trazia comigo e mostrei a ele.
– Achei numa casa abandonada de uma fazenda a um mês daqui mais ou menos, tinha mais dessas por lá, outros tipos de munição que eu não preciso. Posso te dar a localização do lugar – menti encarando Simon – É uma informação boa o bastante pra ser colocada numa aposta não é? Deve ser difícil pra você achar munição pra essa pistola ai na sua cintura.
– Certo, mulher – ele me disse encarando a munição – Você conseguiu sua luta. Vai lá Bob. É sua vez hoje.
– Pode deixar chefe – disse o grandão indo pra dentro do círculo – Vou adorar acabar com a raça dessa vadia.
Balancei a cabeça num movimento de negação. Aquele cara estava pedindo pra apanhar. Tirei a capa junto com a mochila, tomando o cuidado de fazer a minha pistola não aparecer. Coloquei tudo no chão ao lado de Sam. Entrei no círculo e olhei para minha companheira.
– Sam, guarda isso pra mim – disse deixando o pente de munição cheio em cima da capa com a mochila; ela apenas sentou olhando na minha direção, mas eu sabia que alguém perderia a mão se tentasse pegar aquilo sem eu deixar.
Fim do capítulo
Olha eu de volta hehe
bjs pessoas
;]
Comentar este capítulo:
rhina
Em: 18/03/2018
Gostei .....um suspiro de força. ...a vida que não para e com ela temos que viver pois viver vale a pena mas isso não tira a grandeza da dor de amar e não ser amada.....querer ser amada e receber a indiferença e a ausência. ....como dói. ....no entanto a vida da pulsando.....vibrando.....o corpo todo físico inteiro. ....o corpo emocional quebrado. ...em frangalhos. ....a vida pulsa.....vibra.....e o amor. ....a pessoa amda.....fica.....
Rhina
[Faça o login para poder comentar]
rhina
Em: 18/03/2018
Gostei .....um suspiro de força. ...a vida que não para e com ela temos que viver pois viver vale a pena mas isso não tira a grandeza da dor de amar e não ser amada.....querer ser amada e receber a indiferença e a ausência. ....como dói. ....no entanto a vida da pulsando.....vibrando.....o corpo todo físico inteiro. ....o corpo emocional quebrado. ...em frangalhos. ....a vida pulsa.....vibra.....e o amor. ....a pessoa amda.....fica.....
Rhina
Resposta do autor:
Nada tira a grandeza de uma dor. Mas as nossas realidades as vezes nos obrigam a sobreviver ao invés de viver.
Mas a vida não para, e Charlie continua apesar de tudo.
;]
[Faça o login para poder comentar]
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]