Pentimentos por Cidajack
Gente,
Vou tentar dar um gas e publicar até o capítulo atual ainda essa semana, pois semana que vem o Aedes Egiptys me aguarda.
Quero informar que o final está em andamento, com várias partes digitadas. Vamos ver se deste ano não passa...rs
kc´s
Capítulo 9
A doutora tinha razão. A única proteção era o velho curral, a uns 50 metros de distância e, um pouco mais próximo, a caminhonete que descansava sobre cavaletes. O espaço a ser percorrido até eles era totalmente aberto.
- Isto parece mais um sinal….
Antes que tivesse tempo de terminar a frase, estavam sendo cercadas por homens, aparentemente trabalhadores rurais. Eles não estavam com semblantes amistosos. Carregavam ferramentas agrícolas, que apesar de inocentes, com certeza eram armas letais, se assim fossem utilizadas.
Dois estavam a cavalo. Os outros, oito, a pé.
- Luck….- a loirinha estava preocupada, pois já vira alguns levantes entre donos de terras e posseiros - …fique calma…não temos o que fazer. – temia pelas impetuosas reações da médica.
Não tinham o que fazer, mas a médica já estava em pé, empurrando a loirinha para mais perto da caminhonete, onde algumas peças estavam espalhadas. Rapidamente, já fizera um inventário das possíveis coisas a serem usadas como armas.
Embora fosse uma médica, que muitos achavam ser sedentária, Luciana tinha um preparo muito bom em artes marciais e em defesa pessoal. Sabia manejar algumas armas, de fogo e brancas. Mas, ali, no caso, seria seu instinto de sobrevivência que ditaria quais seriam as armas.
Os homens se aproximaram. Os dois que estavam a cavalo desceram e se colocaram à frente, como se fossem os líderes.
…Tarde.
- Tarde. – Rebecca respondeu, com um sorriso plastificado, enquanto cutucava Luciana para fazer o mesmo.
- Tarde. – a doutora falou entre os dentes, muito à contragosto.
Os dois as olhavam da cabeça aos pés.
- Se não for bisbilhotá, nós pode saber o que as duas donas fazem por aqui? – o mais alto perguntou, ironicamente.
- Olhando. – foi a resposta seca de Luciana.
Com a ponta da faca, o mais baixo começou a traçar círculos na palma da mão, enquanto o outro falava.
- Nóis ficamo sabeno que uns adivugado tavam assuntando sobre essas terras. Nóis tava esperando que aparecesse alguém por aqui, uma hora ou outra.
Com um movimento de cabeça, ele apontou para um rapaz muito jovem.
- Ele viu quando vocês saíram do sítio. Disse que a dona dos zóio azul é doutora… Entonces, nóis acha que cês duas tão aqui mor de causá pobrema.
- Ela é doutora sim, mas é….
- …estou defendendo os interesses do meu cliente. Viemos averiguar como estão as terras dele. Ela é engenheira agrônoma.
Becky olhou Luck como se essa tivesse perdido o juízo. Havia um certo brilho nos olhos da médica. Becky diria que ela estava se divertindo.
- É. Pois é. O solo tá meio ressecado, parece que não chove… - e levou um cutucão de Luck.
Agora, o bando estava mais agrupado e olhavam para o suposto líder.
- Oia, nóis num sabe quem é o patrão dos cês, mas essa terra num é mais dele. Não sem uma boa briga, dona.
A risada ecoou na tarde, acompanhada de gritos de aprovação.
-... e... contra quem teremos que brigar? – foi a resposta de Luck, para o espanto de Becky.
- ...Mais num é que a dotora é topetuda, Zé!
Todos começaram a rir novamente. Inclusive Luciana.
- Você ainda não respondeu minha pergunta. – ela sustentou o olhar do homem, enquanto novo silêncio se estabelecia.
- Dona, nóis num tamu de brincadeira.
- Nem eu. Quero saber quem está nos ameaçando, a mim e aos direitos de meu cliente. Tenho provas de que estas terras têm dono e eles estão vindo para retomá-las.
- As terras têm dono sim, mas já estamos aqui. Isto tá abandonado faz tempo. A gente tomou e num vai arredar sem uma boa briga.....ou coisa pior.
Luciana permaneceu encarando o homem. Em nenhum instante demonstrou medo ou intimidação. O olhar era frio e cortante. Becky estava receosa. Não bastassem estarem em menor número, bem menor número, e a doutora queria demonstrar sua força naquele exato momento. Era fascinante vê-la em sua magnitude, mas também era muito perigoso.
Aparentemente, ninguém portava armas de fogo, só o homem que falava com Luck. Ao menos isso.
- Tá bom. Já entendemos. Nós vamos embora em paz. Ninguém se machuca.
Falando isto, Becky segurou o braço da doutora, percebendo a tensão nos músculos, e tentou ir em direção à égua.
- A mocinha num tá pensando que se océis muntá naquela égua e sumi sem oiá prá trais, tudo termina, tá?
Parando onde estavam, as duas simplesmente deram meia-volta e encararam o caboclo.
- É a nossa melhor oferta. – disse Luck, o que rendeu novas gargalhadas dos homens.
Ambos ficaram se encarando por segundos, que pareceram uma eternidade para Becky, que estava apreensiva com o possível desenrolar daquele embate. Luciana não estava com a menor intenção de se render.Estava até sorrindo....o que não era um bom sinal.
- Olha! Sejamos razoáveis, ok? – a jovem começou sua ponderação – Não importa como a gente sai daqui, com certeza vocês estão em terras que não são suas. Nós não sabíamos que vocês estariam aqui, mas a terra tem donos e eles a querem de volta. Tudo não termina aqui. É um processo que apenas começa aqui. Resta saber como vai começar: em paz ou com força bruta. E, isto não é uma ameaça, mas apenas um fato.
Nem Luck e nem o caboclo desviaram o olhar um do outro. O silêncio foi quebrado com Luck pedindo para Becky buscar o animal.
- Se a mocinha der um passo, pode se despedir da dotora.
- Você não entendeu, moço. Vocês podem até nos matar, mas não vai acabar aqui. Vai ser pior. A gente sabe do movimento de vocês e, sinceramente, o desaparecimento de nós duas não vai contribuir em nada para sua causa. Temos pessoas que nos viram chegar aqui. Temos um vôo agendado e nossa amiga em breve virá nos buscar. Se não formos encontradas, isto vai virar um formigueiro de policiais. você.....
- Cala essa matraca, loira irritante! Chega. Num quero saber.
- Mas...
*****
Tudo foi muito rápido. Quando o homem ameaçou que esbofetearia Becky, Luck sem pensar, segurou o pulso do caboclo e num golpe preciso, o derrubou no chão, chutando sua arma para longe. Rapidamente, os outros vieram para cima dela.
Com a arma de fogo fora do alcance, os outros eram páreos relativamente fáceis, com suas armas improvisadas.
Não eram homens muito fortes, mas eram pessoas incitadas para o combate.
Imediatamente, Luck pegou uma barra de ferro que estava perto da caminhonete e começou a se defender com ela.
Becky não ficou parada e, quando os capangas perceberam que ela também iria reagir, foram para cima dela.
- Corre, Becky! Fuja. – o desespero da doutora era evidente em ver a loirinha sendo cercada.
Isto tirava totalmente a concentração dela, já que agora tinha outro motivo para se preocupar.
Apesar do temor da médica, Becky sabia se defender. A vida nas ruas a ensinou a ter muito jogo de cintura, literalmente. Com um movimento preciso, Becky se apoderou de uma enxada e usou o cabo como usava seu bastão. A doutora percebeu que o negócio nas mãos da jovem era letal.
"Anote Luciana: nunca deixe uma vassoura perto dela!"
Nenhuma das duas esperava que, de repente, estariam envolvidas em um combate corporal, mas a adrenalina estava correndo solta e as duas estavam se saindo muito bem.
Evitando um golpe, Luck percebeu o pior que poderia acontecer: o líder tinha pego a arma que fora descartada e estava apontando para Becky. Sem ter tempo para pensar, a doutora pegou o que encontrou e lançou com toda a força na direção do atirador, atingindo-o no braço. O barulho do tiro alertou Becky e ela teve tempo de ver que um outro homem investia contra a médica com uma espécie de arado. Mal teve tempo de gritar e os dentes da ferramenta cravaram na carne da médica, na altura das costas, próximo ao quadril.
Mais enfurecida do que com dor, Luck acertou o homem com o próprio cabo da arma que a ferira. Com a raiva que estava, o golpe foi violento e pegou na cabeça do agressor. O sangue espirrou prá todo lado. De repente, ela se deu conta de que também estava sangrando muito. Mas, sua preocupação era com o homem, na verdade, um rapaz, que ela havia atingido tão violentamente.
Sua profissão, juramento e ética vieram à tona, mas embora quisesse socorrê-lo, o ferimento em suas costas estava começando a doer e a perda de sangue começava a ser significativa, deixando-a meio fraca e cambaleante.
Quando Becky correu na direção da doutora para ajudá-la, o homem que tentara atirar nela já estava novamente mirando e o alvo era Luck.
- Meu filho... Eu vou matar você, sua desgraçada... Pensa que ganhou... Mato você e essa loira filha da puta...
Sem hesitar, Becky se pôs na frente da doutora, quando o estampido soou.
*****
A princípio, Clara não se preocupou com o atraso das duas. Embora a doutora fosse rigorosa com seus horários em seus compromissos profissionais, quando estava com Becky a coisa mudava. "Provavelmente estão testando a maciez do solo por aí", pensou e sorriu marotamente. Sabia que as duas não desperdiçavam qualquer momento juntas.
Entretanto, meia hora tornou-se uma e, logo, o atraso já era o suficiente para fazê-las embarcarem em cima da hora, se não perdessem o avião. "Vão embarcar sem banho. Bem feito se as roupas estiveram sujas", pensou e riu novamente. Gostava de pensar na doutora se divertindo com sua querida loirinha. Becky fora uma benção para a vida da médica. Ela estava mais viva do que nunca e transbordava essa energia. E Becky sabia como ninguém manter essa vitalidade. "Ah! Como sabia!" Riu novamente, mas o senso prático prevaleceu e ela sabia que, por mais que a libido chamasse, ambas estavam ansiosas para voltar para casa e não se atrasariam tanto.
- Senhor, por favor!
Avistou o homem que tinha alugado o cavalo. Não sabia se fora apenas impressão, mas ele fingiu não ouvir. Clara correu atrás dele.
- As duas moças ainda não voltaram do passeio?
- Não sei, não senhora.
- Mas, o animal não é seu?
Como que esperando a deixa, um outro caboclo apareceu segurando a égua que tinha sido alugada.
- Aquele é o animal. Onde estão elas?
Antes que o caboclo pudesse responder, Clara puxou o celular e discou o código da doutora enquanto segurava o outro que conduzia o animal.
Nenhuma resposta. "Droga, Becky está sem o dela, também."
*****
Com a respiração segura, a loirinha esperou alguns segundos, antes de perceber que não estava sentindo nada de diferente. Quando ia abrir os olhos, mais um tiro foi disparado.
- Luck!! – foi só o que conseguiu berrar.
- Não bastassem esses buracos nas minhas costas e você quer acabar com meus tímpanos, Becky!
"Buracos nas costas? Os dois tiros foram nela?"
Criando coragem, a loirinha abriu os olhos. Um de cada vez. Apalpou o próprio corpo procurando o buraco da bala. Em seguida, começou a apalpar a médica.
- Por mais que eu goste, aqui não é lugar para estas demonstrações, meu amor.
- Você...eu....fomos feridas? Morremos?
Só então, Becky olhou ao redor.
- Não fomos atingidas graças a ela. - Luck apontava para uma mulher que vinha chegando montada em um cavalo malhado, cercada por mais alguns jagunços, com a arma ainda soltando fumaça.
- Quem ?...por quê?...
- Seja lá quem for, é a nossa salvadora......ou nossa sentença de morte.
A mulher que congelara a cena de combate aproximou-se e sem descer do cavalo ou pronunciar uma palavra, fez os homens se reagruparem.
O pai do rapaz era o caboclo que ameaçara as duas. Rapidamente, com algumas trocas de olhares, ele começou a dispersar o bando. Da mesma forma, ordenou que carregassem o rapaz ferido, que estava inconsciente.
- Ele não pode ser removido de qualquer jeito. – Luciana falou. – Provavelmente, deve ter algum traumatismo. Não podem erguer a cabeça assim...
- Cala a boca, mulher dos infernos... O que uma adivugada...
Luciana pensou em responder que era médica, mas achou melhor deixar as coisas como estavam.
Sem dar ouvidos a ela, ele virou e começou a montar, com os outros praticamente arrastando o rapaz.
- Num lembro de ter dito que você podia ir, João. – a voz era firme, um pouco rouca, mas demonstrava calma.
- Meu filho está sangran....
- A mulher dos zói azul disse prá num tocá nele desse jeito. Dona, como a gente deve fazê?
Com a ajuda de Becky, Luck se arrastou até o rapaz e fez o exame de pupila, respiração, pulsação. O sangue que estava saindo do nariz indicava que a médica o atingira mais no rosto, do que na cabeça. De qualquer forma, ele tinha que ser reanimado e iria ter alguma concussão.
Dizendo todo o diagnóstico, a médica indicou que usassem a porta da casa como liteira para levar o rapaz.
Enquanto os procedimentos eram feitos, Becky percebeu que a doutora estava lívida, com os lábios desbotados e os olhos desfocados. A temperatura parecia elevada.
- Luck, você precisa de socorro também.
- Não é nada. Precisamos sair daqui.
Quando tentou levantar, desmaiou, para desespero de Becky.
- Não sei quem é você, mas nós fomos covardemente atacadas, minha companheira foi ferida por vocês. Só queremos ir embora. Temos que ir embora. Vamos embora...
Sem perceber, estava histérica.
- A moça pode berrar, espernear, ameaçar, mas num vai sair daqui sem antes explicar o que faziam por aqui.
- Olha, ela precisa de ajuda. Nossa amiga deve estar nos esperando lá no sítio onde pegamos o cavalo. Ela tem um jipe. Eu posso ligar e dizer onde estamos, ela vem e nos leva embora, fica tudo tranqüilo. A gente não volta mais.
Becky estava implorando.
A mulher a olhava dos pés à cabeça, analisando a situação. Com um gesto, indicou o caminho pelo qual vieram e um homem disparou por ele, a galope.
Então deu três tiros para o alto. Pouco depois, uma caminhonete um pouco mais conservada apareceu.
Com outro maneio de cabeça, a mulher indicou a caçamba da caminhonete e alguns homens carregaram a médica, enquanto outros tentavam segurar a loirinha.
- Vocês não entenderam. Eu preciso ir. Ela precisa de um hospital decente. Nós temos recursos. Temos um vôo esperan... - de repente, o chão parou de existir.
*****
Clara precisava de respostas para poder tomar suas decisões.
- Escuta aqui, como o animal chegou aqui de volta?
- Sozinho.
- Como sozinho?
Sem muita convicção, ele balbuciou a estória de que o cavalo aparecerá sozinho, sem as duas moças. E disse que cobraria pela hora extra gasta com a demora do passeio.
- Escuta: eu não conheço a região. Eu preciso de ajuda. Se esse cavalo voltou sozinho, provavelmente algo sério aconteceu com as duas. E tem que ser bem sério, pois minha patroa é uma excelente amazona. Por favor, o senhor ou ele ou quem quer que seja pode me ajudar?
Silêncio total.
- Elas marcaram aqui comigo. Alguém tem que me ajudar. Eu pago.
Um olhou para o outro.
Clara percebeu que algo estranho ocorria e começou a pensar o pior realmente. "E se eles fizeram algo com elas. Duas mulheres bonitas..."
- Eu quero economizar tempo. Se eu sair daqui posso estar deixando as duas em perigo ou necessitando de ajuda. Porém, se ninguém quiser ajudar, eu volto com polícia, helicópteros, bombeiros, exército....qualquer força que eu achar.
Novamente silêncio.
- Se vocês não se importam com elas, ao menos se animem pelo dinheiro. Já disse que pago.
Clara não tinha muito dinheiro em espécie, mas pela aparência daqueles homens, com certeza seria o bastante.
Quando ela percebeu que ninguém se movimentaria, sacou o celular novamente, sem bem saber o que fazer. Pensou nas seguradoras, pensou no próprio convênio da doutora, mas tudo parecia demorado, se realmente o pior tivesse acontecido. De uma coisa ela sabia: aqueles homens, por algum motivo, não iriam ajudá-la.
Preocupada em resolver a situação, Clara não percebeu que os homens ficaram assustados quando ela puxou o celular. Desta forma, não percebeu quando um terceiro apareceu.
- A dona tá ligano pra quem?
Ao virar para responder, qual não foi seu espanto ao deparar-se com uma arma apontada para ela.
Com muita calma, mas ainda não entendendo, ela respondeu a verdade.
- Prá ninguém.
O caboclo fez uma cara de quem estava confuso.
- Tá ligano pra polícia?
- Eu não quero polícia, eu quero ajuda. Ouça, o tempo que estamos aqui pode ser preciosa para resgatá-las. A menos que vocês estejam envolvidos com esse sumiço delas.
Clara queria poder apagar as últimas palavras. Sentiu a tensão e percebeu o dedo se aproximar mais do gatilho. "Oh oh... Toquei na ferida... Quanta esperteza !"
Por um momento, achou que seria morta ali mesmo. Pela postura do caboclo, sabia que o quer que tivesse acontecido, eles não a levariam até Luciana e Rebecca. Pior, talvez nem a deixariam sair dali com vida.
De repente, outro homem apareceu galopando desesperadamente.
- Você vem comigo. – deu a ordem sem desmontar e já virando no mesmo galope.
- Eu estou de jipe....
- Zé, dá a égua pra ela.
Sem pestanejar, Clara montou o animal e seguiu o homem, seja pra onde fosse. De repente, tudo virara incógnitas e condicionais.
Fim do capítulo
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