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Notas iniciais:

 Atendendo milhares de pedidos, vamos nós de novo!

Capítulo 10

 

 

Definitivamente, era um barulhinho muito chato.

 

Sistemático e chato.

 

Além do barulho, a garganta seca. O cheiro de terra. Desconforto. Um balanço enjoado. Essas sensações não eram desconhecidas.

 

Gostava de deitar na rede junto com a irmã e imaginar que era um barco. Ela sempre era o capitão e a irmã a ajudante. Quando, sob uma “tempestade” que fazia a “embarcação” balançar freneticamente , atirou a irmã fora do “barco” e abriu uma brecha na testa dela, a mãe nunca mais deixou as duas ficarem juntas na rede.

 

Abrir os olhos não foi tão difícil, diante da escuridão na qual estava imersa.

 

“Luck”

 

-- LUCK!!!!

 

Ao tentar levantar-se rapidamente, enroscou na beira do tecido, enrolando-se na rede e terminando por cair de cara no chão de terra batida.

 

-- Merda!!

 

Por um buraco na lona, entrava um pouco de luz, indicando que ainda era dia.

 

A cabeça doía. Ao tocar a nuca, sentiu a saliência onde a pancada que a nocauteara havia atingido.

 

O estômago estava revirando como uma segunda--feira em Tártaros.

 

Precisava achar Luciana. Precisavam sair dali. “Onde é aqui?”

 

Quando tentou sair da barraca, foi cercada por dois homens armados. Sem uma palavra, indicando com a arma, levaram--na para uma construção, a única de alvenaria, que havia no local.

 

Dentro, deparou com o que parecia ser uma enfermaria. Num dos cantos, estava o rapaz que a médica atingira. No outro, estava Luciana. Sem perda de tempo, Rebecca correu para junto dela.

 

-- Luck. Luck.

 

Aparentemente, ela estava dormindo. Estava corada, mas era uma cor de pele muito longe de ser sadia. Estava sem a camiseta. Todo o torso envolto em uma bandagem não muito limpa.

 

Com certo esforço, a jovem virou o corpo da médica e viu as marcas de sangue que  formavam uma linha pontilhada, com cerca de 20 cm, demonstrando que quatro dentes do arado tinham penetrado sua carne. Também algumas manchas amareladas misturavam-se ao sangue nas bandagens.

 

Becky acariciou sua testa, tirando o cabelo que grudava pelo suor e percebeu que ela estava ardendo em febre.

 

Ao lado da cama, sobre um banco, estava uma caneca com um chá, uma bacia com água e um pano.

 

Querendo refrescar sua companheira, a jovem passou o pano pela testa e nuca da médica.

 

-- Ela perdeu muito sangue – uma voz masculina ecoou asperamente no ambiente.

 

Sem desviar os olhos da doutora, Becky perguntou para a voz o que acontecera.

 

-- O ferimento...é grave?...atingiu algum órgão?

 

-- Os furos não são profundos, já que a ferramenta mais lacerou do que penetrou na carne. São rasgos feios e o negócio tava sujo.....as feridas infeccionaram como quê e a febre não vai ceder fácil...dei os chás que conhecemos, mas...

 

Mais concentrada, Becky percebeu que não haviam medicamentos.

 

-- O que deu a ela? Tem algum antiinflamatório?

 

O homem riu com muito sarcasmo.

 

-- Loirinha, você está em um assentamento. Quase não temos comida, que dirá remédios. Ela tomou um chá e fizemos um ungüento com algumas plantas e própolis. Está ajudando a puxar o pus, mas vai ser uma longa noite. E uma luta do cão pra controlar o febrão.

 

“Que situação! A dona de um dos melhores hospitais do país estava ali, inconsciente, sem medicamento, ardendo em febre, tomando chás. Espero que as vacinas estejam em dia...do jeito que ela é...Qualquer deus, por favor, nos ajude!”.

 

-- Quero falar com aquela mulher. Precisamos esclarecer as coisas de uma vez. Não vou deixar minha companheira morrendo aqui, quando temos todos os recursos de que precisamos nos esperando em casa.

 

 

***********************************************

 

Clara agradecia cada minuto que passara no haras da doutora. Era uma trilha dura que exigia muito da montaria.

 

Não havia diálogo. No decorrer do percurso, mais alguns homens foram juntando-se ao grupo.

 

Mais de uma hora já se passara. Comandando o cavalo, Clara apertou o galope e emparelhou com o sujeito que os conduziam.

 

-- Falta muito?

 

Não ficou espantada com a falta de resposta. Aquele suspense a estava matando.

 

De repente, o sujeito ergueu os braços e a tropa parou.

 

Três tiros para o alto foram disparados. Em alguns minutos, uma caminhonete surgiu.

 

-- A dona desmonta e vai com o caminhão.

 

Tão logo desmontou, foi encapuzada e empurrada dentro do veículo.

 

“Com todo esse trabalho, eles não vão me matar. Não tão cedo. O que será que fizeram com a duas? Que encrenca a doutora nos meteu? Vou falar para Becky parar de ler aquelas fanfictions”.

 

***************************************************

 

Sem raciocinar, cega pelo desespero e raiva, a jovem atravessou a sala e saiu no meio do acampamento, entrando em todas as barracas que encontrou.

 

Embora os homens a seguissem, nenhum parou sua busca. Mesmo porque somente matando o pequeno dínamo é que a impediriam.

 

Em cada barraca que entrava, a mesma desolação. Homens e suas famílias. Um retrato desanimador.

 

A tenda da líder era bem afastada. Entrou e a viu reunida com alguns homens, entre eles o tal que ameaçara suas vidas.

 

-- Muito bem. Vamos falar uma língua que todos entendem: quanto você quer pra deixar a gente ir?

 

-- Por que você acha que é dinheiro?

 

-- São as terras? Pode ficar. Minha parceira precisa de cuidados médicos. O que você não entendeu?

 

-- Num entendi por que de repente as duas apareceram bisbilhotando por aqui. Num entendi por que toda a confusão com meus companheiros. E você não entendeu que não vão sair daqui antes que eu me convença que estaremos seguros com a partida de vocês.

 

“Deuses. Preciso tirar Luck daqui”

 

-- Explicamos tudo para ele.

 

-- Ele falou que a mulher de zóio azul é muito topetuda e o enfrentou. Disse que era advogada.

 

--  Minha companheira é uma mulher orgulhosa, não acostumada a receber ordens...ele foi rude conosco e nos ameaçou.

 

Pelo olhar que a mulher lançou para o sujeito, Becky sentiu que essa parte da estória era desconhecida.

 

-- Mas, vocês estando aqui nos ameaçaram primeiro. Ele reagiu...

 

-- Besteira! Reagiu a duas mulheres desarmadas...reagiu quando eu já havia convencido minha amiga a partir....

 

-- Vocês começaram...

 

-- ...minha companheira só me defendeu quando ele ameaçou me esbofetear....ela me defendeu e eu a ela....e, se você não tivesse aparecido, ele teria nos matado...

 

-- Ela feriu o filho dele.

 

-- Por que antes ele cravou a arma nela, quando ela novamente me salvava da mira da arma dele.

 

Esfregando o rosto, numa atitude de irritação e nervo, Becky não media o perigo.

 

-- Eu não quero mais falar. O tempo é precioso. Eu quero pegar minha companheira e a única coisa que lhe peço é que nos leve até nossa amiga e nos deixe ir. Ela está ardendo em febre e pode morrer e, se isto acontecer, é melhor que vocês me matem ou eu farei tudo para acabar com sua raça...com minhas próprias mãos...

 

-- Essa loirinha fala demais...

 

-- Cala a boca, João de Deus.

 

O homem olhou com rancor, mas obedeceu. A líder levantou-se e começou a medir Becky da cabeça aos pés, costume que estava irritando Rebecca.

 

-- Como vocês vieram parar aqui?

 

-- Dona, a senhora não entendeu. Eu só quero a sua palavra de que estaremos saindo daqui, agora e em paz. Desta forma, o resto tudo será esquecido. Eu não posso deixá-la morrer, não posso perdê-la, não vou perdê-la!

 

Já no limiar da sanidade, a jovem se descontrolou e partiu pra cima da mulher, sem se importar com os homens em volta. A líder era forte e a dominou...ao sentir os braços fortes que a prendiam, deixou toda a exaustão emocional drenar suas forças e caiu em lágrimas, implorando por ajuda.

 

Para espanto de todos, a mulher gentilmente abraçou a jovem e a consolou.

 

-- Calma, ela está com febre agora, mas amanhã estará bem melhor. As ervas que dei ao doutor pra dar pra ela começarão a agir logo no corpo dela. E o ungüento está limpando os ferimentos.

 

Rebecca soluçava. Sabia que a própria médica acreditava nesses remédios naturais, haja vista a medicação para suas cólicas que a doutora mesma prescrevia. Mas, mesmo assim, uma parte dela não sentia os nervos se acalmarem, pois não acreditava que algo fizesse efeito e fosse bom para curar sua amada. Outra parte, porém, tinha que se agarrar em alguma centelha de ajuda, assim como ela estava ali, agarrada a uma estranha, que era sua cárcere e também seu único consolo naquele momento difícil.

 

A mulher, ao perceber a cena, afastou-se e rapidamente reassumiu sua postura de liderança.

 

-- A mocinha tem que saber que estamos muito longe, dentro de uma trilha difícil. Tirar a morena daqui vai ser pior.

 

Algo na jovem atraía sua atenção. 

 

Rebecca tentou se recompor, limpando as lágrimas na bainha da blusa.

 

-- Qual o seu nome? Por que você fez isto? Por que nos trouxe pra cá? Por que tudo tem que ser assim ?

 

-- Régia é o meu nome e é a única resposta que você terá. Aqui, quem pergunta sou eu. E quem manda também.

 

Exausta, Becky resolveu recuar. Não tinha argumentos.

 

-- Quero voltar para junto dela.

 

Com as habituais troca de olhares, dois homens empurraram a jovem pra fora da tenda, acompanhando-a de volta para a “enfermaria”.

 

*****************************************************

 

Embora tentasse manter o humor, Clara sabia que a situação era séria. Do jeito que estava, ainda não dava para saber o que fazer.

 

Apesar da brutalidade, ainda não tinham sido violentos.

 

O caminho não era sinuoso. Com um intervalo regular entre elas, o veículo realizou duas curvas. Cruzaram uma ponte, pela mudança de superfície que Clara pode sentir. A secretária fazia um pequeno jogo para manter sua mente ocupada, já que nem que decorasse o caminho, saberia chegar nele. Elas mal conheciam a região.

 

“Quanto tempo demorarão em sentirem a nossa ausência, lá em São Paulo? E, se sentirem, quem sabe onde estamos? A doutora voltou de viagem direto para cá. Não sabia se Becky comentara algo com os auxiliares domésticos, com quem tinha mais proximidade. No hospital, só Marcella sabia dos planos de viagem, mas não do itinerário”.

 

-- Tomara que tudo se resolva em paz! – sem perceber, tinha pensado alto, o que rendeu a ela um safanão, sinal para se manter calada.

 

**************************************************

 

A enfermaria era um cenário triste. De certa forma, lembrou Rebecca o hospital no qual ficou quando a Dra. Luciana a socorreu da surra que levara dos inimigos do antigo namorado.

 

Algumas camas, umas esteiras no chão, algumas redes.

 

O quadro geral era desnutrição e verminoses.

 

As condições de higiene praticamente inexistiam. Na casa, banheiro com buraco no chão. Fora, latas com águas expostas para todo o tipo de uso. Com certeza, os matinhos eram os sanitários.

 

Eram cinco camas: uma ocupada por Luck, outra pelo rapaz e uma outra acomodava uma menininha.

 

Rebecca foi tirada de seus pensamentos por uma Luck delirante. Como segurava a mão da doutora, teve que lutar para que a médica não quebrasse algum osso da sua mão. Ela se debatia na cama velha, que quase cedia ao peso da médica.

 

-- Foi minha culpa...-- ela delirava, com os olhos abertos, mas sem foco, o azul totalmente sem brilho.

 

-- Shh..calma...não foi sua culpa...amor...descansa...

 

--...eu sei....Thomas...Douglas....não funciona...-- a boca seca pela febre, dificultava a fala.

 

-- Luck...sou eu....Becky....você está delirando...está com muita febre...-- a jovem tentou dar um pouco de água, mas desistiu, quando viu a aparência do líquido.

 

-- ... não funciona...Becky ....sai da frente...ai meu Deus..

 

-- Luck, fique calma...-- Becky estava ficando cansada de tentar segurar a mulher e sua sorte era que ela estava fraca pela perda de sangue.

 

Luciana, com um olhar alucinado, tentava levantar-se.

 

-- Eu tenho que ir lá.....tenho que ver ....onde estão...

 

Becky praticamente montou sobre o corpo da médica, enquanto sussurrava palavras gentis.

 

-- Não tem que ir, meu amor. Não tem o que ver. Descansa. Você está ferida e fraca. Calma. – acariciava a testa molhada de suor e muito quente. Toda ela estava quente e suava muito.

 

-- ...Thomas...me perdoa...Douglas ....filho.....eu amo....eu amo...Becky ..perdão..-- os lamentos saíram num fio de voz, antes da médica cair em torpor novamente.

 

A jovem estava suada pela força que fizera. Ao retirar a mão das costas de Luck, percebeu que a bandagem estava ensopada com um misto de suor, sangue e pus.

 

Após permanecer um tempo ao lado da médica para ter certeza que o delírio passara, BEcky saiu correndo atrás do responsável pela enfermaria.

 

-- Preciso de bandagens novas, mais ungüento, água para banhá-la e água potável, além de lençóis.

 

O homem olhou para ela como se estivesse escutando aquelas palavras pela primeira vez. Depois, caiu na gargalhada.

 

-- Que parte você não entendeu sobre estarmos em um assentamento, loirinha?

 

-- Eu entendi tanto quanto vocês quando não entendem que eu só quero tirar a minha companheira daqui. Se for pra manter a gente aqui, eu preciso garantir que ela sobreviva. O que eu estou pedindo não garante, mas é o mínimo que vocês podem nos dar.

 

-- Você já olhou ao seu redor, loirinha?

 

- Meu nome é Rebecca e eu já olhei. Lamento, mas eu tenho as minhas preocupações e prioridades. A vida dela é minha responsabilidade, a deles é sua.

 

Quando parecia que a discussão ia tomar forma, a porta se abriu e a líder entrou.

 

A jovem tinha que admitir que a mulher sabia impor sua presença. Guardadas as proporções, lembrava muito a doutora.

 

O olhar dela correu de Becky para o homem e voltou para BEcky.

 

-- Você está deixando todo mundo louco por aqui, loirinha!

 

-- Meu nome é Rebecca. E quem está ficando louca sou eu. Esse homem não entende que preciso das coisas mínimas para manter minha companheira viva, até que “você” decida nos deixar ir.

 

-- Ela quer coisas que não temos nem para os nossos doentes, quanto mais pra aquela mulher dela.

 

A líder perguntou o que ela queria e Becky falou.

 

Sem parecer ouvir, ela passou por Becky e foi ver Luciana

 

-- Ela está delirando?

 

Becky respondeu que sim.

 

Sentando na beira da cama, a mulher pousou a mão na testa da médica e pareceu murmurar algumas palavras. Enquanto continuava com o murmúrio, puxou uma faca. Sem piscar, Becky segurou o braço da mulher. Da mesma forma, sem parar o que fazia, a líder olhou bem nos olhos verdes que a desafiavam, apesar do medo presente neles, soltou o braço e cortou as bandagens.

 

Ao contrário do que imaginara, a aparência não estava tão ruim, mas as feridas eram cortes e, embora não fosse médica, a jovem sabia que precisavam ser suturadas.

 

-- Romero, venha cá.

 

O homem se aproximou.

 

-- Você tem feito o que eu pedi?

 

-- Cla...claro....

 

--Não mente. Isto deve ser lavado periodicamente com a solução que eu dei pra você. Já era para estar sem essas coisas amareladas.

 

-- Mas, não posso cuidar só dela...

 

-- Eu posso e vou. --  Rebecca desafiou.

 

A mulher a olhou de novo, dos pés a cabeça, parando nos olhos.

 

-- Eu juro: mais uma vez que você me medir assim, eu vou....

-- Vai, você vai sim. Tenho certeza. – a mulher começou a rir.

 

Estava gostando daquele furacãozinho, sem papas na língua.

 

-- Escuta...Rebecca...é esse o nome, né loirinha?

 

O olhar da jovem fuzilava a mulher, que agora parecia estar se divertindo. Com uma mão na cintura, Becky apenas baixou a cabeça, tentando ficar calma e assentiu.

 

-- Pois bem, Rebecca, eu posso arrumar uns panos pra você fazer suas bandagens; posso providenciar mais ungüento, que você vai usar da forma que vou explicar; arrumo um lençol limpo, também. Porém, água a gente mal tem prá cozinhar e beber, que fará prá banho. O povo se vira com uns córregos por aí, mas garanto que levar esse mulherão até lá é uma trabalheira que ninguém vai te ajudar. E, se você resolver levar sozinha, você pode até conseguir, mas ela pega outra doença. Até pouco, tivemos malária rondando por aqui.

 

Rebecca pensou no que ouviu. A mulher estava sendo honesta e razoável. Que mais ela poderia querer.

 

-- Posso dispor de água para ferver e dar pra ela beber?

 

-- Todo o líquido que ela precisa você vai dar em forma de chá. As ervas são combinadas para refrescar o calor interno e também para eliminar a infecção. Mas, você pode pegar uns litros e ferver para você beber. Tem fogareiro lá na cozinha.

 

O resto da conversa foi sobre como a jovem deveria tratar os ferimentos. Régia disse que não sabia suturar as feridas. O máximo que podiam fazer era proteger bem e deixar sempre limpo.

 

Rebecca ainda tentou convencer a mulher a deixa-las irem, mas foi bruscamente interrompida.

 

-- Faça o que eu falo. No máximo, em dois dias, ela estará sem febre. 

 

Antes de se retirar, a mulher “convidou” a jovem para ir à tenda dela mais tarde, após fazer a higiene da doutora.

 

*****************************************

 

Já estava anoitecendo. Menos mal, assim os olhos da secretária puderam se acostumar mais facilmente à luz quando o capuz foi retirado.

 

Clara era uma mulher que aprendia rapidamente as regras. Ficar calada era a regra reinante. Sabia que teria suas resposta rapidamente, quando percebera que estava no meio de uma espécie de acampamento. Muitas barracas precariamente erguidas e uma única construção mais afastada, quase guardando a entrada de uma mata, que cercava o local. Quase no extremo oposto, outra barraca, um pouco maior, com alguns homens montando guarda. Foi levada para lá. “Deve ser o cativeiro”, pensou consigo.

 

Para sua surpresa, ao ser empurrada para dentro da barraca, deparou-se com uma mulher morena, alta, olhos azuis, idade indefinida pela aparência de quem vivera arduamente, mas mesmo assim, uma pessoa com olhar e gestos intimidadores. “O que eu tenho com morenas de olhos azuis?”.

 

-- Se você for inteligente, poderá salvar suas amigas.

 

Atordoada com toda a situação e surpresa pela voz que entoara as palavras, a secretária ficou sem resposta, ou melhor, sem perguntas. Por uns minutos, não sabia como articular sua necessidade de esclarecimentos.

 

-- Hoje foi um dia muiiiiiiiiiito cansativo. Não bastasse a confusão toda e ainda aquela loirin......Rebecca deixando todo mundo louco...

 

-- Rebecca? Onde ela está? – ao ouvir o nome da jovem, Clara voltou à realidade.

 

Sentando pesadamente na única cadeira do ambiente, a mulher revirou os olhos.

 

-- Mais uma prá perguntar mais do que eu! O que acontece com as muié da cidade? Ficam todas assim...tão topetudas?

 

-- Mas, você ia dizer “loirinha”, depois disse Rebecca e arrematou com “deixar todo mundo louco”. Você só pode estar falando da minha patroa. Eu quero saber delas.

 

A líder mediu Clara da cabeça aos pés. Clara sustentou o olhar com calma, sem demonstrar arrogância, com toda sua natural postura. De certa forma, já estava acostumada com essas atitudes autoritárias.

 

-- Você está com medo, mulher?

 

-- Sim, estou. Tenho medo de estar chegando tarde para ajudar minhas patroas.

 

-- O que leva você a ter esse medo?

 

-- Dra. Luciana é uma exímia amazona. Jamais sua montaria retornaria sozinha, caso ela não estivesse em perigo. Ela e Rebecca.

 

Os olhos azuis da mulher avaliavam Clara, que tão acostumadas com o laser de Luciana, via certa dureza naqueles olhos, mas não conseguia se intimidar.

 

-- Além do mais, eu não seria trazida aqui, da forma como me trouxeram, se a situação não fosse....digamos....delicada.

 

-- Gosto de você. É sensata. Não é atrevida como a loirinha e nem arrogante como a muié de zóio azul.

 

Clara percebeu que a mulher a sua frente tentava forçar uma prosa regional e alguns erros nas palavras eram claramente propositais.

 

-- Você disse “patroas”. O que cê faz pra elas?

 

-- Secretária particular.

 

-- Das duas?

 

-- Sim.

 

A mulher, que com certeza era a líder, fez uma expressão engraçada.

 

-- Você quer dizer que é a babá delas?

 

-- Se assim você entende melhor, pode dizer que sim. – Clara deu de ombros.

 

Tirando uma faca, começou a traçar pequenos círculos na mesa.

 

-- Pois bem...-- a mulher fez um gesto indicando que queria um nome ao qual se dirigir.

 

-- Clara.

 

-- Clara, que seja. Bem, diga o que vocês tão assuntando por aqui. E, antes de começar a perguntar, já vou avisando que tudo depende de você para que as coisas terminem por aqui.

 

Sinceramente, Clara não sabia sobre as terras. Então contou, resumidamente, a questão dos estudos e dos históricos de Rebecca.

 

-- Danou-se, dona....falou, mas num explicou. Num faz sentido, Clara. Que histórico escolar as duas estavam procurando no meio de uma casa abandonada e uma caminhonete enferrujada?

 

-- Bem....-- sem perceber, a secretária repetiu o gesto recentemente feito pela líder.

 

-- Régia.

 

-- Bem, Régia, eu também estou muito curiosa para saber o que elas estavam fazendo aqui. Tínhamos vôo para hoje, já tínhamos tudo o que viemos buscar sobre os históricos de Rebecca e, de repente, a dra instruiu-me a deixá-las lá no sítio e depois buscá-las. De resto, só tenho feito esperar e ver o que posso fazer para ajudá-las. Vejo que elas estão bem encrencadas, não?

 

Os homens que estavam na barraca entreolharam-se quando a líder começou a sorrir e, depois, quase gargalhou.

 

-- Gostei de você, Clara. Tivesse tempo e gostaria de saber mais sobre aquela loirinha encapetada.

 

-- Permita-me dizer que, se bem conheço a Rebecca, vocês devem ter feito algo muito sério para que ela se mostre tão indócil. Arrisco dizer que é algo diretamente ligado à doutora. Atrevo-me a dizer, e temo estar certa,  que algo de muito grave aconteceu à doutora, para que eu ouça só o nome da Rebecca e não o dela.

 

-- Venha.

 

Régia levantou-se e em três passos estava fora da barraca, seguida por Clara e outros capangas. Todos foram em direção à casa de alvenaria.

 

******************************

 

 

 

 

Não tinha muito que fazer. Luciana parecia estar reagindo bem aos chás e demais medicamentos. Tudo estava limpo, a cor da médica melhorara e a febre, ainda que presente, já parecia estar cedendo. Preocupava o fato de que as feridas estavam abertas e isto poderia por a perder os efeitos alcançados pelos remédios caseiros. Porém como não sabia suturar, Rebecca só podia esperar que Régia as soltassem. Mais tarde, quando fosse jantar com ela, tentaria colocar todas as cartas na mesa.

 

Com a médica estabilizada, a jovem voltou sua atenção para os outros doentes. O rapaz tinha quebrado o nariz e já estava acordado.

 

A menina, porém, não se mexera desde que eles estavam lá, apesar de toda a comoção causada pela loirinha. Rebecca ficou preocupada. Dirigiu-se até a cama e ao tocar na menina, percebeu que estava quente como Luck. A jovem levantou o lençol e pode constatar que o corpinho não apresentava ferimento, mas percebeu as marcas e a vermelhidão. Ou era sarampo ou catapora. Rapidamente, tentou lembrar se já tivera as duas doenças. Achou que sim. “Será que Luck já teve?”

 

-- Só faltava...-- pensou em alta voz.

 

-- Faltava o que?

 

O rapaz que estivera quieto até aquele momento, resolveu falar. Rebecca quase se agarrou ao teto pelo susto.

 

-- Desculpa.

 

De repente, a jovem percebeu que aquele rapazinho era o responsável pelo estado da médica e sentiu muita raiva.

 

-- Se o seu nariz já não estivesse quebrado, eu quebrava agora! Que estupidez foi essa sua de agredir uma mulher desarmada?

 

--Com certeza ela é uma mulher.....-- e o olhar do rapaz correu as partes exposta do corpo da médica, para desgosto de Rebecca -- ....mas, desarmada....com aqueles golpes todos....ce deve ta brincando, né, loirinha?

 

-- Loirinha é a idiota que teve a infelicidade de parir você...seu...seu...seu...pedaço de bosta seca! E pare de olhar pra ela com esses olhos de gavião.

 

Obedientemente, o rapaz desviou o olhar e fixou na menina.

 

-- Cê sabe o que ela tem?

 

-- Sarampo ou catapora, mas não é nada grave.

 

-- Outro engano, loir.....-- a palavra morreu pelo olhar lançado por Rebecca -- ...ela é a quarta que fica assim...e a única sobrevivente até agora.

 

Rebecca não podia crer no que ouvia.

 

-- As crianças morreram de sarampo ou catapora, que seja? E toda essa erva que vocês tem, não resolveram?

 

-- Vai ver num tem alguma que dê volta com a peste. Só sei que tem uns caixotinhos enterrados lá na mata.

 

Ambos ficaram em silêncio, olhando a menina. Rebecca sentia as lágrimas ardendo em seus olhos. Não conseguia acreditar, mas começou a pensar que , não tivesse a sorte de encontrar a médica e também estaria em situação tão ou mais miserável do que aquelas pessoas.

 

Não precisava das terras. Nem sabia que tinha. Se aquelas pessoas tinham fé de que aquelas terras eram uma espécie de paraíso, não iria criar caso. Eles que continuassem ali. Não entendia o que esperavam que pudesse acontecer, já que recursos não tinham.

 

-- O que vocês fazem nestas terras?

 

-- Meu pai fala que a gente tem direito e deve se apossar para plantar, criar , tirar algum sustento daqui.

 

-- Mas, como vocês pretendem fazer tal coisa? Não vejo recursos.

 

O rapaz deu de ombros.

 

-- Meu pai num quê arredar pé daqui. Diz que a terra é boa, a região é favorável pra um monte de plantação. Régia já tentou apelar pra uns vizinhos nossos. Quando a gente veio pra cá, foi por indicação do povo. Diziam que a terra tava largada. O dono sumiu da noite para o dia. Parece que ele fugiu...

 

-- Fugiu? O que você sabe? Fala. Fala senão....

 

-- Rebecca!?!?

 

*******************************************************

 

Duas vozes ecoaram no quarto.

 

-       Clara!?!?!!?!! Clara....Clara...

 

Antes que a secretária pudesse reagir, foi fortemente abraçada pela jovem, que começou a chorar.

 

-- Luck...ela...ta ferida.

 

-- Calma, Becky. Eu já sei. Régia já me contou.

 

-- Eu não posso ter calma. Ela está com um monte de corte aberto nas costas, ta com febre, desacordada, sem qualquer assepsia, sem banho, água, comida, exposta a uma doença epidêmica....eu não posso ficar calma e você vai tirar a gente daqui, não vai? Vai?

 

O olhar de Rebecca bailava entre Clara e Régia. A secretária e a líder trocaram olhares e depois , ao mesmo tempo, suspiraram exasperadamente.

 

-- Que cê tava torturando o Daniel quando a gente chegou? Eu falei, Clara, ela é uma peste. Revolucionária!

 

-- Ela queria saber sobre o que a gente vai fazer com as terras. Daí quando eu falei que o dono tinha fugido...bem, penso que fui salvo por vocês. – o rapaz falou com a voz anasalada pelo curativo, ou algo semelhante, colado no nariz.

 

Clara, que sabia de quem eram as terras, entendeu o descontrole de Rebecca.

 

-- Esse filhote de invasor foi quem feriu Luck. Traiçoeiramente!

 

-- Elas tavam batendo em todo mundo...eu tive sorte.....ou azar. – e levou a mão ao nariz.

 

-- Eu queria ter feito o que Luck não conseguiu: matar esse projeto de capanga!

 

Novamente, Clara e Régia interagiram através dos olhos.

 

-- Chega! Rebecca e Daniel, calem a boca!

 

Ambos ficaram quietos.

 

-- Becky, a doutora não poderá ser removida antes que tenhamos certeza de que nada interno foi atingido. Não sei onde estamos, mas é bem longe daquela estrada por onde viemos.

 

-- Mas, ela precisa ter aqueles cortes suturados. Precisa de bandagens. Eu estou usando uns paninhos que deixariam os da Gabrielle parecendo gazes de cirurgia!

 

Por um momento, Clara ficou sem saber quem era Gabrielle, mas depois lembrou que era a mocinha do seriado preferido de Becky e começou a rir.

 

-- Você ri. Deixa Luck saber que você ficou rindo enquanto eu precisava da sua ajuda.

 

Sem dar atenção para a jovem, Clara foi até a cama onde a médica estava inconsciente. Discretamente, tentou não admirar o belo corpo, quando levantou o lençol para olhar os ferimentos. Como Becky dissera, as bandagens eram precárias. Na verdade, eram tiras de algum tipo de tecido: roupa, lençóis ou sacos, não dava para dizer.

 

-- Régia falou da situação da falta d’água. Também falou dos remédios caseiros. A doutora estava com todas as vacinas em dia. A febre só pode ceder e problemas mais sérios com infecção só se não podermos retira-la daqui.

 

Falando isto, olhou para Régia que estava ao lado da menininha, acariciando a cabecinha imóvel.

 

-- O que ela tem? --  Clara quis saber.

 

-- Eu acho que é sarampo ou catapora. – Becky respondeu – Espero que Luck também esteja imune contra isto.

 

-- Ela já teve catapora quando criança. Também foi vacinada contra sarampo.

 

-- A garotinha parece estar bem debilitada, Clara. O estagiário de delinqüente ali, falou que quatro crianças já morreram.

 

Já ouvira falar, mas não podia acreditar que crianças ainda morriam dessas enfermidades no país.

 

-- Suas ervas não podem curá-la, Régia?

 

-- Tentei algumas e ela colocou tudo pra fora. Não consegue segurar nada no estômago. Fiz uma pomada e estamos passando. Ela estava se coçando muito. Vê as feridinhas?

 

Becky e Clara fizeram sinal afirmativo, enquanto olhavam o corpinho imóvel, com respiração fraca.

 

-- Por isso as mãozinhas estão envoltas nos panos.

 

-- É. Então o febrão persistiu. Ela tá assim desde hoje cedo. Nos outros foi um pouco diferente, mas também não adiantou. Morreram.

 

Ficou em silêncio. Por um momento, pareceu que ia chorar, mas a expressão voltou a endurecer.

 

-- E a mãe dela, onde está?

 

-- Está enterrada em algum lugar, para que eu possa liderar esse povo todo.

 

Rebecca e Clara entreolharam-se, sem entender.

 

-- Não entendi.

 

-- Eu sou a mãe dela.

 

 

 

Fim do capítulo


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